1. Spirit Fanfics >
  2. Dependence (Em revisão) >
  3. Something like a boyfriend

História Dependence (Em revisão) - Something like a boyfriend


Escrita por: kaisooisreal

Notas do Autor


Olha quem chegou no escuro da noite~
EAE GALERÊ
Cara, eu tinha que aparecer agora ou agora, porque cara, eu demorei tanto que levei bronca de TODO MUNDO. Sério. Meus filhotes, minhas unnies, minhas saengs, minha neechan, até minha mãe chegou pra mim semana passada: “você não tá demorando muito pra atualizar esse?” JSDIUFKUHSAUIKSD SORRY, EU TINHA QUE APARECER, SORRY.
Eu sei que essa fic já está guardada com as múmias, os dinossauros e os crushs de 2011 no fundo do baú de vocês, eu sei. BUT I’M BACK, BITCHES.
VAMBORA LER?

Capítulo 27 - Something like a boyfriend


                - Sorvete ou algodão doce?

                - Acho que sorvete.

                - Azul ou vermelho?

                - Gosto dos dois.

                - Escolhe um só.

                - ...Azul. – Falei com uma leve careta e ele sorriu.

                - Calor ou frio?

                - Nenhum dos dois.

                - NamJoon... – Me olhou, repreensor, e eu olhei para o lado, estalando a língua.

                - Gosto de chuva.

                - Frio, então. Café ou leite?

                - Café.

                - Cidade ou campo?

                - Praia...

                - NamJoon!

                - Cidade, cidade. – Ergui os braços, em rendição, enquanto ria.

                - Gato ou cachorro?

                - Tanto faz... – Me interrompi ao vê-lo me encarar meio chateado. – Gato...acho. – Dei de ombros.

                - Música ou livros?

                - Você vai me matar com essas perguntas capirotescas.

                - Responde.

                - Não sou capaz de opinar.

                - Ah, vamos lá.

                - Por que estamos fazendo isso mesmo? – Perguntei, estirando meus braços ao tentar me espreguiçar. Estava com preguiça, e claramente jogado em minha cama, mas dava a Jin toda a minha atenção.

                Novidade.

                - Porque você estava reclamando de tédio. – Jin deu de ombros, rabiscando no caderno que tinha sobre os joelhos flexionados por ele estar sentado no tapete, com as costas na lateral da cama.

                - E me torturar com perguntas de uma só alternativa te pareceu uma boa forma de parar o tédio?

                - Veja por esse lado: – Jin falou, e então virou a cabeça para me olhar, meio preguiçosamente, mas levemente divertido. – Você não está mais sendo um completo chato. Está sendo só chatamente normal.

                - O que quer dizer com isso, espertinho? – Apoiei meu rosto em minha mão, com o cotovelo amparado no colchão.

                - Que você apenas varia entre as diversas formas de “ser chato”, mas nunca deixa de ser. – Jin havia voltado a rabiscar no caderno. Ele estava enfiado numa calça jeans clara e uma blusa de algodão de mangas compridas. Seus pés descalços se sobrepunham de forma harmoniosa no chão levemente refrigerado pelo tempo chuvoso lá fora.

                - Se eu sou tão chato, o que ainda está fazendo aqui?

                - Sua chatice me atrai. – Respondeu, sem sequer mover o olho do papel que preenchia. Soltara a fala com naturalidade, e eu sorri de canto quase imperceptivelmente por isso.

                - Chatos atraem chatos. – Alfinetei, apenas para não deixar passar a oportunidade.

                - Talvez. – Ele respondeu, soltando um riso fraco. Me mantive olhando-o depois disso, já que ficamos em silêncio. Os diálogos com ele eram muito mais divertidos agora, eu me via obrigado a notar; vê-lo tão solto comigo ainda era motivo de minha satisfação constantemente, assim como o tempo que vínhamos passando perto um do outro.

Mais que tudo, Jin tinha comigo uma relação de bons amigos, bons mesmo, do tipo que você quer sempre ao seu lado sorrindo. Mesmo que fosse um amigo que eu queria muito mais próximo de mim que qualquer outro, eu gostava da ideia de estar tão confortável ao seu lado, e isso ser recíproco.

- O que está fazendo? – Perguntei, depois de me esgueirar como uma estrela do mar velha e preguiçosa até a beirada da cama, colocando a cabeça sobre seu ombro, para espiar seus rabiscos.

- Dever de casa. – Respondeu, e eu passei os olhos por sobre suas anotações. Biologia.

- O quê? Mas hoje é sábado! – Falei, me sentando na cama, levemente revoltado.

- Mas já estamos no segundo semestre do último ano da escola, NamJoon. Não custa nada estudar um pouco a mais.

- Como se você não estudasse o suficiente. – Resmunguei. Jin revirou os olhos com um sorrisinho nos lábios carnudos.

- Você não respondeu: música ou livros? – Voltou ao joguinho do capeta que antes fazíamos, e eu bufei revoltando, fazendo-o rir baixinho. Sua risadinha fez tremer seu ombro, no qual eu apoiava o queixo.

- Os dois...

- Vamos lá, NamJoon! – Jin falava risonho. – Não é tão difícil. Apenas escolha o que é mais importante para você.

- Isso é algum tipo de jogo psicológico? – Reclamei, totalmente revoltado, erguendo um pouco a cabeça do apoio que tinha. Jin riu com gosto, se inclinando um pouco para frente e fazendo com que sua franja tombasse sobre seus olhos.

- Talvez. – Respondeu, em tom ainda brincalhão. Batucava o caderno com o lápis, inconscientemente. – É bom estarmos preparados para fazer escolhas. Elas aparecem o tempo todo na vida.

- Não gosto muito da ideia de que toda a minha vida pode ser decidida por uma questão de múltipla escolha. – Desagradavelmente lembrei do maldito papelzinho que nos obrigariam a entregar ainda aquele mês. Aquilo fazia tanto sentido quanto pedir a um gato que, numa sala cheia de almofadas felpudas, escolhesse apenas uma para se deitar por toda a eternidade. A almofada ficaria velha, chata e desconfortável, enquanto ele veria as outras resplandecendo ao seu lado, interessantes e cheias de sensações novas, mas não poderia abandonar o barco que havia elegido de início.

- Mas é assim que é. – Jin me respondeu, suspirando curtinho, logo voltando a sorrir. – Vamos, é uma questão de praticidade, NamJoon. Você não era o rei da prática? Não deve ser tão difícil responder as coisas de forma objetiva.

- Objetiva, quadrada e medíocre. – Reclamei de novo.

- Ô, poeta. – Jin levou a mão rapidamente aos meus cabelos de forma desconfortável pela posição, bagunçando os fios com o intuito de me relaxar e voltou a pousar os dedos no caderno. – Estou pedindo para tentar ser prático. Sem filosofias por um momento, sim?

- Qual a graça nisso?

- É bom sermos flexíveis. – Jin deu de ombros. – Preparados para o máximo de situações possíveis.

- Novamente: Qual a graça disso? – Perguntei, outra vez em tom de tédio. Estiquei o braço esquerdo sobre seu outro ombro, pegando o caderno agora em uma espécie e abraço com ele.

- Meu deus, você é impossível. – Jin ergueu os braços minimamente, expressando sua pequena frustração. Sorri divertido, olhando o caderno um pouco mais de perto. Havia ali um bocado de anotações numa letra rápida e fluída, falando sobre qualquer besteira de biologia. No final da página, porém, estavam as anotações apressadas que Jin fez de todas as respostas aleatórias que eu fui lhe soltando.

- Lindo dever de casa.

- Não tem como me concentrar com um chato resmungando no meu ouvido. – Jin respondeu, já esquecido de que supostamente devia estar um pouco chateado comigo, olhando para o caderno como eu. Ao lado das palavras soltas, havia um esboço de desenho; simples, mas bonito. Era uma nuvem de chuva, mas suas gostas não eram feitas de água: saíam em forma de penas, voando por toda a página em seguida.

- Posso fazer mais que resmungar no seu ouvido. – Sussurrei, propositalmente rouco, sentindo com satisfação o garoto se encolher levemente. – Prometo que não ia ser chato, hyung.

Assim que fiz questão de completar minha fala, Jin estremeceu mais uma vez. Subitamente, fiquei mais consciente do quanto ele estava perto de mim, e ele também pareceu sentir isso, pois se manteve calado por alguns bons longos segundos. Me cansando daquilo, colei minha boca logo abaixo do lóbulo de sua orelha direita, num selo estalado, retirando meu rosto dali em seguida, ao me sentar na cama que eu estivera debruçado até o momento.

Jin virou o rosto em reação imediatamente, recebendo meu sorriso que dançava entre o culpado e o sacana em minha boca. Auferi seu projeto de careta com uma risada silenciosa, e sua expressão avoada em seguida com a familiar sensação de simpatia.

Sorri-lhe provocando de novo, antes de baixar o olhar para o caderno agora em minhas mãos.

- Vamos ver como está sua praticidade, SeokJin. – Falei, sem pensar muito. – Dia ou noite?

Jin tardou um pouco em entender o que eu fazia, mas acabou por aceitar minha brincadeira com uma curta negação de cabeça, se arrumando de frente para mim, com os braços sobre a cama e o rosto repousando sobre os mesmos.

- Dia. – Eu respondera noite.

- Céu ou terra?

- Terra. – Céu.

- Doce ou salgado?

- Doce. – Ok, essa era esperada. E a essa eu respondera o oposto também.

- Crianças ou adultos?

- Hm...acho que crianças. – Jin respondeu após pensar curtamente. Eu não respondera a essa: achava adultos entediantes, mas as crianças me incomodavam profundamente também.

- Falar ou ouvir?

- Ouvir. – Jin respondeu, num sorriso. Quando me perguntara aquilo, eu protestei, perguntando de onde caralhos ele estava tirando aquelas ideias. Ele apenas sorrira gentil, “de qualquer lugar”.

E eu respondera ‘falar’, após pensar um pouco. Gostava de ouvir coisas interessantes, mas também costumava ouvir muita merda quando me dispunha a fazê-lo. Preferia o silêncio, mas, se este não fosse possível, acho que optava por falar.

- Superman ou Batman? – Soprei um riso. Ele havia tirado de qualquer lugar mesmo. Num momento, ao ficar sem ideias, olhara para minha estante com expressão curiosa, e, assim que viu as poucas HQs que ali havia, virou para mim com olhos brilhantes.

- Superman.

- Eca. – Fiz uma careta, e ele riu.

- Batman é um babaca mimado.

- Melhor um babaca útil que o Superman.

- Mas ele é super poderoso! – Jin respondeu, um tiquinho animado, e eu soprei um riso de escárnio.

- Ele é absurdamente desinteressante, isso sim. – Nunca fui fã de super heróis verdadeiramente. Apenas tinha algumas poucas HQs (que Tae me dera, em sua maioria) e jogara vários jogos com essa temática, mas nunca por escolha, e sim porque “foda-se”.

- Nossa. Quão altos são seus padrões para o Superman parecer desinteressante pra você? – Jin se fez de sentido, e eu ri com gosto, mas leveza. – Enfim, continua.

- Barulho ou silêncio?

- Silêncio. – Jin sorriu travesso, e cúmplice. Nessa concordávamos.

- Comer ou dormir?

- Comer...

Sorvete, vermelho, calor, leite, campo, cachorro...

- Só vou responder se você me responder antes. – Jin cruzou os braços. – Livros ou música?

Bufei, reclamando internamente por ele não ter desistido ainda.

- Aish...música, vai. – Respondi, num impulso reclamão. Jin riu baixinho, e eu o olhei.

- Livros. – Sorriu de canto, e eu não evitei imitá-lo.

- Você está fazendo isso de propósito, né?

- O quê? – Perguntou, risonho.

- Falando o oposto ao que eu falei. – Apoiei o caderno na cama, mirando-o com preguiça. Aquele clima me dava vontade de cair de cara na cama e não me mexer mais até o dia seguinte.

- Eu estou sendo sincero. – Jin encolheu os ombros, logo me olhando. – Nós concordamos em algumas coisas.

- Pouquíssimas.

- Não é como se fosse uma surpresa que não temos nada a ver, NamJoon. – Jin respondeu, macio. Olhei-o de canto, dando de ombros ligeiramente ao concordar. Era verdade: quem olhasse só por cima, não veria nenhuma semelhança, nenhum ponto que pudesse fazer dar certo. Mas surpreendentemente, dava. Eu não me senti confortável com alguém assim em toda a minha existência.

Era quase como se nossas divergências se dessem bem. “Ah, você disse ‘claro’, eu gosto de ‘escuro’. Mas gostei de você”.

- Bolo ou carne? – Jin me perguntou, me tirando de meus pensamentos. Mal notei que estava com o olhar fixo na parede oposta, e olhei para ele, que me mirava levianamente.

- Inventou essa agora? – Perguntei, divertido, fazendo-o encolher os ombros.

- É que eu estou com um pouco de fome.

- Surpreendentemente tem bolo e carne em casa, então não importa o que você responderia, poderia comer. – Me levantei num pulo da cama, estendendo a mão para si.

Jin sorriu, apertando minimamente seus olhos na expressão bonita. Sua mão aceitou a minha, e ele se levantou, deixando o caderno no canto da cama.

- Você quer carne, né? – Me perguntou, enquanto já íamos em direção à porta do quarto.

- E você quer bolo. – Falei numa afirmação, não pergunta. – Viu como é bom termos como escolher mais de uma coisa?

Ele riu fracamente, com seu riso sobrevoando como brisa enquanto descíamos as escadas. Jin nada mais disse, mas eu sabia que estava sorrindo. Como eu estava.

 

 

- Vocês dois vão ficar vegetando aí durante todo o final de semana? – Minha mãe enfiou a fuça na fresta da porta que ficara aberta. Eu e Jin nos viramos para mirá-la; realmente estávamos vegetando, comigo jogado no tapete e Jin sentado no mesmo, com as costas na cama, os joelhos encolhidos sobre o peito.

Sem vontade de levantar o rosto e olhar dignamente para minha mãe, apenas levantei minha mão, fazendo sinal de positivo. Jin me olhou revirando os olhos, divertido, e atentou-se nela.

- Está chovendo, nonna.

- Chamar isso de chuva é o mesmo que chamar um gato doméstico de leão. – Minha mãe respondeu prontamente, apoiada na porta. – Vocês são jovens, por que não vão aproveitar a vida?

- Senhora Kim, se o que você está querendo é se trancar com um monte de porcarias e fazer maratona de Pretty Little Liars, fique a vontade, nós não vamos incomodar. – Respondi-lhe. Sabia que uma vez que ela implicasse que tínhamos que mexer nossas bundas e sair, teríamos que sair, mas eu não me renderia sem lutar.

- Eu estou aqui preocupada com o bem estar de vocês, preocupada para que não percam sua juventude moscando em casa enquanto poderiam estar fazendo qualquer outra coisa, e você me infama assim? – Falou, convicta, mas não convincente. – E falando em bem estar, eu me preocuparia com o seu agora, moleque desrespeitoso. Eu não te trouxe ao mundo pra ficar sendo chamada de “senhora” como se eu fosse igual nossa vizinha velha gagá e maluca.

- Velha e maluca você já é. Falta ficar gagá, né não? – Perguntei, sorrindo, e recebi um chute da mulher que andara rapidamente até onde eu estava, me acertando na altura das costelas.

Me encolhi, dolorido, mas ainda divertido. Minha mãe parou, de pé ao me lado, com as mãos na cintura.

- Não esqueça que quando andamos na rua juntos, as pessoas acham que sou sua namorada. – Ela falou, estalando a língua. Olhou para Jin, que nos mirava curiosamente. – Desculpe por ter te feito ver isso, Jinnie.

O garoto negou com a cabeça, num pequeno sorriso.

- Ele mereceu.

- Você devia aprender a ser mais como SeokJin, filho. – Falou a mulher, após concordar, radiante, com Jin. – E não se esqueça: Enquanto você estiver vivendo no meu teto e comendo da minha comida, eu mando nessa porra, entendeu?!

Ditou, já saindo do quarto, sendo possível escutá-la descer as escadas após isso, resmungando sobre “só conseguir picachus já fazia dois dias”. Não me pergunte.

Bufei, olhando para Jin, que deu uma risadinha.

- Ah, vamos. Você mereceu sim. – Ele sequer me deixou abrir a boca, e eu não o fiz, afinal, não iria discutir aquilo com ele, mas me encolhi levemente, apertando meu flanco. – Está doendo?

- Se você nunca levou um chute daquela mulher, você não sabe o que é dor. – Falei brincando, logo olhando para ele.

Jin sorriu pequeno, se movendo no tapete, ficando sentado como antes, mas agora perto de mim. Sua mão pousou onde minha mãe chutara antes, passando ali em dois carinhos leves.

- Pronto, sarou. – Falou, como se articulasse com uma criança. Eu não contive minha risada, e ele me sorriu um sorriso bonito. Muito bonito.

- Jin, me diz que você não quer sair. – Murmurei quase num apelo, com minha voz falha por estar baixa. Seok me olhou apertando os olhos, divertido, e ficou de pé.

- Acho que não temos escolha, não?

- Se você pedir com jeitinho, tenho certeza de que ela me deixa ficar no meu próprio quarto essa tarde. É bem claro que ela vai te escutar mais que me escutaria.

Jin soltou uma risada gostosa, estendendo a mão para mim na clara mensagem de que ele não me deixaria ficar morgando, imagine minha mãe.

Descemos as escadas, com Jin mais me rebocando que qualquer outra coisa, e encontramos minha figura – nada – materna apoiada no parapeito da janela – isso, aquela que Tae quebrara – com metade do corpo para fora da casa.

