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História Dependence (Em revisão) - Uncomfortable Silences


Escrita por: kaisooisreal

Notas do Autor


WHAT WE ARE?
WE ARE
THE BANGTAN ATTACK!

Parei. Oi, fechem as boquinhas, não é miragem. Eu realmente estou aqui.
Não vou enrolar muito aqui porque tem uma Bíblia pra cês lerem, e além do mais, eu não lembro do que eu ia falar aqui, de qualquer forma.
Só quero agradecer MUITO pelos favoritos. Passamos dos 2000!!!!!!!! Obrigada à todo mundo que panfleta essa fic (sempre que vejo nas redes sociais, meu coração chora de alegria. Gente quero abraçar vocês), comenta, me xinga pela falta de att, e também a galera que vem conversar comigo ^^ é muito gostoso.
Enfim: taí. Eu falei no Twitter que vocês iam ficar meio putos com esse cap, mas relaxem os cus, que ainda tem muito pra rolar nessa joça.
Vou parar por aqui. Até lá embaixo! '3'

Capítulo 28 - Uncomfortable Silences


A chuva sempre me trouxe sensações conflitantes, mas num geral, eu a apreciava profundamente.

Ao certo, ela me lembrava da tristeza, como lembra a muitas pessoas. Porém, de fato, minha concepção de tristeza parecia estar afastada da percepção oferecida pelo senso comum.

Assim como a chuva, a tristeza me parecia menos algo a ser evitado e mais algo a ser observado e... Como posso dizer: apreciado. Temer a chuva faz com que ela se torne uma vilã, mas apreciá-la e aproveitar de suas gotas e da imensa sensação de liberdade que ela traz te faz se tornar amigo dela. O mesmo vale para a tristeza. Isso, devemos virar amigos delas, de cada gota, de cada aperto. Devemos amansá-las e apertá-las junto ao peito; não as temendo, mas entendendo que elas estão ali porque têm de estar, e nós podemos colocá-las em seu lugar, onde elas coexistem conosco sem nos prejudicar. 

Só damos valor aos dias de sol por causa dos dias de chuva. Só tanto consideramos a felicidade porque temos a tristeza ali para contrapeso. Sem chuva, o sol não seria valorizado, e sem tristeza e dificuldades, as pequenas felicidades não teriam seu valor.

Metafórico demais? Me desculpe, faz parte de mim começar a divagar sobre coisas assim; que não têm sentido – ou importância – para os outros.

SeokJin também torceu o nariz quando lhe expliquei isso aos sussurros ao ver a chuva se iniciando pela janela de meu quarto. Sua careta havia surgido desde o início, quando aleguei gostar das gotas que caíam cada vez com mais intensidade do céu. Tentei explicar a ele minha peculiar relação de afeto com a precipitação, mas nunca havia tentado falar daquilo à alguém, então admito que me embolei o bastante para que Jin começasse a rir de mim poucos segundos depois.

"Está tudo bem, essa não é a coisa mais estranha que você já me disse na vida". Selou de leve minha bochecha, sonolento, e pouco depois adormeceu em meus braços, com o som gostoso da chuva acalentando-o.

Chuva que eu, por sinal, encarei com serenidade por longos minutos, sentindo toda a sua placidez me preencher. A tristeza não era de longe a única sensação que a chuva me lembrava – e quanto a ela, era apenas isso: lembrar-me – havia muito mais envolvido ali, coisas que me inspiravam mais que muito no mundo.

A brisa fresca, as gotas teimosas, o ruído ininterrupto, todos me davam uma sensação de uma fresta de uma liberdade só minha; traziam-me uma pequena felicidade que eu apreciava como apreciaria um pedaço de chocolate derretendo na boca, se misturando a mim e meus pensamentos silenciosos, às minhas apreciações singelas e serenas em meio àquele mundo barulhento.

Porque no fim, eu era apenas isso: alguém que bastante entendia da arte da percepção, que sabia esconder a emoção e seguir observando a tudo, voando longe com meus próprios pensamentos como meus acompanhantes; alguém que preferia olhar para o céu e imaginar como seria voar, que baixar a cabeça e estudar para um maldito vestibular.

Eu tivera e ainda teria muitos problemas por isso, sabia bem.

Mas... Talvez eu não fosse mais apenas isso. Talvez eu nunca tivesse sido apenas isso. Mas era esta a única faceta minha que eu gostava antes de dar atenção. Meus lados atencioso, preocupado, protetor, emotivo e irritadiço, todos haviam sido colocados em segundo plano anteriormente em minha vida – talvez não tanto o irritadiço –, mas eu agora os via com constante participação em meus momentos, cada vez mais. Poderia simplesmente atribuir a culpa à SeokJin, de fato, mas havia mais ali; o garoto fora um estalido, a gota d’água, o que eu precisava para sair de meu posto de observador e começar a, mesmo que minimamente, interferir em meu mundo.

Eu, que por muito tempo temi as emoções e o que elas eram capazes de causar, me fechando delas, agora me via ardendo em curiosidade, em ânsia de pisar mais e mais naquele campo minado, descobrindo, em meio à adrenalina do novo e desconhecido, todas as satisfações e decepções que o lado esquerdo poderia me mostrar.

Jin suspirou com leveza em meu ombro, movendo a cabeça ligeiramente. Ele costumava suspirar ao dormir, eu vinha notando; e não podia achar coisa mais adorável no momento. Com SeokJin ali, até a beleza fria da chuva poderia esperar.

Deixei que minha testa tombasse lentamente até tocar sua cabeça. Ele estava deitado sobre mim, com as costas aconchegadas em meu tronco de forma acomodada, o pescoço sobre meu ombro e as pernas entre as minhas. Meus braços o seguravam de forma relaxada, mas protetora, e ele ressonava como se ali fosse seu lugar no mundo – que era como eu sentia.

Com minhas costas apoiadas na cabeceira da cama e os olhos fechados após um longo suspiro, tive minha atenção desviada daquela minha bolha pacífica pelo 'clique' da porta sendo aberta. 

O rosto de minha mãe adentrou meu quarto, com o olhar vagando antes de encontrar nossas figuras na cama. Um sorriso pequeno e sincero ocupou sua face, brilhando em seus olhos escuros e reluzindo em seus lábios finos. 

- Hora de chegar da escola. – Brincou. Já era tarde assim? – Os garotos obviamente vieram ver vocês. Eu vou deixar eles entrarem, ok?

Acenei com a cabeça com leveza. Não havia motivo para nos esconder, e eu imaginava que YoonGi havia feito um bom trabalho em deixá-los assustados com nossa pequena cena mais cedo na sala.

Olhei para o que podia ver de Jin em meu colo, mas não fiz menção de acordá-lo. Ele tardara em se acalmar, e eu o deixaria descansar; duvidava muito que ele o tivesse feito nos últimos dias.

Ouvi os passos nos degraus pouco antes da porta ser completamente aberta por um TaeHyung bastante eufórico. E no segundo em que ele estava tomando fôlego para abrir o berreiro, coloquei o dedo sobre a boca, pedindo silêncio e o interrompendo. Ao seu lado e atrás de si já se amontoavam os outros, com JiMin e JungKook fazendo linha de frente junto ao Kim, seguidos por HoSeok e YoonGi atrás de si, acompanhados pela figura feminina de Suzy.

Obedientemente, cada um adentrou o quarto sem falar, mas era impressionante como aqueles garotos conseguiam ser barulhentos de qualquer forma. Tae estava agitado, assim como quase todos os outros, e não tirou os olhos de nós dois por nem um segundo antes de ajoelhar ao lado da cama, apoiando os braços e o queixo sobre a mesma.

Mirou Jin com gentileza, mas logo ergueu o olhar infantil para mim, com sua voz grave soando pela primeira vez ali:

- O que aconteceu, hyung? – Em seus olhos se via a preocupação, e mais: a compreensão de que ele provavelmente não devia tentar tocar em tal delicado assunto, mas não pudesse evitar. Eu não o culpava. Sabia o quanto Tae se apegava e necessitava das pessoas ao seu redor, e que sua angústia naquele momento era tão sincera quanto inocente.

