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História De luz e de sombras - Castelos de areia de um reino perdido


Escrita por: Ninlil

Notas do Autor


Ver todo um Mundo num grão
E um Céu em ramo que enflora
É ter o Infinito na palma da mão
E a Eternidade numa hora.

(trecho de “Augúrios da Inocência” - William Blake)

Capítulo 9 - Castelos de areia de um reino perdido


Fanfic / Fanfiction De luz e de sombras - Castelos de areia de um reino perdido

Os dois sóis brilhavam em tons róseos-alaranjados escuros no fim do horizonte, quase tocando o mar acastanhado em um poente que jamais aconteceria.

De todos os mundos que poderia ter edificado, o deserto lhe era o mais natural, pois encontrava-se entranhado na sua família. Os Skywalkers eram filhos do deserto. Sua bisavó Shmi vivera como escrava e liberta em Tatooine, e a areia acolhera seu corpo morto, em uma história que se repetira com seus pais e com os pais de seus pais, por gerações ao longo do tempo sem fim. Anakin, Luke e Rey levavam a areia em seus sapatos e em seus corações. Leia, embora não tivera nascido ou vivido no deserto, possuía sua aridez, a qual se expressava em sua personalidade combativa, impaciente e agressiva, uma sobrevivente forte e digna dos nômades das dunas.

E ele era o próprio deserto, sua solidão, seu refúgio e sua prisão.

Ben contemplava as dunas e o estático pôr-do-sol duplo da janela de seu castelo construído absolutamente só de areia, um palácio com vários cômodos, andares, escadarias e porões. Desde que emergira do mar do esquecimento, estabelecera sua autoimagem corpórea e cercara-se de formas físicas, a fim de reafirmar sua condição humana, mostrar que ainda estava vivo como um homem e manter íntegra sua personalidade e individualidade. Naquele universo intangível da alma e da mente, sua plasticidade lhe fornecia quaisquer coisas que desejasse ou que em si mesmo expressasse, embora nada substituísse suas idas à realidade física com todas as suas peculiaridades concretas. A grande construção - seu lar e cativeiro - não surgira por soberba egóica e sim porque era o reflexo de sua alma, com todos os níveis e recantos claros e ocultos.

Poderia criar literalmente um mundo ali, uma réplica do universo exterior ou até um novo, com leis físicas e morais que mais lhe conviesse: um Luke feliz, sem sombras no olhar; seus pais próximos e amorosos, sem temer algum mal nele; uma versão de Rey, plena em todo o seu potencial e amor. Imergiria nessa vida paralela com tal vontade que acabaria, por fim, esquecendo que não passava de um sonho mais denso. Poderia viver eternamente ali, em um paraíso particular, sem ser descoberto.  Uma realidade sem sofrimento. Uma realidade sem o Lado Sombrio.

Tentado foi por vezes sem fim, quase cedendo em várias ocasiões durante todos aqueles anos. E por isso se absteve de plasmar quaisquer objetos em sua aparência real. Tudo era feito de areia, nas mais diversas consistências e cores próprias, para lembra-lo do mundo físico no exterior, ao mesmo tempo que o advertia que nada ali era real. Um homem de carne do espírito em meio às areias de um sonho.

Sua perspectiva sobre a vida também adquirira um viés diferente, mais flexível, com mais compaixão sobre tudo, pois escolhera esse caminho a cair no desespero das incertezas. Entretanto, nos derradeiros tempos, talvez pelo acúmulo de todo o período de cativeiro e, principalmente por causa dos últimos dias de confronto com as atrocidades de Kylo, sua resistência era lenta e implacavelmente corroída, grão em grão, a areia de seu mundo se esfarelando.

Ben escutava os pensamentos de Ren e nada encontrava de extraordinário. Ele não mudara o estilo vibracional ou de ideias, muito embora Ben sentisse que existia um tom faltante, uma ausência que se fazia mais do que presente, um tom destoante. Entre os números de relatórios sobre a destruição dos mundos da República, a estatística da insípida armada da Resistência, o número crescente de submissão e conivência de planetas à Primeira Ordem, um pulsar se fazia perceber, estranho, quase imperceptível, algo totalmente fora do contexto do dia-a-dia do Cavaleiro de Ren.