Não precisamos pensar muito antes de já estar segurando a parte posterior de seu corpo e a puxando para que não quebrasse a cabeça e ficasse lelé de vez.

- Mas que porra! Eu estava quase alcançando! – Foi o grito que ouvi quando a colocamos de novo na segura posição de dois pés no chão e cabeça para cima.

- Não vou perguntar o que estava fazendo, mas você ia cair. Agradeça. – Respondi sem demora, cruzando os braços enquanto ela nos olhava raivosa.

- Agradecer?! Ah, vou muito te agradecer por ter perdido meu Raichu. – Ela bufou, indignada. – FALTAVA SÓ UM POUQUINHO PRA ELE ENTRAR NO ALCANÇE!

- Eu disse que não queria saber o que estava fazendo, porque sabia que teria a ver com essa merda. – Revirei os olhos. – E seu bichinho não ia te livrar se você sofresse um traumatismo craniano ao cair da janela, né? Então para de reclamar.

- VOCÊ PEGOU NA MINHA BUNDA, ME FEZ PERDER MEU POKEMÓN E AINDA POR CIMA FALA ASSIM COMIGO? AH, MAS TÁ PEDINDO PRA MORRER.

- Ah, nonna, nonna, nós só viemos aqui pra te avisar que já estávamos saindo. Certo, NamJoon? Certo NamJoon. Vem. – E, na mesma velocidade da luz com que falou, SeokJin me puxou para fora daquela casa, me livrando estrategicamente de uma anã violenta.

 Uma vez do lado de fora da moradia, Jin me puxou por mais meia quadra antes de parar de andar comigo de reboque.

- O que foi? – Perguntou, franzindo o cenho ao ver minha expressão confusa.

- Você me livrou mesmo dela?

- O quê?

- Tipo... – Gesticulei com as mãos, com calma. – Você normalmente me deixa pra morrer e ainda atiça ela, não?

- Esse é o trabalho dos garotos. Eu não faço isso. – Jin franziu o cenho, ajeitando a postura. Sem combinado ou aviso, começamos a andar novamente, agora em ritmo normal.

- Faz sim.

- Não faço.

- Faz.

- Não. Faço.

- Faz e sabe disso.

- Não faço.

- Faz.

- Não.

- Faz.

- NamJoon, sabe que vamos continuar pra sempre nessa se ninguém ceder, não sabe?

- Sei. Você faz. – Sorri, notando sua chateação.

- Não faço. – Ele parecia estar gastando seus últimos suspiros orgulhosos naquela frase.

- Faz. Sim.

- Meu deus que moleque teimoso.

- Olha quem fala. – Sorri mais largo, vendo Jin com a testa franzida e as bochechas levemente infladas. – E você faz.

- Eu estou quase te mandando para aquele lugar, NamJoon. Não brinque comigo.

- Brincar com você é inevitável, hyung. – Falei, sem nunca perder meu sorriso, me apoiando com o braço ao redor de seus ombros. – E se o lugar que ia me mandar, era a casa do JiMin, chegamos.

Jin olhou para a casa em que eu nos fizera parar em frente, e ambos levamos a atenção para a pequena janela do sótão – e quarto de JiMin – onde nosso amigo maromba se encontrava sentado e, maravilha, fumando.

O olhar do Park estava perdido em lugar nenhum, e o pequeno cilindro de papel e coisinhas cancerígenas sustentava-se entre seus dedos, enquanto ele sugava com lentidão desinteressada a fumaça, para então soltá-la em direção ao céu.

Olhei para Jin, que me devolveu o olhar, e, sem precisar mais que isso, ambos nos movemos juntos, colocando as mãos em concha ao olhar para cima.

- JIMIN! – Chamamos em uníssono. Conseguimos a atenção assustada do garoto que quase caíra da janela ao ser arrancado de seu transe, e então eu e Jin botamos a perder nossa sincronia:

- Você devia tomar cuidado! – A fala de Jin foi mansa, deixando claro que os “cuidados” de JiMin envolviam tanto o cigarro que fumava quanto a janela cuja bunda do Park estava encostada. O tom de voz de Jin estava tão preocupado quanto sua expressão.

- DESCE DESSA PORRA E TIRA ESSA MERDA DA BOCA. – Meu tom não foi manso, mas juro que estava preocupado. Do meu jeito.

Jin me olhou com o nariz torcido em reprovação. Qual é, tínhamos dito quase a mesma coisa.

Fomos interrompidos de nossa troca de argumentos silenciosa pela risada aguda do Park. Esta ressoou bonita na rua fresca pela água que ainda garoava sob o céu nublado da cidade.

O garoto pulou para dentro do sótão, apoiando o peito na janela em que estivera sentado até o momento. Seu sorriso transformava seus olhos em algo quase invisível.

- Oi hyungs. – Cumprimentou, risonho. – Vocês são as últimas pessoas que eu esperava ver pegando chuva hoje. O Tae eu já estava contando os segundos pra brotar do além, mas vocês? – Olhou mais especificamente para Jin, os olhos pequenos ainda sorridentes, mas agora visíveis. – Como você tirou ele da caverna, hyung?

- Francamente, o que eu pareço pra vocês? Um ogro? – Resmunguei, atraindo os dois olhares, que logo se uniram e riram baixinho, de uma piada em que eu não enxergava a graça.

- Mais ou menos. – JiMin respondeu, sapeca. O cigarro ainda estava nas mãos do Park, que se suspendiam calmamente para fora da janela. – Você é rude, mal humorado, reclamão, antissocial, rebelde sem causa e sequestrou um princesa perdida. – JiMin piscou brincalhão para Jin, que torceu o nariz, mesmo que ainda estivesse sorrindo. – Sem contar a sua tendência carnívora e sua força bruta.

- Primeiro: eu não te criei pra ficar me difamando. – Falei, e imediatamente escutei minha mãe falando aquelas mesmas palavras. Ugh, se eu parecia com ela, com certeza tinha um ‘quê’ de ogro. – Segundo: quem te deu permissão pra chamar ele de princesa?

Apontei para Jin, fazendo JiMin gargalhar alto. O Park se inclinou um pouco na janela, sorrindo.

- Precisa de permissão? Você vive chamando ele assim.

- Eu tenho permissão. Jin, né que ele não pode?

Jin me mirou quase como se me perguntasse se eu estava falando a sério ou se só estava forçando aquela infantilidade. E eu estava sendo completamente espontâneo, quer ele acreditasse ou não.

Mas Seok negou com a cabeça, sorrindo, antes de olhar para JiMin.

- Eu agradeceria se não usasse esse apelido, JiMin ah. – Apelou com um sorriso. Ergui um pouco o queixo, convencido, e Jin prontamente me mirou. – Isso vale pra você também, espertinho.

- O quê?! Mas você tinha dito que eu podia! – Reclamei. JiMin cacarejou uma risada de novo, e Jin apenas revirou os olhos, virando o rosto para esconder o riso que brotara sem permissão em seus lábios.

O garoto não protestou mais, porém, e eu sabia que minha “permissão” ainda estava de pé – como se eu fosse evitar aquele apodo se ele me proibisse.

Olhei para cima de novo, e JiMin foi pego no flagra dando uma tragada no cigarro.

- Ei, coisa! – Chamei, com a expressão um pouco ameaçadora para si. – Larga essa bosta e vem cá de uma vez. Meu pescoço já está doendo de ficar te olhando.

O Park deu uma risada, amassando a ponta acesa do cigarro na janela.

- Ah, eu estava curtindo ver vocês me olhando de baixo uma vez na vida.

- Não fui eu que te pari anão, Park. – Respondi, encolhendo os ombros em falsa cumplicidade. – Agora desce.

Sem mais, o garoto se afastou da janela, e eu deixei de olhar para a mesma – meu pescoço realmente estava ficando enrijecido.

Esperamos por alguns minutos até JiMin abrir a porta com uma energia animada meio estranha. Pobre garoto, ele só precisava de alguns idiotas para arrancá-lo de casa. Nessas horas eu realmente creditava quando diziam sobre “o ser humano ser um animal social”, porque eu certamente não era o melhor exemplo dessa capacidade intersocial que o resto dos adolescentes cheios de vigor tem.

- Não temos TaeHyung, mas é melhor que ficar sozinho matando seu organismo, não? – Ergui a sobrancelha quando ele se aproximou de nós vestindo um casaco fino sobre as roupas que usava antes. JiMin riu gostoso, afirmando com a cabeça.

- SeokJin hyung é uma ótima companhia. – Falou, e eu revirei os olhos. Jin riu. – Você também, Mon, mas vocês estão virando combo, sabe? Pega um, leva o outro junto.

- Olha só quem fala. Só porque seu rabo não está aqui hoje, não quer dizer que você tem alguma moral pra falar de combos humanos.

JiMin riu baixinho, mas lá fui eu ver a criança baixar os olhinhos quando Jeon foi enfiado na história. Bufei. Outra briguinha? Isso já estava ficando ridículo.

- Que tal se formos comer alguma coisa? – Jin interferiu, notando o clima sobre o Park. – O tempo está gostoso pra andar.

Eu sorri, concordando, enquanto JiMin olhou para o alto, franzindo o cenho ao ver o céu nublado e as gotas finas molhando-nos aos poucos. Franziu o cenho.

- Vocês são estranhos.

- Mas somos o que você tem disponível agora. – Rebati, já me prontificando a seguir caminho. – Tae e Hope acabaram de se arranjar. Eles não vão perder tempo conosco hoje. E Suga deve estar no quingentésimo sono agora. – Parei meus passos ao notar que os dois não me seguiam. – Vocês não vêm?

Jin olhou para o Park, encolhendo os ombros e me seguindo. O mais novo logo o imitou, e eu voltei a caminhar sob a chuva fina e fria.

Nossa caminhada era recheada pelo som de nossos passos no asfalto molhado e das risadas de JiMin para cada escorregão que eu dava ao tentar desviar de poças. Jin me pedira umas duas vezes para tomar cuidado, mas desistiu em seguida de me fazer agir como alguém da minha idade. Por que eu não podia brincar nas poças nos meus dezessete anos de vida? Povo chato.

Os quarteirões passavam sem ser notados por nós, até chegarmos, uns quinze minutos depois, à pequena centralização de comércios que havia numa rua antiga dali; a travessa com chão de paralelepípedos de basalto costumava ter um movimento relativo pelas poucas lojas ali concentradas, mas hoje, que havia sido desde seu inicio até o presente momento um dia chuvoso, o escuro das pedras reluzia em molhado, sendo pisado por poucos pés que haviam saído de casa.

Eu particularmente amava dias assim; nem quente nem frio, pouca gente na rua, o fresco da água subindo do chão como uma melodia leve em direção às nuvens. Eu não entendia como podiam fugir de dias nublados, ou fazer cara feia por eles, mas isso também os deixava especiais.

JiMin nos conduziu – com um sorriso enorme no rosto e apontando como uma criança – até uma mesinha de tampo de madeira que estava meio equilibrada na estreita rua de pedestres toda desigual em níveis. Os prédios que a ladeavam eram antigos e não passavam dos quatro andares; se você olhasse para cima, veria a chuva fina caindo; se olhasse para o fim daquele cantinho, veria que para chegar lá, teria de passar antes por um monte de estandes artesanais coloridos e pessoas sorrindo, passando por cada um daqueles blocos que te fariam escorregar na certa.

Eu tinha uma certa simpatia com aquele cantinho ligeiramente claustrofóbico, não podia negar, mesmo que o evitasse exatamente por ser tão enclausurador na maioria das vezes.

- Traição detectada! – Foi o que ouvi um décimo de segundo antes de sentir um coiso gigante do tamanho de um muro enfiar a mãozona na minha cabeça e bagunçar meus cabelos úmidos me deixando quase tonto. Estapeei duas vezes seu braço para que me largasse, já ouvindo as gargalhadas de JiMin antes de olhar com uma careta para o loiro que ria ao me observar de pé atrás de minha cadeira.

- Você não tem amor à vida, Wu? – Perguntei, estalando a língua. Kris abriu mais seu sorriso, enquanto JiMin ainda ria escandalosamente às minhas costas.

- Ele não parece na nonna falando? – Olhei para o garoto ao lado do poste. YiXing levava um cachecol  de tom vermelho vivo ao redor do pescoço, e sorriu para mim ao se tornar foco de minha atenção. – Deveríamos fazer uma visita à ela, Fan. Ela está em casa, não está, Mon?

- Quando ela não está em casa? – Sorri de canto, irônico. Ainda queria dar um tapa em YiFan, mas sabia que não satisfaria essa vontade. – Ela é turista naquele escritório.

- Turista igual vocês são lá no café. Bonito, hm? Sempre damos amor e carinho e vocês vêm comer do outro lado do bairro? – Kris ergueu a sobrancelha, meio arrogante. Eu sabia que não devia levá-lo a sério por completo, e não o fiz.

- Mas o café está fechado. – JiMin falou.

- Como você sabe?

- Vocês dois estão aqui. E não deixam ninguém cuidar do café por vocês. Acham que a gente não te conhece, hyung? – O Park terminou numa risadinha, e eu acenei com a cabeça, olhando para o chinês alto.

Kris limpou a garganta, parecendo pensar por um momento, e olhou para Lay, que estava ao seu lado com a usual expressão de criança brisada.

- Deve ser bom poder trabalhar em casa... – O olhar de Lay hyung se perdeu ao fim da frase, como costumava fazer em 90% das vezes. Todos os sentados seguramos um sorriso. O jeito de YiXing hyung nunca perdia sua graça.

Wu olhou para o namorado por mais um momento, logo dando de ombros, e me olhando.

- Verdade. Eu quero comida também. – Falou, já puxando uma cadeira, e, claro, esquecido completamente de ter nos chamado de traidores por estar comendo ali alguns segundos antes.

- Meu panini não, hyung! – JiMin protestou, puxando o alimento para longe do alcance do chinês. Wu olhou para Jin, que comia sua fatia de bolo com distração quase forçada,e  então pra mim, que pedira apenas uma xícara de café, e dei de ombros num falso pedido de desculpas.

O gigante choramingou baixinho, tombando a cabeça no ombro de Xing hyung. Este rapidamente sorriu pequeno, puxando a carteira do bolso e entregando ao maior. YiFan levantou-se com um sorriso gigante no rosto, e se dirigiu ao caixa para fazer seu pedido.

JiMin começou a conversar com YiXing hyung, e eu deixei que os dois viajassem em paz, olhando para Jin. Às vezes eu sentia como se tivesse ficado tempo demais sem olhá-lo, e sem querer me via quase que obrigado a pousar minha atenção em si. Eu não precisava chamar a sua, ou necessariamente falar com ele; apenas sentia que se confirmasse que estava ali, me daria um pouco mais de forças.

Era quase irônico eu ter conseguido me viciar naquela presença como um drogado.

E mesmo que eu estivesse me habituando, no fundo aquilo me assustava muito mais do que eu gostaria. Mas me fascinava muito mais do que minha cabeça algum dia jamais entenderia.

 

- Mãe, os garotos estão aqui. – Falei, adentrando a sala de casa.

- E quando não estão? – Ela apenas respondeu, jogada no sofá, com o cenho vincado em concentração enquanto mirava o telefone. Todos os recém-chegados sorrimos pequeno, e minha mãe enfim deixou que sua curiosidade falasse mais alto que seu aparente descaso.

Ao ver a figura gigante de YiFan e a mancha branca que era Lay hyung, minha progenitora praticamente jogou o telefone para o alto, se levantando num gritinho e abraçando  o mais baixo dos chineses ali.

- Eu proíbo vocês de aparecer uma vez por século, moleques! – Minha mãe enfiou o dedo a centímetros do rosto de YiXing hyung, que sorriu sem graça, num pedido de desculpas. Kris hyung riu do namorado, e, rápida como uma serpente, minha mãe pegou-o pela orelha, fazendo-o encurvar-se e descer até sua altura. – Vale pra você também, projeto de torre.

JiMin riu com gosto, enquanto eu e Jin apenas sorríamos. Minha mãe aliviou sua expressão, bagunçando os cabelos de YiFan antes de se afastar de ambos.

- Tenho quase certeza de que expulsei vocês dois daqui. – A mulher se virou para mim e Jin, erguendo a sobrancelha como se buscasse uma resposta.

- Literalmente expulsou, tanto que tivemos que emprestar dinheiro dos hyung quando lembramos que estávamos sem as carteiras. – Revirei os olhos. – E eu saí, não foi? Agora voltei, você não tem nada a reclamar. – Comecei a me dirigir à cozinha, ciente do olhar de Jin sobre mim.

- Eu mereço esse moleque. – Minha mãe resmungou. – Tem a cabeça mais dura que a minha. – Todos os presentes concordaram, alguns com sorrisos sinceros nos rostos, e eu sumi no outro cômodo.

Dei dois goles longos na água antes de guardá-la novamente na geladeira, cuja porta se fechou no mesmo segundo que a presença de Jin se fez presente ali.

- Quer alguma coisa pra beber? – Perguntei, sem olhá-lo. Minha vida de encrenqueiro me fizera ter um certo sensor para saber quando estava prestes a levar uma bronca.

Jin negou com leveza com sua cabeça, me observando com cuidado enquanto eu enxaguava o copo que havia usado. Me virei, olhando-o pela primeira vez naquele momento. Seus olhos não passavam zanga, então eu concluí que a bronca provavelmente teria um caráter mais emocional que eu esperava.

Andei até ele, esperando que ele falasse quando quisesse. Assim que cheguei até si, baguncei com leveza seus cabelos, pronto para sair da cozinha.

- Nam. – Ele chamou. Parei de caminhar, olhando para si lateralmente. O garoto me mirou, cruzando os braços enquanto aparentava pensar rapidamente. – Não acha que ás vezes é rude demais com ela?