Olhei para si, e então para os outros rostos que nos miravam, parando ao criar contato com os orbes negros de JungKook. O garoto me mirou, com preocupação contida na expressão de quem sabia – ao menos mais que seus companheiros curiosos – do que aquilo tudo se tratava.

Jeon mordeu o lábio inferior, e assim que JiMin notou minha troca de olhares com seu namorado, interrompi a mesma. Senti o olhar pesado do Park sobre mim, mas dei atenção à TaeHyung.

- Ele está cansado. Se quiser, pode perguntar a ele sobre os motivos depois, eu não tenho como te falar sobre isso sozinho. – Falei, vendo a compreensão acompanhada de uma revolta e decepção ocupar a expressão do Kim, mas ele apenas concordou, e o clima quase tenso começou a dissipar-se. Ouvi o som do aguaceiro lá fora, e notei os cabelos e vestes úmidos dos novos ocupantes de meu quarto. Franzi o cenho. – Vocês não vão ficar resfriados assim?

Meus amigos se entreolharam antes de soltar risos pequenos e baixos, mas repletos de uma diversão singela e aconchegante.

- Encarnou o SeokJin. – Suga comentou, irônico.

- O hyung está dormindo, então o Mon tem que fazer o trabalho por dois. – JiMin soltou, junto de sua risadinha costumeira.

- Trabalho?

- Você sabe, mamãe e papai. – JiMin respondeu ao Tae risonho, e todos compartilharam de suas risadinhas. Não vou dizer que estava completamente confortável sendo o alvo de piadinhas mas, como posso dizer? Era esperado, e eu não via por que me afetar por algo assim naquele momento.

Ergui o olhar e encontrei o de Suzy, que me sorriu, gentil, mas fatigada. Não dei atenção imediata àquilo. Mesmo sem entender ao certo a relação de confiança que a garota estabelecera com Jin, eu sabia que ela estava ali com preocupação sincera, e isso bastava.

Mesmo que todos estivessem respeitosamente falando e rindo baixinho, eu já mencionara: sua própria presença era barulhenta. E em alguns minutos SeokJin estava se movendo em meu colo, dando indícios de que acordaria.

Os garotos, ao notar isso, aguardaram comigo que ele se acalmasse ou acordasse de uma vez. O quarto pareceu quase prender a respiração, e foi nesse ambiente silencioso a não ser pelas gotas de chuva lá fora que o adorável Jin abriu os olhos, murmurando manhosamente coisas desconexas enquanto coçava os olhos por ter sido acordado bem antes do recomendável.

Seus olhos vagaram, vazios, por seus espectadores, até erguer o queixo para mim e mirar-me mais perdido que o normal. Ele resmungou alguma coisa com a mesma manha do início e aconchegou o rosto em meu pescoço como um filhote buscando calor. Segurei meu riso divertido, acariciando seus cabelos com a mão instintivamente, vendo os outros sorrirem com a cena.

Jin soltou a respiração sonolentamente contra minha pele, conduzido por meus carinhos a voltar a dar atenção ao que acontecia ao seu redor. Ele afastou um pouco o nariz de meu pescoço, ainda com o rosto quase enterrado ali, e gradativamente pareceu associar o que se passava, onde estava e quem eram aquelas criaturas estranhas em volta de seu ninho de calor de sono.

E, com a cabeça ainda apoiada em meu ombro, sua voz soou quase tímida no quarto refrescado que tinha as atenções todas voltadas para a figura adorável do garoto:

- Vocês não vão ficar resfriados se ficarem molhados assim? – A reação coletiva foi, obviamente, de uma explosão risonha. Jin, porém, ainda parecia amansado demais pelo sono para sequer incomodar-se por isso. Sorri, sentindo ele suspirar em cansaço contra meu queixo. Seu corpo descansando sobre o meu não parecia ter notado que já havia acordado, e nossos organismos pareciam fundir-se, funcionando juntos independentemente do que se passasse. 

Sem pensar, apertei mais meus braços em volta de si, e ouvi meu peito bater em sincronia ao seu, parecendo isolar o resto do mundo por um momento. Senti uma parte de mim ficar tensa. Aquela forma de desligar-me do resto do mundo, de me fazer concentrar-me apenas no que acontecia e nosso pequeno limite, aquilo... Me assustava. A sensação de lidar com algo que não nos é conhecido, e age sobre nós com a facilidade de um lápis traçando seu caminho no papel, ela assusta a maioria dos seres; seres entre os quais eu estava incluído.

E então eu senti. Senti seu singelo chamado. Dois dedos, tocando minha mão com leveza e carinho, e então senti-me afundando novamente no mundo a que pertencíamos.

- -Eu disse: vocês são iguaizinhos! – YoonGi ria. Meu momento de transe durara menos de um segundo. Os outros riam à vontade, mas eu apenas olhei para Jin como podia naquela posição, soprando próximo de seu ouvido algo que sequer eu compreendia: não havia sido necessariamente palavras; era algo mais como um sentimento, uma sensação, um aconchego e um agradecimento.

Porque aquilo era mais um passo para dentro do campo minado, um passo que eu precisaria de sua ajuda silenciosa para dar. Passo que eu orgulhosamente daria, mesmo temendo o que pudesse vir a seguir.

Vi Jin sorrir, e me permiti voltar a prestar atenção nos garotos.

Meu rosto estava apoiado sobre as costas da mão enquanto eu sorria minimamente ao observar JiMin e TaeHyung brincarem animadamente de lutinha no tapete. Jin estava sonolento desde que acordara, e mesmo que tivéssemos descido para a sala, já houvéssemos comido e estivéssemos há umas boas duas horas na presença dos garotos, Jin pouco se animara em participar da ativa. Estava apoiado em mim como estivera quase o tempo todo, rindo baixinho e ouvindo com atenção distraída as provocações e brincadeiras.

Emitiu outra risadinha quando JiMin puxou Jeon – que mantivera um belo bico armado na expressão durante toda a brincadeira dos outros dois – para o tapete, rindo quando o namorado tentava se desvencilhar dos mais velhos, que alegavam ser seus capturadores. Revirei os olhos, divertido, ignorando as risadas surpreendentemente escandalosas de Suzy, e brincando de leve com os cabelos de Jin.

Ele desviou sua atenção da cena que se passava na sala, me mirando por um momento. Parei o carinho que fazia, meio aturdido por ter sido interrompido de meus atos ingênuos e distraídos.

O garoto me sorriu como geralmente fazia, e pareceu se aconchegar mais ao meu lado, antes de voltar a encarar suas crias brincar no tapete.

As horas seguintes passaram com a moleza harmoniosa que se passam os momentos agradáveis, e já eram quase às nove da noite quando eu levei Suzy até a porta, já que ela era a única que morava longe dali – e que não ia provavelmente filar abrigo em casa e dormir ali mesmo.

- Tem certeza de que pode ir sozinha? – Perguntei, olhando para a rua escura com desconfiança.

Suzy sorriu, graciosa ao afirmar com a cabeça. Eu estava apoiado na porta aberta, e senti com um calafrio – que não demonstrei – quando Jin se aproximou de mim por trás e abraçou-me a cintura, apoiando o queixo em meu ombro. Aquilo não era comum de si, mas Suzy estava ali e... As coisas estavam mudando. Eu sabia disso, e sabia que ele também.

A morena devolveu o olhar do garoto com expressão tranquila, e sorriu quando Jin o fez, de leve, para ela.

- Minha irmã sente falta de vocês lá na loja. Ela disse que quer encontrar de novo SeokJin ssi e... Como ela se referiu a você? Protetor da princesa ou algo assim... Perdoe minha irmã, ela é uma criança de imaginação fértil, não tem a intenção de ofender.

Eu senti Jin sorrir contra meu ombro.

- E se eu te dissesse que não foi ela a criança que inventou essa história? – Afastou o rosto de mim para me olhar de canto, e eu fiz uma careta.

- O quê? – A garota perguntou, perdida na brincadeira interna de SeokJin.

- Nada. – Jin emitiu uma risada divertida ao me ver ignorando-o com um revirar de olhos, e voltou a sua posição sobre meu ombro. – Mas NamJoon tem razão, sabe: é perigoso ir sozinha a esse horário. Principalmente tão longe.

