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História (De)floramento - Segundo crepusculo


Escrita por: NecMizu

Notas do Autor


Mais um. Espero que gostem. s2

Capítulo 4 - Segundo crepusculo


O MMO que eu jogo é relativamente interessante pelo que sei. Não que eu realmente ligue muito para a opinião dos outros sobre os jogos que eu gasto meu tempo, mas de todo modo, é interessante saber. E pra ser sincero, eu sempre vejo os servidores até cheios. Como todo o game world é bem grande, você talvez precise de um pouco de dedicação para encontrar pessoas as vezes... Ou pura sorte. Mas de todo modo, eu normalmente jogo sozinho. Eu sei que é um MMO, mas eu não tenho a menor vontade de interagir com gente estranha, quer dizer, antes eu tinha... E até tinha uns contatos legaizinhos comigo, mas eventualmente eu me separei deles, do mesmo modo que eu me separei do resto das pessoas... As vezes tem um boss ou um objetivo muito difícil, mas nesses casos, ou eu ignoro a quest ou muito sorrateiramente arrumo entrar numa party. Isso é bem simples até, pois muitas pessoas, aquelas que não são lixos humanos como eu, as vezes deixam bem claro que estão atrás de um grupo para derrubar esse ou aquele boss/quest. Esgueirar-me num grupo desses é simples, até porque, quanto mais ajuda melhor para todos. E sem falar que eu normalmente ando com classes de suporte... Soa meio estranho né? Alguém jogando de suporte solo em um MMO... Nem mesmo no mundo virtual eu realmente interajo mais... Eu e tranquei aqui, e não posso sair. Eu não quero sair. De todo modo, eu passei toda a tarde nisso, e devo dizer que consegui fazer meu personagem ir do nível 1 ao nível 20 quase. É, eu gastei o dia todo naquilo mesmo, tanto que já era início da noite e eu estava exausto daquilo. Pois bem, de todo modo, eu olhei para as cortinas pesadas e notei que já não tinha quase luz alguma entrando, o que só podia indicar que estava anoitecendo. Ah, eu estava com fome. Mamãe e papai me trouxeram aquela comida e agora eu já havia desacostumado-me com a fome constante que eu sinto quando estou trancado aqui... A gentileza deles, por mais amável que seja, não pode ser a razão para eu sair... Dane-se você estômago. Eu já sai demais, sem falar que você foi um dos culpados de toda aquela crise de vômitos que eu tive hoje mais cedo... E por falar em vômitos, só de lembrar isso eu lembrei-me... Ah, que coisa horrível de se lembrar. Só de lembrar eu já estou começando a sentir ânsia. Só de lembrar daquela... Coisa... Eu devo dizer que eu já tive minha cota de pesadelos ruins, mas esse está levando o Oscar deles até o momento. Eu nunca tive algo como aquilo, pois parecia tão real e de certo modo me afetou tanto que eu até tenho a pergunta se realmente não ocorreu. Será que eu, por alguma chance, fui parar naquele local maldito e quase fui esfaqueado por aquela... Merda, seja lá o que foi aquilo. Bem, de todo modo, agora é muito tarde para pensar nisso... Eu não estou muito afim de dormir de todo modo, e também, a noite tinha acabado de começar. Eu não iria dormir tão cedo, acho... Mas pra ser sincero, não demorou muito para eu começar a sentir-me cansado após ter fechado meu jogo. Uhu, outro personagem pra coleção de personagens maravilhosos que eu tenho... Meu único consolo é imaginar que no mundo deles, eles, diferente de mim, são felizes e úteis quando eu deslogo. Talvez após serem controlados pelo parasita que esta controlando o teclado, eles vão até alguma estalagem in-game e ajam como NPC's entre si... Hah. Isso que eu chamo de pensamento triste. Aqui estou eu, divagando como meu personagem deve agir no MMO após eu dar logout... Eu as vezes surpreendo-me com o nível que eu tenho chegado. Eu realmente sou estúpida. Mas de todo modo, agora é tarde demais. Pois bem. Não mais vontade alguma para meu jogo... Eu poderia fuçar algum fórum. Eu não posto, mas eu gosto de acompanhar o que estão falando as vezes... Isso pois na maior parte do tempo eu posso imaginar que eu não existisse mesmo... Sou um fantasma, presenciando a conversa de um grupo de pessoas felizes e estáveis em suas vidas. Nem em minhas melhores expectativas eu acreditei que um dia poderia ser isso... Eu não tenho a coragem necessária para acabar com tudo e ver se realmente irei me tornar uma alma penada. Mas enfim, esse não deveria ser o foco da questão, uma vez que tenho problemas maiores a me preocupar... Quer dizer, ter realmente eu não tenho... Acho. De todo modo, acho que eu vou precisar arrumar algo para ocupar minha cabeça contra essas coisas estranhas que estão ameaçando-me de aparecer. Nisso eu me estiquei novamente e me pus de pé, sentindo certo alívio por finalmente poder esticar as pernas. Não tinha reparado como meu corpo estava dolorido de passar horas parado na frente de um computador, mas isso eu deixo para refletir depois. Caminhando até a cama que eu havia arrancado o lençol, deito-me nessa de barriga para cima e com a cabeça na direção da televisão, onde está o controle mesmo? Bem aqui. LIgando-a, eu começo a mudar os canais, tentando encontrar algo. Eu sou um fresco, apesar de ter todos esses canais, eu não tenho mais interesse na maioria deles... Optei por parar em um dos canais de filmes... Ah, esta passando um filme de terror cedo assim? Eu realmente não devia ficar vendo isso, especialmente depois do ocorrido de hoje de manhã, mas eu não tenho mais nada pra fazer, então eu fiquei lá, assistindo. Esses filmes normalmente não me afetariam, mas eu vou dizer que estava sensibilizada devido a ter sonhado com aquela coisa apalpando-me e tentando me matar... Eu realmente me senti ansioso assistindo aquilo, por pior que o filme fosse. 