- Aquilo? – Franzi o cenho com leveza, apesar de entender do que ele estava falando. – Aquilo não foi nada. É normal, achei que já tivesse notado.

- Sei que é. – Ele mordeu a bochecha internamente, me encarando em seguida. – Só acho que às vezes você não dá o devido valor à pessoa que tem ao seu lado. Ela é incrível, você sabe.

Baixei o olhar, pensando por um momento curto, e sorri de canto.

- Sei disso, princesa. – Voltei alguns movimentos que havia feito para me afastar dele antes, ficando frente a frente consigo. Minha mão descansou sobre seu couro cabeludo com gentileza. Seus olhos miravam os meus. – Não se preocupe, ok? Qualquer outro tipo e tratamento entre nós dois seria forçado e estranho. Nós nos tratamos assim porque não temos medo da sinceridade um do outro. – Tombei levemente a cabeça, olhando-o com um meio sorriso. – Tenho noção de que posso exagerar ás vezes, mas se isso acontecer, tenho você pra me dar um puxão de orelha, certo?

Jin me encarou de forma analítica e brincalhona ao mesmo tempo, logo soltando uma risada pequena.

- Eu sou o quê? Seu mediador de babaquice, Kim NamJoon? – Ergueu a sobrancelha, e eu forcei um bico.

- Eu gosto mais de quando você é gentil e me chama de “Nam”, sabe. – Meu vitimismo forçado era comovente, como provou a risada de Jin em resposta à minha fala. – E você sabe o que é; é minha princesa.

- Por que gosta tanto do pronome feminino? – Mesmo que ele tenha se esforçado para fazer uma pergunta leve, beirando o descaso, eu senti seu incômodo. Ele já havia demonstrado sua insegurança por não pertencer ao sexo feminino nessa relação antes, e eu não duvidava que isso talvez lhe assombrasse com frequência, por mais que eu tratasse de erradicar essa preocupação desnecessária.

Tardei um momento para responder-lhe.

- Por que o feminino deveria ser algo ofensivo a homens? – Perguntei, refletindo, sem ao certo responder-lhe. Entendia que aquele apelido poderia aparentar até um tanto machista da minha parte para os de fora, mas sinceramente? As pessoas às vezes se importam demais. – Homem, mulher... No fim nada disso importa muito, não é?

Eu não entendia isso antes, mas agora sabia. Gênero era o de menos no que acontecia entre duas pessoas; para mim, era quase insignificante.

- Ele soltou uma risada soprada quase de imediato; conhecendo-o, sabia que sua expressão estava mais leve.

- O que importa para você, Kim NamJoon?

Dei de ombros, não levando a mal seu tom divertido.

- Quem sabe... Esses rótulos ridículos que não.

- Não são só rótulos... – Jin mordeu levemente o inferior quando lhe mirei; ele pareceu um tanto incomodado por um momento. – É uma questão biológica óbvia.

Mirei-o sem medo de meu olhar estar demasiado pesado; Jin me encarou de volta, mas desviou uma vez antes de conseguir sustentar meu olhar. Seus orbes carregavam uma ponta de dúvida insegura quase dolorosa, como se esperasse loucamente que eu o contradissesse.

- Não vou começar a falar sobre biologia agora. – Terminei por falar, ainda olhando-o. Jin assumiu um olhar um tanto mais apreensivo, e eu quebrei o contato visual, olhando para a janela grande da cozinha, pensativo. – Mas mesmo que Deus desça aqui na minha frente agora, com as mãos na cintura, e me diga “ah, então o senhor não está procriando?”... Eu não vou desistir de você, e muito menos vou conseguir parar de sentir o que sinto. – Mordendo o interior de minha bochecha, olhei para Jin de novo; precisei juntar um pouco de coragem para fazê-lo. Falar de emoções abertamente não era tão fácil quanto eu fazia parecer, e Jin sabia disso.

Sorri, sincero, e a risada que brotou da garganta de Jin tomou um tom mais envergonhado, mesmo que igualmente franco.

- Ser sua princesa é uma tarefa difícil, NamJoon. – Jin comentou, quando o abracei pelos ombros com leveza.

- Difícil, hum? – Falei, sem olhá-lo. Sabia que ele ia soltar alguma gracinha.

- É. E incômoda, e irritante, e quase me enlouquece para manter a calma, às vezes. – Sua mão segurava a minha sobre seu ombro com leveza.

- Vem cá, você tem certeza de que gosta de mim? Porque pra mim parece que você me odeia. – Comentei, sem conseguir não deixar claro que sorria internamente. Às vezes, quando à realidade lhe convinha me dar um toque, eu me assustava com o quanto apreciava aquela companhia; mas aquele medo ao invés de me reter como antes, me acendia, e me dava ainda mais forças para querer manter aquele sorriso e alma perto de mim.

Jin riu baixinho.

 - Por que outro motivo eu ainda estaria aqui, seu cabeça dura idiota? – Ele virou o rosto para mim, e eu o imitei sem muito pensar. Jin me encarou por meio segundo, e então selou meus lábios que não esperavam os seus ali. – Vamos. Tenho quase certeza de que ouvi TaeHyung gritar na sala.

Ele andou, fazendo com que meu braço escorregasse por seu ombro até soltá-lo. Sua mão ainda segurava meus dedos com leveza, e ele não os largou. Segui-o até fora da cozinha, e eu ainda precisaria de alguns séculos para entender aquela sensação boa de leveza que se apossava de mim naqueles momentos com Jin.

 

SeokJin tinha razão; realmente tinha um alien loiro na sala, rindo como uma cacatua de algo que Kris hyung havia feito. Os outros na sala riam também, mesmo que Lay hyung estivesse fazendo um ótimo trabalho fingindo ser uma pessoa boa que não ri da desgraça alheia.

Kris hyung tinha aquela cara de tapado que grudava em sua cara sempre que ele fazia alguma bobeira e não sabia que havia feito tal bobeira; todos riam de si e ele ficava meio perdido entre o rir de si mesmo e o entender o que estava acontecendo; aquilo era tão comum quanto andar pra frente.

- Hyungs! – Tae gritou ao nos ver. Jin não soltou minha mão quando ficamos à vista de todos; não soube bem por que, mas aquilo me alegrou mais do que eu demonstraria. – Só faltavam vocês. Eu fui chamar o JiMinnie na casa dele, mas óbvio que ele estava aqui; vocês dois vão com a gente também.

- Ir? Ir pra onde? Jesus, eu não quero sair de novo. – Reclamei. O olhar animado de Tae deixava bem claro que eu não teria escolha.

- Você diz isso, mas é só pisar do lado de fora que fica feliz feito criança. – Jin comentou, ferino e divertido. Olhei-o com a clássica ruga entre as sobrancelhas enquanto todos riam.

- Pode me deixar reclamar, por favor? – Jin revirou os olhos com minha fala.

- Como se você não fizesse isso o tempo todo. – O garoto abriu seu sorriso usual. – Ah, vamos Nam. Você sabe que ia ficar entediado e reclamando se ficasse em casa, também.

Foi minha vez de revirar os olhos, que logo se voltaram para Tae de novo. Jin manteve seu sorrisinho, ele sabia que havia me convencido; maldito.

- Hyung, eu não perguntei se você queria sair. Eu disse que você vai. – Tae sorria abertamente com aquela boca grande. Seu tom de voz doce não condizia com a dureza mandona de suas palavras, mas nada era muito estranho vindo daquele garoto. – A omma vai também!

Ah tá, como se aquilo fosse me fazer ter mais vontade ainda de sair.

Tae olhou para minha mãe ao falar, e esta olhava para o celular, com clara irritação ao lutar contra o touch screen.

- Claro, TaeTae. – Ela respondeu, sem olhá-lo. – Mas antes eu tenho que resolver uma coisa de importância vital. – Seus olhos grandes se ergueram, me mirando diretamente. – Joon, me dê seu telefone.

Olhei para a mão pequena estendida para mim, esperando que eu realmente lhe entregasse o celular.

- Pra quê?

- Meu GPS não está funcionando direito, eu preciso recuperar os pontos que perdi. Eu estava dominando aquele ginásio, droga. – Explicou, com uma mão teclando furiosamente o telefone e a outra ainda estendida para mim.

- Você não vai instalar essa bosta no meu celular. – Falei, com o cenho ligeiramente franzido. Eu sabia que teria algo a ver com isso; minha mãe não pensava em outra coisa nos últimos dias.

- Quem comprou esse celular fui eu, você não tem nada a contestar. – Ela respondeu sem se deixar abalar.

- Não tem espaço na memória.

- Apaga uns cinco pornôs que vai ter.

- Eu não tenho internet.

- Eu recarrego.

- A tela está quebrada.

- Aish, NamJoon! Você é um inútil mesmo. – Reclamou, mas baixou a maldita mão pidona, voltando a amaldiçoar o próprio telefone. – Esse GPS está mais bugado que o meu computador depois que você começou a bater punheta, filho.

Ignorei a gargalhada de TaeHyung e JiMin. Aquilo estava dentro do normal e esperado vindo da boca de quem me parira.

- Mãe, desencana disso. Esse negócio não disse que tinha um Picachu na sua janela?

- Era um Raichu, não um Picachu. E eu consegui pegar ele, apesar da sua não-ajuda, obrigada. – Resmungou, mas bloqueou o telefone e o colocou no bolso. – Mas quer saber? Foda-se. Vamos sair! Esperem dois minutos que eu vou pegar minha carteira lá em cima.

E literalmente dois minutos depois, ela já estava junto conosco, saindo de casa. Não sei se já agradeci alguma vez em voz alta por minha mãe demorar menos que qualquer mulher, ou qualquer pessoa normal para sair de casa – ela demorava menos que Tae, ganhando com várias horas de vantagem do garoto fissurado em maquiagem e roupas.

Mas a senhora SoHee não precisava dessas coisas – palavras dela, trocando o “senhora” por um “super-maravilha” –, e lá estava ela, com seu shorts largo e curto rasgado e uma de suas camisetas grandes que ela usava de pijama – que tinha “HEY DUDE, DON’T BE RETARD” estampado em amarelo e azul no peito –, além dos converse’s de cano alto azuis, parecendo tão nova quanto todos os jovens que a rodeavam enquanto seguíamos pela rua.

Antes que chegássemos à estação, Lay e Kris hyung se separaram de nós, prometendo sob as ameaças de minha mãe a dar sinal de vida mais vezes – e nos ameaçando para que fizéssemos o mesmo no café.

Apenas quando já sacolejávamos no vagão, que me toquei de que não fazia ideia de para onde estávamos indo.

- Hey, Tae. – Chamei. O garoto interrompeu sua conversa com JiMin para mirar-me. – Aonde vamos?

O garoto abriu um sorriso travesso em suas expressões de elfo, e, me ignorando completamente, voltou a falar com o mais baixo sentado ao seu lado. Jin estava sentado também, e mesmo que houvesse lugar para mim e minha mãe, nenhum dos dois expressamos interesse em descansar as pernas.

Eu me sentia inquieto sentado, e sabia que com ela o problema era semelhante. A diferença clara era que eu não tinha problemas com aquela pequena rebeldia, visto que alcançava as barras de segurança com grande folga; já minha mãe, bem, ela estava segurando no meu braço com tanta naturalidade que até podia-se imaginar que ela estava assim porque queria, e não porque era baixa demais para alcançar a barra.

Senhora Kim parecia bastante imersa em seus fones de ouvido quando deixei de rir de sua dublagem silenciosa das músicas e de sua dança não-tão-discreta com braços e cabeça para olhar o garoto que estava sentado um tiquinho mais à direta de minha frente.

Jin, que antes também observava minha mãe com sutileza divertida, me encarou com calma. Olhei-o, e um sorriso pequeno brotou no canto de meus lábios. Jin sorriu também, e eu tombei minha cabeça levemente, parando meu olhar ali como se tivesse me sentado para uma grande estadia; confortável, sem a menor vontade de quebrar aquele contato.

 - Vocês parecem aqueles personagem de livrinho de romance chato que ficam sorrindo de segundo em segundo, francamente. – Tae reclamou, me fazendo sair de meu aconchego bem mais cedo que o planejado. Olhei-o com tédio.

- E o que você sugere que a gente faça sobre isso, TaeHyung? – Eu me arrependeria de perguntar aquilo, mas não podia fazer nada quanto a ser impulsivo.

- Transem. – O garoto deu de ombros. Não disse que ia me arrepender? – Ah, sei lá. Vocês ficam nessa lenga-lenga. Eu quero ver amor ardente, vocês mal se aguentando e se pegando em todo lugar! Coisas emocionantes, sabe.

Olhei para TaeHyung looongamente, longamente mesmo, analisando cada detalhe daquele moleque sem noção, até responder-lhe, com voz lenta e calculada:

- Só me explica... – Olhei-o no fundo dos olhos. – Quando foi que nós dois viramos meros personagens dos seus hentais, TaeHyung. – O garoto arregalou os olhos, abrindo a boca pra responder, mas eu fui mais rápido: – De que merda você está falando? O que fazemos ou deixamos de fazer deveria ser um problema nosso, não? E mais; eu não sou um bicho irracional que só pensa em sexo, ao contrário de qualquer conclusão que você possa ter criado nessa sua cabecinha problemática.

O garoto inflou as bochechas ao limite, com os olhos lacrimejando. Tenho certeza de que ele não estava esperando que eu respondesse, muito menos daquele jeito. Eu não sabia bem por que havia dado aquela pequena explosão – que mesmo tendo sido pronunciada em tom moderado e expressão neutra, havia sido sim, uma explosão –, mas entendia menos ainda por que, por milagre do destino, certo senhor SeokJin ainda não havia me mandado calar a boca e deixar Tae em paz.

Olhei para si, que mirava Tae com a expressão neutra. Seus orbes peregrinaram até mim, me olhando um pouco mais sério.

- O que foi? – Perguntou, ao me ver encarando-o em quase expectativa. Eu estava esperando uma bronca? Santo Hades.

- Você não me mandou calar a boca, e não defendeu o Tae. – Respondi, meio embasbacado.

- Ah... – Ele pareceu pensar por uma fração de segundo. – Se você tivesse dito que não ficava tentando me beijar em tudo quanto é lugar, eu teria te mandado parar de mentir, mas... – Sua expressão pensativa de inocência era quase convincente. Ri soprado, e Jin olhou para Tae. – Mas é verdade, Tae. Às vezes suas brincadeiras podem incomodar.

- Na lata! – JiMin comentou, rindo pequeno. Tae, eu e Jin o olhamos com caretas semelhantemente querendo dizer “hoje não”.

 

Não soube ao certo em que ponto do caminho de trem, minha cabeça começou a latejar. Era algo pequeno, não apresentava um grande incômodo, mas incomodava. Me mantive impassível quanto a isso externamente, mas já estava resmungando com meus botões sobre ter sido arrastado para fora de casa duas vezes em meia tarde.

Alguns minutos antes de chegarmos á estação que desceríamos, JiMin recebeu um telefonema. E a julgar por sua cara de preocupação, deduzi que era JungKook. O Park se afastou de nós no vagão, chutando o chão de metal enquanto trocava palavras baixas no telefone, de costas para nós.

Com um pequeno solavanco, JiMin tropeçou, quase tendo um belo encontro com o chão. Suas pernas se fixaram de pé com esforço, e tudo o que se ouviu a seguir foi a risada alta de TaeHyung, caçoando de si.

- Cuidado aí, gostosão! – Olhei para Tae por alguns segundos, logo desistindo de tentar dar um ligo para que fosse menos sem noção, e me virei sorrindo contido para JiMin, que, passado o susto, ria da própria trapalhada.

Ele encerrou a chamada brevemente, e voltou para perto de nós, dessa vez parecendo um aventureiro na beira de um precipício; segurando-se a cada passo dado.

- Você é tão desejado que até o chão te quer. – Tae brincou de novo, e JiMin sorriu, com aquele mesmo fantasma fatigado que alojava-se em seus olhos sempre que ele se descuidava, ou quando mencionavam Jeon nesses últimos dias.

Me perguntei brevemente se realmente teria que aguentar outro casal de DR. Eu estava quase desejando que, sei lá, a avó de JungKook tivesse morrido ou algo assim, se isso fosse me poupar de o motivo daquilo ser mais uma briguinha de casal.

O trem parou, e Tae se levantou num pulo animado.

Minha mãe foi a primeira a segui-lo porta afora, seguida por JiMin e então por Jin. Este último parou na divisão entre o vagão e a plataforma, olhando para mim interrogativamente. Mirei-o por um breve momento, soltando os braços da barra acima de minha cabeça e preguiçosamente andando para sair dali. Minhas mãos balançando como queriam ao lado do corpo me davam uma sensação de moleza a mais.

Passei por Jin com a melhor cara de preguiça que tinha, o que causou-lhe uma risada leve. Ele seguiu meu passo imediatamente, andando ao meu lado.

- Melhore essa cara. – Ouvi-o falar. – Parece que te arrancaram da cova.

- Foi mais ou menos isso. – Ele sorriu pequeno.

- E depois fica bravo por te chamarem de ‘ogro’. – Seus braços balançaram para frente e para trás com mais força, infantilmente acompanhando sua passada que ficou um tanto mais brincada.

- Eu sou flexível. – Falei, chamando sua atenção. – Tenho meus momentos de príncipe encantado, e tenho meus momentos de ogro marrento.

A risada de Jin brotou nasalmente, como quando ele tentava não ser rude ao rir de alguém. Ou estivesse tentando não se parecer com uma foca rindo.

- Onde está esse tal príncipe encantado? Gostaria de conhecer ele.