- Na verdade... – A garota desviou o olhar, meio sem graça. – Eu não falei, mas ia passar na casa da Jia unnie ainda. – Falou, sorrindo, meio embaraçada.

Olhei para a garota, e então para Jin, e então para Suzy de novo. Jin soltou um risinho, e eu o acompanhei. Não sabia o motivo da falta de jeito da garota, mas tinha quase certeza de que Jia não se dava bem com Suzy. Talvez eu estivesse enganado.

- Bom, se é até a sorveteria, podemos te levar. Certo? – Jin me olhou ao perguntar, mesmo que aquilo não fosse bem uma pergunta. Acenei afirmativamente, de qualquer forma, e ele soltou seu abraço para pegar casacos nos cabides e avisar num grito breve aonde íamos.

Andamos os três, com Suzy um pouco à frente de nós enquanto seguíamos pela noite fresca. Eu aprendera a distribuir meu peso nos pés para que os cortes não se fizessem bem óbvios, mas ainda mancava com leveza. Quase conseguia sentir, através da sola do sapato, o asfalto frio castigando meus pés.

- Ei, Suzy. – Chamei, sem usar honorífico. Nunca os usara mesmo, quem se importava? A garota pareceu sair de um devaneio quando me olhou, interrogativa, sem deixar de andar lentamente. – A Jia está com algum problema? – As sobrancelhas escuras de Suzy se torceram, e antes que ela respondesse, falei novamente: – Ela me mandou umas mensagens meio estranhas recentemente, me perguntei se você sabia de alguma coisa.

A garota voltou a mirar seu caminho à frente, mas respondeu, após alguns segundos:

- Eu não sei bem. Na verdade, estou indo lá por isso também.

Aquilo não era totalmente verdade. Eu sabia por seu tom, e por ter cortado o contato visual, mas supus que não havia problema: aquela era uma dificuldade de Jia envolvendo Suzy ou o que seja; seria melhor se eu não tivesse que me envolver e ficar me estressando com drama alheio.

Jin tocou meu ombro com leveza, logo abandonando meu corpo, e eu suspirei minimamente antes de seguir pela rua amareladamente iluminada.

Quando deixamos Suzy na frente da casa que abrigava a sorveteria Meng e, no andar de cima, a moradia da família, nos despedimos e demos meia volta. Suzy parecia nervosa, mas Jin teve o tato de não incomodá-la, e eu tampouco o fiz.

Nossos passos – os leves de Jin e os desajeitados meus – faziam um som característico ao entrar em contato com o asfalto molhado. O céu feio da metrópole nos seguia em sua laranjitude, e, apesar de não ver bem as expressões de Jin, eu sabia que ele estava pensativo. Mordia a própria bochecha internamente, como normalmente fazia quando pensava sobre o que falar.

Eu não precisava ser um gênio para adivinhar o que ele diria, mas ainda assim me senti um tanto encurralado quando suas palavras soaram no ar frio das ruas revestidas pelo lençol molhado que a chuva deixara para trás.

- Vai me contar como se machucou de verdade? – Ele não me olhara ao perguntar. Eu vi em seu tom a dureza de sua desconfiança, combinada com o temor por me questionar daquele jeito; como uma acusação. Notei meus passos mancos, e baixei a cabeça e o ritmo. Jin parou, mais à frente de mim, me olhando.

- Vai me contar o que te fez chorar daquele jeito mais cedo? – Encarei-o, sem desviar. Jin me mirou destemidamente, me analisando por um momento, e então soprou um riso. O riso não era leve. Parecia irônico, e um pouco magoado. Além disso...

- Bom, eu esperava por isso. – Falou. Era o que eu havia notado: ele sabia que eu lhe responderia assim. Sabia como eu reagia e sabia lidar comigo. Isso não era novidade, mas ainda assim me fazia me sentir desconfortavelmente indefeso. A expressão quase desafiadora de Jin de desfez, aos poucos se misturando à feição gentil, mas levemente tensa; consciente, que tomou seu lugar. – Eu fico em silêncio também, então não posso exigir que fale. – Falou, se aproximando com tranquilidade, mas cuidado atento, como se lidasse com um animal arisco. – Mas isso me incomoda.

Ao admitir, ele estava frente a frente comigo, mesmo que não próximo o bastante. Estalou a língua olhando para o chão, e então me encarou.

A serenidade que seus olhos passavam era só uma parte das emoções conflitantes daquele garoto complicado, eu sabia, mas me deixei influenciar por ela. Eu confiava naqueles olhos, naquela expressão, e no dono delas. Foi o que mantive em mente ao responder:

- Eu... Também fico preocupado quando você não conta as coisas. Eu nunca sei se é só aquilo ou se tem mais, porque você esconde seus problemas e os abafa, como se isso fosse resolver alguma coisa... – Falei, vendo os olhos bonitos de Jin reluzirem em compreensão, mas em ligeiro recuo, como se naquele exato momento ele estivesse na defensiva. – Sem notar... Sem notar, acho que acabamos não tendo confiança um no outro por problemas passados que não tem nada a ver com a gente e com agora. – Eu estava nervoso em admitir aquilo. Mesmo que estivesse no "mesmo barco"que Jin, era meio estranho admitir aquelas dificuldades.

Jin concordou distraidamente com a cabeça, como se considerasse o que eu dissera. Pensou por longos segundos, e eu olhei para cima ao baforar uma escassa nuvem de vapor, e então a voz de Jin soou, tímida:

- ... Você confia em mim, NamJoon? – Olhei para ele, que não me mirava.

- ... Você confia em mim, SeokJin? – Minha repetição de sua pergunta o fez me olhar, e eu fiz questão de prender seu olhar firmemente, como um hipnotizador ferozmente cativa o hipnotizado. Seus orbes refletiam minha imagem, e estavam assustados; não comigo, eu sabia, mas seu temor reluzia, deixando claro que ele estava abusando de uma ousadia que nunca usara para se manter ali; naquela conversa; comigo.

Mordeu o lábio. Seus olhos pareciam querer fugir, mas ele sempre voltava para mim. Por fim, respondeu, trêmulo na primeira sílaba:

- Acho que sim. – Franziu o cenho, pensativo e parecendo ter evaporado o temor anterior. Mordeu a parte interna de sua bochecha, e completou, agora timidamente decidido: – Sim, eu confio sim. Deve ser a pessoa em quem mais tenho confiança nesse mundo. Talvez mais que em mim mesmo.

Sorri com sua confissão quase aos sussurros. Ele ergueu o olhar de novo, como se esperasse que agora eu lhe respondesse. E foi o que fiz.

- Eu confio. Gostaria de confiar mais, mas tem coisas na minha cabeça que eu não consigo controlar, e muito menos confiar. – Literalmente. Sem drama, por mais que pareça. Ele assumiu um ar ligeiramente ferido, apesar de mais leve. – Mas... – Chamei sua atenção com a abertura em meu veredicto. Mordi meu lábio, como ele fizera antes. – Eu estou tentando. A cada dia, cada minuto, cada maldito segundo eu tento ser mais aberto com você. Estou colocando toda a minha teimosia nisso.

Jin me analisou, e com razão: fora a primeira vez que eu desviara o olhar naquela conversa. Uma das poucas vezes que fizera isso ao conversar com ele, na realidade. Ouvi seu risinho fraco, e o olhei.

- Você não precisa ter medo de mim, NamJoon.

- Não tenho medo de você. Tenho medo do que me faz. Tenho medo de mim mesmo que me puxa pra você mesmo que eu não esteja controlando essa ação. Tenho medo dessa sensação que machuca quando você está longe. Tenho medo de muitas coisas, mas não de você. 

Torci o nariz ao assumir aquilo. Num geral, eu não gostava do medo; ele nos inutilizava e nos fazia recuar. Mas aquele medo era diferente: ele me acendia, parecia fazer de tudo para me fazer bater de frente como um bárbaro sem controle, e era o que eu faria, quebrando cada barreira antiemocional que eu mesmo já tivesse montado, para chegar a SeokJin sem empecilhos.

