História Deixa rolar. - Tudo bem, vamos dormir juntos.

Ele tinha que escolher esse momento para tocar nesse assunto? Sei lá, se tivesse sido a algumas semanas atrás nos dois teríamos apenas rido e deixado para lá. Agora estava esse clima pesado no ar e eu não consigo pensar em nada para quebrar. Achei que un banho frio iria me ajudar a se acalmar, mas não fez a menor diferença. Simplesmente não conseguia tira-lo da cabeça, nunca senti tanta vontade de estar com alguém, de ouvir a risada de alguém.

— O que está acontecendo com você Gold? — suspirei para meu reflexo. — Cara, você não é assim.

— Tem razão, você não é.

— Caramba, Silver! — encarei o ruivo sentado na minha cama. — Não é uma boa hora para essas invasões.

— Vim apenas dormir, não é assim sempre que venho aqui?

Só então percebi que ele estava usando apenas a calça do pijama e uma camiseta preta. Me peguei o encarando novamente, nunca tinha percebido como aquela camisa o deixava... Exposto. Balancei a cabeça. Ele não podia estar querendo fazer isso depois daquela conversa.

— Calma Gold, se controle — disse dando dois tapas na minha testa. — Silver, acho melhor você não dormir aqui hoje.

— Não? Só por causa daquela conversa? Olha Gold eu não...

— Ah você consegue dormir sozinho — comecei a empurra-lo para fora do quarto. — Como você dorme quando não está comigo? Vai, você vai dar um jeito.

Tranquei a porta antes que ele pudesse responder, ainda pude ouvir um suspiro antes que seus passos se distanciassem.  Aquela foi uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na vida! Sentia que precisava socar alguma coisa para me acalmar, mas me limitei a cair na cama. Uma vez Red me explicou como era estar apaixonado, ele disse que você se sente fora de si mesmo, que a respiração da outra pessoa pode ser o suficiente para te fazer sorrir, que ficar longe da dói.

— Gold...Gold... Você precisa manter a calma.

Não é nada fácil dar conselhos a si mesmo. Já tentou fazer isso? Não chega nem perto da sensação que um conselho amigo causa. Eu não conseguia parar de encarar o teto, meu cabelo ainda estava molhado, eu ainda estava sem camisa, quase podia ouvir Crystal dizer que eu poderia ficar doente se dormisse daquele jeito. Os sintomas de paixão que o Red me disse, eu estava sentido todos e mais alguns, tinha uma dor na boca do meu estômago, algo preso na minha garganta.

Depois de meia hora desisti de dormir, sai do quarto com a intenção de ir na cozinha pegar uma garrafa de sakê. Se eu não dormia por bem iria dormir por estar bêbado, ao menos assim eu não iria acordar de jeito nenhum até a embriaguês passar. Não cheguei nem nas escadas antes de ouvir os gritos.

Por que ele foi dormir no quarto ao lado do meu? Poderia ter ido pro do primeiro andar! O fato é que não consegui ignorar aquilo, já havia presenciado os terrores noturnos dele várias vezes, ele soava frio, gritava, as vezes até se machuava devido ao desespero. Resmunguei um palavrão antes de abrir a porta do quarto.

— Silver, Silver! — chamei o balançando. — Acorda ruivinho!

Ele abriu os olhos devagar, olhos estes marejados e assustados. Não sei dizer a última vez que fui abraçado daquele jeito, nem um pokémon recém nascido me parecia tão carente quanto Silver naquele momento. Eu não podia deixa-lo daquela forma. Eu odiava o ver daquela forma, queria protege—lo disso, queria achar um jeito de isso nunca mais acontecer.

— Tudo bem, era só um pesadelo, como é todas as noites.

— Eu...Eu...É sempre igual, nem lembro o que estava sonhando, só sei que estou com medo, sozinho em um lugar escuro e gelado.

— Como você dorme quando não estamos juntos?

— Eu não durmo — ele abaixou a cabeça. — Quer dizer, as vezes eu faço de tudo para desmaiar de cansaço, quando faço isso tenho um sono sem sonhos, mas... Na maioria das vezes não durmo mais que duas ou três horas antes de acordar tremendo.

Segurei seu rosto com cuidado, só aí percebi as marcas de insonia nele, os olhos tinham marcas de sono e ele estava mais pálido que o normal.

— Gold, sei que não me quer por perto hoje, mas eu só tenho uma noite de sono quando durmo aqui. Por favor...

Eu odiava quando ele fazia isso. Por que ele tinha me escolhido para mostrar seu lado fraco? O Silver que todos conheciam era frio, inteligente e calado. O Silver que apenas eu conhecia era carente, implicante e conseguia sorrir quando queria. Eu gostava muito das duas formas , ambas eram meu melhor amigo, ambas eram a pessoa que mais me preocupava no mundo.