Olhei-o com a sobrancelha erguida por sua brincadeira. Andávamos em ritmo lento, principalmente se comparado com os que estavam mais à frente, cujos quais nos ignoravam completamente.

- Você adora zombar da minha cara, não é?

- Eu? Claro que não, alteza. – O sorriso de elfo que surgiu em sua expressão me deu vontade de jogá-lo contra alguma parede e colar aquela boca na minha, mas eu supostamente ainda tinha que fingir não ser um lobo faminto o tempo todo.

- Agora é alteza? – Ergui mais a sobrancelha, acompanhando-o ao rir. – Que eu me lembre, a princesa aqui é você.

- Mas você está na realeza também, não está, príncipe charlatão? – Sorri com sua fala, e não pensei muito ao levar minha mão ao seu pescoço enquanto andávamos lado a lado, ele se contorcendo levemente com meus dedos gelados a princípio, mas rindo em seguida.

- Você realmente não vai me deixar em paz com isso nunca, não é? – Jin negou, concordando com um sorriso largo. Suspirei, escorregando a mão de seu pescoço para seu ombro, mantendo-a ali largadamente. – Pensando bem, eu não quero ser príncipe não. Deve ser muito chato.

- Hm? Mas só o príncipe pode casar com a princesa. – O garoto provocou. Olhei para si com o rabo dos olhos. Suas feições estavam adquirindo aquele ar que sempre infestava-o quando começávamos a atiçar um ao outro. Eu não sabia dizer o quanto gostava daquele olhar; provavelmente tal só perdesse para seu sorriso de sincera felicidade em meu ranking de favoritismo.

- Quem disse?

- Os contos de fadas.

- Os contos de fadas que você conhece são versões bonitinhas de histórias trágicas sobre nobres safados filhos da puta que engravidavam camponesas indefesas, em sua grande maioria. – Falei, com descaso. Olhei-o, vendo com diversão a careta que ele armara. – Abra sua mente, SeokJin. E se a Rapunzel não tiver casado com o príncipe, e sim preferido ficar na torre brincado de tesoura com a bruxa?

O garoto arregalou os olhos enormemente, me desferindo um tapa no ombro sem pensar, mas não aguentando muito antes de rir, inicialmente baixo e fraco, mas evoluindo a risada até ser algo meio descontrolado. Não ria alto, mas ele parecia ter dificuldade de lembrar-se de respirar.

Olhei-o com preocupação leviana, que perdia para meu entretenimento de vê-lo assim. Ele cobria a boca com a mão ao rir, tratando de fazer o menos de barulho possível. Com um sorriso de canto, tirei seus dedos da frente de seus lábios, e ele me mirou, com os olhos quase fechados pelo riso. Abriu um sorriso que se manteve com dificuldade pela vontade de seguir rindo, e resmungou, ainda sem fôlego:

- Você é completamente entranho. – Riu. – Mas acho que já sei quem você vai ser na Corte.

- Ah é? – Provoquei porque sabia que ele faria o mesmo em seguida. Aquele lado brincalhão de SeokJin, quando acordado, era algo que eu gostava de manter aceso por o maior espaço de tempo possível.

- Uhum. Você é o rei rabugento e velho que tem impulsos pedófilos para com a princesa. – Ele assumiu uma expressão séria, mas eu tive que fechar minha boca ao máximo para não rir alto. Soprei a risada, baixando a cabeça, logo olhando para ele de novo.

Sorri gentil, e plantei um beijo em sua testa, logo soltando seus ombros e caminhando normalmente. Jin franziu o cenho em uma breve confusão, que me divertia, mas ele acabou por sorrir discretamente, olhando à frente como eu.

TaeHyung nos conduziu por quarteirão atrás de quarteirão num bairro que eu não havia visitado muitas vezes, mas que eu sabia bem por qual era provavelmente o motivo de estarmos ali; não deu outra: um pouco antes de eu começar a reclamar por não chegarmos nunca, Tae se dirigiu à porta de um prédio mediano – para o nível dos edifícios ali – e adentrou a porta de vidro.

Havia uma recepção ali dentro, e Tae falou curtamente com o rapaz ali atendendo, logo virando seu sorriso gigante para nós e nos conduzindo ao elevador.

- Onde estamos? – Perguntei, batendo o pé nervosamente no piso da estrutura metálica que nos levava para os pisos superiores. Aquele era o bairro onde a tia de Tae trabalhava na empresa de modelos, eu sabia, mas não conseguia imaginar por que ele nos levaria a algo assim.

De qualquer forma, eu não estava conseguindo raciocinar direito dentro daquele troço; elevadores sempre foram um desafio para mim. Com minha inimizade com lugares fechados, aquela caixinha metálica andando a velocidade enorme para cima e para baixo me deixando totalmente impotente era quase um chefão de fase no meu jogo da vida.

- Você vai ver. – TaeHyung mirava o espelho do elevador com pouco interesse em meu questionamento. Minha perna movia-se pelo movimento raivoso de meu pé, e eu apertei uma mão em punho enquanto mordi a unha do indicador da outra, com olhar fixo na parede metálica do ascensor.

Minha mãe ainda estava com os fones de ouvido, alheia o suficiente para que provavelmente nem tivesse notado onde estávamos. JiMin mexia no celular com o lábio inferior entre os dentes de forma apreensiva, ajudando a tornar o ambiente nada agradável daquele cubículo ainda menos atrativo.

Encostei as costas na parede atrás de mim, desencostando em seguida. Passei a língua sobre o lábio superior, me perguntando se estávamos subindo para o Olimpo ou algo assim; não era possível que demorasse tanto para chegar ao nono andar.

Senti o olhar de Jin sobre mim no segundo seguinte, juntando o pouco de minha mente que não estava entrando em pânico, devolvi-lhe o olhar. Ele me analisou por um momento, logo olhando para o painel que indicava os andares. Estávamos no sétimo. Ele tocou com leveza meu punho fechado, que eu relaxei apenas por isso.

Tocou seus dedos nos meus, e a porta se abriu num tinido, como um passe de mágica. Suspirei, aliviado, não esperando para sair daquela lata velha.

Uma vez fora, Jin me sorriu, levando os mesmos dedos que me tocaram gentilmente antes lá dentro para meus cabelos, imitando a mania que eu desenvolvera de bagunçar seus fios, em mim.

- Estamos em terra firme agora, marujo! – Sussurrou, brincalhão.

- Finalmente saí daquela merda opressora de espíritos livres. – Concordei com a cabeça, causando uma risada gostosa dele.

- Que nojinho vocês, seus melequentos diabéticos. – Tae forçou a cara de asco ao passar por nós, andando como uma gazela até mais à frente no corredor.

Ele parou em frente a uma porta, abrindo-a com cuidado e enfiando a cabeça para espiar antes de abri-la por completo. O garoto adentrou, e nós o resto nos posicionamos na porta, observando o ambiente desconhecido.

TaeHyung pulou nas costas de quem eu demorei alguns instantes para entender ser HoSeok, que levava uma regata encharcada de suor no corpo, e deu um grito assustado ao receber o peso a mais sobre si, quase caindo.

Tae estalou um selo na bochecha de Hope, causando uma onda de vaias dos outros quatro garotos que ali estavam antes que chegássemos.

- Tae?! Meu deus, já são seis da tarde?

- Já. – O garoto apertou o pescoço do namorado, sorridente. Hope já tinha as mãos nas coxas do mais novo, e ambos conversavam naquela posição sem problema algum, sob os olhares curiosos dos garotos suados ali, alguns que já haviam nos notado na porta. – E eu trouxe o bonde.

Com isso, HoSeok virou-se para a porta, nos olhando. Soltou as coxas de Tae com delicadeza, e o loiro desceu das mesmas, sorrindo pequeno.

- Até a nonna veio? E você tirou o Mon de casa? TaeTae, você é inacreditável. – O Jung sorriu. – JiMinnie está ali também.

O bobo alegre veio em nossa direção, com os braços quase abertos em pedido de abraço, mas o Park que antes estivera meio escondido atrás de mim – não intencionalmente – ergueu a mão, impedindo-o.

- Você está todo suado, não se atreva a me abraçar.

- Falou o ratinho de academia. – Alfinetei.

- Tá, mas agora eu estou limpo e sequinho, e quero continuar assim. – O Park dispensou o carinho do Jung com um aceno de dedos, olhando para o telefone que havia alertado sobre uma nova mensagem.

- Ora vamos, Minnie. – Minha mãe havia pendurado os fones no pescoço, ou seja: poderíamos esperar a senhora Kim profissional em bullying ativa novamente. – Não seja tímido. Todos sabemos que estava sentindo falta de Honnie.

Hope acatou a ordem implícita de minha mãe com uma risada, abraçando o baixinho que fez uma careta do tamanho do Atlântico na cara redonda.

Ao soltar o Park, Hope nos olhou com um sorriso largo, e antes que ele inventasse de me abraçar também, estendi-lhe a mão para que cumprimentasse. Ele riu de novo, mas não encheu o saco. Cumprimentou Jin com um aceno animado, e então se virou para os companheiros cujos nomes eu desconhecia.

- Pessoal, essa é Kim SoHee, a nonna, ela é tipo minha mãe. – Indicou a mulher, que fez o símbolo de paz e amor com os dedos, sorrindo toda bonitinha, como se não fosse o capeta na pele humana. – Esses são o Monster e o JiMin, eles são tipo meus irmãos. E esse é SeokJin hyung, ele é algo tipo o namorado do Monster.

- Tem algum deles que não é “tipo” algo pra você? – Um dos garotos, o mais alto deles, brincou.

- Não. – Hope riu. – Aquele ali é tipo meu namorado. – Apontou para TaeHyung, que forçou um bico e andou até Hope.

- Tipo são as pelancas da sua avó. E eu sou Tae, o namorado dele.

O loiro sorriu, abraçando HoSeok. Os dois estavam duas bolinhas de alegria, e eu podia suspirar de alívio depois de tanto tempo.

- Ah, a gente sabe muito bem quem você é. – Um moreno baixinho comentou, e franziu o cenho. – Hope hyung só fala de TaeHyung pra cá, TaeHyung pra lá desde que o conhecemos.

HoSeok ruborizou um pouco, mas sorria abertamente, assim como Tae. O restante ria com gosto. Me apoiei na parede próxima da porta, e Jin me imitou discretamente, olhando para o grupo grande ali reunido.

Eu ainda não havia entendido muito bem por que Tae havia nos levado até a empresa em que Hope estava praticando, mas era legal estar ali. Sinceramente, eu havia esquecido de toda aquela história de trainee, mas ver aquilo dava todo um ar de solidez a algo que antes me parecia meio distante.

Hope havia conseguido, não seria tão impossível para que eu fizesse algo parecido, mesmo que meu interesse estivesse menos em dançar ao som de hits do pop e mais em underground, que ao mesmo tempo que parecia mais próximo de minha realidade, apresentaria um grau de dificuldade bastante semelhante.

Sorri pequeno.

- No que está pensando? – Jin perguntou, tombando o corpo um pouco para frente, me olhando com olhos grandes e curiosos.

- No futuro. – Falei. – Não costumo me preocupar muito com ele, mas alguma coisa eu tenho que fazer na minha vida.

Jin se manteve em silencio por um momento, e então acenou com a cabeça em concordância.

- Falando nisso, você já preencheu aquela ficha sobre seu futuro que pediram na escola? É pra segunda, você sabe. – Disse, pensativo, já sem me olhar. Seus orbes, protegidos pelas sobrancelhas grossas, miraram o espelho do outro lado da sala de prática com certa preocupação.

- Eu acho que perdi aquele papel.

- Eu também. – Ele soprou um riso sem graça, chutando o ar e olhando para os próprios pés.

- Acho que estamos um pouco fodidos. – Falei, com um sorriso de canto, igualmente sem ânimo.

- Quando não estamos? – Ele brincou, me olhando brevemente. Sorriu debilmente antes de voltar a encarar o piso encerado. – Acho que vamos levar uma broca, e a culpa é toda sua.

- Minha?! – Minha indignação não era fingida, mas tampouco era séria.

- Sua. Sua e dessa sua mania de ser do contra e odiar coisas objetivas e respostas de resposta única. – Sorriu travesso para seus sapatos. Meu sorriso esticou um pouco mais para o canto, e eu passei a língua discretamente sobre a divisão dos dois lábios.

- Nós não perdemos os papéis por isso. Perdemos porque somos dois cabeças de vento. – A risadinha de Jin soou com leveza naquela pequena bolha que se formava quando conversávamos os dois, como se o resto do mundo não importasse.

- Se não tivéssemos perdido, você o teria preenchido?

- O que você acha?

- Acho que não. – Ele riu de novo. – Por isso estou falando que a culpa seria sua de qualquer forma.

Ele jogou a cabeça para trás, apoiando-a na parede enquanto fechava os olhos, e suspirou, inflando as bochechas pensativamente.

- Eu realmente sou uma péssima influência pra você, não sou, SeokJin? – Perguntei, apenas por perguntar. Jin abriu os olhos, me mirando longamente antes de sorrir sinceramente.

- Acho que você é a melhor delas, na realidade. – Olhei-o, surpreso, e então ele completou: – Agora eu sei exatamente quem não devo ser na vida. – Esperando por algo assim, ri francamente. Ele me olhou, divertido, mas então assumiu um ar um pouco mais sério. – Estou brincando. É... Você definitivamente não é o melhor exemplo para se encaixar na sociedade, é estranho e rebelde sem causa, mas se não fosse assim, não seria você. E eu gosto que seja você, exatamente como é.

Seu sorriso fez com que seus olhos se fechassem, e eu senti um grau de timidez maior naquela fala. Meus olhos amansaram mirando-o, e eu levei a mão aos seus cabelos; após mover os fios superficialmente, não cortei o contato, e puxei sua cabeça para meu ombro, abraçando-o com naturalidade.

Ele ficou tenso por alguns segundos, e então soltou um suspiro longo se entregando ao carinho. Senti-o sorrindo apenas pela forma que respirou próximo de meu pescoço.

- ...Exatamente como o chato que finge não ter coração mas na verdade é uma manteiga derretida. Gosto desse chato.

- Tecnicamente, o manteiga derretida só vale pra você, então a culpa é sua. – Respondi, com a mesma leveza que ele soltara a última brincadeira.

- Não “vale só pra mim”, NamJoon. – Jin riu baixinho. – Você só é ainda mais derretido comigo, só isso.

- Você não perdoa nada, não é? – Ergui a sobrancelha, e ele ergueu o rosto de seu aconchego para me sorrir como uma criança travessa.

- Você também não, por isso sempre ficamos nos provocando como dois idiotas até alguém interromper.

- Algo que a julgar pelo nosso histórico, vai acontecer em alguns segundos. – Falei, concordando consigo.

- Ei, os tipo namorados aí! – Tae chamou, e eu baixei a cabeça num riso desanimado, rindo de minha própria desgraça. Jin riu com gosto, e olhou para Hope após soprar um ‘calma’ para mim. – Nós viemos aqui buscar o Hope pra sairmos juntos, não pra ficar usando a sala como motel. Vamos?

- Nós só estávamos conversando. – Reclamei, sem muito ânimo para discutir e por isso já me dirigindo até eles.

- Essas conversas de vocês deveriam ser classificação +18. – JiMin comentou. – Eu me arrepio todo de ver vocês nos cantinhos sussurrando entre si e sorrindo feito dois idiotas. Isso é tão shoujo!

- Desde quando você fala merda de otakinho também, Park? – Ergui a sobrancelha para o baixinho, que encolheu os ombros num sorriso.

- Ei, mais respeito. Conhecimento nerd é patrimônio cultural da humanidade. – Tae contestou.

- Não vou ouvir isso de um moleque que tem um travesseiro tamanho real da Nico Robin entire body na cama. – Torci o nariz em falsa repulsa, e muitas risadas foram ouvidas, inclusive a de Tae.

- Mas é exatamente de mim que você tem que ouvir isso!

- Você é suspeito ao opinar, cala a boca. – Dispensei-o, sem interesse, e o garoto me mostrou a língua, mostrando belamente também como estava sua idade mental.

- De qualquer forma, vamos? Já está escurecendo, temos que jantar antes de ir para o Lux, não? – Hope disse, colocando a mochila no ombro.

- A gente vai pro Lux ainda? – Perguntei, espreguiçando minhas costas.

- Vamos. E você vai também. – Tae me olhou, sério. – Vocês dois vão. – Apontou para mim e SeokJin.

- Tá, a gente vai jantar ou não? – Minha mãe se manifestou. – Eu estou com fome.

- Vamos sim.

- Espera! – JiMin parou a ação de todos que já se preparavam para deixar a sala de prática. Ele olhou algo no celular, e baixou a mão que havia erguido ao pedir que aguardássemos. – Não, nada. Deixa quieto.

Franzi o cenho, mas JiMin bloqueou o telefone e abriu um sorriso gigante, então supus que não devia ter nada errado.

Nos despedimos de um dos garotos, que não nos acompanharia para fora da sala de prática. Segundo HoSeok, ele tinha mais dificuldade que os outros naquilo, e estava se esforçando para não ficar para trás dos outros.

Assim que nos aproximávamos mais da portinha de metal da caixinha demoníaca, perguntei para Hope se não teria por acaso uma escada de emergência naquela merda de edifício. O garoto me apontou a mesma sem notar minha intenção, e mesmo que todos tivessem me mandado não ser fresco, ignorei a todos e entrei nas escadas.

Sinceramente, eu não sabia qual era pior; as escadas eram tão claustrofóbicas quanto o elevador, mas pelo menos ali eu podia – devia – me mover. Saltei os degraus de quatro em quatro, não pensando muito enquanto apenas me esforçava para chegar ao térreo de uma vez.

