Levi pôde perceber que algo sobre Eren estava errado. Talvez fosse sua intuição médica falando muito alto, ou apenas loucura sua, mas o garoto estava ficando consideravelmente mais frenético, além de fazer com que o médico aumentasse as doses de neurolépticos devido as alucinações que ficaram mais presentes e duradouras. E isso acabou causando um deslize na personalidade do paciente. Ele, que antes era curioso e doce, estava mais cismado, apático e elétrico. Isso preocupava Levi em escalas extremas.
— Eren, para de se mexer, eu não vou conseguir com você contraindo os músculos desse jeito. — nesse momento, o mais velho fazia um curativo no cotovelo ralado do garoto, tentava passar um remédio no machucado. Este havia se ralado porque caiu enquanto corria.
— Mas vai arder!
— Ninguém mandou ficar correndo na chuva. Tsc, onde já se viu...
Levi encostou a ponta do pincel com remédio no ferimento de Eren quando o mesmo finalmente ficou parado.
— Ai! Isso dói! As borboletas estão sorrindo! Por que elas estão sorrindo? Será que elas gostam do meu sofrimento? Elas gostam! Levi, elas estão sussurrando para mim. Elas dizem que a polícia me quer morto. Isso é verdade?
A rapidez com que Eren falou essas palavras poderia até ter assustado Levi, se o mesmo já não estivesse acostumado com esse tipo de situação. O garoto estava delirante, ficava se balançando para frente a para trás, seus olhos transbordando medo.
— É mentira. — o mais velho suspirou, colocando um band-aid no fino corte. — Não confie nas borboletas. Vem, hora dos remédios.
O maior se jogou na cama em que antes estava sentado e cruzou os braços.
— Não! Os remédios me fazem dormir, eu não quero dormir agora, eu gosto de conversar com você!
Levi suspirou novamente e passou a mão pelos cabelos, aquele pirralho definitivamente estava fora de si. Optou por simplesmente pegar o comprimido em cima da mesa e estender a garrafa de água para Eren.
— Eu não tenho o dia todo pirralho, toma logo isso.
— Não! — se sentou na cama e virou o rosto.
— Eu devo ter sido Hitler na minha vida passada, não é possível. — o médico revirou os olhos e pisou no pé do paciente, fazendo com que o mesmo soltasse um grito agudo. Se aproveitando da situação, enfiou o remédio por goela abaixo com o auxílio da água. Eren ficou tossindo por pelo menos um minuto.
— Agora vê se para de delirar e vai dormir, já passou da sua hora. — o menor apagou as luzes e saiu pela porta, tendo os olhos de Eren em suas costas.
— Você sabe que eu não consigo dormir bem depois de tomar remédios! — Eren gritou antes do médico fechar a porta.
— Então fica pulando na cama até o sono chegar, você precisa das suas oito horas diárias de sono. — e bateu a coitada da porta.
O esquizofrênico se levantou da cama em um salto, ficou andando em círculos pelo quarto, conversando consigo mesmo e com suas vozes mentais.
"Eren, você quer acabar com todo esse sofrimento, não é?" Disse uma borboleta fantasiosa que voava pelo quarto.
— Sim. — o moreno disse enquanto franzia o cenho.
"Então vá até o banheiro, quebre o espelho, pegue um caco de vidro e corte seus pulsos! Todos os seus problemas vão desaparecer como mágica" ditou uma coruja embaçada por causa dos remédios parada na pequena janela de seu quarto.
— Não, não daria certo...
"Mas você nem sequer tentou, vamos lá... qual é o pior que pode acontecer?"
Eren pensou por uns instantes, no final, decidiu ir até o pequeno banheiro que havia em seu quarto. Olhou seu reflexo no espelho, antes de se virar para a borboleta falante.
— Tem certeza que isso vai dar certo?
"100% de certeza, confia em mim, somos seus amigos, não somos?" respondeu.
Eren se aproximou do espelho e, usando sua escova de dentes, quebrou-o em médios fragmentos, fazendo um barulho alto. Pegou um dos pedaços com a mão trêmula e levou para perto de seu pulso esquerdo. Estava fora de si, sua mente chegou à um ponto em que não conseguia distinguir o letal do saudável, estava em um looping mental aonde por mais que quisesse se curar, mais se prejudicava.
"Faça, faça" dizia tanto a borboleta quanto a coruja em uníssono.
Por fim, fez um corte profundo em seu pulso, mais outro, e outro. Só conseguia gritar de dor, sentia seu próprio sangue manchar suas roupas e o restante de seu braço, queria parar, mas não conseguia, era como se a ideia de se ver livre de suas alucinações e sofrimentos estivesse mexendo com seu corpo além do psicológico. Ficou nisso até escutar a porta de seu quarto abrir de súbito, escutou uma voz masculina gritar algo que não entendeu de início. E depois disso, uma pontada forte no braço, e mais nada.
Quando acordou, estava deitado na ala hospitalar da clínica. Haviam alguns pontos em seu pulso esquerdo. Percebeu com o canto dos olhos Levi lhe encarando com descrença.
— O que deu na sua cabeça para tentar se matar?! — o médico gritou enquanto se aproximava da maca.
