2015, Londres - Inglaterra
O despertador berrante anunciava um começo de mais um dia. Levantei e me sentei devagar, esfregando as mãos no rosto. Bom, não era um dia qualquer. Era o meu primeiro dia do meu segundo ano na faculdade e eu deveria estar empolgado, mas eu não estava. Tentando encontrar um mínimo de vontade que fosse, deixei que minhas pernas me guiassem até o banheiro.
Meus olhos através do espelho captavam a essência da minha desanimação. Os olhos caídos, as olheiras leves mas perceptíveis... Tudo em mim era tédio, e talvez infelicidade. Mas eu não me importava muito, afinal, eu não tinha do que, realmente, reclamar.
Tentei ignorar a dor de cabeça que começava a voltar, e comecei a procurar roupas para vestir dentro do meu closet. Entre tantas peças escuras, separei um jeans preto e uma camiseta da mesma cor, sendo que a minha jaqueta usual de couro iria me proteger do frio típico de Londres. Calcei meus sapatos e com uma mochila surrada nas costas, eu saio do meu quarto, me deparando com a minha irmã na cozinha, sentada na ilha.
- Nosso pai ligou hoje de manhã
Malika estava atenta ao seu sigiloso café da amanhã: torradas com uma precisa quantidade de geleia e uma xícara pequena de café. Ela nem ao menos me olhou, mas isso não era novidade. Sentei em um banco que me dava um amplo campo de visão da sua presença e, ao perceber que eu não havia respondido, levantou os olhos cor de mel para mim.
- Você não vai responder?
- Eu não vou falar com ele, Mali – foi tudo que disse, soando impassível
Deu uma mordida na torrada, revirando os olhos. Mas não disse mais nada, nem voltou a me olhar. Enquanto eu me servia de muito café, ela recolhia o material que estava espalhado em cima da ilha da cozinha; mas antes de sair, fez questão de segurar o meu braço esquerdo:
- Você precisa crescer, Abel
Seus olhos claros eram tão ágeis quanto os de um gato, e a reprovação em seu olhar, apesar de me trazer coisas ruins, não era algo novo.
- Só porque eu moro com você, não quer dizer que preciso ser que nem você – falei, tirando o braço de seus dedos apertados
- Você só precisa parar de ser tão irresponsável, Abel – suspirou, desviando o olhar com ar de cansada
- Você não é minha mãe
- Ainda bem que não sou
E saiu, deixando somente um pequeno maço de palavras para serem processadas. Desistindo de tentar entender o motivo de tanta preocupação vindo da minha irmã, terminei o café em três longos goles. Assim, sem abandonar a mochila, sai do apartamento vazio e fui até o elevador, me direcionando para o estacionamento.
Ah, droga, como minha cabeça doía! Tentando me sentir melhor, procurei um cigarro de maconha no porta luvas e, apesar de estar dirigindo, eu o acendi e coloquei agilmente entre meus lábios.
No carro, enquanto a paisagem passava como borrões sobre meus olhos, eu refleti que a vida sempre nos obrigaria a tomar decisões e decisões era algo que eu sempre buscava evitar. Deve ser por isso que minha irmã, Malika, acha que eu sou um ser humano desprezível, vagabundo e irresponsável – eu simplesmente não conseguia tomar um rumo correto na vida. Eu não a culpo mais, já que com vinte anos nas costas, comecei a ver que a culpa não era de mais ninguém, além de minha.
Terminei meu cigarro assim que estacionei o carro na vaga de sempre e sai do próprio, sendo que não me surpreendi ao ouvir a voz aveludada me chamando com tranquilidade. Fingindo que não esperava nada, me virei, pronto para esticar minhas bochechas em um sorriso.
Como esperado, lá estava ela. Como um anjo pecaminoso, seu jeans modelava suas pernas longas dignas de uma modelo e um cropped nada discreto cobria o que muitos garotos ali queriam ver. Nos lábios, um gloss vermelho e, nos olhos, um delineado perfeito que, junto com seu cabelo escuro e liso, lhe dava um ar de rainha do Egito.
- Você demorou – murmurou, se aproximando e rodeando meu pescoço com seus braços.
- Você sabe que eu não gosto de estar aqui, Bella – disse, completamente atento aos seus lábios
Ela sorriu, como se soubesse o maldito efeito que tinha em mim. Então, não tardou para ela deslizar a boca macia sobre a minha para depositar um beijo breve e simples, mas completamente sexual, acabando por me deixar um tanto quanto animado.
- Tudo bem – os olhos semicerrados continuavam atentos aos meus lábios – Você sabe que posso tornar seu dia melhor
Eu entendi a promessa por trás daquela singela frase, então com um sorriso malicioso e as mãos entrelaçadas, caminhamos lado a lado pelo estacionamento, fingindo estarmos alheios aos olhares invejosos e desejosos das pessoas ao redor.
Olhei para ela, percebendo que um sorriso bobo enfeitava seu belo rosto com traços delicados e renascentistas. Eu sei que Bella Hadid nasceu para isso: a atenção e a idolatria, eram dela. É uma garota que precisa de joias para adornar sua beleza, e que precisa de um homem que exalte a sua existência – e, claro, que tivesse uma conta bancária significativa.
Eu tinha tudo que ela precisava, essa é a verdade. E, por causa disso, ela é a única certeza que eu tenho na minha vida. Isso pode até soar doentio, mas quem não é doente hoje em dia? Ela meio que sabe que a nossa relação possui interesses mútuos, como um ótimo negócio empresarial. Entre nós não havia amor, apesar de nunca tê-lo sentido por uma mulher... Mas no fundo, eu sabia que não era. No mínimo, eu estava apaixonado.
- Sabe, eu estava pensando em sair com meus pais para jantar naquele restaurante que...
Eu desviei minha atenção, não me importando muito com o que ela tinha a dizer. Olhava ao meu redor, e encontrei diversos pares de olhos atentos em mim; mais especificamente na gente. Suspirei. Estava rodeado por pessoas e estava com uma das mulheres mais bonitas do mundo para esquentar a minha cama, mas por que tudo soava errado? Por que eu me sentia errado?
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