 Por volta do quinto andar, assim que virei uma das esquinas da escada com quase um salto, pisei em falso, tombando como fruto maduro naquelas escadas escuras e apertadas. Grunhi baixinho pela dor, mas levantei, não tendo nada significativo me impedindo de avançar. Voltei a descer naquela velocidade louca de antes, e de uma forma ou de outra, cheguei ao térreo.

Minhas companhias ainda estavam terminando de sair do ascensor quando cheguei, completamente ofegante, ao saguão. O troço provavelmente havia ficado preso em algum andar, por mais rápido que eu tivesse descido, para chegar ao mesmo tempo em que eu ao solo.

- Viu, hyung? Ele está vivo. – Tae indicou a mim para SeokJin, que me analisou com o cenho ligeiramente franzido. – Quer dizer, mais ou menos. – Completou o loiro, torcendo o nariz ao analisar meu estado.

- Acho que o Mon hyung pode ser recordista em maratonas de escadas. – JiMin brincou.

- Isso existe?

- Eu sei lá. – Deu de ombros, fazendo Hope revirar os olhos com um sorriso.

Jin andou até mim, segurando meu cotovelo, ergueu meu braço para olhar o estrago que eu havia feito naquela pequena queda. Eu não vira antes pela pressa e pelo escuro, mas arranhara todo o antebraço esquerdo na parede, praticamente. Além disso, meus cotovelos doíam pelo impacto da queda, e minha perna direita estava latejando um pouco. Isso sem contar que a dor de cabeça que começara no trem, da qual eu havia quase esquecido antes, voltara com mais força.

- Você devia dar um desconto ao seu corpo. – Jin comentou, ainda analisando os machucados. – Ele não tem culpa de você ser um inconsequente, sabe.

- Ele já se acostumou. – Falei, dando de ombros sem olhá-lo. Estava doendo, mas eu já havia me machucado bem mais, muitas vezes.

Jin me olhou, apertando os olhos analiticamente, e abriu a boca para contestar-me – provavelmente me dar uma bronca. Parou, porém, quando o ofego alto de JiMin pôde ser ouvido. Eu olhei para o Park, e Jin, que estava de costas para si, fez o mesmo.

O garoto apenas correu sem pensar, jogando-se no abraço do moreno que adentrara o saguão, e agora o acalentava meio desajeitadamente.

Eles conversaram por sussurros curtamente, conversa da qual eu não poderia nem sonhar sobre o que estavam falando, visto que JiMin estava de costas para mim, e Jeon tinha uma máscara preta sobre a boca.

Após alguns instantes, JungKook sorriu fraquinho por baixo da máscara, e soltou o tronco de JiMin, que se virou, puxando o mais novo pela mão até nós.

- Agora podemos ir. – Brincou, com sua risada ecoando, aguda e melodiosa, pelo saguão frio. – Garotos, esse é JeongGuk. Ignorem os maus modos dele, por favor. – Indicou o namorado para os companheiros de Hope que haviam nos escoltado até ali embaixo.

- Que maldade, hyung. – JungKook contestou, mas sorriu pequeno para os recém conhecidos. JiMin mal conseguia parar de sorrir, e eu estava quase agradecendo em voz alta pela minha reza braba para evitar outro casal com probleminhas de relação ter funcionado.

- E a gente, Kook? Nem um oi? Nem um sorriso? Nem um “oi hyungs, desculpem por sumir do além e deixar o JiMinnie todo jururu pelos cantos por quase três dias”? – TaeHyung, como sempre, não mediu palavras, causando uma risada coletiva.

Jeon sorriu, meio sem graça, mas acenou com a cabeça para o Kim.

- Bom te ver também, Tae. – Sorriu, travesso, recebendo um resmungo, seguido por uma risada de TaeHyung.

Nos separamos de um dos trainees ao sair do prédio, e dos outros dois algumas quadras após. Comer naquele bairro seria caro, então não precisamos discutir muito antes de decidir ir para outro lugar, mais em conta.

Quando já estávamos ocupando uma mesa grande num café no bairro vizinho, com porções de comida para todos os gostos e muito barulho, minha mãe, que estivera um tanto calada durante todo aquele tempo, sorriu ao ver Tae e Hope fazendo aquelas coisas grudentas de casal de ficar brincando com a comida um do outro. Os dois riam de qualquer coisa e eu estava quase comentando que TaeHyung não teria nunca mais, moral nenhuma de ficar me julgando por conversas internas e sorrisos em excesso.

- Finalmente o cu doce acabou, gente que delícia. – Minha mãe disse, com o queixo apoiado na mão, sorrindo com o canudo colorido de seu suco entre os lábios finos.

Os dois olharam-na, meio alheios a tudo. O casal Jeon-Park riu baixinho. Os dois estavam mais quietos, como de costume, e aproveitavam da companhia um do outro, observando as macacadas do outro casal à mesa com sorrisos amenos.

- Realmente, é bom ver os dois bem. – Jin comentou, sorrindo, e me olhou de canto.

- É. Mas se não estivessem, por mim vocês já podiam morrer. – Recebi uma cotovelada nas costelas. – Ugh. Digo: se vocês tivessem demorado mais eu teria ficado irritado. Ai, SeokJin! Você fala que eu tenho que cuidar do meu corpo, mas fica me agredindo, porra.

Reclamei ao receber outro golpe, e o casal riu.

- Teria? Cara, não sei se você lembra, mas você me bateu.

- Você mereceu.

- Mas você concordou que os dois tiveram culpa. – JiMin interferiu, com um sorriso sapeca. – Vai bater no Tae também?

- Não vou bater no Tae. – Meu tom de “de jeito nenhum” foi definitivo, causando uma risada curta de todos ali.

- Molecada, onde está o Ginnie? – Minha mãe falou, de súbito, como se só naquele momento tivesse notado a falta de uma das crias. Tae comicamente olhou para os lados, como se esperasse achar o branquelo escondido no bolso de alguém ali.

- Ele não me atendeu. – Tae respondeu. – E hoje é sábado, então a bruxa-Min provavelmente está em casa. Eu não acho que o hyung esteja lá.

Uma onda de concordância silenciosa correu pela mesa. Saber exatamente YoonGi estava não era possível, considerando a quantidade de gente que ele conhecia, e quantidade de camas amigas que ele tinha, mas não era incomum ele dar essas sumidas, principalmente quando sua mãe estava na área.

Retirei o telefone do bolso, apenas checando para ver se ele não havia dado sinal de vida e eu tê-lo ignorado. Entrei na caixa de mensagens, vendo-a atualizar-se pelo Wi-Fi do local, e corri os olhos pela tela quebrada.

YoonGi não havia mandado-me nada, como esperado, mas entrei no chat de Jia com a sobrancelhas juntas, um tanto incomodado. Havia 7 chamadas perdidas da rosada, e algumas mensagens também.

“MONSTER

EU SEI Q VC TAH AÍ

...ou será q eu to interrompnd alguma coisa cm o Jin?

cara desculp eu ñ qro atrapalha

mas será q rola vc entrar no modo psicólogo agr? Preciso cmvrsr cm algm...

e sua cara d foda-se pro mundo vai m ajudr a m mancar um poco eu axo”

Fiz uma careta por aquele internetês troglodita. As mensagens haviam sido entregues de manhã, mas eu não tinha culpa nenhuma de não ter internet no celular, e minha mãe ter brigado com a companhia do Wi-Fi, cortando a linha alguns meses atrás.

“O que foi?”

Mandei, simplesmente. Não havia muito mais a falar. Eu sinceramente não estava interessado em aguentar mais drama homossexual, mas não fazia meu tipo deixar as pessoas na mão quando elas me pediam auxílio.

Eu só queria saber em que momento na vida eu pendurei uma placa “conselhos amorosos grátis” no pescoço.

Bloqueei o telefone, vendo TaeHyung brincando com o resto de seu muffin de forma distraída. Hope devia ter ido ao banheiro, e Jin desenhava na mesa com o círculo de água que seu copo havia deixado na mesma.

- Ah,merda! – Minha mãe bateu na mesa, assustando às duas crianças brisadas e a JiMin e JungKook, que voltavam com dois pratos de tortas coloridas, e sobressaltaram quando a mulher quebrou o clima pacífico que havia ali.

- Você ainda está jogando Pokemon Go? – Perguntei, ao vê-la olhar para o celular como se ele fosse o culpado de toda a desgraça de sua vida.

- Não, coiso chato. – Ela resmungou para mim, olhando para a tela enquanto apertava repetida e raivosamente um canto da tela. – Meus P.As acabaram! E meu lovômetro tá absurdamente alto com o Nathaniel, já vai acabar o episódio! – Exclamou em desespero revoltoso, como se aquilo fizesse muito sentido para qualquer um ali. Ao ver minha cara de tédio, voltou a olhar para a tela, e apontou o dedo fino para a mesma, ameaçadoramente. – Eu não quero que você goste de mim, seu fresco! Por que não dá pra conquistar garotas nessa bosta? Olha que amorzinho é essa menina aqui. Mas meu lovômetro não aumenta com ela, claro! Eu não aguento mais esses viado encubado frescando comigo! EU QUERO GAROTAS.

Ao terminar de choramingar, ela soltou o celular na mesa, resmungando sozinha sobre uma coleção de coisas que eu não tinha o menor interesse em entender. Minha mãe é tão valentona que ameaça personagens de game. Universo, eu realmente mereço isso? Mereço, eu sei que mereço. E eu até gosto, além disso a cara de susto de Jin está hilária nesse momento.

Ri baixinho de si, fazendo-lhe um gesto para que ignorasse a alma adolescente ali ao lado e notasse a torta de morango que JungKook colocara à sua frente.

Passei o dedo na cobertura branca e cremosa assim que os olhos do garoto brilharam ao notar a sobremesa ali, recebendo um olhar raivoso do mesmo. Ri com leveza, retirando o doce do dedo sem remorso.

Jin fez um bico inconsciente, mas ao pegar o garfo, ao invés de esquecer-se do resto do mundo como normalmente fazia, ofereceu-me a primeira porção. Desfazendo minha expressão de sincera surpresa, neguei com a cabeça, e ele não pensou muito antes de colocar o pedaço macio na boca. Emitiu um quase ronronado de satisfação, pegando outra garfada, e assim, finalmente esquecendo provavelmente até do próprio nome.

 

- Vemos vocês lá, então. – Acenei brevemente para o resto dos garotos, que pegaria o trem para se dirigir ao Lux. Já eram quase nove da noite, e eles ainda tardariam uma boa meia hora para chegar lá.

Tae semicerrou os olhos para mim.

- Acho bom você aparecer, hyung. Senão eu vou até o buraco que você tiver se enfiado te arrastar pelas orelhas até o Lux.

- Violência desnecessária, TaeHyung. – Revirei os olhos. – Esses dois não vão me deixar ficar em casa mesmo. – Indiquei Jin e minha mãe, que sorriram.

Assim que saíramos do café, minha mãe lembrou-nos de que não queria ir pra nenhuma balada barulhenta no momento – já houvera um tempo em que ela frequentava o Lux conosco às vezes, mas seu gosto pelas sessões de cinema caseiro e o sofá era claro. Ela alegava já ter cansado da bagunça das festas, e nenhum de nós lhe insistia muito mais naquele assunto.

Colocou-se então, a questão: quem a levaria para casa, para então ir ao Lux encontrar os outros? Tae imediatamente alegou que eu não poderia ir, porque senão não voltava, recebendo concordância de todos e indignação minha. Depois de um pouco de discussão, Jin se ofereceu, mas eu imediatamente disse que ele não iria sozinho. Tae novamente tentou me fazer sair daquela, mas eu tenho quase certeza de que ninguém ali subestimava minha capacidade de ser cabeça dura.

No fim, iríamos eu e Jin, sob a promessa de que apareceríamos no Lux dentro de no máximo duas horas.

Suspirei, cansado, no ar da noite que começava a esfriar. A plataforma em que teríamos de embarcar era um pouco afastada da que os garotos estavam, assim que andamos em silêncio até ali.

- Eu posso ir sozinha, vocês sabem. – Minha mãe falou, com descaso. Ela estava usando poucas roupas, e imaginei que estava começando a sentir frio, mas não demonstrava incômodo ao olhar para o céu noturno e poluído, sonhadoramente.

- Não, você não pode. – Falei. Ela se calou, e eu sabia que concordava comigo. Aquela cidade não era segura o suficiente para que ela atravessasse-a sozinha de noite num transporte público. Por mais valentona e capaz que minha mãe fosse, ela era só uma e era humana; tinha seus limites.

Além do mais, ela sabia muito bem que eu era capaz de ser tão teimoso – o até mais – quanto ela, então provavelmente concluiu que não valia a pena ficar discutindo sobre isso agora.

O trem tardou um pouco, mas chegou. Minha mãe entrou primeiro, conversando com Jin. Eu os segui como escolta, e me sentei, cansado, num dos bancos do trem. Jin e SoHee se entreolharam, confusos. Ambos sabiam que aquilo não era do meu feitio, mas não lhes ofereci atenção ou explicação. Minha dor de cabeça vinha e voltava, e eu me esforçava para ignorá-la, além das leves dores em meu corpo, que não se deviam apenas à queda de mais cedo – mesmo que minha panturrilha, que me impedia de ficar verdadeiramente confortável de pé, doesse por culpa sim, daquele pequeno acidente.

- Está tudo bem? – Jin perguntou, inclinando-se para mim, e sentando ao meu lado em seguida, sem deixar de me olhar. Acenei com a cabeça baixa, num grunhido afirmativo.

Via os sapatos azuis surrados de minha mãe, ela provavelmente colocara os fones outra vez. Podia ser só minha impressão, mas ela me parecera meio distante naquele dia. Talvez ela só estivesse com coisas demais na cabeça, ou talvez eu fosse o que estivesse pensando mais que o necessário.

Tinha bastante noção do corpo de Jin ao lado do meu, passando uns poucos indícios de calor naquela noite que parecia esfriar a cada segundo. Os poros das pernas de minha mãe estavam arrepiados. Olhei para cima, e ela mirava a janela atrás de mim com olhar avoado, não parecendo ligar para o frio.

Como não alcançava a barra de cima, estava segurando-se numa das raras que eram verticais, sacolejando enquanto murmurava palavras desconexas das músicas que soavam em seus auriculares.

Jin me encarava, eu sabia,mas não me dirigiu mais a palavra durante todo o trajeto dentro da estrutura metálica ambulante. O trem estava relativamente cheio, mas eu agradecia por não estarmos espremidos como sardinha em lata naquele negócio.

Com o ruído característico, o trem parou na estação próxima da escola, e o três descemos.

Ao chegar em casa, minha mãe nos barrou na porta, olhando-nos seriamente.

- Vão lá em cima buscar abrigos, está ficando frio. Peguem mais dinheiro, caso precisem. Jinnie, por favor, atenda o telefone se eu ligar, já que  esse traste que eu chamo de filho parece não lembrar que ele sequer tem um. – Franziu o cenho, e então abriu passagem para que entrássemos na residência escura.

- Desde quando você é tão maternal? – Brinquei. Já fazia tempos que minha mãe não precisava mais lembrar-me de coisas como aquelas, ou me cobrar cuidado ao sair ou algo semelhante. De novo me perguntei se ela não estava meio estranha. Parei, analisando-a. Parecia mais cansada que o usual, apesar de a dureza sarcástica que era sua característica permanecer fazendo-a parecer uma vintona, e não alguém que em pouco tempo atingiria os quarenta.

- O que foi? Nunca me viu não? – Ela ergueu a sobrancelha ao me ver encarando-a. Sempre tão dócil.

Sorri de canto, meio debochado enquanto já me virava para seguir Jin rumo à escada, na qual ele já começara a subir, e me esperava ali.

Lá em cima, empurrei amigavelmente as costas de Jin para que entrasse no quarto e começasse a arrumar o que precisaria, e segui para o quarto de minha progenitora. Remexi um pouco no armário do banheiro, encontrando a aspirina sem muita dificuldade. Eu não costumava usar aquilo, mas já que seria obrigado a virar a noite dentro de uma rave, era melhor que eu não estivesse com a cabeça explodindo de dor.

Engoli o remédio a seco, e andei até o quarto ao lado. Jin estava mexendo no armário, e tirava um casaco preto dali no segundo que entrei no cômodo. Olhou para mim, a pergunta explícita em seus olhos. Sorri-lhe, sem respondê-la, e fui até a gaveta da mesinha de cabeceira, abrindo-a e pegando dali algumas notas do dinheiro que sobrara da pensão daquele mês.

Contei as cédulas e as guardei no bolso, olhando para Jin, que parara tudo o que fazia e me encarava em silêncio.

- O que você tem? – Perguntou, enfim.

- Nada demais. Só não quero sair. – Não era mentira. Sentei-me na cama, em descaso.

Ele retirou o abrigo do cabide, e caminhou com ele nos braços até onde eu estava. Ajoelhou-se à minha frente, levando a mão lentamente até minha testa.

- Eu sabia. – Falou, olhando para acima de meus olhos. Seus dedos estavam frios contra minha frente quente, ele afastou os fios de cabelo que ali se intrometiam. – Está com febre. Eu disse para não se molhar tanto hoje de manhã.

- Isso não é nada. – Garanti-lhe, ainda em descaso. – Eu não sou de ficar doente, e dificilmente vira algo grave, quando fico.

- Pode ser... – Ele enrugou um pouco a testa, pensativo. – Mas mesmo assim, eu estou no direito de ficar preocupado, não estou?

