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História De luz e de sombras - Prelúdio - parte II: Em família


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Tudo é conhecido, não conforme si mesmo, mas de acordo com a capacidade do conhecedor.
Boécio

Capítulo 8 - Prelúdio - parte II: Em família


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Prelúdio - parte II: Em família

Eles não deixavam seus passos no chão.

                O campo verde era vasto, florido em arbustos espalhados em alguns recantos. As árvores com suas copas frondosas, propiciavam sombras acolhedoras para quem lá desejasse descansar. Os gritinhos de crianças enchiam o ar e as conversas dos adultos borbulhavam como o rumorejar de um riacho sob um dia ensolarado.

                Mestre e padawan  caminhavam em silêncio por aquelas pairagens. Rey, no seu andar, pisava nas pequenas flores silvestres sem machucá-las e imaginava como seria bom se assim o fosse na realidade, pisar nos sonhos sem destroça-los.

                Não haviam trocado nenhuma palavra mais significativa desde ontem. O peso da verdade havia emudecido quaisquer dúvidas ou explicações. Rey recolhera-se em si, sem pensar, pois refletir sobre o que soubera era reviver a dor e o choque sobre seu passado e todas as implicações em seu presente.

Concentrara-se, então, na construção de seu sabre como se um autômato fosse, seus pensamentos lógicos e mecânicos em como desbravar as intricadas interfaces daquele instrumento. A noite foi sua testemunha no árduo trabalho sobre o punho, a matriz do emissor, o grupo de lentes coloridas e a célula de energia sob a inspiração da Força e do modelo orientador do sabre de luz azul desmontado antes por ela para esse fim. O sabre de Anakin. Não tocaria no sabre de seu pai.

Seu pai.

Quando as primeiras luzes do amanhecer iluminaram o cristal que estava encima da mesa de ofício e várias rajadas roxas cortaram a modesta sala da casa de um jedi, ela deu por terminado a estrutura de seu sabre... pelo menos o que lhe cabia.

Seu corpo todo vibrava com a Força desde o seu despertar em Starkiller e, a cada dia, essa segunda pele vibratória aumentava seu ritmo e intensidade. Naquela noite, em especial, seu contato com a Força foi suave mas íntimo durante horas sem fim. E, embora seu corpo reclamasse o cansaço e a mente já dava sinais de esgotamento, estranhamente sentia-se plena e imersa na Força. Como se a vibração já presente lenta mas inexoravelmente fosse submergindo em mais uma camada interna de seu físico, afundando em sua alma.

Como se ela tivesse meditado por todas as aquelas horas noturnas.

Luke adentrou pela porta nesse instante, as vestes amarrotadas e úmidas pelo orvalho da noite. Os olhos azuis se encontravam avermelhados, o semblante cansado, mas resoluto. A aprendiz soube imediatamente que ele se concentrara na Força durante o mesmo tempo que ela. Entretanto, o mestre não interferiu em nenhum momento durante a execução da montagem do sabre. Provavelmente ele se ocultou na Força, pois ela não o sentira em nenhum momento durante sua tarefa.

Rey passou seu olhar do mestre para o sabre e do sabre para o mestre, comunicando-lhe silenciosamente que seu trabalho fora concluído. Skywalker, sem uma palavra, não desviou um minuto do olhar de sua padawan, ignorando todo o resto. Com um gesto quase imperceptível, elevou o cristal no ar, fazendo-o flutuar suavemente.

Pai e filha se aproximaram passo a passo vindos de direções opostas, o som das ondas suaves batendo nas rochas ao longe. Frente a frente, olhos azuis e olhos verdes, o cristal entre os dois pulsando em suas imperfeições, iluminando suas rachaduras, vida correndo em um coração de pedra. Suas mãos se dirigiram para a joia e envolveram-na ao mesmo tempo num aperto entre suas mãos, entrelaçando seus dedos como em oração.

E a luz tomou toda a sala.

