História Deixa rolar. - Carta a ninguém.

Não sei bem como começar, como se inicia uma carta endereçada a ninguém? Só comecei isso por insistência da Crystal, ela disse que ia me ajudar a relaxar e entender melhor o que está acontecendo comigo. Acho que todas essas dúvidas já vêm de muito tempo, mas só se intensificaram três semanas atrás.

Há exatos seis meses os donos da Daycare onde eu trabalhava resolveram se aposentar, decidiram que já era hora de irem curtir o resto da vida nas praias de Hoenn e montanhas de Sinnoh, como eles não tinham herdeiros deixaram o lugar para mim, isso incluía também a casa de dois andares que ficava ligada a Daycare. Você deve estar me chamando de sortudo agora, bem eu sou, a sorte já é uma amiga antiga. Foi interessante ter uma casa tão grande para apenas eu e meus pokémons, mas claro que ela logo virou ponto de encontro dos meus amigos pokeholders, então eu raramente estava sozinho.

Logicamente ele e Crystal eram as visitas mais comuns, somos melhores amigos então invadir a casa um do outro era normal para nós. Quando Crys estava junto eram tardes de riso, piadas bobas e algumas batalhas para desenferrujar, eles também me ajudavam a cuidar da Daycare e as vezes até traziam novos ovos para mim, os dois ainda rodavam os continentes então eu tinha pokémons de muitas regiões sob meus cuidados. O problema era quando ele vinha sozinho.

Não consigo entender bem qual minha relação com Silver. Sem dúvida foi uma amizade que começou da pior maneira possível, mas hoje chegamos a ser mais próximos que o Red e o Green, porém não tanto quanto o Diamond e o Pearl. Eu já falei com meus amigos mais próximos sobre isso, fiz a Crystal me ouvir por dias, Red chegou a me mandar calar a boca, o Ruby quase surtou de empolgação, mas o que mais eu poderia fazer?

Acho que eles cansaram de me ouvir, quando Crystal me disse para escrever os outros concordaram. Pois bem, vou tentar colocar para fora.

Eu já tenho vinte e um anos e ele também. Nós somos amigos a mais de dez anos e nossa proximidade está começando a me parecer estranha. Na época de nossa jornada era comum dividirmos os mesmos quartos no centro Pokémon ou a mesma barraca quando acampávamos. Às vezes Crys estava junto, mas ai era bem diferente.  Ele tem pesadelos frequentes desde a infância, quando mais novo chegava a gritar no sono ou cair da cama por causa deles. No começo, como bom melhor amigo que eu sou, ria muito da cara dele, o deixava tão irritado que ele voltava a dormir bufando e me xingando. Conforme fomos crescendo e aquilo não passava chegou uma hora que eu deitei ao lado dele durante uma dessas crises e, não entendo bem o porquê, ele se acalmou quase automaticamente. Quando acordamos naquela manhã ele não me empurrou ou mesmo me xingou, apenas deitou a cabeça no meu ombro e disse que não dormia tão bem há anos.

Eu não achei isso estranho na época, eu estava apenas tentado ajudar um amigo, mas depois daquilo ficamos mais próximos que nunca, dormir na mesma cama se tornou normal quando estávamos juntos e, eu nunca disse a ele, mas eu também dormia muito melhor ao lado dele. Começamos a passar mais e mais tempo juntos, se antes raramente saiamos sem a Crys agora era raro ela estar conosco.  A certa altura os outros perceberam...

— Gold, vou te perguntar algo, poderia ser sincero comigo? — soltou Red há alguns meses atrás. — Você e o Silver... Vocês estão... Sabe...

Lembro-me de encarar meu senpai com irritação no olhar. Afinal o que diabos ele estava insinuando? Achava mesmo que eu, o grande Gold, estava de caso com um homem?

— Não se irrite com a pergunta — ele disse ao ver meu olhar. — Mas você deveria começar a pensar nisso, se eu percebi um certo clima entre vocês imagina os outros.

— Red, se não fosse você eu já teria te xingado — respondi. — Eu, o incrível Gold, tendo algo além de amizade com o Silver? No meu futuro tem uma garota linda, ela só não me achou ainda.

Porém não parou por ali, os outros também vieram me perguntar, o Ruby até me deu sugestões de como e onde poderia me declarar. Aquilo me irritava, feria meu orgulho, e se ele também tinha sido vítima de questionamentos não me disse nada. Pretendia esquecer isso, deixar as coisas acontecerem com consciência que uma hora todos iriam esquecer, mas não consegui...

Três semanas atrás ele veio passar o final de semana aqui, era algo normal, fazia isso sempre que ia passar maratona daquele anime que ele adora. Como eu não consigo ficar muito tempo parado o deixei assistindo TV e fui cuidar da DayCare, ou melhor, tentei. A cada cinco segundos eu me via perdido o encarando, eu balançava a cabeça, passava a mão nos olhos, fazia de tudo para não encara-lo, mas não conseguia. Eu me perdia no cabelo ruivo e olhos dourados, no sorriso que ele deixava escapar de vez em quando, no modo como as sobrancelhas dele subiam quando se surpreendia. O que tem de errado comigo? Também queria saber.

Sexta à noite ele não dormiu comigo, já que a maratona iria entrar pela madrugada. No sábado à noite deveria ter sido como todos os outros, mas simplesmente não consegui dormir. Graças a Arceus ele tem o sono pesado e não percebeu como eu o encarava, como eu não pude evitar acariciar seu cabelo, como fiquei perdido na paz do seu rosto...

Não o vejo faz três semanas. Já falei sobre isso com Red, Ruby e Crystal, todos eles dizem que estou apenas me enganado, que não quero perceber a verdade, que eu deveria organizar meus pensamentos.

Estou tentando, juro que estou tentando entender caro leitor que nunca existirá. Mas como eu poderia aceitar que estou apaixonado pelo meu melhor amigo?

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Silver colocou a carta sobre a mesa, tomaria cuidado de deixa-la na mesma posição que a encontrou, não que Gold percebesse alguma mudança, mas para que arriscar? Fechou a porta do quarto com cuidado, pegou sua mochila e saiu da casa, não era uma boa ideia ficar ali naquele momento. Precisava pensar sobre o que tinha lido, precisava se acalmar, precisava conversar com alguém que não fosse a Crystal. O centro Pokémon e conexão de internet. Era isso que ele precisava.

— Silver? — Green não escondeu a surpresa ao ver o ruivo pela tela do computador. — Está tudo bem? Você não é de me chamar assim do nada.

— Eu estava precisando conversar — suspirou o ruivo. — Green senpai, eu li algo que não devia.