Abstivera-se de suas saídas externas, de tomar o corpo e respirar ar de verdade novamente para não provocar Kylo ou, por algum infortúnio de não resistir, cometer alguma tolice face à sua solidão. Não queria ver a morte em olhos verdes.

Sua clausura sem um momento de liberdade na realidade, todavia, trazia-lhe uma insegurança enorme quanto ao seu autocontrole e à perda da noção de tempo na vida real. Evitava, também, enxergar com os olhos de Ren o mundo exterior, para não dar chance de ser percebido; até mesmo quando Kylo dormia, – ou parecia dormir – não ousava vasculhar suas lembranças, com receio de deixar algum resquício seu. Preciso era que Ren começasse a duvidar de sua certeza que Ben existia.

Hoje, contudo, Ren encontraria Snoke. Por mais arriscado que fosse, Ben se via forçado a sair de seu exílio e observar a conversa atentamente entre as sombras do ver sem ser visto. A possibilidade de descobrir informações sobre os planos do Líder Supremo era o preço para sair de seu esconderijo. Deveria ser muito mais cuidadoso e sutil, pois não seria apenas Kylo a ameaça de desvela-lo, mas de Snoke percebê-lo.

Respirou profundamente aquele ar que não existia e enveredou-se pelas escadas em caracol, os degraus de areia prensada com pequenas rachaduras, subindo em direção à sua torre de observação, onde o limite entre as realidades era tênue.

Chegando no ponto mais alto de seu castelo de areia, ele saiu pela porta para a grande varanda, de onde poderia observar toda a extensão de seu reino de areia sob as luzes do poente dos dois sóis.

Elevou a cabeça e olhou para o céu de seu mundo e o inferno do mundo real.

********************************

Kylo Ren ajeitava as braçadeiras de sua armadura, agora com punhais de longa lâmina  inseridos no interior dos artefatos em seus antebraços. Somente os cabos prateados escuros das facas ficavam visíveis e mais se assemelhavam a um elegante detalhe de parte de sua armadura negra do que armas ocultas.

Toda a blindagem era nova, feita de um metal raro chamado neurânio, capaz de resistir a um golpe de sabre de luz ou a um tiro da balestra wookiee. Kylo não se permitia erros do passado. Não seria novamente atingido tão facilmente por um sabre ou derrubado por uma balestra. Suas cicatrizes no rosto, peitoral, ombro e abdômen ainda se repuxavam, como constantes lembranças de suas antigas falhas.

Ben se mantinha quieto em seu nincho oculto, observando o mundo exterior com os olhos de Ren e lhe escutando os pensamentos, imerso na ocultação da Força, no mais profundo ver sem ser visto. As marcas das batalhas eram fundas e foram cuidadas apenas no tocante funcional de algum dano maior nos músculos ou nos nervos das partes feridas. Nada fora feito em termos estéticos propositadamente. O Cavaleiro abraçou suas feridas cicatrizadas como parte de seu aprendizado e de seu próprio eu.

O salão era enorme e negro, com algumas luzes azul cobalto espalhadas pelo recinto. Um trono de mármore escuro refletia ocasionalmente o anil das lamparinas, como pequenas estrelas frias pulsantes na escuridão do trono. O ar era gelado e seco e continha tanta consistência vibracional que Ben sentia-lhe o peso mesmo de seu recôndito mental. Era a energia residual de Snoke embrenhado no ambiente, um acorde grave, retumbante, nas notas mais baixas. Ben a conhecia de tempos distantes... ainda essa vibração ressoava ao fundo de sua alma, como um fantasma do passado.

Kylo Ren aguardava o Líder Supremo de pé, a uns dez metros do trono, a coluna reta, rígido, elegante e frio. O semblante era muito sério, a não ser por uma quase imperceptível curvatura em seus lábios, como a sombra de um sorriso contido.

Isso não passou desapercebido em Ben. Atordoado, procurou alguma pista nos pensamentos ou sentimentos do outro e nada encontrou que pudesse explicar aquele sorriso.

O ar se intensificou, tornando-se quase opaco diante da presença de Snoke, que adentrava a sala por uma porta por detrás do trono. Ben retesou-se ao vislumbrar a figura que o aterrorizara por toda a sua infância e adolescência através de uma voz persistente e maligna: um humanoide de dois metros de altura, magro, a pele com uma palidez doentia, o crânio sem cabelos, com uma fissura funda que transpassava a cabeça, morrendo no espaço entre as sobrancelhas. As maçãs do rosto eram cavadas, como se tivessem sido consumidas por uma doença. Os olhos fundos e de azul claro estranho fitavam o humano, enquanto languidamente ele se dirigia e se acomodava em seu trono.