Sorri pequeno pela primeira vez naquele diálogo, e tirei sua mão de minha testa. Deixei-a sobre minha coxa relaxadamente, e conduzi meus dedos ao seu queixo, puxando-o um tiquinho para que chegasse ao alcance de minha cabeça que estava sendo abaixada para conseguir aproximar-se naquela posição que seria ótima para um boquete, mas que, para fazer algo mais simples como o que eu tentava fazer, era bastante incômoda.

Rocei seus lábios nos meus, pressionando-os de forma curta e superficial, mas passando, eu sabia, algo bem mais intenso para si. Porque, por mais calma que fosse toda aquela...coisa que tínhamos, havia ali uma intensidade sem igual, uma curiosidade sincera e um sentimento recíproco.

Desfiz o selar, vendo-o abrir os olhos enquanto ainda segurava-lhe o queixo, fazendo-o me mirar de perto.

- Está. – Respondi, e me levantei, sorrindo discretamente, deixando-o de joelhos, encarando-me um pouco perdido antes de se lembrar de que teria que levantar dali e sair de casa outra vez.

Peguei um casaco no armário, me dirigindo à porta e então à escada. Quando já quase terminava de descer, ouvi os passos de Jin meio apressados nos degraus atrás de mim. Olhei para trás, sorrindo ao deparar-me com sua expressão afobada. Ele me encarou enquanto eu o fiz, e piscou algumas vezes, parecendo um pouco aturdido.

Eu gostava de pegá-lo de surpresa, gostava da surpresa encabulada que se mostrava em sua expressão infantil quando ele não estava esperando ser observado. Mas de qualquer forma, que parte daquele garoto eu desgostava, atualmente?

Ri soprado e segui o trajeto. Demos adeus à minha mãe brevemente, e assim que me virei para trancar a casa, senti Jin me aguardando atrás de mim, com seu olhar queimando-me as costas.

Olhei para si, interrogativo, guardando a chave no bolso. Ele olhou para a porta, então para mim, e depois para o céu noturno, que recebeu uma baforada fumacenta saída de seus lábios rubros.

Voltou os orbes escuros para mim outra vez.

- Tem certeza de que quer sair? Você pode ficar doente de verdade se pegar friagem e ainda por cima não dormir direito.

Sorri contido, passando por si enquanto bagunçava seus fios avermelhados que adquiriam um brilho estranho sob a luz amarelada do poste elétrico da rua.

- Está tudo bem. Vamos de uma vez.

- Não era você que não queria sair? Não acha que está abrindo mão de uma oportunidade perfeita? – Ouvi seus passos me seguindo, e virei para seguir pela calçada, andando sem pressa.

- Ah, agora eu quero sair. – Respondi, simples, rindo para mim mesmo ao ouvi-lo bufar.

- Você é impossível.

- É, eu sei. Você gosta bastante de me lembrar disso. – Brinquei, erguendo os olhos para o céu escuro. Minha respiração condensou-se, formando uma nuvem esbranquiçada que logo se desfez no vento fraco da noite.

- Eu faço pra ver se você se manca um pouquinho. – Sua voz sou irônica na rua vazia. Virei para olhá-lo, andando de costas com um sorriso no canto da boca.

- Admita, você me adora exatamente desse jeito. – Brinquei.

- Tenho certeza de que já admiti isso. – Ele fez uma careta, não diminuindo meu sorriso. – Eu só estou preocupado, Nam.

- Sei que está. Você sempre está. – Falei, me virando para andar normalmente então voltando a andar de costas, ao lembrar de completar minha fala. – Libere sua mente, abra suas asas, seja um pouco rebelde, hakuna matata, cara.

Jin começou a rir de minha rima tosca que sequer rimou direito, mas então sua expressão assumiu urgência, e eu sequer tive tempo de entender por que antes de tropeçar e cair como fruto maduro no chão de concreto.

Jin deu alguns passos apressados até mim, rindo de minha face assustada. Ofereceu-me a mão, e eu aceitei, ao poucos acompanhando-o no riso, fracamente.

- Parece que hakuna matata em excesso não faz muito bem também, não é, rebeldão?

- Definitivamente não. – Não me deixei atiçar por sua brincadeira, e levei a mão aos glúteos. – Meu traseiro concorda plenamente com você.

Jin riu gostoso de minha careta, e levou as mãos às minhas costas, me virando e me empurrando para seguir caminho.

- Ótimo, porque agora você tem que mexer esse traseiro pra não perdermos os trem e sermos mortos por Tae. – Disse, ainda me empurrando amigavelmente, mas me obrigando a avançar. – E andando normalmente, por favor. Seu traseiro agradece.

Ri alto, sendo acompanhado por ele, e me deixei empurrar por todo o trajeto.

Ao chegar na estação, Jin estava ofegante, e eu – admito –, me aproveitando disso, consegui desvencilhar-me de seu toque e passar de sua frente para sua retaguarda, segurando-o pela cintura, o abracei num impulso sem pensar.

Jin tencionou a coluna ao sentir meu aperto, e eu enterrei o rosto em seu pescoço, rodeando sua cintura com meus braços de forma cingida.

- O que está fazendo? – Perguntou, já mais relaxado, mesmo que não totalmente por conta do espaço estreito que eu deixara para seu abdômen estar.

- O que você acha que estou fazendo? – Perguntei. Não sabia muito bem o que estava fazendo, ou por que, se questionado tão racionalmente. Mas eu sabia que gostava do que estava fazendo, e que o motivo daquilo era algo gostoso que subia do estômago até o peito como um arrepio.

- Acho que está nos fazendo perder o trem. – Ele respondeu, se soltando de meus braços ao rir, e segurando minha mão para puxar-me em direção à maquina que já aguardava na plataforma.

Entramos na estrutura, e alguns poucos segundos após isso, as postas se fecharam para que o transporte começasse a se mover. Eu e Jin estávamos um tanto ofegantes, apoiados lado a lado próximos da porta. Olhamos-nos e sorrimos, logo observando superficialmente o vagão um tanto ocupado.

Indiquei a Jin que havia um espaço para sentar ali próximo, mas ele apenas negou, deixando-se sacolejar ao meu lado, de pé, com o olhar perdido em lugar nenhum. Encarei-o por um momento, sentindo-me sorrir sem motivo explicado, e então mirei as janelas no outro extremo do vagão.

As luzes da cidade passavam rapidamente, em meio à escuridão fria da noite. Havia algo meio surreal naquela confusão de luzes, algo que mostrava o quão bagunçada, selvagem e brutal era na verdade a sociedade humana; as luzes de diversas cores passavam em borrões, as vezes em maiores ou menores concentrações. Oscilavam e se moviam, subiam umas sobre as outras; algumas tinham um brilho tão grande que sobrepunham todas as outras, até mesmo as estrelas, que se perdiam no reflexo laranja da iluminação artificial da metrópole. Suspirei baixinho, fechando os olhos quando a bagunça cintilante começou a tontear-me.

Apertei as pálpebras, vendo algumas das cores ainda, teimosamente, dançarem na escuridão daquele refúgio. Abri os olhos, mirando o chão cinzento, demorando um pouco para erguer o olhar de novo. Ainda me sentia um pouco tonto. Minha cabeça seguia doendo, apesar de eu conseguir esquecer-me do incômodo às vezes.

 Senti um calafrio subir sobre meu corpo quando descemos do trem e saímos da estação. As poucas ruas que tivemos que percorrer até o Lux eram pequenas, e apinhadas de jovens em busca de aventuras noturnas. Eu e Jin passamos por eles com velocidade moderada; sem tardar desnecessariamente mas sem parecer como se estivéssemos fugindo de alguma coisa.

Minha cabeça dava fisgadas de quando em vez, e eu me esforçava para não deixar transparecer tal incômodo. A aspirina em algum momento faria efeito, e até lá, eu teria que aguentar se não quisesse estressar ainda mais SeokJin.

- No que está pensando? – Perguntei, quando já nos encontrávamos a uns dez passos do portão de ferro do Lux.

- Em como eu vou arranjar um emprego antes da segunda feira. – Respondeu, sem emoção, e então suspirou, meio desanimado. Não lhe perguntei “por que antes da segunda feira”; era meio óbvio: teria que voltar para casa, e seria bom se não chegasse com a notícia de estar desempregado por ter sido pego aos beijos com um cara nos fundos da loja.

- A gente vai dar um jeito, você vai ver. – Falei, meio avoado. Não sei quem no mundo contrata adolescentes num domingo chuvoso, mas resolveríamos isso amanhã. E se não resolvêssemos, daríamos um jeito de qualquer forma.

Jin sorriu soprado, baixando a cabeça e baforando uma nuvem de vapor. Adentramos o portão, que não tinha ninguém para guardá-lo no momento. Jackson provavelmente não gostaria disso.

Assim que nos deparamos com a bagunça de jovens que se encontravam no pátio, Jin instintivamente segurou minha mão, e eu retribuí ao aperto, distraidamente tentando achar alguém naquela multidão.

O burburinho ressoava no lugar, me fazendo querer rosar pela dor latejante na cabeça, mas eu apenas segui tentando achar, sei lá, alguém que desse os pulos de canguru de Tae, ou a poupança de JiMin rebolando por aí, quem sabe. Eram coisas chamativas, mas eu só via um amontoado de casacos e gritos e garrafas de bebida.

Adentramos a selva de pessoas, Jin me seguia logo atrás de meus passos, segurando firmemente meus dedos. Depois de alguns minutos tentando não ser conduzidos pela multidão, me vi impaciente. Parei de caminhar, e Jin avançou, confuso, até estar de frente para mim.

Bufei, revirando os olhos, e em seu rosto surgiu um sorriso gentil. Ele se aproximou, me abraçando, e sussurrou-me ao ouvido para que me acalmasse. Sua risada melodiosa e baixa me invadiu sem permissão, e eu me vi um tanto relaxado, por mais estranho que parecesse. Deixei de ouvir nitidamente a barulheira ao meu redor, e senti os braços de Jin circundando meu pescoço com leveza.

Apertei seu corpo, aproveitando daquele curto momento em que o mundo ao redor parou de importar. Enterrei o nariz no pescoço alvo de Seok, fechando os olhos e notando minha cabeça latejar com leveza, mas eu já não sentia a dor corretamente; era como se ela estivesse longe.

Mas claro que isso não durou.

- Ai caralho! – O corpo baixo que esbarrou em nós dois exclamou, irado. Eu agora apenas segurava a cintura de Jin, com o corpo de lado com o seu. Olhei para a criatura destrambelhada alguns segundos antes de reconhecê-la. Ergui a sobrancelha quando ele se preparou para xingar-nos (mesmo que qualquer pessoa normalmente se desculparia naquela situação). – Ah, são vocês. Por que inventaram de se pegar no meio dessa bagunça? Vocês nunca vão ter paz.

- Eu notei. – Respondi, ironicamente. Jin ainda o olhava, em silêncio.

- Acabaram de chegar? – Concordei com a cabeça, analisando-o brevemente.

- Você, por outro lado, parece estar bebendo desde as sete da manhã. – YoonGi dispensou minha fala com uma risada alegre, e olhou para um grupo de pessoas, sinalizando-nos, como se indicasse que ficaria conosco a partir dali. Eu não sabia se queria isso. YoonGi era chato por natureza, e alterado como estava, provavelmente ia falar o quádruplo que o normal.

- O resto está por aí? – YoonGi perguntou, quando começamos a de novo cortar caminho por entre as pessoas. Sua capacidade em parecer sóbrio era admirável, mas eu o conhecia bem demais.

- Estão. Estávamos procurando eles.

- Ah, eu vi como estavam empenhados em procurar eles. – YoonGi soltou uma risadinha, olhando para os lados.

- A propósito, na próxima vez que for nos abordar, faça isso de forma mais delicada, por favor. Eu não quero cair mais que o necessário num dia. – Falei, ignorando sua fala anterior. YoonGi também basicamente me ignorou, e olhou para Jin, sorrindo ladino.

- Quantas vezes esse trouxa beijou o chão hoje, pra estar assim? – Indicou-me com a cabeça, como se eu não estivesse ouvindo-o.

Jin fez uma careta, provavelmente pelo cheiro do álcool, mas ergueu a mão, fazendo um 2 com os dedos.

Suga riu fraquinho de novo, e voltou a caminhar. Eu tinha o braço sobre o ombro de Jin enquanto buscávamos, e após uns dez minutos, o garoto chamou a mim e YoonGi, meio hesitante, como se estivesse querendo falar fazia tempo:

- Não seria, tipo, mais prático, sei lá, telefonar pra algum deles? – Sugeriu, com um quê de certa arrogância tímida.

- Seria. – YoonGi abriu um sorriso.

- Mas não vamos. – Completei, voltando a andar, e consequentemente fazendo Jin me acompanhar.

- Por quê? – O garoto perguntou, meio aturdido e indignado.

- Porque seria muito fácil. – YoonGi começou de novo.

- Assim é mais divertido. – Completei, sabendo bem que ele provavelmente ficaria irritado com aquilo.

- Vocês preferem ficar rodando como baratas tontas porque é menos fácil? – O garoto estancou, falando com neutralidade analítica. Eu sabia que ele provavelmente estava contando até dez, meditando mentalmente pra não nos socar.

- Estamos brincando com você, princesa. – Falei, respondendo ao toque de mãos que YoonGi ofereceu. – Eles estão ali.

Apontei. Hope estava dançando só de regata num elevado circular de concreto ali perto. A ideia de Jin teria sido usada se não fosse por isso; obvio que seria. O pobre garoto não tinha culpa se as trapaças minhas e de YoonGi fossem naturais como a luz do dia.

- Como esse filho da puta ainda não morreu congelado? – A voz esganiçada de YoonGi soou, abertamente confuso. Olhei para si, e então para o garoto que mais parecia uma lagartixa epilética ali em cima.

- Ele não é sedentário feito a gente. Deve ter alguma macumba louca pra não sentir frio.

Andamos até o aglomeramento de pessoas ali, encontrando Tae, JungKook e JiMin sentados ali enquanto olhavam para Hope. BamBam estava com eles ali, e todos tinham um ar confortável e animado enquanto conversavam.

Chutei de leve as costas de Tae para chamar-lhe a atenção, e ele virou-se com olhar perdido, abrindo um sorrisão ao nos ver.

- Hyung! Vocês vieram! E trouxeram o Yoon também!

- Tecnicamente, nós não o trouxemos. – Disse, e YoonGi soltou uma risadinha.

- Senta aí! – E nos sentamos. Apesar do frio, aquilo era acolhedor. Hope dançou como se não tocasse o chão, e aquilo era bonito de se ver. Tae encarava-o com um sorriso sincero,  sempre se perdendo em pensamentos quando não lhe prendiam a atenção nos diálogos frequentes ali. Ele ria sem graça e conversava animadamente, mas a qualquer folga, seus olhos vagavam para HoSeok e ali pousavam.

Também era algo bonito de se ver.

JiMin adormeceu no abraço de JungKook em algum momento. Imaginei que o pobre mal teria dormido nesse dias, e Jeon parecia ter consciência disso; acalentava o mais baixo de forma distraída, com todos sentados juntos no concreto não tão frio.

Quando Hope foi até nós, sua pele brilhava de suor, mas ele sorria radiante. Tae lhe entregou uma garrafinha d’água e um sorriso, que foi respondido com um beijo breve.

- Ah, vocês chegaram! – Hope exclamou ao nos ver. Jin estava com as pernas em lótus ao meu lado, e sorriu-lhe. Hope fez uma careta ao notar YoonGi deitado no chão, aparentemente rindo sozinho. – De que bueiro vocês tiraram ele?

- Min YoonGi é bom demais para bueiros. Ele saiu de lá sozinho. – Respondi, dando de ombros.

- Deviam ter largado ele por lá mesmo. – Hope brincou.

- A propósito, você melhorou muito nisso. – Indiquei a plataforma em que ele antes dançava. Meu hyung olhou para lá, e então riu.

- O treino está fazendo efeito então. – Falou, meio bobo. Ele parecia bem feliz. Não havia notado que esse HoSeok alegre fazia falta até tê-lo de volta à minha frente. – Você devia tentar, Monster. Entrar na empresa, sabe. Ou em alguma outra, sei lá.

- Acha mesmo que eu vou aguentar ficar dançando do raiar ao pôr do sol, hyung? – Ergui a sobrancelha, brincalhão. – Isso não é pra mim.

- Você não vai saber se não tentar. – Hope falou, mas se afastou de nós, voltando a falar com Tae. – Meu deus, que frio.

O Kim mais novo ali riu do jeito do namorado, e ergueu-lhe o casaco que estava ao seu lado. Hope pegou-o, bajulando Tae de brincadeira, e eu olhei para Jin, que encarava o céu escuro de forma pensativa.

Sem chamar-lhe a atenção antes, enlacei sua cintura de forma lenta, fazendo-o sobressaltar. Ri baixinho, e o puxei, tendo por ele facilitado seu trajeto até que estivesse sentado em meu colo.

Abracei seu abdômen, cobrindo suas costas com meu corpo. Jin relaxou em meu aperto, e nenhum de nós nada disse verbalmente, porque um abraço pode valer mais que mil palavras, e um sorriso sincero pode ser maior que a maior das declarações.

 

Mais tarde, pobre Park JiMin foi acordado meio brutamente por TaeHyung, porque iríamos entrar no Rave, e não tinha como sair carregando um moleque adormecido por lá.

Minha dor de cabeça estava quase esquecida até eu entrar naquele galpão barulhento. Grunhi, desgostoso, sentindo a mão de Jin contra a minha; sequer sabia quando a havia segurado, mas não a soltaria tão fácil.

Olhamos ao redor, seguindo BamBam em direção ao bar, onde o tailandês encontrou o namorado com direito a amassos por cima do balcão e um monte de bêbados vaiando.