******

E lá estavam eles, então, arrebatados num rompante para a visão das lembranças, caminhando sem deixar marcas no chão, vendo sem serem vistos, fantasmas em um mundo que já se fora.

Rey olhou para sua mão direita, sentindo ainda o calor daquele toque, a mão calejada, seca e levemente quente do pai. Deu-se conta, desgostosa, que aquele fora o primeiro contato físico mais íntimo, pele a pele, com Luke desde que se encontraram. E não havia sido por carinho e sim por um objetivo.

- Nossos corpos estão em Ahch-To. – disse o mestre, quebrando o silêncio – Nossas mãos ainda estão unidas lá.

Rey levantou um muro mental. Não admitiria que ele compartilhasse de seus pensamentos.

- Elas nunca estiveram unidas de verdade. – falou secamente.

Luke parou de andar e postou-se na frente da aprendiz, sério.

- Não faça isso. Não se isole de mim aqui. Estamos juntos nesta visão e precisamos assim continuar, senão poderemos nos perder nas lembranças e não mais retornar à vida.

Ela sorriu num esgar.

- Está bem, como queira. Aqui não me afastarei de você.

Ele pegou as mãos dela nas suas e o calor da humanidade da mão direita dele e o frio metal de sua mão esquerda a invadiram de maneira confusa. Rey se amaldiçoou por se sentir desarmada em sua mágoa apenas por um toque de seu pai.

- Rey – a expressão aberta – Atendi ao que me pediu; respondi com toda a verdade o que me perguntou, mesmo sabendo que não era a maneira mais adequada de você tomar ciência dos fatos. Confie em mim como confio em você.

E lá de novo, ela se sentindo culpada por sua desconfiança, o remorso. Ele exalava sinceridade... estava exposto. Contudo, a mágoa serpenteou entre as recordações e destilou seu veneno. De que valia tanta sinceridade se seus atos refletiam dualidade e até obscuridade? Ele a expusera em risco para verificar se Ben ainda estava vivo em meio à sordidez de Kylo. Ele enviara o próprio Ben para o Lado Sombrio.

Ele não se entregava a ela como pai.

Confie em mim como confio em você.

Baixou a cabeça, cansada da luta interna, cansada dela mesma. Resolveu dar a Luke e a ela mesma uma trégua. Um voto de confiança.

- Tentarei. – queria dizer tentarei, pai. Entretanto era muito para aquele momento e para o que estava por vir.

Luke sorriu, a mansidão em seus olhos pontilhada com um gracejo.

- Meu velho mestre uma vez me disse que não existe tentativa. “Faça ou não faça”. Mas hoje e aqui, a sua tentativa é mais do que mereço. E agradeço a você por isso.

Ela assentiu, comovida. A vontade lhe empurrava para jogar-se nos braços do pai e sentir todo o carinho roubado naqueles anos, mas não teve coragem e, infelizmente, confiança suficiente para tanto.

Voltou o olhar para o ambiente, procurando se afastar daqueles pensamentos.

- São suas lembranças?

- Não propriamente. – baixou o capuz até então levantado - A trilha para nos guiar até aqui, sim, juntamente com a condensação energética temporal que o cristal do sabre de Ben carrega. O que está aqui é o que aconteceu, independente de quaisquer filtros. Você verá com seus próprios olhos, não com os meus.

Nesse momento, surgiram duas crianças correndo e gritando, parando perto de um arbusto, próximo ao mestre e à aprendiz.

- Ben! Ben! Chega, a gente desiste. Você ganhou – gritou aos ventos o menino ruivo, talvez com oito ou nove anos.

- Não adianta. – falou mais baixo um outro garoto moreno da mesma idade – Ele se esconde tão bem que acho que se perde nele mesmo

Os dois soltaram uma risada.

- Vai ser igualzinho como das outras vezes. Só vai aparecer para o jantar. – argumentou o ruivo – Esse cara é muito, muito esquisito. Estou cansado de ter que brincar com ele.

- Mestre Luke pediu que todo mundo brincasse com todos. Mas acho que ele falou isso só para a gente ter que ficar com o sobrinho dele.

