Edinson Cavani
Eu achava que era cheiro de morango ou algo parecido, mas agora não tinha certeza. Era um cheiro muito próprio, terrivelmente delicioso e viciante.
Eu não tinha certeza se já estava acordado ou se tudo tinha sido um sonho e eu ainda estava viajando com o cheiro que eu tinha guardado em minha cabeça. Mas então o despertador tocou e eu me movi rápido demais na cama. Ergui meu tronco olhando pro meu lado vazio.
- Amélie? – minha voz ecoou no quarto sem resposta.
O despertador na cômoda não parava de tocar e eu virei pra desliga-lo, e parei ali.
“Eu tinha que ir. As coisas ficam ainda mais confusas pela manhã. Faça uma boa viagem! Amélie.”
Apertei os olhos depois de ler o bilhete do lado do despertador. Faltavam trinta minutos pras nove, a hora que eu devia estar no aeroporto, mas tudo que eu queria era ir atrás dela. Passei mais dez minutos sentado na cama pensando no que devia fazer, e quando David ligou me apressando eu corri pra me arrumar.
Minha cabeça ainda repetia as cenas e as sensações da noite passada e passava cada trecho em slow motion, como que pra eu sentir tudo de novo. E eu não conseguia tirar o sorriso idiota do rosto.
- IIIIH, Que cara de magnata é essa? Só porque tá indo pra Dubai é? – David diz rindo quando eu entro na sala de espera do aeroporto.
- Você não sabe o que aconteceu. – eu digo de uma vez sentindo a necessidade absurda de compartilhar com alguém pra tornar mais verdade ainda aquela noite.
- O que foi? – Verrati senta na cadeira do lado de David e eu reviro os olhos pro baixinho curioso.
- Preciso fazer uma ligação antes. – digo enquanto me afasto com o celular na mão. Meus dedos correm pro número de Amélie em minha agenda e eu ouço os toques da chamada. Cai na caixa postal e eu ainda ligo mais duas vezes, antes de desistir.
- Tá tudo bem? – David pergunta e eu me viro pra assentir.
Decido dar um tempo pra ela e ligar de novo quando chegar em Dubai.
Eu sequer tinha conseguido conceber a noite dormindo ao seu lado, imaginava o quanto ela devia estar confusa.
Amélie Bouvier
Eu não devia ter saído de fininho antes dele acordar. Foi uma atitude ridícula e muito infantil, mas eu não conseguiria encará-lo. Não depois da noite...
Caramba. Nós nem tínhamos feito... E eu já estava morrendo de vergonha por minha audácia. Eu tinha agarrado ele e pedido pra ele me beijar e beijado ele várias vezes a noite inteira!
Todo meu corpo ainda estava em êxtase, como se eu tivesse ligada numa super voltagem. Eu precisava abrir minha cabeça e pensar com clareza. Não dava pra pensar direito quando ele estava tão perto, e agora com ele em Dubai ficaria melhor.
Eu achava que sim, mas não estava sendo fácil.
Dirigi pra casa do meu pai e Sue me abriu um sorriso quando entrei.
- Foi mal deixar a Cami aqui a noite toda. Eu devia ter avisado. – eu digo depois de abraça-la e ela sacode os ombros e faz um muxoxo.
- Não seja boba. Adoro quando a Cami fica aqui.
- Cadê o papai e ela? – pergunto enquanto a sigo pra cozinha.
- Estão na horta. Cami tá empolgada com os morangos que nasceram. – ela diz e eu rio. – Quer um café? – eu assinto e pego a xícara que ela me estende. Sigo para o quintal e avisto meu pai de cócoras em frente à horta junto com Cami.
Cami segura o cesto e mexe nos morangos que meu pai coloca dentro. Olhando pra ela ali com ele, eu só conseguia me lembrar do Adrien e de como os dois se pareciam. Como adoravam ficar com o papai e se divertiam com tudo que ele fazia.
- Mamãe! – Cami grita quando me vê e eu sorrio.
- Bom dia, meu amor. – eu coloco a xícara na bancada e abro os braços depois de vê-la correr pra mim.
- Que saudadona! – ela diz animada me apertando pelo pescoço e eu rio.
- Morri de saudade também. – eu acaricio seu rosto e ela sorri afastando um cacho do olho.
- É verdade que cê tá brava com o tio Gus? – ela pergunta e eu franzo o cenho. – O vovô disse que cê tava uma arara com ele, porque ele foi um babacão. – eu levanto os olhos pro meu pai que se estica na varanda.
- Seu avô às vezes fala demais. – arqueio uma sobrancelha pro meu pai e ele dá de ombros rindo. – Eu e o Gus vamos nos resolver logo, amor. Agora porque cê não vai lavar essas mãos pra gente tomar café? – eu digo e ela assente correndo pra dentro de casa.
Endireito o corpo e encaro meu pai cerrando os olhos.
- Bonito, hein seu Claude?
- Só disse a verdade. – ele murmura e abre os braços pra mim.
- Porque cê implica com o August? – pergunto antes de abraça-lo.
- Não implico com ninguém. Só digo a verdade.