Me sentei num dos bancos, sem paciência para nada. Mesmo Jack me deixou quieto, notando meu mau humor. Jin. Jin continuou ali; ele não falava comigo, até porque não seria possível manter-se uma conversa digna naquela barulheira. O garoto parecia meio fatigado também. Seu olhar se perdia com facilidade, e ele estava quase tão isolado do mundo quanto eu.

Em algum momento, minha atenção vagou para JiMin, que já parecia bem acordado. JungKook tentava com que ele não virasse a dose de sabe-se lá o quê que tinha em mãos de uma vez, mas o Park parecia mais bobo alegre que o normal.

Sentou-se ao seu lado um casal, que dividia um cigarro. Deviam ser conhecidos de JiMin, visto que com naturalidade a garota estendeu o tabaco para o Park, querendo incluí-lo na boca de fumo. Mas JiMin apenas riu da careta que JungKook armou, e negou com a cabeça para a garota.

- Eu parei. – Parou, mas estava fumando hoje de manhã. O garoto riu sua risada contagiante. – Minha vida está feita, não tem nenhum buraco nela pra nicotina preencher. – Os dois o miravam com leviano interesse, e profundo estranhamento. JiMin sorria. – Além do mais, tem coisas melhores pra se fazer com a boca além de enfiar um câncer nela. O Mon me disse isso uma vez.

Indicou a mim com a cabeça, e então virou-se para JungKook, puxando-o sem nem um pouco de castidade e beijando-o curtamente. O moreno mais alto arregalou os olhos, mas não repreendeu o namorado, e alguns segundos depois, ria como ele.

 

Acho que o único momento em que saí do banco do bar naquela noite foi quando tive que ir ao banheiro. E quando voltei, não contive a careta que se formou em minha expressão.

Não querendo ser injusto nem nada, mas para quem está evitando papo até com a fada do dente por causa de uma dor de cabeça, Park ChanYeol e Byun BaekHyun não eram as melhores companhias a se encontrar.

E SeokJin parecia pensar o mesmo.

Os dois mais velhos o abordavam de dois lados, rindo escandalosamente e conversando de forma animada. Eram pessoas interessantes e divertidas – ao menos, era o que parecia, considerando que ChanYeol parecia me odiar – mas ninguém poderia dizer que não eram barulhentos, e irritantes às vezes. Até JongIn hyung, que não odeia ninguém, admitira que BaekHyun é um ser de difícil tratamento.

 - Monster! – BaekHyun sorriu um sorriso muito semelhante ao de Tae, o que me assustou. Me aproximei mais, parando ao lado de Jin. – Você está aqui também! Estávamos tentando perguntar de você para ele, mas ele parece um bichinho acuado.

- É, não deve ser muito difícil se assustar com você. – Comentei, baixinho, após ouvir a risada bonita de Byun. Abaixei até o ouvido de Jin, sussurrando: – Tudo bem?

- Tudo. – Ele confirmou. – Eu até tentei responder ele no começo, mas esse cara é um monólogo ambulante que fala pelos cotovelos. – Reclamou, me fazendo rir baixinho.

Olhei para os dois. ChanYeol não me olhava, e eu ignorei-o para mirar o baixinho que o acompanhava.

- O que queria comigo? – Perguntei.

- O que ele quer com você... – BaekHyun puxou o namorado, que começou a se afastar, pelo braço. – É pedir desculpas.

Ergui a sobrancelha mais que em qualquer vez na vida.

- Desculpas. – Repeti, olhando para  o mais baixo, que concordou animadamente enquanto ainda segurava a torre humana ao seu lado. – Suas. – Olhei para ChanYeol, que desviou a cara. – Por quê?

BaekHyun deu uma cotovelada em ChanYeol, que estalou a língua antes de falar. Ele estava sendo forçado a pisotear o próprio orgulho, pobrezinho.

- Porque... Por ser sincero e falar na sua cara o que acho dessa sua atitude irritante. – Soltou, rude, recebendo um pisão no pé do Byun que o acompanhava. – Digo... Por ter sido... Ruim com você todo esse tempo. – Abaixou a cabeça, e BaekHyun o encarou, como se pedisse que ele terminasse. – ... Desculpe.

Encarei os dois por um momento, até sentir uma risada brotar de minha garganta. Os dois me olharam, confusos.

- O que foi isso? JongIn hyung te mandou se dar bem comigo? – Perguntei, divertido. ChanYeol desviou o olhar, assim como BaekHyun, que olhou para cima, mordendo o próprio lábio interior. Ri de novo. Havia sido isso mesmo. – Cara, não se force tanto para falar algo que não é sincero. Você nunca teve medo de mostrar o quanto não gosta de mim, não precisa começar a mentir só porque alguém pediu. – Sorri de canto, meio debochado. – Seja feliz, mano. Eu não me importo de você me odiar.

ChanYeol me olhava com a boca aberta, assim como BaekHyun, que logo piscou os olhinhos e abriu um sorriso grande.

- Deixa o Channie pra lá, mas eu vou ser seu amigo. – Falou, decidido, andando até meu lado, como se tivesse “mudado de time”. – Gostei de você. – Falou, sorrindo quadrado outra vez.

Jin segurava a risada, sentado ao meu lado, e eu fiz o mesmo, mais profissionalmente, ao responder:

- Não parece ser difícil te fazer gostar de alguém.

- Ah, eu gosto de gente sincera. E que não leva a mal sinceridade também. – Falou, sem notar minha ironia, ou apenas ignorando-a. – O resto são um bando de frescos reprimidos que não merecem meu tempo.

Arregalei um pouco os olhos, sorrindo divertido. ChanYeol, que tinha os olhos semicerrados para o namorado, suspirou.

- Por que você está voando por aí, pessoa que eu ainda não sei o nome ou que sabia e não lembro? – BaekHyun perguntou, inclinando-se para olhar para Jin.

O Kim piscou, meio perdido. BaekHyun realmente falava muito. E muito rápido.

- Eu não estou voando. – Disse, simples.

- Pense nisso como uma metáfora para “estar completamente alheio aos encantos de Byun BaekHyun e brisando por aí”, querido. – Falou, na velocidade de um foguete de novo. Virou-se pra mim. – E ele não disse o nome dele, qual o nome dele?

- SeokJin. Dê uma folga, ele não consegue acompanhar a sua energia ligada no 220. – Falei. BaekHyun riu.

 - Por que você está tristinho, SeokJin ah? – Byun amansou a voz, mas não diminui sua velocidade. Jin me olhou, como se pedisse socorro, fazendo com que BaekHyun me olhasse também.

Lembrei por que Jin estava se preocupando tanto, e olhei para o baixinho loiro ao meu lado com novo interesse. Alguém como ele com certeza poderia servir de alguma ajuda.

- Na verdade, Jin precisa encontrar um emprego até amanhã. – Falei, notando o olhar de alarme de Jin por eu ter dito nada mais que a verdade. – Você não saberia, por acaso, de algo para ele, hm?

BaekHyun pareceu pensar por um momento, e então seus olhos se arregalaram, e ele virou-se para ChanYeol, que sentara no bar e bebia de um copo pequeno.

- Chan! A ajumma não disse que estava precisando de uma ajuda jovem, agora que você está mais ocupado na faculdade? SeokJin seria perfeito! – Disse, balançando o namorado com animação quase histérica.

ChanYeol nos analisou por um momento. Jin estava meio perdido, mas eu já quase sorria satisfeito por ter conseguido pensar tão rápido.

Por fim, o Park acenou com a cabeça.

- Acho que sim. Vou falar com ela amanhã.

- Que amanhã o quê! Você não vê que ele está precisando muito? Vou ligar pra ela agora!

- Mas Baekkie, já está tarde, ela deve estar dorm-

- Alô? Ajumma? Isso, sou eu, Baek. – A fala morreu na garganta de ChanYeol. – O quê? Espera, está muito barulhento aqui, espera um pouco.

O baixinho se afastou de nós, e os três observamo-lo até que ele sumisse na multidão, gritando ao telefone.

Olhei para Jin, pedindo desculpas por aquilo com o olhar. Ele ainda olhava meio embasbacado para onde BaekHyun se fora, mas me mirou para dispensar meu pedido. Sentei ao seu lado de novo, notando ChanYeol bufar e voltar sua atenção para sua dose outra vez. Cara, eu estava quase dando parabéns ao cara por ele aguentar aquela coisinha barulhenta de namorado.

Alguns minutos depois, BaekHyun voltou, com um sorriso de orelha a orelha.

- Ela disse que não tem o menor problema! – Alegou, animado. – Você pode ir falar com ela amanhã. Eu te mando o endereço depois. Pode me passar seu número?

Jin arregalou os olhos, demorando um pouco para responder, mas logo tirando o telefone do bolso e ditando os dígitos para o Byun.

- Você também, Monster. – BaekHyun sorriu-me. – Me passe o seu.

- Qual é meu número? – Perguntei para Jin, que ainda não guardara o aparelho celular.

- Você tem esse número faz anos e ainda não sabe ele? – Jin me perguntou, erguendo a sobrancelha.

- É que eu não costumo ligar pra mim mesmo, sabe. – Ironizei. Jin revirou os olhos, sem conseguir conter muito bem seu sorriso, e passou também meu número a BaekHyun.

- Ótimo, agora-

- Hyung! – JungKook praticamente se jogou contra nós. Eu nem sequer havia notado que ele não estava mais no bar antes. – Desculpe. – Acenou para BaekHyun, que fora interrompido e olhava meio aturdido para o mais novo. – Hyung, minha mãe acabou de me ligar. – O garoto engoliu em seco. – Sua mãe, ela... Ela teve outra recaída.

 

Soquei a parede com força.

Já eram quatro ou cinco da manhã do domingo. Eu não dormira desde que Jin e JungKook saíram apressadamente para fora do Lux, entrando no carro que os esperava sabe-se lá por quê. Jin custou a conseguir me enrolar o suficiente para que eu o deixasse ir sozinho, mas conseguiu se livrar de mim após prometer que ficaria com o telefone sempre perto.

Eu tinha noção de que poderia ser meio egoísta, mas deixar Jin sozinho naquele momento não era uma boa ideia. Tinha JungKook mas... Não, JungKook não evitara que Jin sofresse naqueles anos todos, não era o suficiente.

Eu sabia, pelas breves vezes em que conversamos sobre isso, que Jin considerava a mãe absurdamente, sabia que a doença dela o desestabilizava também; e não só a ele. Estremeci ao pensar em como seu pai reagiria a outro estresse daqueles. O garoto era seu saco de pancadas, sua forma de descontar sua frustração na vida...

- Droga, Jin.

Sentei-me em minha cama e coloquei a cabeça entre as mãos, apertando meus fios descoloridos com os dedos doloridos pelos socos que eu desferira na parede, na tentativa de me acalmar.

Senti um leve tremor nos dedos, uma queimação ali; precisava descontar aquela ansiedade e raiva em alguma coisa, ou perderia o controle. Paredes de concreto não eram suficiente. Puxei mais meus cabelos.

Gemi baixinho, tentando não me afundar naquele sentimento ruim. Tentei respirar fundo, mas não tinha paciência para completar a ação. Tentei contar até dez, como HyukJae hyung havia me recomendado outras vezes, mas não consegui sequer lembrar se o seis vinha antes ou depois do oito.

Soltei a respiração fortemente, me jogando de costas no colchão. Soquei o macio com força, mordendo meu lábio inferior para não berrar toda a minha cólera ao mundo.

Me levantei num pulo. Ficar parado não ajudava, contar não ajudava, respirar não ajudava, pensar não ajudava.

Andei até o banheiro, quase entrando em desespero. Eu perderia o controle. Sabia que perderia. Droga, droga, droga. Pisquei fortemente, buscando nas gavetas pelos calmantes. Já fazia tanto tempo que eu não tinha que apelar para aquilo... Entristeci-me, e então trinquei os dentes. Meus dedos tremiam, onde estava aquela bosta?

Minha cabeça retumbava como uma tempestade de trovões, eu sentia a temperatura exalando de meu corpo, mas eu estava frio; estava com frio. Derrubei alguns frascos ao buscar desajeitadamente pelo que continha os comprimidos. Olhei para o lado, quase implorando para que o remédio surgisse de dentro do box ou algo assim. Mordi meu lábio outra vez, e senti-o sangrar. Ignorei a dor, voltando minha busca pelos calmantes.

Derrubei outro frasco, que por ser de vidro, se quebrou ao chegar ao chão. Num impulso, me abaixei para recolher os cacos. Urrei guturalmente ao sentir-me cortando o dedo pelo pedaço cristalino.

Apertei o dedo, vendo na penumbra o rubro metálico escorrer de meu dedo. Levantei de novo, sentindo as marteladas de meu coração latejarem em minha audição. Pisquei fortemente, voltando a buscar pelos remédios.

Não os encontrei, e não pensei antes de varrer num tapa todos os frascos que estavam sobre a pia. Pisquei fortemente outra vez, sentia meus sentidos sendo tomados de meu controle; eu não ia conseguir.

Ergui o rosto, tonto, e vi meu reflexo no espelho. As pupilas dilatadas recordavam um lobo selvagem; o sangue escorria de meu lábio sem cessar. As maçãs de meu rosto estavam pálidas e cavadas, como se eu estivesse faminto. Sob meus olhos, olheiras doentias se afundavam, escuras.

Rosnei, aquele não era eu; era um animal descontrolado e desesperado, perdido e raivoso. Não precisei pensar para socá-lo.

O vidro refletido se estilhaçou sob meus dedos, caindo como chuva sobre minha outra mão e por todo o banheiro.

Soltei a respiração fortemente, tremulei. Meus olhos arderam, e eu recuei, andando para trás com dificuldade até sair do pequeno cômodo vinculado ao meu quarto. Saí para o mesmo, e, num giro rápido que me tonteou, olhei para a mobília escondida nas sombras, para o cômodo silencioso e frio. A janela estava aberta, e a cortina tremulava com um vento leve e cortante. Andei até lá a passos rápidos. Eu devia ter pisado em alguns cacos, meus pés doíam, sangrando no ar gélido.

Puxei as cortinas sem pensar, aumentando em parte a pouca luz lunar que entrava por ali naquela noite de quarto crescente. Derrubei o abajur de minha mesa de cabeceira, com os dentes trincados de forma dolorosa. Meus dedos ainda tremiam, tremiam para seguir destruindo, para seguir odiando a tudo.

Corri até o armário, chutando-o repetidamente. Agarrei a estrutura sem medir forças, e o derrubei aos meus pés. Gritei outra vez. Meus olhos oscilavam, vendo tudo difuso. Meus ouvidos trovejavam.

 Pisei pesado até a cômoda, as estantes de livros, e não tive dó de nada. Objetos se estilhaçaram e livros se rasgaram, todos caindo como uma chuva de ira que ele não eram obrigados a aguentar.

Ofeguei, olhei para minhas mãos. E então chutei o que já havia levado ao chão; o vento frio me empurrava e puxava, como ondas no mar. Caí de joelhos, socando o chão com força.

Ofeguei outra vez; meus olhos ardiam como o inferno, mas eu não consegui chorar. Minha audição zunia, e então sumia sem aviso. Minhas mãos formigavam, quentes, quase como se vibrassem de animação; como se tivessem vida própria.

Não. Eu estava perdendo o controle. Estava perdendo a autoridade sobre meu próprio corpo. Precisava me acalmar, precisava me acalmar, precisava me acalmar, precisava...

Urrei alto para o ar vazio, vazio como eu me tornaria se não desse um jeito naquilo.

Vazio, oco, perfeito para ser preenchido daquele sentimento fervente que borbulhava em minhas entranhas e tentava escapar, tomar o controle, destruir tudo ao redor.

Minha boca seca tossiu, e tossiu de novo. Senti o ardor, e então o sabor metálico na boca. Urrei alto quando a porta se abriu num estrondo Ah, eu havia trancado-a mais cedo, certo. Minha mãe adentrou ali com olhar desesperado, e tardou um momento para me achar. Gritei mais uma vez, mas dessa vez, não o urro de um animal sem controle, e sim um pedido de socorro, um fúnebre e melancólico fio de desespero, que escapou de minha boca:

- Mãe... MÃE! – Berrei, e tossi de novo. Ela correu até mim, que socava o chão repetidamente, machucando minha carne em guerra entre o desespero e a ira. Ela correu até mim, e eu mal senti a agulha em meu braço quando ela finalmente conseguiu me paralisar por um momento.

Contorci-me por mais um tempo, tentando desvencilhar-me dela a qualquer custo.

Não, eu ia machucá-la.

Eu tinha que machucá-la.

Não!

Ela se afastou de meu alcance, me observando, ofegante. Finquei as unhas em minhas palmas, abri mais a ferida em minha boca; tossi outra vez.

Meus olhos se fecharam, e então se abriram de novo. O sonífero estava funcionando.

Ouvi minha própria respiração. Eu estava respirando antes? Meus pulmões doíam. Tudo doía. Meu coração doía.

- Jin...

 

 

Pisquei algumas vezes. Muita luz. Fechei os olhos de novo.

Tentei de novo. Abri apenas o olho esquerdo, lentamente, e então o direito o imitou.

Foquei o teto. Hm? Aquele era meu quarto? Olhei para o lado. Havia um copo d’água em minha mesinha de cabeceira. O abajur e a caixinha de madeira não estavam ali.

Olhei para a janela. Fechada. As cortinas não estavam ali também.

Pisquei os olhos, ouvindo a porta se abrir num ‘clique’. Olhei para lá. Minha mãe suspirou ao me ver acordado.

Ela andou até minha cama, se sentando aos pés dela. Suspirou de novo, e pousou a mão forte em meu tornozelo, num tapa carinhoso. Sorriu de lado, daquele jeito que sorria sempre que queria dizer “é, filho, nós estamos muito fodidos, mas quem se importa?”.