-Eu devia ler um livro... - não pude deixar de murmurar para mim próprio - Ou jogar outra coisa... 

Eu vou deixar a TV ligada, e me erguendo novamente, sento na borda da cama e aperto minhas mãos entre as coxas, reclinando-me um pouco para frente enquanto olho ao redor desinteressado. É. Essa é a vida que eu tenho, essa é a vida que eu escolhi... Quer dizer, escolhi entre aspas... A meus pés estão as infindáveis almofadas, travesseiros e lençois que usei para forrar meu chão de madeira, fazendo meu quarto uma enorme cama... Meu laptop fica na mesa de café bem ali, a mesma onde eu estava minutos atrás... Tem a TV iluminando meu quarto... E tem o resto das minhas coisas... Uma mesa com alguns livros encima... Um armário com minhas roupas, tralhas e mais livros.... Pra ser sincero, eu não tenho muitos livros, o que mais tenho são cadernos fofos... Cadernos de menina pra ser sincero... Eu gosto deles, e é lá que eu normalmente escrevo minhas coisas quando estou me sentindo inspirada para escrever sobre a porcaria de vida que eu tenho... Eu só me sinto mal porque nisso eu faço minha família sofrer... Eu realmente não quero fazer meus pais e meu irmão mais velho sofrerem por eu ser uma falha, por eu ser quebrado desse jeito. Eu não quero que eles sofram devido a lixo que eu me tornei. Papai...Mamãe... Irmãozão... Eu sinto muito. Eu além de lhes ser um peso e faze-los gastar tanto dinheiro comigo, sou covarde demais pra acabar com minha vida inútil. Se eu me matar, irei faze-los sofrer também... Não importa o que eu faça, eu jamais posso servir pra algo. Eu não presto, eu não sirvo pra nada. Não sei como consegui chutar aquela coisa nos meus sonhos, pois eu normalmente não tenho força nem pra erguer o colchão da cama as vezes, quanto menos empurrar algo de tamanho e peso humanos. Eu não consigo tirar essas coisas da minha cabeça, e honestamente eu estou sentindo um profundo medo... Eu vou é ler algum manga. Com isso em mente eu apenas ergo-me uma vez mais, e vou até meu armário outra vez, abrindo-o. Afastando alguns vestidos e camisolas que ficam pendurados, eu posso ver a pilha de papéis na base, e pego uma pilha com uns três. Eu havia comprado isso um tempo atrás, nem me lembro exatamente do que se trata, eu só sei que eu comprei quando eu sai com umas antigas colegas de classe. O nome delas não é importante, mas naquela época eu ainda considerava-me digno de sair do quarto e conviver com as outras pessoas... Eu nunca fui o melhor amigo delas, mas eu saia com elas as vezes... Soa estranho agora que paro pra pensar: duas meninas relativamente aceitáveis chamando um cara qualquer para fazer compras. Tudo bem que acho que era generalizado o conhecimento de que eu aparentemente tinha um bom toque com roupas para mulher. Eu não vou dizer que esse boato era falso pois ele era completamente verdadeiro, apesar de eu ainda achar que as pessoas exageravam quanto a minhas habilidades. O que eu fazia era simplesmente olhar a coisa mais fofa que tinha e normalmente dizer que era aquilo o ideal. Eu também sempre tive uma queda por vestidos e roupas longas... Hoje mais do que nunca eu faço questão de só ter roupas nesse estilo. A camisola que eu estou usando agora é tão linda também... Azul clara com um tecido bem fino, com uma ilustração de um gatinho olhando para cima enquanto uma borboleta rosa pousa em seu focinho. Quando eu vi isso, eu cai em paixões, mas deixa-me continuar a falar das minhas duas ex-colegas. Nós tínhamos saído da aula a pouco tempo e fomos a pé mesmo no centro. Nessa época eu divertia-me  o a companhia de outras pessoas, hoje, nem tanto. Sendo uma sexta-feira, não preciso dizer como o local estava lotado... Hoje não consigo se quer sair do meu quarto sem ficar com ansiedade de ver as pessoas que mais amo no mundo, pra mim é inimaginável como naquela época eu gostava de andar por locais cheios de gente que conversava sem parar e fazia muito barulho... Acho que nessa época eu ainda era normal... Eu não começava a tremer só de pensar na ideia de uma dessas pessoas roçar o ombro em mim, mesmo que acidentalmente. 