Vestido de tons escuros em uma sotaina sem capuz, a gola como um semiarco que circundava seu pescoço. Uma figura sinistramente majestosa.

- Mestre dos Cavaleiros de Ren – iniciou ele, a voz grossa, rouca e profunda, após alguns momentos avaliando Kylo – Sinto uma mudança em você. E foi rápida, desde nosso encontro de alguns dias atrás.

Alguns dias atrás? Como assim, alguns dias atrás?! Não havia nada nos registros mentais de Ren sobre um encontro recente com Snoke.

- Líder Supremo, seus ensinamentos estão sendo muito úteis para meu aprimoramento e autoconhecimento. – havia uma certa altivez sóbria em sua voz – Pratiquei durante três semanas a ocultação na Força e a meditação profunda, da forma como me ordenou. Há alguns dias tenho tido as revelações que tanto necessitava.

Ben sentiu um abalo tão forte que, por um momento, temeu perder a consciência. Sentiu que afundava em si mesmo. Não só não tinha mais noção do tempo na vida real, como espaços temporais foram-lhe ocultos por Kylo! Sentia-se perdido. Desde quando isso acontecia? Como isso lhe escapou?

Ou pior: como isso lhe fora ocultado tão poderosamente. E o quanto e o que lhe fora escondido.

- E quais revelações foram trazidas à tona, Kylo Ren? – Snoke franziu a boca murcha.

- O resto do Lado Luminoso que ainda existe dentro de mim, Mestre. A tentação da Luz.

Uma satisfação interna de Ren arranhou Ben. Kylo permitiu que isso lhe ficasse acessível, Ben percebeu... mas captou algo a mais que nem o Cavaleiro soube que tinha revelado no leve morder de lábios. Ele está jogando comigo. Ele não tem certeza do que existe dentro dele que o pertuba. Ainda está explorando... ainda não me achou.

- O rastro de corpos de garotas que vem deixado em seu caminho é consequência disso? – o Líder Supremo apertou os olhos fundos

Kylo não respondeu de imediato. Houve uma hesitação, como se ele tivesse sido tocado por algum aspecto que não lhe ocorrera antes. Não a questão das mortes em si estarem relacionadas com a descoberta de uma luz interna dentro de si que ainda persistia em brilhar, pois lhe era óbvio, mas de um detalhe oculto sobre Rey, uma estranheza que ele não conseguia identificar, como um perfume que não soubesse definir.

Intencionalmente ou não, essa reflexão foi deixada em aberto e Ben a absorveu. Como uma pedra preciosa, guardou-a cuidadosamente.

Com um leve menear de cabeça, Ren retornou ao seu foco e respondeu francamente. Ele costumava falar a verdade para Snoke, de certo ponto de vista, e isso facilitava todo o diálogo, pois não havia gasto na adulteração de informação. Odiava a mentira, mesmo sendo ela muito utilizada pelos usuários do Lado Sombrio. Considerava-a medíocre do ponto de vista filosófico e altamente perigosa no uso com mentes mais tenazes, como a de Snoke.

- Sim, Mestre. Elas são um instrumento para minar a luz que ainda há em mim.

- Mas a garota... a garota de olhos verdes é a filha de Skywalker, você me deu certeza. Se assim for, não deve mata-la, a não ser que seja estritamente necessário. E você a tem destruído por meio de todas as garotas que assassinou. – levantou o punho, enfatizando suas palavras – É essencial que a traga para o Lado Sombrio, que ela venha de corpo e alma. Senão, nossos planos fracassarão.

- Ela é uma Skywalker. Eu sei. Eu sinto em meu sangue.

Ben estremeceu de ódio, mal se aguentando em seu recanto oculto. Não. Com Rey, não! Forçou-se a baixar a ira, com muito esforço. Precisava pensar. O plano já havia sido discutido antes em um dos períodos que Ren havia descido o véu da escuridão para Ben. Seria uma sorte se alguma informação viesse agora.

Os olhos verdes escuros de Kylo brilharam numa alegria sombria.