- Com certeza. Mas não sei... ele é estranho demais! Fico com medo dele às vezes. A Força é poderosa nele. Já viu como ele consegue fazer flutuar até aquela pedra enorme perto do dormitório?!

- E a história da lança de cristal nos jogos? Gareth tinha arremessado uma lança para atingir o alvo no campeonato do ano passado e Solo parou a lança no ar, no meio do caminho! A lança ficou flutuando um tempão!

- Fez isso para que Gareth não ganhasse dele, isso sim!

- Pois é! Mas a gente tem que admitir que ele é muito poderoso.

- Claro que é.  E ai dele se não fosse! Também não vale, né? É sobrinho do Mestre. Está tudo nas midhi-clorians. Assim, até eu!

- Vamos embora. Estou com muita, muita fome!

Os meninos correram em disparado para uma mesa onde assistentes colocavam comida para o lanche.

- O que eles não sabiam – disse Skywalker, pensativo  – é que aquela lança não atingiria o alvo e sim uma integrante do Corpo de Serviço.  Ben e eu previmos o desastre no instante que a lança foi arremessada e ele foi muito rápido, evitando que Zia se ferisse gravemente. – ante ao espanto da padawan, continuou a explicar – As visões do passado e do futuro aparecem para os jedis e padawans  de intensidade e forma diferente, dependendo do nível e do tipo de contato com a Força. Mas com crianças tão novas sensíveis à Força... muito raro. Younglings geralmente não tem maturidade física e emocional para tanto.

Rey ficou sem palavras. Sentimentos confusos em relação a Ben. Ben matou sua mãe. E salvou uma estranha. Mas por quê? Por quê? Porém não sabia em que circunstâncias e se realmente fora Ben ou Kylo ganhando corpo desde cedo. Seu pai tinha razão: não deveria ter sabido de tudo daquele jeito.

Seu pai.  Talvez se repetisse esse nome constantemente em sua mente, pudesse, um dia, chamar o jedi de pai.

O grunhidos de um wookie interromperam sua reflexão.

Uma imensidão peluda pisava no gramado sem piedade em direção ao jedi e à sua aprendiz. Os dois lhe deram passagem, rindo em um instante de descontração diante da montanha ambulante de mais de dois metros de altura. Entreolharam-se, cúmplices, pois haviam tido o mesmo pensamento: deixar Chewbacca transpassar por eles era risco de passar uma vida com a textura de seus pelos e entranhar os urros em suas mentes.

Rey encarou o pai com um pequeno sorriso tímido. Guardou aquele instante cuidadosamente. Talvez pudesse ser o início do que sempre deveria ter sido.

O wookie estancou diante do arbusto e cruzou os braços, batendo impacientemente uma de suas imensas patas no chão. Um farfalhar sacudiu a moita e um menino com a tez muito branca, de cabelos negros, com seus oito ou nove anos saiu de seu esconderijo, surpreendendo os dois adultos. Vestia-se com os trajes de um iniciado em tons de marrom claro e bege, muito parecido com a vestimenta de um padawan. Os tons pastéis contrastavam com a camisa interna escura, que só era percebida de nuance debaixo de todas as camadas de roupa.

O wookie avançou no garoto e o arrebatou para seu colo em um abraço tão forte que quase sufocou o pequeno humano.

- Calma, Chewie! Você vai acabar me matando antes dos testes! – seu cabelo escuro foi todo desalinhado pelo wookie entre grunhidos entusiastas – Eu também senti sua falta...! Mas me deixe respirar!

O wookie pôs o garoto no chão.

Rey apertou os lábios, consternada, uma afeição genuína e também amarga diante do que presenciava. A inocência antes da monstruosidade.

- Procure não julgar. – pediu Luke suavemente – Deixe sua mente clara e equilibrada para observar sem turvar os acontecimentos. Teremos tempo depois para analisarmos e... – hesitou, um pouco emocionado – nos permitirmos sentir.