-Ah... Hoje está tudo tão cheio e animado não é? - comentou uma das minhas colegas, dando uma risada animada. Ela era a que usava um par de brincos azuis – Nossa... Mal consigo me mexer aqui as vezes... 

-Nem me diga. - respondeu a minha outra colega, a que usava um casaquinho verde escuro sobre a roupa de marinheiro dela – Mas diga-me Marry, que nós vamos fazer primeiro? 

-Bem... - eu comecei, sem saber muito bem o que deveríamos fazer. Eu só sabia o quanto eu odeio esse maldito nome... Ou apelido... Que seja... Marry, Marry, Marry... Que raiva esse nome me dá, só de escutar... - Vocês duas não querem tomar um sorvete? 

-Que?  - questionou a de casaco verde escuro – Mas eu to de dieta... 

-Para com essa frescura! - disse animadamente a outra, agarrando um braço meu e de nossa colega mutua – Primeiro que você tá em muita boa forma pra precisar fazer dieta... Segundo que estamos passeando... Terceiro que eu quero um sorvete sim! E um café! - fomos puxados até um desses cafézinhos da moda, na época eu não me importava tanto, mas hoje sou forçado a admitir o quanto aquele lugar é irritante. Não só porque ele é lugar de moda, então todo maldito normie vai estar lá, mas também porque esses lugares são cheios até e dias de pouco movimento – Eu vou pedir um café bem forte com uma tacinha de sorvete de morango... Que você vão pedir? 

-Eu não queria pedir nada... - se queixou a outra – Mas já que vocês vão comer de todo jeito eu vou pedir um suquinho de laranja... Com adoçante... E uma bola de sorvete de baunilha... Light se tiverem... 

-Credo, eu juro que não te mordo pois estamos em público e na frente do Marry! - retrucou a nossa colega animada – E você Marry? 

-Eu não gosto de café... - respondi com um sorriso fraco. Nisso eu não mudei nada: continuo detestando café... - Vou pedir um suco também... E um salgadinho... Talvez um pão-de-queijo... É... Eu posso me ver comendo isso agora... - e ri. Ah. Realmente... Faz tanto tempo que isso ocorreu -  