Jin riu de novo, agora cúmplice. Senti sua mão na minha, e fechei os olhos, suspirando. O garoto se aproximou o um passo que nos separava, e um selo leve foi depositado em meu rosto. O garoto tocou seu corpo com o meu, como se me empurrasse e me puxasse ao mesmo tempo, fazendo com que parecêssemos dois imãs de polos atraentes um o outro; éramos opostos, mas isso nos atraía. 

Empurrar e puxar; longe, mas tão perto. Éramos uma união perigosa, mas complementar, e ali, sob o céu cujas estrelas não se viam, isso era mais que evidente.

Encarei-o fixamente. O garoto fez o mesmo, e enquanto semicerrava os olhos, deixou outro beijo curto, agora em meus lábios. Olhei-o quando se afastou, e com alguns segundos de atraso proposital para vê-lo me encarar com uma relutância – àquela altura desnecessária – inclinei o rosto sobre o seu, tocando novamente sua boca, mas agora com iniciativa minha. 

Jin não me deixou agindo sozinho por muito tempo, e logo aquilo começava a perder o ar inocente de uma quase reconciliação após aquela conversa tensa, e passava a assumir o tom ardente e impulsivo que fazia um tempinho não dava as caras em nossos contatos.

Jin respirou pesadamente, movendo a língua com pouca timidez à vista. Minhas mãos que seguravam sua cintura apertaram-na, e de forma um pouco desajeitada, mas firme, conduzi-o para o canto da rua, até colocá-lo contra o muro de uma das casas ali. 

Soltei sua boca, passando a língua sobre meus próprios lábios e vendo Jin me encarar com os olhos atiçados como um animal faminto. Eu sabia que também tinha esse brilho no olhar, mas ele ficava estranhamente lindo nos orbes infantis de Jin. Tinha algo de quase pecaminoso naquilo.

Seus braços se elevaram, enlaçando meu pescoço, e eu baixei a cabeça, beijando de leve o canto de sua boca. Jin deixou-se conduzir de olhos fechados, iniciando ele mesmo outro beijo. Um trovão soou acima de nossas cabeças, mas sequer pensamos no que aquilo poderia significar; estávamos perdidos demais no sabor um do outro, nas sensações e em nossos corpos juntos.

Soltei sua cintura, sorrindo contra o beijo ao notar sua reprovação com meu ato. Pousei os antebraços na parede atrás de si, pressionando-me mais ainda contra si. Jin soltou meu pescoço, acomodando-se quase instintivamente com suas mãos agora em meu tronco. 

Senti seus dedos apertarem-me sobre o casaco, contraindo levemente o abdômen. O garoto soltou nossas bocas num estalo, mas eu mal o deixei respirar, inclinando-me sobre si ainda mais, colando nossas bocas, nossos corpos e nossos desejos energéticos. Mordi seu lábio inferior com gentileza, puxando-o até que escapasse de meus dentes, e Jin emitiu um som fraquinho de deleite. 

Minhas mãos ao lado de sua cabeça se moveram, com a destra segurando seu rosto e a outra enlaçando os dedos em seus cabelos, fixando-se ali. Jin moveu os lábios sobre os meus, tombando o rosto para o outro lado; ondulei meu corpo sobre o seu, impulsivamente. Senti seus dedos finos me apertarem com mais força, e deixei um carinho leve sobre seu rosto.

Separamos as bocas sem aviso, mas sincronizadamente, e tocamos as testas. Meu indicador direito ainda acariciava-lhe a face, distraidamente. Ele passou a língua sobre os lábios vermelhos, ofegante no ar frio. Nós estávamos tão perto.

- Devíamos voltar, não? – Sua voz soou após alguns segundos. Olhei para si com dificuldade de ver de fato, visto que estávamos muito próximos, e, como numa afirmação silenciosa, baixei minhas mãos, desencostando-as da parede. Mas então, como se tivéssemos combinado, minhas mesmas mãos se uniram à sua cintura, e ele me puxou para perto outra vez num ato quase desesperado para nos aproximar.

Puxei seu quadril para cima, e Jin enlaçou as pernas em minha cintura. Apoiei-o com firmeza contra o muro, tendo que elevar o rosto para beijá-lo corretamente. Seus braços apoiados em meus ombros sustentavam as mãos que maltratavam meus cabelos, agarrando-os como se sua vida dependesse disso.

Nossos lábios se chocavam e corpos pareciam um só, movendo-se em sincronia, enlaçando-se mais e mais. Jin ondulou-se levemente contra mim, lambendo meu inferior. Apertei suas coxas com força quando ele o fez, recebendo com prazer seu pequeno gemido. Ele se esticou sobre mim, tocando o abdômen em meu tronco e movendo-se graciosamente em meu colo. Foi minha vez de emitir um gemido baixo.

Ah, aquilo podia ficar perigoso.

Senti a língua macia de Jin acariciando a minha, e, através dos olhos fechados, vi um lampejo, seguido de outro trovão, mais forte. Jin suspirou longamente, me puxando cada vez mais fundo para o deleite daquele momento. Minhas mãos migraram para suas nádegas, apertando ali com cuidado, sem ultrapassar limites. Jin gemeu baixinho contra meus lábios.

Seus dedos puxaram meus cabelos com um pouco mais de força quando separei nossas bocas e corri os lábios até seu pescoço. Beijei de leve ali, ouvindo sua respiração rápida em meu ouvido, e seu ruído de prazer tímido também, quando mordisquei de leve a pele branquinha. 

Pequenos pingos de chuva, alternados demais para receber atenção, começaram a descer do céu. Minhas mãos apertaram mais sua pele coberta pelo jeans, e suas coxas forçaram seu abraço em meu quadril ao mesmo tempo em que seus braços o fizeram em meu pescoço. Ele gemeu baixinho outra vez, me fazendo ofegar em meio ao beijo.

E de repente – para nossas mentes nubladas – a chuva estava ficando forte demais, e eu soltei sua boca num estalo, logo voltando a tomá-la num selar, e outro, e mais outro. Jin soltou uma risadinha, ainda em meu colo.

- Nós vamos pegar um resfriado mesmo se formos até sua casa correndo, agora. – Falou, e eu concordei, risonho como ele. – Você é um idiota.

- Por que isso? Como se a culpa fosse só minha. Eu não controlo a chuva, sabe? – Olhei-o. Não ficava zangado por ele agir como se eu fosse o único culpado (em geral, eu era mesmo. Ao menos, o primeiro culpado), mas naquela vez não era justo.

- Mas essa mão boba você controla, né? – Perguntou, ágil, e eu tive que tirar meu chapéu para o garoto esperto de coxas bonitas que ainda se encontrava em meu colo, se encharcando mais e mais junto comigo.

- Você também controla sua boca, e foi você que me beijou primeiro. – Ri com ele, que mostrou a língua infantilmente.

- Isso não te faz menos idiota. Idiota.

- Pra você também. – Respondi, sem ligar para o apelido. – Estamos discutindo isso e perdendo tempo no frio. No fim somos um casal de idiotas.

Jin riu com gosto, e então me olhou.

- Somos um casal, NamJoon? – Movi a língua dentro de minha boca, de certa forma ficando repentinamente nervoso. Baixei-o de meu colo, e seus pés atingiram o chão molhado, mas seguimos abraçados.

- Quer que sejamos? – Perguntei, no mesmo tom de brincadeira que ele. – Apesar de eu sempre ter achado coisas como namoro e casamento uma palhaçada que só serve para prender as pessoas a regras antigas de como agir sempre, que tiram toda a magia da coisa. – Encolhi os ombros. Ser sincero fazia parte de mim, mas eu esperava não ter soado de forma que ele pudesse me compreender mal e se magoar.

Mas Jin riu, riu com gosto. Ele parecia quase esperar algo assim.

- De certa forma, é. – Seus braços apertaram o abraço em meu pescoço, e ele tombou a cabeça ali, respirando contra minha pele. Minhas mãos estavam abaixo de seu quadril e acima de suas nádegas, e o abraçaram com igual carinho. Era quase como se com aquilo ele desse o assunto por encerrado, sem nada precisar dizer.

E quando desfizemos o abraço, parecendo ser longos minutos depois, Jin me puxou pela mão pela rua castigada pela chuva fria. Meus machucados começaram a doer, como se eu os tivesse forçado naquela pequena agarração, mas apenas agora que meu corpo lembrara de notá-los.