A moça pôde jurar que os olhos azuis de seu mestre brilharam com lágrimas contidas. Ela percebeu naquele momento o quão intensamente Luke amava Ben e foi beliscada por uma ponta de ciúmes e inveja de seu primo.

Seu primo! Não atinara antes essa óbvia relação de parentesco. Seu primo. O mesmo sangue Skywalker corria neles, os mesmos olhos verdes.

O mesmo poder?

A mesma monstruosidade?

 - Os meninos? – Ben respondeu à miscelânea de sons emitidos pelo amigo -Não, Chewie, não precisa fazer nada. – uma indignação grunida – Não, não faça nada. Se você fizer alguma coisa, estou perdido e aí é que não vão me deixar em paz de verdade. – pegou a mão enorme peluda na sua – Consigo me proteger sozinho. Sério! – outra litania de pequenos urros – Tá, tá, eu sei! Me escondo muito bem. Se precisar, eu sumo na Força. – a criança deu um pequeno soco carinhoso na perna do wookie – Mesmo assim você sempre consegue me encontrar, né? Nem tio Luke me acha às vezes. Mas você... você sempre me encontra.

Chewbacca balançou a cabeça, gesto esse que falava mais do que mil palavras.

- Mamãe e papai estão onde? – mirava no horizonte ao som de tagarelice enrolada do wookie – Ah, tá. Ok. Vamos pegar as coisas que mamãe pediu na nave antes de encontra-los.

O wookie e o pequeno humano andaram para a esquerda para a Milenium Falcom estacionada ao longe, no pequeno espaçoporto, enquanto Luke e Rey se dirigiam para a direita, em direção de uma árvore no fim de uma ribanceira, em meio a uma pequena clareira. No meio do caminho encontraram pequenos grupos de pessoas recém-chegadas, algumas um pouco assustadas e contraditoriamente encantadas pelo espaço livre, como se tivessem passado muito tempo enclausuradas. Younglings as cercavam, brincando com elas, com seus sabres de madeira e conversando animadamente com alguns soldados da Nova República que também se achavam ai, com seus blasters e pistolas lasers nos cintos.

Chegaram à sombra frondosa da árvore, onde Luke, Léia e Han haviam se sentado ao chão, estrategicamente longe dos demais para poderem conversar reservadamente.

Rey conteve um soluço quando viu Han Solo vivo, mais jovem, falando animadamente. Vivo. Não. Não estava vivo. Era uma lembrança, apenas uma lembrança cristalizada nos anais cósmicos da Força nos quais ela e seu mestre vasculhavam. Uma lembrança que, em tempo algum seria esquecida por ela. O pai que ela gostaria de ter tido... mas que esse desejo também deveria ser cristalizado nas lembranças, pois morrera como possibilidade. Seu pai estava ao seu lado, ali, colocando a mão metálica em seu ombro.

- Seres luminosos somos, Rey. O corpo se foi, mas Han permanece vivo na Força e em nós.

Ela assentiu, muda, as lágrimas riscando suas faces sardentas.

- ... Fico preocupada com você, Luke. – falava Leia firmemente. – A Academia está com muitos alunos para apenas um mestre jedi. E me sinto culpada ainda por trazer mais outros aprendizes para você.

No alto dos quase quarenta anos de Leia Organa Skywalker Solo, Rey pode notar que a beleza clássica só se aprimorava com o tempo e com a força de caráter da princesa que também era uma senadora e uma general. As pequenas rugas debaixo dos olhos denotavam horas e mais horas de trabalho e preocupação, mas lhe caíam bem. Um ou outro fio branco se perdia em suas tranças e os olhos castanhos tinham a tenacidade de uma leoa.

O sorriso manso do Luke mais moço tocou Rey. Já com bem mais cabelos brancos se misturando ao louro, a versão mais jovem de seu mestre já contava com barba, mas bem aparada e curta, emoldurando seu rosto bronzeado. As rugas no canto dos olhos lhe emprestavam mais charme e experiência. Os olhos azuis brilhavam, mas não o suficiente para ocultar completamente uma leve sombra.