- Ela virá, Líder Supremo. Encontra-se com Skywalker agora, em lugar desconhecido, mas ela virá até a mim.

- Primeiro é preciso capturar sua isca. – elevou os olhos, reflexivo – Não será difícil. Após a destruição do sistema  Hosnian, os outros sistemas praticamente se entregaram a nós. A frota da Resistência é ínfima e o número de rebeldes não é significativo. O próprio povo entregará a General Leia.

Ben se enrijeceu, a revolta se aliando ao ódio ainda não inteiramente domado. Sua mãe. Sua mãe, não. Fora forte o suficiente para permitir a morte de seu pai, porém a um custo muito alto, quase enlouquecendo de dor, a ferida ainda aberta no seu coração, pois fora, no fim, o responsável pela morte de Han. Permitira que acontecesse. Fosse pelas razões mais nobres, por um propósito maior para todos, não interessava. Ele dera as costas para o pai e entregara-o para aquele monstro. O monstro que ele, Ben, criara e soltara no mundo. Todo horror realizado por aquele ser que nascera dele era seu, consequência de sua escolha. Toda a dor. Todas as mortes.

Tudo pesava sobre ele pois ele era o grande responsável. Imaginava o quanto custaria quando ele e Luke planejaram todo o estrategema, porém jamais poderia saber o que realmente iria acarretar.

De súbito, veio-lhe a imagem do futuro que havia vislumbrado, a visão que tivera do futuro horripilante quando criança, visão essa que mostrava uma realidade onde Rey seria a responsável por todo um horror para a galáxia, onde Snoke alcançaria o que mais desejava. Visão essa compartilhada com seu tio Luke e que motivara todo o plano no qual o trouxera até àquele momento. A possibilidade daquele terror o acalmou, pois era contra aquilo que lutara. Contra aquilo criara Kylo. Contra aquilo se exilara no deserto de sua existência. Contra aquilo, entregara seu pai à morte. E contra aquilo, deveria se manter forte até o fim.

E agora sua própria criação, Kylo Ren, num paradoxo alucinante, era uma das peças chaves para trazer Rey para o Lado Sombrio.

Já cogitara em matar Kylo. Ah, como essa ideia o abraçou em seu exílio, como foi uma amante ardente essa possibilidade de exterminar seu monstro, mesmo que morresse com ele... No entanto, Snoke, mesmo sem Kylo, haveria de encontrar uma maneira de aliciar Rey e acarretar todo o universo sombrio que enxergara.

Não. Tinha que ir até o fim.

- O medo os levará a isso. – somou Kylo.

- Não, meu aprendiz... é a próprio mal que os fará entregar a nós quem uma vez os salvou.

Kylo Ren franziu a testa, curioso.

- O próprio mal?

- Sim, Mestre dos Cavaleiros de Ren. – um sorriso torto rasgou aquele rosto devastado – O que pensa que é o mal? Não é essa visão romântica e estática que tanto prezam. Não existe, na verdade, nem o bem nem o mal como é pregado, mas apenas o todo e a forma pela qual o percebemos e agimos. Nós, imersos no Lado Sombrio, percebemos que nosso eu deve ser reafirmado em sua existência, pois, no fim, somente nós existimos. Nós reafirmamos nossa separatividade, nossa individualidade, nosso eu em relação ao universo, ao invés de nos diluirmos nele, através da empatia com os demais, como os que se autodenominam sob o Lado Luminoso. E nós o fazemos, independente e apesar de tudo, pois nada pode ficar em nosso caminho de realização. Nosso destino é alcançar a total liberdade, o total controle, o total poder, pois somos dotados para tal.

Snoke, em toda a sua estatura, parecia ainda maior enquanto se pronunciava, a Força  ampliando sua dimensão.

- Quando falo que o mal levará o povo a entregar seus heróis, é um aspecto do mal um pouco diferente do que falei. Essas pessoas, que se dizem cumpridoras de seus deveres, desejosas de pertencerem a algo, farão ditas atrocidades maiores que dizem de você, Kylo Ren. Em nome de seu conforto, do não querer pensar, de não refletir sobre o significado das pequenas e grandes coisas, transferem a valores distorcidos toda a sua força. Veja por exemplo Hux, o grande comandante.

- Hux odeia a Resistência e a República. Não é ódio o seu motivador?