Ficamos comendo e tagarelando, como qualquer grupo de pessoas que sai pra fazer exatamente isso. Do que falamos? Não me lembro. Provavelmente daquilo que todo estudante de ensino médio fala: fofoca, intriga escolar e alguma bobagem que viram. Quando eu me lembro disso, eu começo até a ficar meio nervosa. Eu era tão normal... Eu era tão feliz naquela época... E tiraram isso tudo de mim... Tiraram cada uma dessas coisas. Eu não me considero chorona... Eu nunca fui de chorar muito eu acho... Mas nesses últimos anos... Foi tudo que fiz... Depois que comemos, saímos novamente. A noite tinha apenas começado e ainda havia muito o que se fazer.  Fomos em toda loja, olhamos toda vitrine e eu fui sortudo o suficiente viver o sonho de muito solteirão por ai: ajudei duas garotas animadas, jovens e moderadamente bonitas a escolherem um look bem bonito. Eu até pude ajuda-las a escolher peças intimas. Infelizmente eu não podia entrar no provador feminino, então eu ficava do lado de fora e elas me enviavam fotos pelo celular pra eu opinar se havia ficado bom nelas. Nisso eu sempre fui sincero ao menos, não dizia que havia ficado bom para agrada-las. Não sou esse tipo de cara. Foi divertido isso eu posso dizer. Sim. Quando terminamos nosso passeio, ganhei um beijo em cada bochecha e até um selinho da mais atrevida delas... Eu não liguei muito pra isso... Eu perdi meu BV aos 13, então receber um selinho de minhas colegas não me afetou nem um pouco. Porque eu me lembrei disso tudo? Eu não sei. As vezes eu me recordo de minha vida passada... De anos atrás quando eu me divertia como uma pessoa normal... Parece que faz tanto tempo. E acho que faz mesmo pra ser sincero... Eu não estou conectada a um bom tempo com o mundo exterior, salvo o que vejo pela internet. E não vejo muito, pois evito deliberadamente saber o que esta ocorrendo lá fora. Não me interessa, tudo que me interessa é meu pequeno mundo de quatro paredes, aparelhos eletrônicos, vestidos, bichos de pelúcia e dor. Ajoelhando-me perto da mesa de café, lentamente arrumo as pernas e deixo meus mangas sobre o laptop, jogando-me para trás devagar para deitar sobre a superfície fofa que criei. Eu comecei a ler sem muito interesse, acompanhando quadro por quadro e fala por fala. Alguém bateu em minha porta e eu, obviamente não respondi. A porta se abriu poucos segundos depois bem devagar, e parte do corpo de meu pai apareceu timidamente. Eu parei de ler e fitei-o de canto. 

-Ei, Noa.. - começou ele, tentando parecer animado – Eu cheguei tá? Quer saber como foi no serviço hoje? - eu fiquei em silencio, mas fiz um sinal negativo com a cabeça, fazendo meu pobre pai sorrir fracamente e falar naquele tom paternal de sempre – Tudo bem, você esta ocupado né? Desculpe. Mas deixe eu resumir pra você: um dos doutorandos apareceu com um trabalho maravilhoso hoje. Se você quiser saber mais você só precisa me perguntar, tá? - fiz um sinal afirmativo com a cabeça - E sobre sairmos para o aquário, você ainda esta pensando né? Tome seu tempo. Só precisa falar comigo se quiser ir. Papai vai estar lá embaixo com a mamãe esta bem? Se você precisar é só me chamar também. Te adoro muito viu? - com um risinho, ele fechou a porta - 

Mamãe é uma médica maravilhosa. Mamãe é muito carinhosa, muito dedicada e muito inteligente. Papai é a mesma coisa, mas meu pai é um professor universitário. Meu pai da aulas pra várias turmas na faculdade de... Não lembro agora... Só sei que é ciências humanas... É muito engraçado mesmo como minha família se configurou. Minha mãe é uma médica-cirurgiã; meu pai é professor universitário e meu irmão é um empresário bem sucedido, mas formado em biologia marítima... Eles são um sucesso completo... Eu que sou o traste. Quando eu ainda tinha o poder de acreditar que minha vida tinha valor, eu sonhava em ir para a faculdade de filosofia e me tornar uma filósofa. Eu queria ser algo desse tipo. Eu ainda achava que eu poderia ser um novo Sócrates... Além de prepotente eu era iludido. Agora o que me restou? Se eu pudesse escolher ser algo agora, eu iria escolher não ter nascido. Meu sonho é ver todo mundo ser feliz sem mim para segura-los para trás. As pessoas nojentas que tem inveja das pessoas que eu amo vivem fazendo comentários malvados de mim, só para feri-los. Eu sei disso. 

