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História De luz e de sombras - Rachaduras na luz


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Este capítulo mostra o início do treinamento de Rey com Luke no aprendizado da Força.
Dividido em quatro partes, termina com uma reviravolta.
Espero que gostem.

Capítulo 5 - Rachaduras na luz


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Rachaduras na luz

Tudo era luz na escuridão.

                Mergulhada ela estava em si mesma, sua consciência dançando em um céu líquido, incontáveis estrelas pulsando em uníssono, luz e escuridão se alternando em acordes agudos e graves. No tom luminoso, seu brilho revelava um firmamento vermelho que abarcava todos aqueles sóis; nas trevas, uma paz inominável, um pequenino e fúlgido instante de total silêncio e ausência do ser, um piscar de olhos da vida.

                Essa luz tão singela e poderosa guardava-se no mais recôndito lugar do núcleo celular, como um coração dourado vibrante, um oceano de infinitos pulsares.

                Encantada pela luz, ela se dirigiu ao seu âmago lentamente, como uma mariposa atraída pela luz de uma lamparina. Queimava ao se aproximar, mas irresistível se afastar. Êxtase e dor. Completude e nulidade. Uno e o verso. Tudo e nada. A gota no oceano. O oceano em uma gota. A dualidade dos momentos amalgamados em um eterno e suspenso instante, na intensidade de uma nota musical na oitava, quase insuportável e infinita.

                Ali, no cerne do fogo luminoso, abria-se uma flor flamejante, com entranhas obscuras, como cavernas cheias de trevas, uma espiral que se perdia no infinito, mostrando um caminho para outras estâncias, outras estranhas possibilidades.

                Envolta de uma alegria imensa, ela seguiu pela escadaria de luz para aquele ponto minúsculo de escuridão ao fundo, enquanto sua essência se diluía como pétalas ao vento a cada degrau. A sua individualidade esvaía-se naquele oceano de luz, imergindo lentamente em uma totalidade indiferenciada. Não importava em se perder para finalmente se encontrar.

                Rey.

                Vagamente a vibração desse nome lhe chegou, mas estava além de sua compreensão o que aquele nome significava.

                Rey, volte.

                Aquele nome de novo. E a voz... a voz que clamava trazia uma vida de momentos interligados com aquele nome. Um nome e uma voz que ansiavam por respostas. Um nome e uma voz que não desistiriam, nunca.

                Rey, volte para mim. Volte por mim.

                Ben!

                Em um caleidoscópio alucinante, foi puxada violentamente para trás, saindo da escadaria de luz, do coração dourado pulsante, do oceano luminoso, todo o brilho diminuindo como um farol perdido em uma ilha distante, as pétalas perdidas retornando ao seu ser e a reconstruindo em sua essência, refazendo seu eu, sua identidade e suas lembranças.

                Os olhos verdes claros se abriram num repente, e foram atingidos pela luz do sol que aquecia Ahch-To.  Em um reflexo, sentou-se, a noção do mundo se construindo de novo, a grama molhada pelo orvalho da manhã, o sol nascente desbravando o resquício de noite em linhas alaranjadas. O som longínquo das ondas do mar batendo nas pedras.

Luke estava ao seu lado, segurando sua mão. O toque frio do metal de sua mão robótica.

O ar invadiu seus pulmões vorazmente em respiração rápida e constante, o coração acelerado, o suor na fronte.

- O que...

- Não. – delicado, mas firme ele a calou.

Num suspiro profundo, Rey relaxou os ombros contraídos e a cabeça pendeu para frente, a serenidade fluindo dos músculos do pescoço como uma corrente de água inundando a terra, as batidas do coração entrando no ritmo das ondas do mar, o abdômen relaxando, as pernas descansando na relva, os pés se descontraindo e, finalmente, seus pensamentos desordenados plainando calmamente para o lugar.

A sombra da árvore agora os atingia com a mudança da posição do sol. Uma leve brisa arrancou uma pequena flor dos galhos róseos, conduzindo-a para as mãos dadas da aprendiz e do seu mestre.

Rey assentiu para aquela voz que se desvanecia ao vento.

Volte para mim. Volte por mim.