- Ah, não... O ódio é apenas uma muleta para ele, uma causa aparente a ser seguida, quando, no fundo, o que ele mais valoriza é a qualidade da obediência e da ordem, ditas virtudes. Por se achar um ser direito, correto e obediente, ele matou milhões de pessoas, um número muito significativo em relação às suas mortes, Cavaleiro. E o mais interessante que é patente que ele o despreza como assassino!

Kylo parou para refletir um pouco, o silêncio carregado naquela escuridão.

- Líder Supremo, o povo entregará Leia por dever?

- Oh, sim...! Enche-os de trabalho para não terem tempo e nem desejo de pensar. Entupa-os de conhecimento, maravilhe-os de tecnologia. Dê-lhes uma rotina, uma certeza, a previsibilidade e uma ilusão de livre arbítrio! São muito mais eficazes do que o medo. O medo incita a uma reação quase instintiva e dão a essa reação o nome de bravura e princípios luminosos. O medo não deve ser opressor, mas uma sombra tênue, uma névoa que os rodeia apenas para deter quaisquer pensamentos mais profundos. Dê-lhes a ilusão do controle de suas vidas e eles serão nossos escravos, escravos do Lado Sombrio.

- O Imperador oprimia com o medo.

- E está morto por sua própria arrogância e culto ao que ele pensava ser o mal. – Snoke juntou as duas mãos, um sorriso cruel rasgando o rosto envelhecido – Palpatine era um tolo e um sádico, viciado nos prazeres de causar o sofrimento nos outros e na miragem que isso lhe trazia controle e poder. A morte e a tortura para ele eram drogas tomadas diariamente e isso o cegou para tudo. – apontou seu dedo esquelético para Ren – E por isso fico muito satisfeito por você, meu aprendiz,  ter rompido com esse ciclo de prazeres, esse vício na dor. Você está começando a despertar para o verdadeiro mal.

Kylo Ren encarou firmemente o Líder Supremo, não por audácia ou arrogância, e sim por se encontrar com alguém com muito a lhe ensinar.

- Meu caminho ainda é longo. – disse, a voz grave – Ainda há luz em mim.

- Sim... eu sinto. – seu rosto se tornou sombrio – E é por isso que você se encontra no ponto mais crítico de sua jornada. Lembre-se: a crueldade é apenas uma ferramenta. Não faça dela um ídolo, não tire prazer dela, não a venere. – recostou-se em seu trono, os olhos penetrantes – Está preparado para enfrentar sua mãe?

- Ela não significa nada para mim. – o rosto era impassível.

Ben tremia, o medo, a fúria e o desespero vibrando em seu ego mental. Seu controle era como um tecido esgaçado, desfiando-se fibra a fibra.

- Então, Kylo Ren, vá para Naboo. Existem notícias que a General Leia para lá se dirigiu.

- Naboo tem a tradição de ser um povo aguerrido.

Snoke sorriu e o seu sorriso foi tenebroso.

- Ah, fiz minha ronda por lá há pouco tempo. Não se preocupe. Até os mais guerreiros também sucumbem ao mal.

**************

Por toda uma eternidade, Ben Solo aguardou que Kylo Ren adormecesse.

Após o encontro com Snoke, Ben recolheu-se em seu castelo de areia, apenas escutando os pensamentos de Ren. Precisava se recolher, precisava encontrar novamente sua paz e equilíbrio. Contudo, nem a invocação das lembranças de Rey acalmaram seu espírito. Respirava com dificuldade, atormentado pelas possibilidades, pela culpa, pelo remorso, pelo ódio, pelo medo.

Estava descontrolado e tinha plena ciência de seu estado frágil. Todavia, não havia mais como se deter.

Grãos de areia caiam de fissuras no teto. Rachaduras cortavam as paredes do palácio. Os dois sóis estáticos no poente vibravam em movimento para a noite.

Quando percebeu que Kylo adormecera, num rompante tomou-lhe o corpo. A respiração do corpo entrou em sincronia com sua ansiedade e ele agora arfava, ainda se acomodando à sua estrutura física. Precisava agir, precisava impedir Ren de seguir com seu plano, de encontrar sua mãe, de capturar Rey. Sua mente era um ventaval, os pelos eriçados pela tensão, o coração disparado, um suor frio escorrendo pela testa.