E, na verdade, por mais que tivesse sido meio chato sermos interrompidos pela chuva, fora no momento certo. Eu estava começando a ficar excitado, e isso era meio perigoso, visto que eu sempre tentava não ser tão impulsivo com Jin. Não queria assustá-lo, ou machucá-lo, ou o que fosse. Nas outras vezes, acontecera também; sempre que eu começava a me animar mais, éramos interrompidos. Por mais que isso me irritasse, era quase uma ajuda do universo para que eu não fizesse besteira, e eu ficava mais tranquilo com isso.

Até recentemente.

Naquele momento eu só não estava chateado porque minha bobeira alegre parecia ser obrigatória perto de SeokJin, mas eu estava ligeiramente inconformado. Tocá-lo era tão bom que deixar de fazê-lo estava cada vez mais difícil. Eu teria o cuidado de não deixar isso muito óbvio, mas era um incômodo presente e crescente.

Puxei Jin para a calçada quando um carro passou pela rua que andávamos rapidamente, quase brincando entre as poças. Era incomum o tráfego ali, principalmente àquele horário, então tínhamos o costume de andar na rua mesmo, mas Jin se descuidara. 

- Presta atenção. – Dei um peteleco fraco em sua testa, voltando a andar e consequentemente puxando-o comigo pela mão. Jin riu baixinho, e eu o olhei, interrogativo. Ele me respondeu apenas com um sorriso, e eu dei de ombros antes de voltar a mirar à frente.

Não tínhamos levado a chave de casa, então tive que tocar a campainha. Alguns segundos depois, TaeHyung abriu a porta, arregalando os olhos ao nos ver encharcados e tremendo levemente de frio.

- O que vocês estavam fazendo? – Praticamente gritou, digno de se chamar Kim TaeHyung, e deu espaço para que entrássemos. Jin mexia em uma mecha de sua franja, distraidamente, e eu o puxei para dentro do saguão de entrada.

Tae olhou para nossas mãos juntas, e então para Jin mexendo em seu cabelo molhado, e em seguida para mim, que soltei a mão de Jin para tirar o casaco que pesava pela água.

O garoto ajudou Jin com o casaco dele, parecendo meio preocupado com nossa tremedeira. Caralho, eu não tinha notado com quanto frio estava até entrar na casa aquecida. Jin parecia estar numa situação pior que a minha, como o esperado. Se eu, que era pouco sensível ao frio, estava assim, o garoto devia estar congelando.

Belo fim de verão.

Tae correu e nos trouxe toalhas, que eu coloquei cobrindo o máximo possível de Jin e outra apenas sobre meus ombros. Tiramos os sapatos e entramos na casa, com as roupas pesadas e os pés frios sobre o piso que se molhava um pouco por onde passávamos.

- O que vocês ficaram fazendo até essa hora na chuva? – Hope perguntou, quase descrente com nosso estado. Assim que o disse, assumiu um olhar malicioso, e JiMin riu fino, fazendo o mesmo, assim como os outros. Jin parecia encolhido de frio, e não falara. Eu apenas os ignorei com um revirar de olhos.

- As garotinhas podem parar. – Falei, em descaso, e virei para Jin. – Vai lá, toma banho primeiro. Pode pegar qualquer roupa, você sabe. Aquele guarda roupa já é quase seu mesmo.

Eu falara baixinho, mas os garotos não perderam a chance de vaiar, divertidos. Claramente, aquelas provocações não tinham mais a mesma graça de antes para eles, quando ficávamos envergonhados de verdade, mas eles não deixavam passar a oportunidade.

Jin acenou com a cabeça, tremendo fraquinho, e se afastou em direção à escada. Observei-o até que ele sumisse na mesma, e suspirei cansado, por um momento esquecendo que meus amigos de infância me rodeavam e observavam com sorrisos sacanas.

- É tão bonitinho ver você agindo como macho alfa carinhoso. – YoonGi brincou, e eu o olhei, meio ameaçador, quase sem querer. – Mas se solte mais, saeng. Ninguém está cobrando que você seja um alfa sensação de fanfics para garotinhas. Você é gay; purpurina, meu amor.

Falou com descaso divertido, acenando com os dedos para mim. Os outros riram, mas eu apenas suspirei, olhando para Suga.

- Por que todo gay tem que ser purpurina? – Perguntei. Sim, eu tinha meus momentos de gostar de ser estraga prazeres e criticar piadinhas babacas, mas não era só aquilo; aquele rótulo, eu tinha certeza de que ele deixava algumas pessoas incomodadas, mas no fim todos apenas o acatavam, como se tivessem obrigação de fazê-lo. Era o que acontecia com todos os rótulos e padrões da sociedade, na realidade. – E eu não sou gay. Eu gosto do Jin.

Os garotos me olharam sem resposta por um momento, cada um formando em sua face sua reação. YoonGi sorria debochado, JiMin dava risadinhas bobas, e os outros sorriam gentilmente.

- Ah, seria bom o hyung ter ouvido isso. – Park comentou, meio sonhador. – É tipo “eu só tenho olhos pra ele". Isso deve ser tão bom...

- O que você quer dizer com isso? – JungKook, sentado de qualquer jeito no sofá, perguntou com falsa broca. JiMin riu conosco, e encolheu os ombros, como se pedisse desculpas sorridentes ao namorado, e se aproximou de si, sentando ao seu lado e o abraçando. Jeon fingiu não retribuir, mas logo já segurava o Park nos braços também, meio envergonhado pelos olhares sobre os dois.

- Na verdade, o que o Mon disse é algo mais como "vou grudar em você pelo resto da vida". – YoonGi não perdia uma. – Que horror.

- Cala essa boca, Suga. – Falei, junto com Hope, que riu, sendo seguido pelos outros.

- Mas o NamJoon hyung tem razão. – JungKook comentou, meio pensativo, com JiMin em seu colo. Todos o miramos. – Por que os gays são "purpurina" sem exceção? São pessoas como qualquer outra. E eu não vejo o que impede um heterossexual de ser alegre, escandaloso, purpurina ou o que seja. Ou o que impede que um homossexual não seja isso.

Concordei com Jeon em silêncio, e os outros o encararam antes de fazer o mesmo. JiMin sorriu, e selou sua testa num movimento natural.

- Por que essa conversa ficou séria de repente? – Hope riu pequeno, e todos o imitamos, sem exagero.

- Porque no fim, até entre gays tem preconceito. – Tae falou, abraçando Hope distraidamente. 

- Claro que tem. – JiMin falou, mexendo distraidamente nos cabelos negros de JungKook.

- É, tipo um ter a obrigação de pedir o outro em namoro, e não poder ser o contrário. Não faz sentido. – Hope sorriu de canto, fingindo inocência quando Tae o olhou feio.

- Vai continuar? – O Kim perguntou, arrancando uma risadinha de Hope, e dos outros também.

- Desculpa, TaeTae. Mas sabe que é verdade.

Antes que TaeHyung conseguisse xingar HoSeok, Jin surgiu da escada, e todos olhamos para si, que retribuiu distraidamente.

- Isso foi rápido. – Comentei, indo em direção a ele, que vestia uma calça de moletom cinzenta com a qual parecia ter um certo carinho, e uma camiseta azul escura qualquer. Seus cabelos estavam úmidos, e reluziam o marrom cobre avermelhado na luz branca artificial do cômodo.

- Não quis te deixar molhado, esperando. – Ele respondeu, simples, e eu sorri, bagunçando seus cabelos e passando por si, subindo com minha toalha no pescoço para o andar de cima.

Entrei em meu quarto, escuro a não ser pela iluminação quase inexistente da rua através da cortina de água da torrente que caía lá fora. Entrei no banheiro, ignorando o espelho quebrado e a pia vazia onde antes ficavam os recipientes que eu quebrara na última vez. O banheiro, assim como o quarto, parecia opressoramente vazio e solitário, e mesmo depois que acendi a luz cálida, tal sensação não passou completamente.