 

*********

 

A casa de Luke parecia realmente a de um eremita: simples, funcional, poucos objetos e móveis, em estilo intimista e acolhedor. As paredes, no entanto, não eram de tijolos maciços de areia condensada, como em Tatooine, e sim de blocos de pedra acinzentada. Pedras enormes serviam de bancos solitários, mas a mesa vinha de boa madeira escura, bem como as duas cadeiras que a acompanhavam.

Localizada na beira de um penhasco, a cabana de pedra fora edificada virada para o mar, uma janela aberta de vidro, a brisa do mar penetrando todo o recinto com o ar marítimo.

Rey olhava para o céu azul claro tocando as águas escuras do mar através da janela, quando Luke depositou na mesa uma tigela de um ensopado marrom, com um pão preto de acompanhamento. A moça fez uma pequena careta instintivamente, olhando de soslaio para o jedi.

- O aspecto não é atraente e o gosto, duvidoso. Mas inexplicavelmente vai te fazer bem, acredite. – disse o homem mais velho, sentando na outra cadeira de madeira.

- Não tenho bem certeza. – falou ela, enquanto enfiava a colher na comida. Definitivamente era algo difícil de encarar – Não vai comer?

- Ah, não... – soltou uma pequena risada e apoiou as costas no encosto da cadeira, envolvendo-se no manto marrom surrado – Isso é comida de padawan. Receita de meu antigo mestre.

Com um pequeno suspiro, a moça enfrentou o desafio de engolir aquele líquido cremoso. Não era nada, nada bom... mas forçou-se a continuar a comer. Passara muita fome por anos a fio em Jakku para se dar ao luxo de recusar qualquer alimento.

Enquanto molhava o pão no guisado, observava discretamente o seu agora oficial mestre jedi: o rosto possuía muitos vincos que, mais do que pelo passar dos anos, advinham de tristeza e, talvez, remorso. As olheiras abaixo dos olhos azuis claros demonstravam as inúmeras noites em claro e o cabelo e barba grisalhos e levemente desalinhados denotavam um certo abandono de si mesmo. Um pouco mais de cinquenta anos, deduziu ela, embora não tivesse certeza. Mais da metade de sua existência vivida na Força.

Demorou um pouco para terminar sua primeira refeição do dia propositadamente, dando tempo a si mesma para se acomodar à realidade mais uma vez. Desde aquilo, seu corpo todo formigava, uma energia pulsante aderida a ele, como uma segunda pele. Sentia seu sangue mais denso, rico, correndo por todas as veias e artérias.

 A bem da verdade, algo mudara desde o embate com... ele na floresta, algo parecido com o que sentia agora. Contudo, não tivera condições de se avaliar desde então. Mas, definitivamente, à beira do precipício... quando seus sabres se prenderam um ao outro, quando seus rostos estavam tão perto, quando ela cerrou os olhos e invocou instintivamente a Força... sim. Ali ocorrera a mudança, um despertar para alguma coisa maravilhosamente... terrível e avassaladora. Terrível, pois era contraditória, amoral, poderosa, sem direção, sem intenção própria. Avassaladora, porque não havia como negá-la, resistir a ela.

E, de certa maneira, ocorrera novamente naquele nascer do sol.

Afastou o prato vazio, fitando-o pensativa, tomando coragem.

- O que aconteceu, Mestre? – ainda soava estranho chama-lo assim – Que lugar era aquele? Eu meditava como de costume quando fui arremessada para .

Os olhos azuis de Luke cintilaram mansamente.

- Aqui. - sua mão metálica a tocou de leve em seu coração. - Você estava dentro de si mesma. Sua consciência conhecendo o interior do seu corpo. Sua consciência buscando a Força.

Rey piscou os olhos para assimilar as palavras. Aquele céu, aqueles sóis... dentro dela?

- Era a Força aquela luz?

- Sim.... e não. – alisou o queixo barbado, num tique que lembrava o de Obi Wan – Aquela luz era a antecâmara para o acesso da Força e também um filtro, um portal de conexão por onde a Força nos alcança. São formas de vida microscópicas inteligentes, desde uma até milhares, que vivem no âmago das nossas células. Os Jedi as denominam de midi-chlorians.

Rey cruzou os braços encima da mesa e pousou ali sua cabeça, pensativa, relembrando sua incursão nos limites próximos da Força. A escada dourada... pétalas de si ao vento...