A moça voltou-se para seu pai e uma compaixão infinda tomou conta dela. Seu pai tão imperfeito. Havia uma vastidão por detrás de seus atos.

- Paideia conta com dezessete younglings e nove padawans, afora dez membros do Corpo de Serviço. – relacionou Luke serenamente - Com mais os quatro que trouxe, fecha-se um total de 40 membros da Academia, sem contar comigo. É um trabalho e tanto, mas todos estão colaborando na medida do possível. – alisou o rosto da irmã, procurando tranquiliza-la -Como gostaria que fosse diferente...? A esmagadora maioria que aqui está é feita de prisioneiros órfãos de covis remanescentes do Império.

- Garoto – Han falava gesticulando com as mãos – Não tem ideia do andamos encontrando vasculhando os planetas da orla exterior. Prisões e mais prisões que, claro, bandidos da laia de Jabba se aproveitaram para assumir o negócio de escravidão com a destruição do Império.

- O que mais me aflige – colocou a princesa – é que muitas dessas prisões são compostas de muitos sencientes à Força. Como se estivessem... reunindo... possibilidades.

Luke e Léia se entreolharam significativamente.

Pai e filha trocaram olhares.

- Luke – Han se inclinou para o amigo – Até eu que não tenho nada a ver com a Força, percebi que existe algo estranho, muito estranho nessas prisões do Imperador. Principalmente nessa última na qual estivemos e trouxemos mais garotos para você.

- Mas é um assunto longo que queremos tratar contigo depois, com muito tempo e calma.  – Leia se empertigou, tensa – Agora eu e Han – olhou para o marido, a testa franzida e preocupada e ele suavizou o olhar, carinhoso e cúmplice da aflição dela – queremos saber de Ben.

Rey se pôs em alerta.

A versão mais nova de Luke olhou para o chão, reflexivo e sério, pensando nas palavras a dizer.

- Ben é poderoso na Força. – suas palavras eram ditas de forma lenta e pesada – Muito poderoso. Talvez venha a ser mais forte do que nosso pai.

Rey inspirou profundamente, os olhos verdes claros arregalados, encarando seu pai.

- Mais forte que você? – sussurrou ela.

O velho jedi balançou afirmativamente a cabeça, em silêncio.

Um barulho ao longe a tirou do momentâneo estado catatônico. Os dois younglings que falaram de Ben antes gritavam em suas brincadeiras, correndo em direção de Chewbacca e do jovem Solo, provocando o wookie. Ao mesmo tempo, três dos quatro cativos trazidos por Han e Leia se afastaram do grupo maior, conversando entre si, em direção à clareira. Pararam a uma boa distância, conservando ainda a privacidade dos Skywalkers.

- Eu disse que Ben tem muito de Vader nele. – Han balançava a cabeça, inconformado. – Leia, eu falei. Eu falei que você tinha que ficar de olho no garoto.

- Eu não sou uma jedi, Han! Eu tenho pressentimentos e sinto algumas coisas, mas eu não fiz o treinamento.

- Deveria ter feito em vez de se meter na política!– bateu o punho na própria perna.

- Ah, não venha com essa conversa! – rosnou – Não confunda os assuntos. Eu nasci para isso e sirvo muito bem a República.

- Deveria ter ficado tomando conta de nosso filho.- bufou Solo

- Ah, e você não? Em vez de viajar com Chewie nas horas vagas para procurar os tesouros perdidos do Império.

- Ah, claro, princesa. – Han fez um reverência irônica com a cabeça - O dinheiro aparece com a Força, assim, como mágica, não é? Quem você acha que financia o novo Senado e toda aquela pompa? De onde você acha que vem os recursos para a Paideia e o treinamento jedi? O papai aqui tem que viajar e sim caçar os tesouros e trazer o dinheiro para tudo isso. Além do mais, alteza, se não fossem essas incursões não teríamos encontrado os cativeiros e libertados toda aquela gente.