Correspondi-lhe, mas o sorriso não durou muito. Senti o peito apertar e baixei os olhos. Eu não acreditava que fizera aquilo de novo. Minhas mãos estavam enfaixadas. Meus pés também. Minha boca doía e a garganta parecia estar preenchida de areia fervente.

Olhei para minha mãe, com a expressão dolorida. Droga, ela não merecia ter que passar por aquilo comigo.

- Não se atreva. – Ela falou, dura, logo sorrindo. – Não se atreva a me pedir desculpas. Você não tem culpa de nada.

Eu não concordava com aquilo, mas me calei. Minha mãe sorriu de novo, dando tapinhas em minha perna e se levantando.

- Capuccino no capricho? – Perguntou, pondo-se de pé com animação jovial. Sorri pequeno, e isso foi resposta o suficiente para que ela saísse do quarto, descendo as escadas de forma barulhenta em seguida.

Era uma tradição, desde que eu me conhecia por gente, quando eu estava doente, ela fazer a mistura de duas das minhas coisas favoritas nesse mundo – chocolate e café – e me levar na cama. Por bem ou por mal, todas as vezes que eu tinha ataques mais fortes como aquele, o capuccino era regra.

Vaguei o olhar pelo quarto. Meus livros estavam empilhados na mesa, ainda não de volta à estante; meus cadernos de músicas antigos estavam ao lado deles. Notei de longe que alguns haviam se desfeito, e as folhas se encontravam soltas. Olhei para o outro lado; a porta do banheiro estava entreaberta, me dando visão do espelho quebrado.

O armário ainda estava no chão. Ela provavelmente não tivera forças para erguê-lo sozinha. Trinquei os dentes. Não estava com raiva, estava frustrado, estava ficando louco comigo e minha impotência contra mim mesmo.

Apertei os punhos, sentindo minhas palmas e dedos doerem. Meu corpo todo doía, na realidade. Levei as mãos ao rosto, bufando pesadamente. Mesmo ali, não conseguia chorar.

Abri os olhos de súbito, e ergui o tronco numa velocidade que me fez ficar tonto, e grunhir ao sentir o flanco doer enormemente. Não lembrava em que havia me jogado ou algo semelhante para ter conseguido aquele machucado, mas aquilo não me interessava no momento.

Olhei em volta no quarto, meio afobado. Não encontrando, movi as pernas para sair da cama. Ao pisar sobre meus pés cortados, gemi de dor. Havia esquecido daqueles machucados.

Minha mãe abriu a porta de novo, arregalando os olhos.

- Joon! Não é pra sair da cama. Olha o estado desses cortes! – Falou, colocando a caneca fumegante que trazia sobre a mesinha de cabeceira. – Pode voltar pra cama, senhor.

Grunhi, mas a obedeci. Sentei com as costas na cabeceira da cama, e ela me indicou a caneca com capuccino.

Olhei para a bebida, e então para ela.

- Mãe, onde está meu celular? – Ela me olhou, séria. Suspirou, e indicou a mesinha em que a xícara estava. O aparelho estava ali ao lado. Peguei-o, sem ligar para não ter procurado-o no lugar mais óbvio. Busquei o contato, e iniciei a chamada.

Aguardei, e minha mãe também, até que a linha indicasse que a chamada não seria atendida. Mordi o inferior, ignorando a dor e refiz a chamada. Mais uma vez, chamou até se cortar. Ia fazer aquilo de novo até que ele me atendesse, mas minha mãe tinha outros planos.

Colocou a mão sobre a tela, puxando o aparelho de mim.

- Mãe, eu preciso-

- Precisa falar com ele, eu sei. – Ela completou por mim. Suspirou, preocupada. – Mas o que vai falar, NamJoon? No que vai te ajudar, falar com ele agora? Quer ficar preocupado de novo? Quer perder o controle de novo?

Recuei como se ela tivesse me atingido fisicamente. Ela tinha razão. Eu não podia falar com Jin agora; ele ia notar que algo não estava certo, e ficaria preocupado em dobro. O melhor que eu poderia fazer agora, era esperar, como havia prometido.

Soquei o colchão. Odiava aquela impotência. Odiava aquela sensação de não estar perto o bastante para ser útil.

Minha mãe colocou a mão sobre meu ombro, num carinho amigo. Olhei-a, e agradeci com os olhos.

 Ela se levantou e saiu do quarto, me deixando sozinho com meus pensamentos, meu corpo dolorido, um armário derrubado e uma caneca de capuccino.

 

- NamJoon! Eu disse que você NÃO VAI! – Minha mãe berrou, seguindo-me pela casa. – SEUS PÉS NÃO ESTÃO BEM AINDA, VOCÊ NÃO ESTÁ BEM AINDA!

Olhei para ela, parando de andar, fazendo com que ela me imitasse, e me olhasse com aquela mistura de irritação e preocupação que era sua expressão.

- Mãe, escuta: – Segurei-a pelos ombros, mirando-a fixamente. – Eu entendo seu lado. Você tem razão. Mas eu vou pra escola hoje. Eu preciso ir, entende?

 Ela abriu a boca, pronta para contestar-me, mas pareceu desistir no último segundo. Suspirou, baixando a cabeça, contrariada.

- Eu sei. – Bufou. – Você vai abrir os cortes do seu pé; e eles nem fecharam ainda.

Sorri. Aquele fora seu jeito de me avisar que não me impediria.

- Eu vou ficar bem.

- Espero que sim. Se não ficar, não precisa nem voltar pra casa, que eu vou te bater até você aprender a me obedecer. – Ri baixinho, calçando os sapatos e escondendo a careta de dor pelos machucados dali. Me seguiu até a porta, com os braços cruzados. – Não incomode o Jinnie ainda mais, ouviu?

Acenei para minha mãe com um sorriso. Estava cedo para o horário que os garotos passavam. Ainda era segunda feira, eu definitivamente devia estar descansando, sabia disso, mas de jeito nenhum iria reforçar minha posição de “inútil” deitado em casa. Precisava encontrar Jin. Nem que fosse apenas para observá-lo de longe, nem que eu precisasse mentir para ele; eu precisava vê-lo. Sentia que minha estabilidade mental dependia daquilo.

Andei o caminho calmo até a escola lutando para ignorar a dor em meus pés, que ardiam e fisgavam em aflição a cada passo que dava.

Cheguei mais cedo que o usual. Suga chegou mais tarde que o usual. O professor chegou no horário usual. Jin não apareceu, e a aula começou.

Estava triturando uma folha de papel que havia arrancado de meu caderno, já não prestava atenção a nada ao meu redor. Meu nervosismo devia ser palpável a quilômetros de distância.

O sinal da segunda aula tocou. Joguei a cabeça sobre a mesa. O tempo parecia se arrastar dolorosamente, como um mendigo na noite fria da cidade.

A porta se abriu, eu ouvi. Abri meus olhos, sem esperanças, e então ele entrou. Tardou um pouco em fazê-lo, e ao me ver, andou rapidamente até mim. Os olhos de toda a sala o acompanharam, mas ele parecia alheio àquilo como nunca.

Ergui meu corpo e olhar para mirá-lo, e Jin nada disse antes de me abraçar com força. Retribuí ao aperto, meio aturdido, até senti-lo soluçar baixinho em meu ombro.

Trinquei a mandíbula, e me levantei. Levei-o, ainda no abraço, até a frente da sala, e então saí dali, sem dar satisfações a ninguém. Deixamos para trás uma sala com o silêncio de uma tumba.

Conduzi-o até o banheiro, onde me encostei numa parede, e gentilmente o tirei do aconchego de meu ombro, analisando seu rosto choroso. As lágrimas caíam, reluzentes, pelas bochechas vermelhas. Ele soluçava pequeno de quando em quando.

Passei o dedo sobre uma de suas bochechas, sorrindo pequeno, como forma de conforto. Minhas mãos estavam ásperas pela gaze, mas as pontas dos dedos estavam descobertas.

 Seok soluçou mais alto, e eu o abracei de novo, fechando os olhos ao ouvir seu choro silencioso. Ficamos assim por minutos a fio, até ele parar de chorar.

Jin ergueu seu rosto, fungando baixinho e limpando as bochechas desajeitadamente. Observei-o enquanto ele abria a torneira e molhava a face inchada pelo choro, sem me mover.

- Por que não atendia o telefone? – Perguntei. Sabia que não era bem o que eu devia falar no momento, mas era uma forma de começar o diálogo sem ser dolorosamente direto. Queria saber o motivo de suas lágrimas. E mais: queria livrá-lo do motivo delas.

Jin fungou outra vez, secando o rosto com um papel toalha. Negou curtamente com a cabeça, fungando outra vez.

- Fiquei sem bateria. Eu não saí do hospital até ontem à noite. – Falou, meio abatido.

- Como estão... As coisas lá? – Perguntei, hesitante.

Jin sorriu debilmente.

- Tudo bem. – Piscou, como se tentasse expulsar lágrimas. – Ela vai ficar internada até quarta, mas está bem. Foi só um susto. Um susto grande e perigoso, mas um susto.

Acenei com a cabeça, pensativo, e ambos ficamos em silêncio.

- Por que estava chorando, então? – Olhei-o, certeiro. Ele desviou o olhar. – Jin.

- Não... Não é nada. – Disse, após abrir e fechar a boca algumas vezes sem fazer som.

- Nada te faz chorar desse jeito?

- Eu... Foi só muita coisa acumulada. Eu não durmo desde sábado. – Ele ainda tinha os olhos baixos. Não duvidava do que ele dizia, mas sabia que tinha algo a mais. – Desculpa... Sem pensar, o refúgio que eu tenho é você. Não queria ter te puxado para isso de novo, desculpa.

Antes que ele seguisse falando, puxei-o de novo para perto de mim. Não importava quantas vezes o abraçasse, sempre me dava uma sensação de calor no peito que eu não me importava de sentir sempre, mesmo que doesse.

- Ele te bateu dessa vez? – Perguntei, baixo, contra seus cabelos. Senti-o ficar tenso, e então tremer, como se fosse voltar a chorar. Negou curtamente com a cabeça, de forma quase manhosa.

- Ele só gritou comigo. – Falou, com a voz falha. Apertei-o mais. – Mas às vezes... Às vezes eu preferia que ele só me batesse, sabe? Às vezes é melhor do que ouvir aquelas coisas.

- Não fale coisas assim. – Repreendi-o com voz mansa. – Ele não tem direito de fazer o que faz, de te tratar como te trata. Acho que já te disse isso, mas nunca deixe que um cara como esse te faça se sentir menor, ou menos capaz. Ele está perdido, e tenta fazer com que você afunde com ele. Não se deixe afundar. – Olhei para seu rosto, focando em seus olhos com firmeza. – Escuta: eu sou seu refúgio, ok? Mais que isso, eu sou sua fortaleza, e você é a minha. Não tenha medo de correr pra mim quando precisar. Eu prefiro mil vezes secar suas lágrimas que perder o sono por não saber por que motivo elas estão rolando em seu rosto.

Os olhos do garoto arregalaram-se, e eu segurei seu rosto, secando parte das lágrimas que haviam jorrado novamente, por um curto espaço de tempo. Rocei nossos narizes, com os olhos por se fechar, e selei sua boca curtamente. Jin estremeceu de novo, mas quando eu soltei seus lábios, ele os buscou de novo, voltando a formar o contato.

Acariciei sua boca com a minha num beijo casto e leviano. A boca de Jin tremulou contra a minha, e eu apertei-a a meus lábios, ainda segurando seu rosto fortemente.

Jin desfez o contato, correndo os carnudos para minha bochecha, e então para minha mandíbula. Ele se afastou de meu rosto com os olhos fechados, e abriu-os aos poucos enquanto pegava minhas mãos e as segurava frente a si. Passou os dedos por sobre as bandagens, com gentileza leve.

Seus olhos ergueram para mim, claramente me perguntando a origem daqueles machucados. Sorri, tentando passar confiança calma.

- Foi um acidente com o espelho. – Falei. E então me inclinei para frente, segredando: – Minha mãe não queria que eu tivesse vindo pra escola, na verdade. Mas eu precisava vir.

Jin me olhou seriamente antes de sorrir minimamente, acenando com a cabeça. Ambos estávamos cansados, fatigados e quebrados, e ambos corrêramos um para o outro nesse momento de desespero. Eu iria segurá-lo ali, protegido em meus braços, porque era ali que ele pertencia, e sabia disso.

E eu pertencia a ele, e ambos também sabíamos. No fundo, sabíamos.

 

Jin subiu pela escada sem necessidade de um convite mais formal. Após o momento no banheiro, ambos decidíramos que não íamos fazer muito bom uso do dia letivo, e como ambos havíamos ido ali apenas para encontrar a companhia um do outro, não custava sairmos mais cedo. Ao conseguir a autorização da diretora, saímos do colégio. Eu me esforcei para não fazer caretas muito obvias ao andar, mas obviamente SeokJin percebeu, e quase me ameaçou por minha falta de cuidado.

Para ele, eu havia me cortado ao quebrar o espelho sem querer. Não gostava da sensação de omitir informações, mas contar aquilo não ajudaria em absolutamente nada além de pesar como mais um incômodo sobre Seok.

Servi-me de um copo d’água, e então subi como ele fizera antes. Minha mãe tivera que sair, aparentemente, então a casa estava vazia quando chegamos.

Entrei no quarto, deparando-me com Jin sentado na cama, olhando para a janela. Da qual entrava uma quantidade desnecessária de luz.

- O que aconteceu com as cortinas? – Perguntou, sem me olhar.

- Tiramos pra lavar. – Respondi, escondendo meu desconforto. Claro que ele estava farejando algo errado. Eu ainda subestimava muito aquele garoto e sua capacidade crônica de ver através de mim.

Seu olhar vagou para o armário, que eu e minha mãe havíamos levantado no dia anterior. Olhou para a mesa do outro lado do quarto. Os livros e revistas não haviam sido organizados ainda, assim que estavam como minha mãe organizara rapidamente no domingo de manhã. Me aproximei da cama, sentando ali com relaxo forçado que eu rezava para que SeokJin achasse ser verídico.

- Parece que passou um furacão nesse quarto. – Falou. Seu tom não era brincalhão, apesar de que sua intenção provavelmente era fazer algo do gênero. Ri fraquinho.

- Eu sou um furacão. – Foi sem intenção, mas eu havia lhe dado uma dica enorme. Esperava que ele apenas levasse como uma brincadeira boba. Não queria aquele ataque me assombrando mais que o necessário.

- É mesmo. – Jin concordou, sem rir. Recolheu as pernas para cima da cama, puxando o cobertor da cama sobre a própria cabeça, e se embrulhando como um rocambole. Apenas seu rosto ficou à vista. Ri fraco, mais sincero, passando a mão sobre sua cabeça. Ele fez uma careta leve. – Desgovernado e imprevisível.

Falou, me dando a sensação de que eu provavelmente estava perdendo o meu tempo ao esconder coisas dele. Se bobear, ele já tinha entendido tudo; eu não duvidava.

- Mas carinhoso e protetor como ninguém. – Ele murmurou, dentro do lençol. – Nam, você pode me abraçar?

Olhei-o, e então sorri. Aquele não era o melhor momento de minha vida, mas era um momento, e aquela era minha vida. Eu aproveitaria cada segundo que tinha ao lado daquele menino. Aproveitaria cada sorriso que ele me fizesse abrir no rosto. Aproveitaria cada pedacinho daquele sentimento que me preenchia como mel reluzente, aconchegante e doce.

 


Notas Finais


Man, me perdoa. Eu não ia fazer todo esse drama, mas a vida é assim – Zeus me livre.
Sinceramente, eu não estou muito confiante com esse cap. Apesar de ter alguma partes que gostei bastante, eu fiquei com um sentimento meio estranho depois de escrever. Tomara que não tenha perdido a manha nesses quase três meses rçrçrçrç
Gente, muito obrigada pelo comentários e favoritos. Sérião. Normalmente, depois de umas duas semanas depois de postado o cap, a fic parava de receber favorito. Dessa vez, depois de três meses eu ainda recebia, em média, de três a cinco fav por dia! Fiquei bem impressionada, obrigada.
Sobre os comentários, tem alguns que eu não respondi no cap passado, mas na real, eu RESPONDI, só que o Spirit me odeia, e a net caía e o coment não enviava. Eu não notei que isso tava acontecendo, então achei que tava tudo normal, só depois que fui notar.
Claro que eu não tive paciência pra responder todos de novo. Desculpa. MAS EU LEIO TODOS TA? COM MUUUUUUITO CARINHO.
Mais duas coisinhas pra encerrar:
- Nesse tempo que fiquei sumida, eu escrevi um shot. É NamJin, fluffy. Quem se interessar, aqui o link, ó: https://spiritfanfics.com/historia/olhos-cor-de-sol-6779892
- QUEM VAI PRO SHOW EM MARÇO? EU NÃO TO BEM MORTA AQUI MANO. MINHA FICHA AINDA NÃO CAIU DIREITO.
^~^
Bom, vou parando porque aqui porque ta tarde e eu tenho que mimir. Eu prometi que postava sábado, e tecnicamente ainda é sábado, porque eu não dormi ainda XD
Não vou prometer voltar cedo porque da ultima vez que fiz isso, bati o recorde de demora. Mas vou me esforçar pra escrever sabosta mais rápido, juro (por mais que agora comecem minhas provas finais e eu vá ficar feito uma condenada fazendo prova atrás de prova).
Enfim: BEIJO NA BUNDA E BOA SEGUNDA (mesmo que seja domingo).
XOXO


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...