— Tudo bem, vamos dormir juntos — suspirei me dando por vencido. — Vamos para o meu quarto, nessa cama aqui não cabe os dois.

Ele voltou a adormecer muito rapido. Estávamos como sempre, ele deitado sobre meu braço, eu abraçando sua cintura, nossos corpos tão próximos que meu nariz roçava em seus cabelos. Nossa, como ele cheirava bem, como eu nunca tinha percebido aquele cheiro antes? Uma mistura de canela com cafeína, aquilo poderia facilmente viciar alguém.

Com cuidado acariciei entre os fios ruivos, sempre fazia isso quando ele começava a se agitar. Respirei fundo tentando manter o alto controle. Ele se aninhou mais em meus braços e soltou algo parecido com uma risada baixa.

— Um sonho bom? — sem perceber abri um sorriso. — Nunca vi você ter um sonho bom.

Era no mínimo fofo o ver sorrir daquele jeito. O sorriso dele era uma das coisas que eu amava ser o único a conhecer. O puxei para mais perto, ele se mecheu aceitando a proximidade, dessa vez nossos rostos estavam quase colados, eu podia sentir a respiração dele.

— Seu grande... — ele sussurrou durante o sono. — Idiota...

Então era comigo que ele estava sonhando!  Afinal que outra pessoa você chamaria de forma tão "carinhosa"?

— O que será que fiz nesse sonho? — colei nossas testas. — Será que um dia você vai me contar.

Fechei os olhos e me deixei adormecer, afinal eu também dormia muito melhor com ele nos braços.

Na manhã seguinte eu nem pensei em abrir a DayCare, esperei apenas que ele saísse para visitar a Crys para voar até Palet. Liguei rapidamente para Ruby, ele não se importou de me emprestar o Latias, poderia ter conversado com ele sobre a noite passada, mas o conhecendo ele iria apenas surtar, começar a falar como era fofo e coisas assim. Eu precisava de alguém mais sério.

— Red senpai! — gritei invadido o ginásio de Palet. — Red!

— Mas que coisa Gold — resmungou Red aparecendo no segundo andar. — Cara eu moro aqui sabia? A Yellow e meu filho também!

— E daí?

— E daí que o Rick só tem dois anos, são sete da manhã e ele está dormindo! Se ele acordar com os seus gritos é você que vai faze—lo dormir de novo.

— Tudo bem, o Rick me adora. Todo mundo me adora.

— Aff, o que você veio fazer aqui Gold?

— Eu preciso falar com você, preciso do seu conselho.

Red coçou a nuca. Eu sei que não devia incomodá-lo com minhas coisas, que ele já tem família e um ginásio para cuidar, mas quando eu precisava ajuda não conseguia pensar em outra pessoa. Na verdade eu ate conseguia, mas essa pessoa em questão era a causa de tudo aquilo.

— Está bem, eu nunca consigo negar ajuda a você. Suba, vamos conversar no meu escritório.

Não importa quanto tempo passe, ainda acho estranho ouvi Red falar coisas como "meu escritório". Acho que nunca vou me acostumar que todos nós crescemos, que o Red e Yellow já tem um filho, assim como o Grenn e a Blue, que a Sapphire e o Ruby estão de casamento marcado... É como se só estivesse sobrando eu, o Silver e a Crys, como se apenas nos três ainda não tivéssemos crescido e seguido em frente. Essa minha relutância em aceita a vida adulta deve vim do fato de meu relacionamento com a Crys não ter dado certo, todos diziam que eram perfeitos, que precisávamos ficar juntos, apenas nos dois sentíamos que estávamos nos enganado. Puxa, detesto lembrar daquela época.

— Gold? Gold? — chamou Red. — Ei cara, acorda.

— Hã? Ah eu sinto muito senpai, estou com muita coisa na minha cabeça.

— Ainda é sobre aquilo? — ele me passou um copo de café.

— Ontem ele dormiu comigo de novo, eu tentei evitar mas... — dei um gole no café. — Red senpai o que eu deveria fazer? Já não consigo pensar direito.

— Bom, tenho só um conselho para te dar — ele sorriu. — Seja o Gold.

— Como é? — pisquei confuso.

— Seja o Gold que eu conheço, vai com tudo e aguenta as consequências. Você está com tanto medo que nem tentou ainda falar com o Silver sobre isso, vocês são melhores amigos, se for para sair algo mais dessa amizade tudo bem, todos iremos apoiar vocês, se não for... Iremos lhes apoiar ainda mais.

— Isso parece algo que a Yellow diria.

— Qualquer um dos nossos amigos lhe diria isso. Esse garoto confuso não é você Gold, não é o irmão mais novo que está sempre me perturbando. Qual seu lema?

— Eu só jogo para ganhar...

— A vida é um jogo Gold e você está perdendo feio para esse fase, e tudo por que está com medo de gastar munição. Sabe,apenas deixar rolar.