                Leia cerrou os dentes, procurando baixar o tom de voz, mas as palavras saíram quase que cuspidas.

                - Se eu não estivesse no Senado e em toda aquela pompa, como você fala, três guerras teriam sido deflagradas no centro da galáxia e seriam o estopim para tantas outras, instaurando o caos em todos os sistemas! Os restos do Império estão por aí e só aguardam a nossa confusão para se aproveitarem e surgir um louco que consiga organizá-los. Eu não fujo das minhas responsabilidades como você sempre fugiu, dando desculpas para suas confusões.

                Rey não podia acreditar no que via e baixou a cabeça, triste. Como poderiam ser tão egoístas...? Seus motivos eram justos, sim, e eram boas pessoas. Contudo, usavam seus trabalhos para evitar Ben, ela sentia. Franziu os lábios. Para ela, haveria outra pessoa para buscar os recursos para a República; haveria outro político para tentar equilibrar a República. Mas não haveria outras pessoas – nem o próprio Luke – para substituir o pai e a mãe na relação com Ben.

                Como não houve ninguém para poder ficar com ela durante tantos anos na desolação em Jakku. Teria preferido até morrer ao lado de seu pai do que ser abandonada para ser protegida.

                - Eles têm medo. – Luke argumentou brandamente – Vader aterrorizou a todos nós... a possibilidade de haver um outro Vader na figura do filho lhes é insuportável. Preferem se afastar de Ben e continuar amando-o do que ficar junto com a possibilidade de acabar odiando-o.

                - E você? – perguntou Rey baixinho.

                - Não há nada de Vader em Ben. Consigo enxergar.

                - Mas e se houvesse? – insistiu Rey com delicadeza – Se houvesse algo de Vader em alguém que você amasse... você se manteria afastado?

                Luke empalideceu, mas não titubeou.

                - Eu não sei, Rey. Não sei o que faria.

                A moça assentiu, silenciosa.

                - Viu, garoto? – prosseguiu Han – Isso é casamento e ter filhos. Você acaba com uma facada no coração. Se não é a esposa com sua língua ferina, pode ser o seu filho com um mal a te matar. Bem-vindo ao inferno!

                O jovem Luke manteve-se sereno, mas com uma expressão grave no semblante.

                - Afirmo que não há nada de Vader em Ben. E é isso que importa no momento e não as inseguranças de vocês. É ele quem importa.

                Tanto quanto as palavras, foi o tom de reprovação que calou o casal. Leia baixou a cabeça e lágrimas não desejadas deslizaram de seu rosto.

                - Eu amo meu filho. – falou com raiva de si mesma – Eu o amo profundamente mas estou com medo... medo de perde-lo. Eu sinto que vou perde-lo. E não sei o que posso fazer, eu não sei...

                Han a abraçou com ternura, a raiva já diluída  nas lágrimas de sua esposa.

                - Tudo ficará bem, meu amor. – sussurrou ele para a princesa – Já passamos por tanta coisa... e nosso filho está aos cuidados de Luke. É o melhor que podemos fazer.

                - Eu não sei se o nosso melhor é o suficiente, Han. – murmurou, procurando se recompor – Luke, aquela voz ainda atormenta Ben?

                O barulho das crianças chateando Chewie e Ben estava mais próximo, bem como os três ex-cativos recém-chegados se encontravam mais perto, mas ainda distantes o suficiente para não ouvir a conversa. Uma terceira pessoa, uma moça – a quarta ex-cativa – surgiu, andando sozinha, como se vigiasse a distância os três companheiros de prisão.

                Luke jovem coçou a barba num gesto que recordava Obi Wan antes de juntar as mãos no colo, procurando manter-se tranquilo.

                - Levantei uma barreira mental para resguardar Ben desde que chegou aqui há dois anos. Eu o ensinei como fazer para manter esse campo de isolamento e nós dois a sustentamos atualmente juntos. Ele diz que não escuta mais a voz, mas sente sua presença... e cada vez mais forte. É um esforço muito grande de conservar energicamente essa barreira continuamente. Não sei até quando aguentaremos.