- Eu podia ter morrido lá. – murmurou

- Sim. – Luke ficou muito sério.

Ela se levantou da cadeira, caminhando na sala lentamente e olhando para o jedi, pensamentos contraditórios assolando sua mente.

- E você não faria nada...? – franziu a testa. As palavras adquiriram um tom lento, ganhando significado maior ao serem pronunciadas - Você me deixou ir... sozinha.

Skywalker juntou as mãos encima da mesa, a mão de metal brilhando sobre a mão humana. Encarou-a francamente, desarmado e respondeu também pausadamente.

- Eu estava lá. Permiti que fosse o mais longe possível. Faz parte do seu aprendizado sobre a Força.

- A que custo? – piscou, confusa - Da minha morte?

Ele se pôs de pé.

- Precisa ser forte e resistente. O Lado Sombrio não a poupará, Rey.

- Então – a voz desceu um tom mais grave – foi um teste e eu não passei.

Ele deu um passo à frente.

-  Você foi trazida de volta.

Rey balançou a cabeça quase que imperceptivelmente, como se negasse o que havia acontecido em seu contato com a Força.  A mágoa ameaçou encher-lhe os olhos de lágrimas.

Volte para mim. Volte por mim.

- Não por você. – seus lábios tremiam ao encarar o jedi – Não foi você quem me trouxe de volta.

Skywalker chegou bem perto da moça, a compaixão no olhar. Pousou sua mão humana no ombro direito dela.

- O teste não era seu, Rey.

Ela arregalou os olhos verdes claros, estarrecida.

- Ben está vivo. – a esperança cintilava nas palavras de Luke - E vamos trazê-lo de volta.

*********

Seus pés balançavam à beira do precipício.

Sentada em um rochedo, com o mar abaixo batendo em ondas nas pedras, o sol se pondo, colorindo as águas, Rey intencionalmente se afastara do mestre. Luke estava na casa de pedra, a algumas dezenas de metros dali, ela sentia. Sua percepção se ampliava. A vibração emanada dele flutuava até ali, e possuía uma identidade própria, como um acorde musical único. E, se ela o sentia, ele também a percebia. A solidão tão desejada naquele momento era inexoravelmente invadida.

Luke poderia ler seus pensamentos sem que ela tivesse consciência...? A Força nele era poderosa e não conhecia os limites que no jedi Ela operava. Lembrou-se, então, de que como resistira a Kylo (um tremor passou-lhe pela espinha) na sala de interrogatório. Mas havia ali uma pressão na qual ela pôde impor uma resistência – que depois se tornou agressiva e invadiu a mente de Ren, inclusive. E, naquele momento presente, não existia nada a oprimi-la.

Talvez, então, o inverso tivesse o efeito desejado: reduzir-se, encolher-se na Força, ocultando-se nela, contendo sua própria emanação vibracional, uma nota musical abafada pela porta fechada. Assim o fez, a contenção da energia que formigava por todo o seu, empurrando-a para debaixo da pele, para debaixo dos músculos, para dentro de seu sangue, para o interior de suas células. Sim. Isso. Conseguira.

E não mais sentia seu mestre.

Rey compreendeu: ao ocultar-se, encolhia seu campo de percepção, o que significava que não ser sentida também implicava em não sentir. Uma camuflagem perfeita, mas um risco muito grande também. Voltava a ser uma mera mortal, o que estava acostumada durante a vida que lembrava. Entretanto, aquele tempo em Jakku era de um mundo de seres comuns, de conflitos e medos comuns. E agora... ser uma mera mortal em um universo de seres extraordinários constituía-se um grave perigo.

Seria possível ocultar-se e ainda manter a percepção ampliada? Ver sem ser vista? Talvez... contudo, não iria investigar isso agora. O dia fora longo, começando com aquilo... e depois uma tarde de treino com sabre e concentração em objetos para levitação, o que fora um aprendizado de novidades antigas. Era um (re)aprendizado. Ela sabia como fazer o que Luke lhe instruíra.

Ela já havia aprendido isso antes.