A água quente do chuveiro batia em minhas costas de forma prazerosa, mas minha mente prestava atenção na chuva lá fora, forte e fria, livre e selvagem. Por mais que eu soubesse as consequências de ficar na chuva, minha vontade era pular daquela janela e levantar voo em meio à tempestade. Era um desejo silencioso que eu tinha desde sempre. A chuva parecia me chamar, e antes que eu notasse, já estava desligando o chuveiro e pegando a toalha, me secando mecanicamente.

Por ser um desejo antigo, era só isso; um desejo. Eu não ia fazer nada estúpido naquele momento, mas minha cabeça parecia perder suas âncoras terrenas quando a chuva vinha. Suspirei, em parte cansado, em parte feliz. Eu gostava de ficar assim sozinho e aproveitando o som e o frescor da chuva, mas também gostava de ficar perto de SeokJin, se bobear em igual intensidade, e não demorei muito antes de me vestir e seguir porta afora para voltar para a sala, para o abraço que eu amava e para o sorriso que me acalentava em qualquer situação.

Na frente de meu quarto, porém, me detive. Olhei para o outro quarto do corredor, vendo a porta entreaberta exibindo um feixe de luz. Me dirigi para lá, abrindo o restante da porta e entrando no quarto de minha mãe. Ela não estava ali, mas o som fraco do chuveiro e a cantoria dentro do banheiro denunciavam sua presença. 

Soltei um riso pequeno e abafado, ouvindo um trovão forte lá fora. Andei até a cama de casal no meio da parede oposta à da porta, franzindo o cenho ao ver um envelope grande e alguns papéis espalhados no pé da mesma.

Peguei o envelope, vendo a ponta de dois exames raios-X pela borda aberta do mesmo. Olhei os documentos na cama, passando o olhar pelas informações ali contidas. Um deles confirmava o exame de sangue, anunciando anemia em gravidade mediana e insuficiência proteica. Suspirei, pegando outro. Não entendi todas as informações ali, mas era claro que falava do estado dos pulmões dela. Fazia tanto tempo que ela parara de maltratá-los. Por que aquilo tinha que voltar como uma assombração?

Olhei o terceiro. Início de diabetes crônica. Ah, que ótimo. A porta se abriu no momento que eu terminava de ler o papel, e eu olhei para a figura enrolada na toalha com repreensão.

Ela pareceu um pouco surpresa comigo ali, mesmo que não o bastante. Me encarou de volta por um segundo, e então revirou os olhos, seguindo pelo quarto até seu guarda-roupa.

- Eu não preciso que você fique me dando broncas. Eu sei, ok? – Falou, remexendo no móvel com uma toalha presa em volta do corpo e outra enrolada nos cabelos.

- Ah, então você sabe tudo. – Falei, sarcástico. Estava meio irritado, mesmo que aquilo não fosse resolver nada. Por que ela parecia nem fazer questão de se cuidar? Lembrei de Jin falando algo assim para mim, e senti complacência por si por um momento.

- Olha lá como fala. Quem é a adulta aqui? – Ela se virou para mim, com uma careta. Vestiu a calcinha por baixo da toalha, me olhando e quase caindo ao se desequilibrar para colocar a roupa íntima.

- Deveria ser você, mas se vai ficar agindo como a adolescente rebelde, eu vou ter que ser o adulto chato aqui. – Contestei, firme. Ela torceu o nariz outra vez, estalando a língua, colocando uma camiseta grande demais para si e retirando a toalha, agora que seu corpo fora coberto.

- Eu vou fazer os tratamentos, tá? Ainda não é grave. Os pulmões não estão tão mal assim; também tem como consertar. Se eu tivesse feito o tratamento antes teria sido melhor, mas ainda dá pra resolver. – Disse, sem me olhar enquanto colocava um short curto de pijama, que ficava invisível por baixo da camiseta velha que ela usava.

- Não adianta só fazer os tratamentos sem mudar seus hábitos. Principalmente os alimentares. – Comentei, e ela veio até a cama, arrumando os papéis dentro do envelope antes de me responder.

- Eu sei, eu sei. Eu vou cuidar disso, ok? Volte lá com os garotos. Eu pedi comida, daqui a pouco vão entregar.

Acenei com a cabeça, mas segui encarando-a, sem sair do canto da cama. Ela guardou o envelope dentro da gaveta de seu criado-mudo, e então me olhou, interrogativa ao mesmo tempo em que parecia me mandar embora com o olhar.

- Não precisa resolver tudo sozinha, sabe. – Falei, e quando ela abriu a boca para retrucar, encolhi os ombros infantilmente e levantei da cama, indo rapidamente para a porta do quarto. Jin já me disse algo assim também, não? – Eu vou ficar te fiscalizando, de qualquer forma. – Parei, fingindo pensar. – A não ser que você queira que eu explique a situação para SeokJin, aí eu não vou precisar bancar o preocupado.

Os olhos grandes da mulher se arregalaram, quase me implorando para que eu não fizesse aquilo. Soltei uma risadinha, saindo do quarto.

- Ah, Joon! – Minha mãe me chamou, e eu voltei para a porta, esperando que falasse. – Lembrei agora. Você vai ter que ir falar com o Jae- doutor HyukJae amanhã, depois da aula, ok? – Franzi o cenho, imaginando a que isso levaria. Ela mais que depressa adicionou: – Não se atreva a falar pro Jinnie os resultados do meu exame, ouviu, mocinho?

Era cômico como ninguém subestimava a capacidade de Jin de ser protetor, e rindo baixinho disso, segui até a escada. Internamente, eu estava preocupado. Falaria com Jae hyung: eu estava preocupado com aquela história, mas ter que ir falar com ele me dava uma sensação desagradável de estar voltando aos doze, quando minhas consultas eram tão frequentes quanto as crises e as doses de remédios.

Neguei com a cabeça, e sem aviso ou motivo ao certo, a voz de Jin soou em minha cabeça. Jin, ok. Terminei de descer as escadas.

Na sala, ele estava apoiado no encosto do sofá, atrás deste. Me aproximei com calma e sem ruído, abraçando-o por trás. Ele sorriu, sem nada dizer, e eu apenas observei consigo a partida de videogame que os garotos recém começavam.

Mesmo que os costumes de minha casa fossem meio incomuns se comparados com os da vizinhança num geral, era no mínimo cômico que as únicas ocasiões em que comêssemos comida de fato coreana, fosse quando pedíamos delivery. E essas ocasiões também eram raras, tendo em vista o costume de minha mãe de cozinhar a própria comida ou de comer congelados.

De qualquer forma, os adolescentes e a adulta ali pareciam felizes como nunca enquanto brigavam pelas porções gordurosas e apimentadas. Eu não sentia muita fome, em especial de noite, mas comia com gosto também, mesmo que não tivesse a mesma energia que os outros. Jin, diferentemente do esperado, estava calmo ao meu lado, comendo lentamente. Considerando seu gosto por comida, eu chegaria até a me perguntar se ele não estava doente ou algo assim, mas seus olhos cansados e seu corpo amolecido denunciavam seu sono de tal forma que o único que eu fazia era observá-lo com uma ponta de graça.

A chuva seguiu noite afora, não dando indícios de enfraquecer, e depois de briguinhas obrigatórias naquela família sobre quem dormiria onde e outras besteiras assim, estavam sete garotos e uma mulher amontoados nos colchões e almofadas espalhados pela sala, rindo escandalosamente e encrencando uns com os outros durante as partidas de videogame.

Jin jogara nas primeiras partidas, um pouco contagiado pela energia de Tae e por um momento voltando a ser o garoto que sempre era, pegando aquele santo competitivo que o possuía quando jogava. Sua animação evaporou, porém, quando sua rodada terminou, e, no exato momento que entregou o joystick para YoonGi, seu corpo pareceu amolecer em sono outra vez.

Ele veio engatinhando para o sofá ao meu lado, encolhendo os pés ao se aconchegar no estofado, fechando os olhos, preguiçoso. Ri baixinho, recebendo um insulto sem energia de si, e o puxei, deixando que se apoiasse em mim e imediatamente começasse a adormecer.

- Hyung! Seu telefone! – Tae desceu correndo a escada, depois de ter ido lá pra cima por algum motivo qualquer. Olhei para ele, identificando o aparelho em sua mão como o de Jin, e imediatamente olhei para o garoto mais adormecido que acordado ao meu lado. Estendi a mão que não abraçava Seok para Tae, que me entregou o telefone. – Está tocando faz tempo! Atende, atende, atende!