                Han apertou a mão de Leia.

                - Pelo o que estou entendendo, é como uma represa que não está aguentando o volume crescente de água.

                - Sim, Han. E já existem fissuras na muralha.

                - Luke, o que podemos fazer? – a voz de Leia estava trêmula

                O mestre jedi levantou-se, esticando as costas doloridas de tensão. O casal também se ergueu, continuando abraçados.

                - Eu tenho uma ideia, mas preciso consultar os holocrons jedi.- balançou a cabeça, contrariado -  E confesso: não sei se essa solução é melhor do que o problema.

                Rey sentiu uma mudança, uma estranheza no ar que ela não pôde definir. Virou-se para sua esquerda e tudo aconteceu muito rápido.

                Os três ex-cativos sacaram as pistolas que haviam furtado imperceptivelmente da guarda da república, distraída pela confusão das crianças e dispararam contra Han, Leia e Luke.

                Um grito partiu da quarta ex-prisioneira, o que alertou Luke em tempo suficiente para arremessar, com a Força, Han e Leia para longe do disparo, mas não para salvar-se.

                Chewbacca urrou e correu para os três agressores com fúria, derrubando-os todos de uma vez.

                Rapidamente, Han e Leia se levantaram e correram para acudir o jedi quando pararam, sem fôlego, ao se defrontarem com Luke, encostado na árvore, com os três tiros de lasers flutuando a poucos centímetros de seu rosto, como três flechas de luz suspensas milagrosamente.

                Leia levou a mão à boca, estarrecida e encontrou o olhar de Luke, também surpreso, sem entender o que ocorria. Skywalker sentia o calor do laser a começar a lhe chamuscar a face, os raios suspensos hesitando, como se estivessem sendo seguros por uma força que começava a falhar.

                Uma voz feminina voou pelo vento e eles escutaram “aguente, aguente mais um pouco”.

                Rey estava atônita. Era Ben – um menino, apenas um menino! – em pé, já se curvando pelo esforço, o braço esticado, a mão trêmula como se tentasse segurar algo com extrema dificuldade, o suor lhe inundando o rosto, os cabelos negros ensopados, o semblante em sofrimento, um filete de sangue escorregando por uma das narinas. Ao seu lado se achava uma moça de cabelos negros e longos lhe incitando a aguentar.

                Luke arrastou-se com cuidado pelo corpo da árvore, as luzes dos lasers quase encostando em sua pele, o calor já queimando seu rosto. Mais um pouco e conseguiu sair do campo do tiro, a salvo.

                Ao ver seu tio seguro, Ben soltou a mão e os tiros, agora livres, atingiram a árvore, provocando-lhe uma grande ferida no tronco, as chamas queimando a madeira. Olhou para os pais com sorriso meio travesso e constrangido e desmaiou nos braços da moça que o auxiliara.

                Todos correram em sua direção.

                Rey não podia acreditar no que vira. Ben era apenas uma criança e como ele pôde conter raios lasers no ar! Voltou-se para o velho jedi, estarrecida.

                - Ben salvou sua vida...!

                - Sim – sua voz estava embargada de emoção – E não foi só essa vez.


Notas Finais


Paideia: A ideia grega de Paideia estava ligada a um ideal de formação educacional, que procurava desenvolver o homem em todas as suas potencialidades, de tal maneira que pudesse ser um melhor cidadão .
http://filosofia.uol.com.br/filosofia/ideologia-sabedoria/36/artigo257166-1.asp

Este capítulo possui um tom diferente dos anteriores, aparentemente mais leve. Porém, em algumas linhas e entrelinhas estão dados que serão desenvolvidos mais tarde.
Também gosto muito de fazer trocadilhos com falas dos filmes, como podem notar.
No próximo capítulo - ainda na visão - acontecerá o nascimento de Rey.
Até lá!


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