-Você consegue imaginar ter parido aquele lixo humano? - devem dizer os inimigos de mamãe -  

-Não! Deve realmente triste quando seu filho não é capaz nem de fazer um curso superior. - devem dizer os que falam mal de papai -  

-Como será que confiam em um cara pra cuidar de milhares de dólares quando nem do irmão mais novo ele não consegue cuidar? - devem dizer aqueles que tentam derrubar meu irmão - 

Como eu queria não ser esse fracasso... Como eu queria não ser o que eu sou... Eu não queria ter nascido. Não queria ser esse estorvo no sucesso de toda minha família... Eu não queria estar chorando agora. Mas eu já nem isso consigo mais controlar. Ler manga em meio a lágrimas nesse escuro quase absoluto é bem difícil até... Eu... Eu vou lavar meu rosto no banheiro... Após isso eu só fiquei lendo manga e assistindo filmes sem prestar atenção. A verdade é que eu estava morto de sono a essa altura. Mas eu não podia dormir. Deviam ser dez da noite quando eu escutei a campainha da casa... Eu não creio que sejam visitas a papai e mamãe, pois desde a terceira vez que eu tentei me matar... Digamos que não vieram muitas pessoas visita-los pois eles não queriam que eu começasse a surtar ao ver um estranho na casa... Minutos depois, só escutei uma batida na porta, a qual não respondi também, mas diferente dos meus pais, a porta foi abrindo-se sem timidez, e logo eu escutei a voz de meu irmão. 

-Adivinha quem é. - ele dizia daquele jeito animado dele - 

Eu me arrumei rápido. Meu irmão havia voltado. Meio surpreendente dado o fato de ele ter estado numa viajem de negócios e ela ter acabado cedo desse jeito. Mantendo a porta aberta, ele se aproximou de mim e me fez um carinho nos cabelos desarrumados; eu já sentia meus olhos marejando. 

-Porque você voltou tão cedo? - eu só pude sussurrar, olhando-o naquela posição indefesa que eu sempre ficava perto dele - Você não tinha negócios em Taiwan? 

-Os negócios não deram certo... - ele sorriu tristemente, só agora eu sendo capaz de notar como ele estava desgrenhado: olheiras enormes, o cabelo desarrumado, a roupa formal toda empaçocada... Lá estou eu, atrapalhando a vida de meu irmão outra vez - 

-Desculpa... - eu murmurei, já começando a perder controle das minhas emoções... - A culpa é minha... 

-Me diz como então... - ele pareceu se irritar um pouco, fazendo um bico enquanto passava a mão no meu rosto para limpar as lágrimas - Por acaso você era dono da outra empresa? Ou era com você que eu estava negociando a não sei quantos quilômetros de distancia? Pare de se culpar por coisas que você não tem culpa, que saco... 

Eu não sou tola, maninho. É. Você é tão protetor. Foi minha culpa você começar a perder alguns clientes, devido a sua preocupação constante com seu irmãozinho que pode tentar se matar novamente a qualquer segundo. Foi culpa minha você ter perdido sua namorada por ela cansar de você fugir dos seus encontros chiques para amparar o idiota que não parava de chorar por estar vivo. Foi culpa minha você ser motivo de chacota em seu escritório e desconfiança de seu chefe as vezes, e certamente foi culpa minha você ter perdido mais um cliente... Logo logo será culpa minha você perder esse emprego maravilhoso que você tem... Irmãozão, por favor... Siga sua vida... Eu não tenho mais valor. Não tenho mais vida. Eu mereço morrer. Sou um fracasso e não queria estar vivo... Você é o único orgulho restante de nossa família, por favor... Me abandone, por favor, não faça-me destruir sua vida e nossa família ainda mais... Como eu queria que você cumprisse esse meu pedido, mas não adianta quando eu peço isso... Vocês ignoram e continuam a me amar... Dói tanto o amor de vocês. Dói tanto esse amor que só consigo retribuir com dor... Agora eu vejo que você me trouxe outro presente né? Meu pobre irmão. 

-Eu trouxe isso aqui pra você... - ele disse, entregando-me uma caixa decorada bem grande – Vamos abra... 

Eu abri, mas sem muita animação. Quando tirei a tampa, havia outra caixa embrulhada dentro, mas também havia algumas roupas bem bonitas, uns livrinhos e um novo golfinho de pelúcia. Era tudo tão lindo e tão gentil, típico do meu irmão. Eu não merecia isso... 

-Porque você ainda gasta com um lixo como eu? - eu perguntei, ainda soluçando - Eu me sinto péssima de te fazer gastar tanto assim comigo... Eu não presto... 