Procurou limpar todas as barulhentas perguntas que palpitavam insanas na sua mente, varrendo-as para um canto esquecido. Não usaria a meditação. Não. Temia cair em uma visão com aquela de Tatooine. Faria isso depois. No momento, precisava ordenar os acontecimentos e sentimentos desde que chegara em Ahch-To, refletir sobre eles e responder às indagações que pulsavam.

O amor que sentia por Luke era algo inexplicável. Desde que lhe mostrara o sabre ao pousar na ilha, esse sentimento a devastou, trazendo-lhe fragmentos de lembranças e emoções de sua infância: o abraço caloroso de Luke, seu sorriso, seu rosto jovem, seus olhos amorosos dirigidos a ela. O aconchego em seu colo. As mãos dele alisando os nós dos cabelos castanhos de quase uma bebê. A incondicional confiança. A confusão da perda. Cacos de recordações que, tentando encaixá-las, formavam um mosaico estranho e distorcido pela ausência das peças faltantes, lembranças que se recusavam a se revelar.

Todo esse arsenal de sentimentos e percepções quentes construíram uma expectativa imensa no coração de Rey. Todas as perguntas seriam respondidas. Todos aqueles anos de espera, de esperança de retornar para algo que nem sabia o que era... tudo aquilo desmoronando diante da gentileza distante de Luke e de seu comportamento evasivo. Uma barreira incompreensível fora erguida por ele para com a moça.

Todas as perguntas sobre sua vida ressoaram sem uma explicação. Skywalker lhe disse que tudo seria explicado em seu devido tempo e que isso era essencial, pois ela não estava preparada ainda e as informações sobre seu passado poderiam fragiliza-la para o treinamento na Força.

Uma indignação justa brotou no coração de Rey naquele instante e algo trincou dentro dela em relação a Luke, como um vaso quebrado de flores caído ao chão. Atônita, ela juntou os cacos de sua decepção, ponderando que aquela atitude do mestre poderia vir a ser um primeiro teste em seu treinamento; que ele, afinal, era um jedi e, como conhecedor da Força, deveria ser mais sábio e saber o que estava fazendo. Engoliu sua confusão e predispôs-se a tornar-se uma aprendiz da Força, uma padawan.

A pergunta mais dolorida em sua alma não se aquietava, pois não seria possível que um pai agisse assim no reencontro com uma filha...! Por mais que Luke fosse um jedi, antes era um homem e poderia ser seu pai, face às lembranças que ela tivera em seu primeiro encontro na ilha. Todavia, não ousava formular aquela indagação, pois ainda tinha esperança que algo mudasse, que Luke quebrasse a fortaleza de gelo e acolhesse como filha em seus braços. Que, pelo menos, contasse a verdade e disseminasse essa dúvida.

Com Han Solo tudo havia sido diferente... Apesar do pouquíssimo tempo que haviam passado juntos, um laço de empatia, cumplicidade e afeição tinha surgido e os unido para sempre... mesmo agora, depois de sua morte. Ele poderia ser seu pai. Ela queria que ele fosse seu pai. Não haveria espaço para sombras num relacionamento pai e filha com Han. Até os possíveis segredos seriam como brincadeiras e trapaças inocentes. Não existiria o peso de um terrível segredo... como ela enxergava nos ombros de Skywalker.

Então como, pelas estrelas, Ben se transformara em Kylo Ren e matara o próprio pai...? Com toda a certeza Han e Leia dedicaram o máximo de amor ao filho, mesmo que fosse um poucos momentos. A afeição de Chewie para com ele, numa visão engraçada de babá peluda. O carinho e cuidados extremos de Luke quando Ben era criança... Já que seu mestre nada falava sobre o passado, as percepções, intuições e visões forneciam à moça alguma informação e, dentro do que ela enxergava, o mundo de Ben não fora tão terrível até surgir aquele amigo.

Inclinou a cabeça para o lado, o peso de seus pensamentos a machucava, mas não parou. Tinha que refletir até o fim... por mais que não gostasse das conclusões que talvez tivesse. Os olhos cerrados ainda sentiam o calor e a luminosidade do sol poente.