Olhei com uma careta para o garoto nervoso, então para Jin e por último para a tela do celular. O nome que brilhava ali era familiar, e eu concluí que não tinha problema atender.

- Alô? – Falei, ao atender a ligação em um dos últimos toques.

- SeokJin ssi? Não, você não é o SeokJin, a voz é diferente. Ou será que é assim por telefone? Chan! Minha voz fica diferente no telefone? Ah, desculpa! Eu to no telefone! Desculpa, você é o SeokJin ssi? – Afastei a orelha do celular minimamente. Ah, aquela matraca era mesmo incontrolável. Tentei não demonstrar irritação.

- Não. Eu sou o NamJoon. BaekHyun hyung, poderia não gritar ao telefone, por favor?

- NamJoon? Quem é NamJoon? Você é algum tipo de amante do SeokJin ssi? O Monster não vai gostar nada disso. – Sua fala foi mais uma vez rápida e alta demais. Revirei os olhos, suspirando para encontrar paciência.

- Eu sou o Monster, BaekHyun hyung. – Falei. – Jin está dormindo.

- Ah... PERA AÍ, MONSTER? – O garoto havia acabado de me deixar surdo, mas continuou falando, como se nada ligasse para isso. – Ai, que mico. Desculpa, eu não esqueci que, tipo, seu nome de verdade não era Rap Monster. Claro que não. Onde você disse que estava SeokJin ssi estava, mesmo? Eu preciso falar com ele.

Meu suspiro deve ter sugado toda a paciência dos confins do meu cérebro, mas eu soei calmo:

- Ele está dormindo.

- Dormindo? Não está meio cedo pra dormir? Bom, de qualquer forma, eu tenho que falar com ele. Se bem que pode ser com você mesmo. Pode ser, né? – O jeito que aquele cara falava me deixava meio aturdido, mas eu apenas afirmei à sua pergunta, fazendo-o falar de novo: – É sobre aquele trabalho. Ele me disse que me ligaria na segunda, mas não ligou. Ainda é segunda, então eu imaginei que pudesse falar com ele ainda hoje. Seguinte: amanhã. A ajumma pediu pra ele vir amanhã depois da aula. Eu vou mandar o endereço por mensagem.

- Ok, eu aviso ele. Uhum, até mais. – Desliguei a chamada com um suspiro longo, me espalhando no sofá. – Caralho, falar com esse cara me desgasta mais que cuidar de todos vocês.

- Vai dar uma de babá frustrada agora? – YoonGi provocou, com os olhos fixos na TV, que exibia seu jogo.

- Babá? Eu não preciso de babá. – Tae retrucou, levantando de onde estava aninhado com Hope naquela bagunça de lençóis e almofadas.

- Ah, não. Você com certeza é o que menos precisa de babá aqui, Tae. – YoonGi rebateu, transbordando ironia, ainda fixo em seu jogo. Hope soltou uma risadinha, e Tae olhou feio para ele. JiMin rira também, e o Kim o encarou.

- Você não pode falar nada, JiMinnie!

- O Mon cuida de mim sim, mas ninguém ocupa seu posto de bebê, TaeTae. – JiMin respondeu, risonho. JungKook estava jogado na cama ao seu lado, mas tinha um dos braços envolvendo a cintura de JiMin fortemente, como se aquilo fosse obrigatório em qualquer posição que os dois se encontrassem.

- Até você, JiMinnie? – O garoto pediu, meio choroso. JiMin apenas riu com gosto.

- Ah, para com isso. Você adora ser o baby.

- Eu gosto, mas vocês estão zombando de mim! – Olhou para o namorado, que ria ao seu lado, despreocupado. – Até você!

- Que gritaria é essa, TaeTae? – Minha mãe soou, surgindo do ninho de lençóis que ela montara. Eu havia até esquecido que ela estava ali. Imediatamente olhei para Jin, que tinha os olhos ligeiramente abertos, como se recentemente o tivesse feito.

- Te acordamos? – Perguntei, suave. Ele me olhou com lerdeza, sorrindo com igual demora e moleza, fechando os olhos em seguida como se não conseguisse mantê-los abertos por muito tempo. – Quer subir pra dormir? – Perguntei, num sussurro.

Jin respondeu num resmungo, mas eu concluí que provavelmente era uma afirmação, então me empenhei em levantar-me e levantá-lo, segurando-o para ajudar a mover seu corpo cansado. Ele estava parcialmente acordado, como as crianças ficam depois de voltar para casa tarde e tem que subir para seus quartos: suas pernas funcionam, mas apenas isso, e elas adormecem instantaneamente quando chegam à cama.

Deixamos a sala sem ser verdadeiramente notados pelos outros que se preocupavam rindo de Hope, que abraçava Tae com força, prendendo seus braços e impedindo-o de bater em si enquanto o outro ainda fingia estar zangado. As risadas dele logo soaram também, mas minha tarefa de conduzir o garoto adormecido pela escada até meu quarto me isolou do resto do mundo, como de costume me fazendo prestar atenção nele e apenas nele.

Colocar Jin na cama devia ter sido fácil, mas ele parecia não ter certeza de que preferia a cama macia ao meu abraço sustentando-o, então se perdeu num debate interno semiadormecido de alguns segundos, enquanto eu tentava colocá-lo sobre o colchão.

Por fim, deitá-lo na cama e ser arrastado junto foi inevitável, assim como meu riso fraco ao vê-lo tão tranquilo após ter me puxado daquele jeito. Se bobear ele nem tinha consciência do que fazia, mas era fofo de se olhar mesmo assim.

Com um pouco de esforço, consegui me acomodar de forma mais confortável e que não privasse Jin de abraçar seu aparente novo urso de pelúcia. Meio sentado e meio deitado, com a cabeça apoiada na cabeceira e o corpo lateralmente sobre a cama, meu braço direito abraçava Jin, e ele se aconchegava contra mim como um filhote, respirando tranquilo.

- Você não dormiu por quase três dias, né... – Soltei, pensativo, enquanto arrumava e dessarumava sua franja numa distração calma. Não estava com sono, mas o som da chuva forte lá fora e o garoto que me aquecia e me alegrava silenciosamente ali... Era de longe mais que agradável. – Nos hospitais não tem leito pra espera?

- Tem. – Eu obviamente não estava esperando ter meus pensamentos, soltos ao acaso, respondidos, e olhei para o garoto, que sorria de leve com os olhos fechados. – Mas tenho quase certeza de que já te disse: – Seus olhos se abriram, me mirando no ar pouco iluminado e refrescado pela chuva do quarto. – Eu não consigo dormir sozinho.

Demorei um momento lembrando-me. Sim, e sabia disso. Sorri de canto e o abracei com mais força contra mim, calidamente. Jin se aconchegou com gosto, fechando novamente os olhos.

- Mas. – Falei, quando algo me ocorreu. Jin emitiu um "hm?". – Em casa. Na sua casa. Como você dorme?

- Com a minha mãe. – Falou, suave, contra meu corpo.

- Mas e seu pai?

- Ele normalmente não passa a noite em casa. – O garoto pareceu ficar menos avoado, e sua voz ficou um pouco dura, logo suavizando como areia lambida pelas ondas. – De qualquer forma, omma dorme no meu quarto.

Fiquei em silêncio após isso, e ele se permitiu voltar a se acomodar e ficar entregue ao sono.

- Ei, Jin. – Soei após alguns segundos em que apenas a chuva ocupou nossos ouvidos.

- Hm?

- Desculpa te fazer falar dessas coisas.

Ele ficou em silêncio por um momento, e então soou, para meu alívio:

- Você não me forçou a nada. Eu falei porque quis te contar. – Disse, macio. Eu não via sua expressão, mas ele rapidamente mudou isso, erguendo o rosto e me mirando. – Agora é sua vez: por que está machucado?

Seus olhos não exibiam sonolência naquele momento; estavam atentos, prendendo meu olhar de forma infantil e lasciva, como sua pergunta soara. Encarei-o, sem demonstrar temor. Demorei um pouco em responder, e quando o fiz, sorri de canto:

- É que eu estava sentindo muito sua falta, aí fiquei irritado e me machuquei. – Soei propositalmente brincalhão. 