- Você não tem jeito. – ele me aperta em seus braços e depois me afasta pra olhar pra mim, com as mãos em meus ombros.
- Tá tudo bem? – ele pergunta e eu assinto. – Você parece... Perturbada.
- Pareço? – pergunto e ele assente.
- É sobre o August e Cavani? – ele arqueia as sobrancelhas e eu abro a boca assustada. - Sei ler as pessoas. – ele diz, me puxando pra sentar ao seu lado na cadeira de balanço. – Principalmente você. – eu sacudo a cabeça em negação e solto um suspiro longo.
- Estou uma bagunça, pai. – murmuro derrotada e ele assente, puxando minha mão entre as suas.
- Eu imagino, boneca. – ele acaricia minha mão. – Tem o médico, mas você também gosta do jogador, não é?
- Eu gosto... Eu gosto dele, pai. – minha voz sai em um sussurro e ele assente de novo. – O que vou fazer? – eu sacudo a cabeça e vejo meu pai olhar pra mim.
- Por mim não ficava com nenhum.
- Pai!
- Você é minha bonequinha! Não quero te perder pra nenhum marmanjo. – ele diz e eu rio pelo nariz antes de deitar a cabeça em seu ombro.
- O senhor não tem jeito mesmo.
- Eu não posso te dizer quem você deve escolher. Tudo que posso fazer é rezar muito pra você ser imensamente feliz com sua escolha. – ele diz e puxa minha mão até seus lábios. Deposita um beijo no dorso e sorri.
- Obrigada, pai.
- Vamos comê! – Cami aparece no quintal gritando e eu rio abrindo os braços pra ela, que corre e pula no meu colo na cadeira. Ficamos os três abraçados olhando o sol ficar mais quente no alto do céu.
Momentos como aquele era o que eu queria pro resto da vida.
******
Era sábado, e eu estava de folga. Tinha passado o dia inteiro limpando a casa e olhando Cami brincar. Elena ia passar a noite conosco assistindo filmes e comendo pipoca com chocolate. Precisávamos de uma noite de garotas como antes, e eu precisava pensar em outra coisa que não homens.
- Trouxe sorvete! – Elena berra quando entra em minha casa e vejo Camille pular no sofá de pijama.
- Podemos sorvete de noite, mamãe? – Cami pergunta e eu faço cara feia pra Elena que dá de ombros rindo.
- Só hoje tá? Não quero você doente.
- Eba!!!
As duas correm pra sala de televisão brigando pra escolher o filme e eu vou pra cozinha separar as comidas. Mas antes que eu comece, ouço a campainha tocar e volto pra sala, pra abrir.
- Vocês duas podem, por favor, parar de brigar e escolher logo esse filme? – eu berro pra Cami e Elena que ainda discutem como duas crianças da mesma idade.
Abro a porta e preciso dar um passo pra trás pra conceber a presença em minha varanda. Seus olhos incrivelmente azuis me observam antes dela menear a cabeça pra olhar meu corpo todo. Compreensível. Estou vestida num pijama com estampa de girafas enormes e meias coloridas nos pés.
- Podemos conversar? – Sra Dupont pergunta com sua voz límpida e eu tento endireitar a postura pra não me sentir intimidada. Dou espaço pra que ela entre e fecho a porta quando ela passa.
Ela analisa minha pequena sala e se volta novamente pra mim. Desejo imensamente ter passado o aspirador no sofá, e cruzo os braços na frente do corpo tentando ficar calma com ela em pé no meio da minha sala.
- Sobre o que quer conversar? – pergunto e forço uma tosse ao ouvir minha voz esganiçada.
- Você sabe sobre o quê.
- Não, eu não...
- Nós já escolhemos... – a voz de Elena morre quando ela entra na sala e vê Sra Dupont parada. As duas se entreolham e eu me pergunto se vou presenciar o embate do século. – Te espero lá dentro. – Elena encontra a voz e dá as costas, mas antes que consiga voltar pra sala de televisão, a Sra Dupont a chama.
- Elena, certo?
O corpo de Elena se vira devagar novamente em direção à senhora elegante em minha frente.
- A ex do August. Sabia que te conhecia de algum lugar. – ela diz com a voz indecifrável e eu engulo em seco esperando a resposta malcriada de Elena.
- Não. A senhora não me conhece. Nunca fez questão de conhecer. – Elena sibila sem mágoa na voz. Parece apenas fazer uma constatação que há muito queria.
- Foram outros tempos, não é mesmo? – Sra Dupont não perde a pose e Elena revira os olhos.
- Grace! – a voz de Cami irrompe o ambiente hostil e ela corre pra abraçar as pernas da senhora.
- Doce Camille. – Sra Dupont se agacha pra igualar sua altura à de Cami e a abraça forte. – Senti sua falta nos últimos dias. Não tem ido me visitar.
- Vou pedir ao tio Gus pra me levar ao castelo, loguinho. – Cami diz animada se referindo à mansão dos Dupont.
- Por favor. Vou te esperar com nossos bolinhos de canela.
- Eu adoro os de canela.