A solidão do garoto Ben a feria e achava um eco na sua, muito embora as duas tenham acontecido de formas tão distintas. A solidão do menino fora suficiente para abrir a porta para aquela coisa. Mas era apenas um garoto... apenas um garoto... Qualquer um acolheria um amigo naquelas circunstâncias, mesmo que fosse tão... diferente.  Entretanto, poucos, ao perceberem a sombra a enfrentariam. E Ben a combateu com o que podia nos seus poucos anos de vida, uma criança... apenas uma criança.

Seus pais demoraram para perceber a luta interna do filho. Rey franziu os lábios, contrariada; porém, logo os relaxou: eles também fizeram o que podiam. A culpa deve tê-los atormentado por todos os dias desde então, mesmo tendo agido o mais rápido possível quando o problema se mostrou claro: enviaram-no para Luke.

O mal, infelizmente, já estava arraigado na alma de Ben na figura daquela coisa hedionda, daquele ser sombrio quando o menino veio para o mestre jedi. Como conhecedor da Força, poderoso nela por décadas, Skywalker deve ter feito de tudo para que aquela sombra fosse destruída. Então, como, como aquele menino de bom coração pôde se transformar naquele monstro??

Uma ponta de desconfiança arranhou sua mente e Rey tinha consciência que havia possibilidade de sua ideia estar machada por sua própria mágoa: Luke havia errado em algo. Mesmo como um lendário jedi, ele havia falhado. E por isso aquelas olheiras de remorso, de culpa de não apenas ter permitido que uma criança fosse tragada pelo Lado Sombrio, de todas as mortes decorrentes do fruto de seu fracasso, de toda a escuridão que se espalhava pelos mundos.

Apertou os olhos, imaginando a dor de Luke, toda a amplitude sem precedentes de seu possível erro. Seu amor por ele a feria, pois, mesmo com a percepção da Força contida, ela sentia sua dor e culpa e sofria com ele.

Aquela culpa, porém, encobertava mais alguma coisa. O quão imprevidente ele teria sido? O quanto ele arriscara a vida de seu sobrinho nessa luta contra aquele ser maligno dentro do menino? O mestre jedi naquele dia mesmo colocara a vida dela em grande perigo para usá-la como isca, para atrair algum resquício de Ben à tona. O remorso talvez se originasse não ter apenas errado, mas como errara.

As recordações bateram à porta de sua mente, querendo derrubar com socos a porta que as mantinha ocultas, como uma multidão em fúria. Espreitavam-na, sussurrando, gritando, em seus ouvidos coisas... coisas desconexas, partes de uma história que começava a fazer sentido. Horror. Dor.

Luke... Luke conscientemente conduzira Ben ao Lado Sombrio!

Os últimos raios de sol sumiram no horizonte.

Ela abriu os olhos e só enxergava as trevas da noite. Poucas estrelas se deram ao luxo de brilhar e as que conseguiram encontravam-se semiocultas pelas nuvens. Num rompante, as nuvens se juntaram e o céu da noite caiu na escuridão.

 A tempestade se formara.

********

A chuva caía copiosamente. O mar encontrava-se revolto, grandes ondas espumantes assolavam o grande rochedo do precipício.

Rey andava determinada, os pés pisando em poças de lama, os dentes arreganhados de raiva. Nunca sentira uma fúria tão grande a ponto de desejar matar alguém – nem mesmo quando enfrentou Kylo na floresta, nem quando achou que Finn morrera no embate com o Cavaleiro de Ren.

A casa de pedra se aproximava a cada passo seu. A tempestade rasgava o céu negro com relâmpagos e o trovão ressoava como as batidas violentas do coração de Rey. O peito arfava em ódio. As mãos formigavam como se fossem sabres de luz.

A poucos metros da casa, forçou-se a mudar o caminho para a esquerda. Nunca um ato lhe custara tanto, como se suas estranhas se contorcessem por essa atitude, lutando consigo mesma para conter a ira e não encontrar com seu mestre.

Engolindo o próprio ódio, dirigiu-se para um pequeno galpão de madeira a uns cem metros da casa de pedra. Entrou e fechou a porta com força, a ponto de empená-la, deixando-a entreaberta, os relâmpagos iluminando parcialmente o ambiente entulhado de caixas de pequenas mas essenciais lembranças de Luke.