Seus olhos se abriram e só havia escuridão. Nenhuma luz acesa, mas alguns sons abafados ressoavam, os quais ele não pôde identificar por ainda não estar totalmente acoplado ao seu corpo.

Chamou mentalmente o sabre de luz de Ren e o ligou quando este voou para sua mão, iluminando de vermelho o quarto e o espetáculo de horror se mostrou.

Mais de vinte mulheres caídas no chão, na cama, nas cadeiras, gemendo em agonia, sangrando, atordoadas em sofrimento, seus olhos verdes arregalados pela dor, os cabelos castanhos molhados de seus próprios fluidos, a desesperança em seus lábios.

Ben recuou e quase se queimou com o próprio sabre. Ele tremia diante do horror, o peito sem ar e o ódio a lhe enrugar o rosto, a cicatriz da face ardendo. Seu sangue vibrava nas veias, um fogo líquido e a fúria a escurecer seus olhos verdes.

De repente, um zunido e uma luz azulada nasceu do chão e cresceu até a altura de um homem, um holograma de alta precisão sensível ao movimento.

Kylo Ren.

Estava vestido com a mesma calça negra folgada, descalço como Ben se encontrava, mas com uma faca sangrenta em cada mão, o corpo cheio de respingos vermelhos. Ben viu que suas próprias mãos estavam machadas de sangue.

O holograma olhava diretamente para Ben, o olhar implacável, a expressão gelada.

- Quantas terei que matar até você se revelar? – a voz grave e rouca – Quantas ainda terão que morrer pela sua covardia? Até onde você vai me permitir ir?

O holograma se calou, como se esperasse Ben absorver a situação. Ele respirou fundo, desligou o sabre, exausto. A luz azul do holograma continuava a iluminar o quarto. Sentia a vida das mulheres através da Força, vidas que deveriam ter se ido, mas que eram mantidas em suspensão por algum poder desconhecido a ele.

- Elas estão vivas porque as mantenho. – Kylo disse, como se antecipadamente soubesse o que Ben pensaria – Estão em agonia. E posso deixa-las em dor indefinidamente... se você, covarde, não se entregar a mim!

Ben olhou com ódio mortal para Kylo Ren.

- Monstro maldito!

- Posso dar-lhes a paz de uma morte sem dor, se você se revelar para mim. – prosseguiu Ren, o rosto sombrio – Ou elas padecerão em sofrimento por sua omissão. A decisão é sua.

Ben arreganhou os dentes, os olhos escuros, o rosto pálido mortalmente. A última fibra de controle se rompeu.

Como um alucinado, ele ligou o sabre de lâminas vermelhas e, em um pulo, alcançou o aparelho de holograma e o destruiu furiosamente, o quarto caindo nas sombras vermelhas. Contorcendo-se na decisão que tinha que tomar, soltou um grito e, como um louco, girou o sabre alucinadamente por todo o recinto, matando todas as mulheres, uma a uma, a lâmina tirando-lhes a vida com uma misericórdia brutal.

Quando percebeu que todas as vidas se diluíram por suas mãos, Ben caiu de joelhos, desesperado, exausto, morto por dentro em desalento, as lágrimas correndo em suas faces e desligou o sabre, imergindo na escuridão, caindo dentro de si mesmo, o corpo abandonado no chão de mármore negro.

Viu-se novamente em seu castelo de areia, em seu reino perdido, as paredes se esfarelando entre as rachaduras abertas, os degraus das escadas se desfazendo em pó, o teto arenoso ruindo sobre sua cabeça, o chão se dividindo em várias partes, os dois sóis se escondendo no horizonte.

Entre os destroços de seu palácio caindo por todos os lados, ele viu a última luz dos dois sóis desaparecer entre as dunas de areia. E, então, a noite caiu sobre ele. 


Notas Finais


Mar acastanhado foi uma referência a essa expressão poética que André, escritor excepcional e autor de A Criação da Luz, utilizou em sua história maravilhosa postada aqui na spirit. Gostei tanto que a trouxe para cá. Obrigada pela poesia das palavras... elas são inspiradoras!!!

nota: neurânio e balestra wookiee foram retirados do livro O Caminho Jedi - Um manual para estudantes da Força, de Daniel Wallace, ed. Bertrand Brasil. Ganhei o livro no ano passado e, dando uma nova olhada nele, percebi que há muitas informações que podem enriquecer a fan fic.


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