-Ei, cala a boca com esses papos! - ele me cortou, fazendo eu olha-lo - Você precisa parar com isso, entendeu? Você é meu irmãozinho querido... Eu daria meu coração pra você... Eu até te comprei um celular novo pra você! Estava super barato lá. Pega o seu celular antigo pra nós compararmos... - eu olhei numa das direções do quarto, mais especificamente a direção da parede onde eu havia atirado meu celular meses antes, destroçando-o por completo. Era um bom celular, cheio de fotos queridas. Mas como o eu do passado... Estava perdido para sempre... Meu irmão notou meu olhar e também viu os restos do aparelho em meio ao lençol, não sendo capaz de conter um sorriso triste – Bem... Ainda bem que eu trouxe esse celular então né? É um bom celular, eu te garanto. Você vai poder falar comigo sempre que quiser, e também vai poder fazer um monte de outras tralhas com ele. É basicamente um outro computador quase... Mas isso todo celular é... Gostou do que eu te trouxe? 

-Amei... - solucei, esfregando meus olhos – Eu te amo irmãozão... Eu só queria não ser esse fracasso que só te causa problemas...  

Dessa vez ele apenas suspirou, claramente frustrado. Desculpa. 

-Bem... Eu vou descer pra falar com papai e mamãe um pouco mais está bem? Eu tirei umas férias também... - será que fiz ele ser demitido mais cedo do que imaginei? Quando alguém fala isso... Só pode ser o jeito amigavel de omitir a famosa frase "fui demitido". Desculpa irmão... Desculpa estragar sua vida mais ainda... - Ah sim, por sinal, eles disseram que vão comprar uma pizza pra comemorar minha volta... Você quer que sabor? 

-Eu não quero... Comam vocês... Eu vou apenas faze-los gastar mais comigo... - eu retrucei, abraçando o golfinho que ele trouxe – Desculpa te fazer perder o emprego mano... Me desculpa... Eu não presto mesmo... 

Ele suspirou novamente, frustrado comigo. Desculpa irmão. 

-Eu vou pedir o sabor que você gosta, ta bem? É mussarela né? - eu não ia responder, mas timidamente confirmei com a cabeça - Certo... Eu vou sair agora... Vou estar lá embaixo tá? Se quiser falar comigo, é só descer... Ou me chamar... Quando a pizza chegar eu te aviso tá? 

-Tá... - foi tudo o que eu disse, observando-o sair do quarto e me deixar com os presente ali - 

Meu irmão é uma pessoa tão boa. Eu o adoro tanto... Porque eu devo feri-lo assim? Porque eu não morro e deixo-os livres? Eu só quero que eles sejam felizes, mas é impossível eles serem felizes com um traste como eu por perto... Eu queria comer pizza, mas eu estou com tanto sono... Tudo que eu fiz foi jogar-me para trás novamente, abraçando esse golfinho e quando dei-me conta havia adormecido chorando. Quando me dei conta, eu havia voltado para o mesmo lugar da noite anterior... Houve um certo pânico surgindo dentro de mim... Pânico esse que apenas fazia minhas pernas tremerem enquanto eu me arrastava para fora da sala de aula. Olhei ao redor: nada... Mas o "Marry" continuava pichado na parede... Hoje eu sei o que é aquilo, o nome estava escrito em sangue. Não era a toa que era mais escarlate que o resto dos metais oxidados ao meu redor. Será que eu havia notado isso antes? Ou esqueci-me de que havia notado? Verdade é que eu não quero estar aqui, mas eu precisava me mover ou me esconder... Ontem eu fui para a esquerda não? E se hoje eu for para a direita? Creio que aquela coisa não vai estar aqui né? Quer dizer... Eu joguei-a no meio desse vazio sem fim... Não é possível ela estar viva né? Mas droga... Eu preciso por isso na cabeça... Isso é só um sonho... É só um sonho! Se eu me concentrar que tenho uma escopeta em mãos agora, ela vai aparecer e ai eu vou poder lutar contra esses pesadelos malditos... Escopeta... Escopeta... Nada. Oficialmente, eu quero estar acordada... Eu não quero estar aqui, eu não quero estar aqui mesmo... Por favor... Deus... Me ajuda... Eu to com medo... Me ajuda por favor... Para... Para de chorar seu idiota... Não é hora nem lugar de chorar... Mamãe... Papai... Maninho... Me ajudem por favor... Eu não quero ficar aqui... Eu não quero ficar aqui por favor... Me levem de volta pra casa!



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