— A-as borboletas me disseram que eu não sofreria mais. — sua voz ganhou um tom choroso por causa da pontada que agora sentia pelo corpo, provavelmente pelas horas que esteve ali, mal dormidas.
— E o que eu te disse sobre as borboletas?
— "Não confie nelas".
— Ótimo. Consegue se levantar?
— Acho que sim.— usou sua mão direita para apoiar seu corpo e assim se levantar da maca.
— Nunca mais faça algo do gênero, okay? Você preocupou o Armin e olha que ele já deve estar muito preocupado tendo que cuidar de um psicopata. — ditou enquanto fitava Eren se levantar, dando alguns murmúrios de dor. — Se já chegou a esse ponto, acho que terei que aumentar a dose dos seus remédios. — disse em um tom baixo mais para si mesmo do que para Eren, que o olhou assustado.
— O que? não! — o mais novo estava visivelmente desesperado.
— Eren, eu tenho que fazer o que eu preciso fazer. Se você for ficar tentando se matar é melhor que...
— Eu não vou. — o mais novo interrompeu. — Não vou mais tentar me matar, é sério.
— Vou confiar em você, mas se me desapontar, teremos que tomar medidas sérias. — o médico estendeu sua mão para ajudar Eren a caminhar normalmente enquanto saíam da ala hospitalar já que o mesmo ainda estava meio tonto.
— Você vai passar o Natal com alguém? — o maior perguntou após um longo silêncio.
— Geralmente eu passo na casa de amigos, mas sinceramente, não sei. E você? — disse tentando esconder o fato de que a data comemorativa havia outro significado para si.
— Acho que vou voltar para casa. Mas toda vez que eu vejo o olhar dececionado da minha família sempre que eu falo alguma de minhas loucuras, eu me quebro mais um pouco. — o paciente abaixou o olhar.
— Então se esforce para não decepcioná-los mais. Nós estamos aqui para te ajudar, Eren, mas isso também depende de você. — Levi falou em um tom neutro.
— É, você tem razão. Mas não desista de mim e da minha loucura também, okay?
— Não vou. Quer dizer, apenas se você me irritar muito. Aí teremos problemas. — o menor observou o garoto se deitar na cama assim que chegaram ao quarto.
— Não conte muito com isso, as pessoas costumam dizer que eu sou bem irritante.
— Ah, mas você é. — sem esperar Eren responder, Levi fechou a porta após sair pela mesma. O moreno ficou encarando o escuro por um bom tempo.
— Obrigado por não desistir de mim ainda, Levi.
Se passando mais uma semana, Eren fez como prometera e nunca mais tentou nada do gênero. Mesmo que isso significasse olhares raivosos de suas corujas e borboletas imaginárias.
No momento, ele se encontrava sentado de pernas cruzadas no chão, as pontas de seus polegares e indicadores se tocavam gentilmente, suas mãos estavam apoiadas na área lateral de seus joelhos e seus olhos fechados.
— Pirralho, hora do medica... O que diabos é isso, Eren? — Levi acabara de entrar no quarto do paciente e o encontrou nesta posição, cercado por flores vermelhas provavelmente arrancadas do jardim.
— Estou tentando abrir meu chakra raiz. — ditou sem abrir os olhos. — Se der certo eu vou me sentir mais estável, talvez assim eu pare de viajar na maionese e enxergar coisa que não existe. "Laaaaaam".
Levi colocou a bandeja com o remédio em cima da cama e cruzou os braços. Mas que garoto bobo, pensou, no entanto chegava até a ser fofo.
— Eren, não é bem assim que as coisas funcionam.
O garoto abriu um olho de cada vez, desistindo de seus objetivos e se levantando, claramente desapontado.
— Eu só quero deixar de ser um alucinado. — disse tomando a pílula e um gole de água.
— Quer deixar de ser alucinado? Tome seus remédios corretamente e não me aborrece.
— Levi, você já se apaixonou? — Eren mudou de assunto enquanto bebia o resto da água apenas por sede.
— Por que quer saber? — ergueu uma sobrancelha.
— Sei lá, você sabe tanto sobre mim e eu não sei nada sobre você. Apenas me pareceu justo. — deu de ombros, afinal, era verdade.
— Garoto, eu tenho trinta anos. Já tive muitas experiências no ramo de relacionamentos. Então sim, já me apaixonei. — Se apoiou na parede do quarto, prevendo que aquele assunto iria render um pouco mais.
— Homem ou mulher?
— Os dois.
A resposta surpreendeu Eren. O médico sempre lhe pareceu muito o estereótipo de homem hétero.
— Você ainda namora?
— Não.
— Seu último relacionamento foi com uma mulher ou com um homem?
— Uma mulher.
— E vocês terminaram por que? — Eren nem se preocupou se estava passando dos limites ou não. Suas "vozinhas" só lhe diziam "pergunte isso e isso".
— Você não acha que está fazendo perguntas de mais, garoto? Vai tirar um cochilo, eu hein. — Levi se preparava para sair quando o paciente lhe chamara outra vez. — Que é?
— Eu não consegui te falar aquele dia, mas obrigado por não desistir de mim.
— De nada, agora vai dormir.
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