Eu fico embasbacada com elas duas conversando. Eu sabia que Camille gostava da Sra Dupont e que ela era muito simpática com Cami, mas não sabia que agiam de forma tão intima. Muito menos que a Sra Dupont agia como uma avó elegante. Não consigo conter o espanto e noto a mesma expressão no rosto de Elena, que sacode a cabeça e estica a mão pra Cami a chamando para dentro. Cami se despede e volta pra sala de televisão com Elena.
A sra Dupont se recompõe e aponta pro meu sofá. Eu sacudo a cabeça e assinto muito rápido tentando voltar a pensar direito.
Nós nos sentamos, ela no sofá e eu na poltrona. Uma de frente pra outra. Seu terninho alinhado me faz ter vergonha do meu pijama, mas eu elevo o queixo tentando não me inferiorizar.
- E então...
- August me contou sobre você ter querido cancelar o casamento.
- Sobre eu ter cancelado o casamento. – corrijo e ela meneia a cabeça me olhando.
- Qual o motivo exato? – ela pergunta me encarando com aqueles malditos olhos azuis de reprovação e eu inspiro fundo.
- Isso é assunto meu e do seu filho.
- Amélie. Você não tem que ficar na defensiva comigo. – ela diz suavemente e alguma coisa dentro de mim ferve.
- Eu sempre tenho que estar na defensiva com a senhora. – não contenho as palavras e a vejo me encarar.
- É por isso que quer cancelar o casamento há duas semanas dele acontecer?
- Meu relacionamento com August não gira em torno da senhora. – digo, novamente não contendo as palavras.
- O que ocorreu com... Elena anos atrás nada tem a ver com você agora, Amélie. Não sei por que esse comportamento repentino, mas eu realmente gosto de você.
- Gosta de mim? Gosta de mim ou gosta do fato de eu ser uma maldita massa de modelar? – Sra Dupont franze o cenho e eu sacudo a cabeça tentando manter meu tom de voz educado. – Você vetou Elena por ela não ser adequada.
- Vetei Elena por saber que August só a queria pra provar coisas pra nossa família. – ela diz devagar. – Tinha acabado de se formar e se sentia livre. Pronto pra esfregar sua liberdade em nossa cara. Estava agindo como um maldito menino tardio querendo mostrar para os pais superprotetores que podia namorar uma garota tatuada e cheia de personalidade que trabalhava numa boate. – eu seguro minhas palavras quando ela continua. – Acha mesmo que se August de fato amasse a Elena ele teria se importado com meu veto?
- Você foi dizer aquelas coisas a ela...
- Sim, disse. Mas ela me falou que não se distanciaria porque ela o amava, certo? Mas e quanto a August? Se ele a amasse ele não se importaria com meu veto. August já era um homem. Formado, com um apartamento e emprego. Não precisava do meu apoio pra nada.
Eu não consigo dizer nada e Sra Dupont continua a me olhar.
- Foi fácil pra Elena me culpar pelo rompimento com August. Foi mais fácil do que admitir que ele não a amava.
De repente eu desejo que Elena não esteja escutando e se estiver que não se importe mais com aquilo, porque de fato cada palavra que aquela mulher diz faz todo sentido.
- Não gosto de você por julgá-la adequada pra meu filho. Apesar de que sim, te acho uma mulher realmente “adequada” em qualquer aspecto. – ela diz e eu arregalo um pouco os olhos com suas palavras. – Gosto de você, Amélie, porque sei que Auggie também gosta. Ele não usa você pra me provar nada. Ele está com você porque te ama, e entenda minhas palavras como as mais sinceras... Você não devia pensar em cancelar o casamento por uma história tão passada.
- Não é só isso. – eu me vejo dizendo e sacudo a cabeça em negação, me levantando. – Quer dizer... Eu também amo o Auggie, mas... As coisas são mais complicadas agora.
A sra Dupont levanta também e assente.
- Entendo. – ela dá passos elegantes em minha direção e toca meu ombro com delicadeza. – É uma decisão sua, querida. Pense bem na história de vocês. – ela sorri de lado, mostrando minimamente seus dentes perfeitos. – Ainda não enviei as notas de cancelamento para os convidados, nem dispensei o buffet, a igreja e o hotel. Vou fazer isso amanhã à tarde. Se mudar de ideia, por favor me ligue e me impeça. – ela diz e eu mordo o lábio sentindo meu ombro formigar com seu toque. – Vou esperar sua ligação, ansiosa. – ela sorri mais uma vez e então desvia e abre a porta pra sair. Vejo-a andar elegante pra saída, e então seu motorista abre a porta pra que ela entre. Ela ainda acena com a mão antes de entrar e então se vai.
Eu fico olhando a rua vazia antes de fechar a porta, ainda solvendo a conversa mais longa e honesta que já tive com ela em todo o tempo que a conheço.
- Isso foi...
- Bizarro. – Elena completa e eu me viro pra ela. – Mas ela tem razão... Sobre August. Talvez na hora eu não tenha querido ver. Mas sei disso agora. – ela murmura e eu encolho um pouco os ombros, ainda me sentindo desconfortável com aquele assunto. – Mas, e aí? Você vai ligar pra ela amanhã?
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