Ela soltou um grito de fúria e derrubou várias caixas com as próprias mãos, o barulho dos objetos caindo no chão confundindo-se com os trovões, os relâmpagos iluminando intermitentemente o recinto.  E assim foi, caixa por caixa, num frenesi alucinado, as recordações gritando em sua mente, todo o corpo vibrando, vibrando, ela não mais querendo conter nada, deter nada.

As caixas começaram a explodir pela sua fúria, estilhaços enchendo o ar como uma chuva de reminiscências perdidas. Todos os objetos, tudo vibrava no tom de Luke, pois a tudo ele colocara seu afeto e sua dor; tudo era uma extensão dele. O inferno. Ela estava no inferno de Luke. Iria destruir tudo. Iria destruir seu mestre.

No entanto, naquele caos, uma vibração soou diferente, como um violino solitário tocando suavemente. De alguma forma, aquela vibração começou a  aplacar sua ira e a sanidade voltou devagar, apagando o fogo do ódio de sua alma, controlando sua respiração arfante, acalmando o ritmo louco de seu coração. Ela se apoiou em uma estaca, tomando fôlego e aí pode ver, por um segundo, na superfície reflexiva de uma caixa, o amarelo de seus olhos se amenizando, dando lugar ao verde claro.

Ela recuou, assustada e horrorizada consigo mesma. Precisava de ajuda, precisava de ajuda para deter o que ela vira!

Um zunido de metal cortou o ar e um objeto voou para sua mão.

O sabre de Ben.

Ela acionou o botão. Nada. O sabre estava quebrado.

Com os dedos trêmulos, Rey abriu o compartimento onde repousava o cristal, fonte da lâmina: uma pedra roxa, com pequenos pontos amarelos espalhados no interior do cristal trincado.

Com os olhos ardendo ainda, encharcada pela chuva, ela desabou no chão, sentada, a pedra na palma de sua mão. Fitava intensamente o cristal, como se ali estivesse sua salvação. Mas sua salvação estava rachada.

Rey.

Ela se virou e olhou para o alto, para um homem de pé. Era Ben mais jovem, um adolescente, as roupas de jedi em tons marrons e bege, o rosto branco intacto. Olhava-a com um amor tão grande que Rey se emocionou. Sentiu-se pequena, criança.

Fique aqui. Eu voltarei para te buscar. Eu voltarei querida. Eu prometo.

Um zunido às suas costas. Ainda sentada, ela se virou e viu Kylo, a cicatriz cortando seu rosto, o sabre de luz vermelha iluminando seus olhos verdes escuros, o dorso nu, descalço, apenas vestido com uma calça folgada escura.

De criança passou a ser mulher, mas não era ela e sim alguém parecida com ela, chorando, dizendo que só queria amá-lo.

Eu sei. E é por isso que vai morrer.

O sabre de luz desceu sobre a cabeça de Rey.

A porta escancarou, iluminada pelos relâmpagos com um vulto encapuzado no umbral.

Ainda com os braços acima da cabeça para se proteger do sabre, Rey viu que tudo havia desaparecido. O som da tempestade era o único ruído, junto com sua respiração ofegante.

Luke baixou o capuz, a testa franzida de preocupação, os olhos azuis doloridos, toda a barreira de distância reduzida a um baixar de cabeça, pesaroso.

Rey ergueu-se devagar, pois temia que suas pernas não a sustentassem. O ódio se fora, mas deixara um rastro de mágoa e raiva correndo em suas veias. Os olhos piscaram, ela tentando se controlar, mas sua voz saiu estridente.

- Eles eram dois. Eles eram dois! – cerrou os punhos – Não é Ben que se transformou em Kylo. Não é Kylo que tem resquícios de Ben. São duas pessoas diferentes!!

Luke se aproximou, solene.

- Sim. Ben e Kylo são dois seres diferentes que agora dividem o mesmo corpo.

Rey esmurrou o peito de Luke.

- O que você fez? O que você fez?? É tudo culpa sua. Tudo culpa sua!

Ele a conteve, segurando-a pelos braços.

- Sim. Eu sou responsável.

- Você ainda vai me esconder alguma coisa depois disso? – o queixo tremia de indignação – Você vai me contar tudo agora!

- Não. – disse Luke, segurando a mão de Rey com a sua mão de esqueleto metálico – Eu vou te mostrar.


Notas Finais




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