Era a verdade resumida o que eu lhe oferecera, mas eu consegui o resultado que queria: Jin soltou uma risadinha, me xingou – idiota – e deixou o assunto de lado, voltando a aconchegar-se contra mim.

Fiquei em silêncio após isso. Aos poucos, a respiração do garoto ficava mais profunda.

- Ei... Jin? – Sussurrei, rouco, ao olhar para a sombra da chuva na janela. Um trovão soou ao longe. Jin não me respondeu. Seu corpo ninava acolhido junto ao meu. 

Ergui meu rosto, tendo minhas feições iluminadas pelo relâmpago que acendeu lá fora, sendo acompanhado por outro trovão. Era como se eles gritassem um com o outro, aqueles dois; um lampejando e o outro rugindo, eternamente juntos num show de som e luzes no céu escuro. 

- Na verdade, eu me machuco sozinho. Sou meio idiota, não? Eu consigo me machucar sozinho... – Ri baixinho, inexpressivo. Baixei o rosto, transparecendo desânimo, e ao ver sua feição pacífica, expulsei aquela emoção de meu rosto e espírito, mandando-a para os confins de meu interior, deixando-a em seu canto. – Eu... Eu machuco outra pessoa também, quando não tomo cuidado. É sem querer, e eu não sei bem controlar. – Minha confissão solitária quase não se ouvia; os sussurros se perdendo no som da chuva e dos trovões. – Desculpa não te contar. Eu... Eu só não quero que se afaste de mim. 

Senti um bolo se formar em minha garganta. Odiava aquela sensação, e nunca passava dela; não chorava há muito tempo. Acima de tudo, odiava aquela impotência, e me odiava por  ter que esconder algo como aquilo do garoto que me fazia tão bem. 

Olhei para seu rosto sereno de olhos fechados. Meu sorriso era gentil, mas ligeiramente dolorido. Senti o peito apertar.

  - ... Isso seria o certo. Desculpe por ser tão egoísta. – O último sussurro foi um sopro, e eu deixei sobre sua testa um beijo cálido. Não queria soar dramático como estava soando, mas ali, na escuridão calma de meu quarto e com a presença adormecida de Jin, eu me permiti transparecer que, apesar de tudo, eu era apenas um garoto assustado, muito assustado consigo mesmo.

Soprei um riso, abatido. Aquele ali não era eu. Eu não me desanimava tão facilmente. Eu não entregaria as cartas sem antes tentar, usando toda a minha cabeça dura e energia nisso.

Mas... Só naquele momento, eu me permitiria precisar de apoio, e abraçaria o corpo adormecido ao meu lado com toda a confiança que tinha na pessoa adorável que ele portava. Sorri, olhando para a chuva lá fora. Ela caía sem cessar, mas se prestasse atenção, conseguiria ouvir o que ela nos contava, como que sussurrando segredos em trechos de canção, cuidadosamente nos acalentando e protegendo. 

Como uma doce melodia, como os sorrisos de SeokJin, pelos quais sempre tudo valeria a pena.

 

- NamJoon, me deixa sentar. – Jin reclamou, tentando se desvencilhar de meu abraço.

- Você está sentado. – Falei, achando graça. Já era a transição da quarta aula para a quinta; o professor não estava em sala, e Jin me xingava baixinho enquanto tentava sair de meu colo para ir à sua cadeira, sendo impedido por mim, que o puxara para ali num momento de distração sua e não o deixaria ir tão facilmente. – Ah, vamos Jin. Qual o problema? Só um pouquinho.

- O problema é que estamos na sala. – Falou, pausadamente à medida que tentava se soltar, concentrado.

- E daí? – Perguntei, propositalmente passando os dedos para baixo de sua camisa, dedilhando de leve na pele quente ali. Jin estremeceu discretamente, me olhando feio em seguida, parando por um momento seus esforços para sair de meu abraço.

- E daí que pode incomodar as pessoas.

- E quem se importa com as pessoas?

- Você é impossível. Me deixa ir, NamJoon.

- Com você sendo malvado assim comigo, eu fico com menos vontade de te obedecer, Seok. – Fingi manha, e Jin me olhou, tentando se manter sério antes de falhar e rir, controladamente baixo, mas claramente tentado a rir em alto e bom som.

- Jesus. Não faça isso de novo! – Falou, em meio às risadas. Eu sorria, observando com uma ponta de estranhamento. Ele parecia ter esquecido o quão desconfortável estava em meu colo. 

Segui observando-o em sua alegria, e ele colocou as mãos distraidamente sobre meus ombros, ficando ali confortavelmente. Eu respondia a uma provocação qualquer sua quando notei uma figura parada ao lado de minha mesa. A garota que se postara ali tinha as mãos na cintura, e seu rosto comum lotado de maquiagem estava levemente torcido numa expressão descontente.

- Ei, Monster. – Chamou, com voz levemente rouca. Os dois a olhamos, claramente perguntando com os olhos o que diabos ela queria. – Vocês... Vocês dois... Você e o Kim SeokJin... Vocês... – A garota começou a corar, perdendo por um momento sua pose confiante. – Vocês estão... Você sabe... Juntos? – Perguntou, apontando para nós dois, parecendo quase aliviada por finalmente ter perguntando.

Olhei para atrás de si, onde um grupo de garotas que eu tinha certeza de que achavam tudo aquilo muito importante observavam-nos sem discrição. Voltei a mirar a garota.

- Quem é você? – Perguntei, parecendo chocá-la. Eu não tinha culpa se não lembrava os nomes de meus colegas de sala. Na realidade, todos eram meio iguais pra mim, como borrões indistintos em minhas memórias. Além do mais, eu não gostara da forma que ela perguntara aquilo. E muito menos da forma quase indignada que olhara para SeokJin.

- Que- Eu- Eu estudo com você fazem quase três anos! Como pode não saber quem sou? Você está brincando, certo? – Riu, nervosa, olhando várias vezes para Jin, quase que assustada, e então para mim.

- Não. Não estou brincando. – Falei, olhando-a, sério. Jin a encarava com expressão neutra. Ela parecia nervosamente não conseguir deixar de mirá-lo, sempre com aquela expressão quase temerosa. – O que você quer?

Minha pergunta pareceu chocar a garota outra vez. As pessoas geralmente não sabem lidar com pessoas diretas, eu sabia, mas às vezes esquecia que não era todo mundo que era largado feito meus amigos, que tratavam minha grosseria corriqueira como insignificante.

- Eu- Se vocês estão saindo, por mim tudo bem, mas... – Como "por você?". Qual o problema dessa garota? – Será que poderiam não ser tão óbvios?

Olhei para a criatura, dividido entre rir dela ou mandá-la tomar no cu. Jin ainda a olhava, mas agora seus olhos transpareciam, quase invisivelmente, que ele também estava ficando irritado.

- Ô, a ridícula aí! – Antes que eu pudesse elaborar a mais bela forma de mandá-la pro vale da puta que pariu pastar, a voz preguiçosa que eu bem conhecia soou quatro assentos atrás de nós. A garota olhou para ele, assim como grande parte da sala. – Isso, você mesma, a perua pobre! Sai da frente, amor? Eu quero copiar o dever, e você está me incomodando profundamente. – Terminou a fala com ar inocente. Todo o seu corpo e aura emitiam uma onda de escárnio absurda, e ele encarou fixamente a garota, até que ela desviasse o contato, indignada.

- Como você-

- Desculpa, eu não pedi pra você cacarejar sua frustração. Eu pedi pra você sair da frente. Será que pode fazer isso? Eu agradeceria se você voltasse pro seu lugar e ficasse quietinha lá, também. Por favor. – Sorriu, angelicalmente apenas como Min YoonGi poderia sorrir após soar tão pesadamente sarcástico.

- Seu-

- Sai da frente, caralho. – Ele soou mais alto e firme na última palavra, e a garota, de olhos arregalados, pareceu quase obrigada a obedecer, voltando para junto do grupinho, que desviou os olhares de si. 

A sala observou em silêncio, até ela se sentar. E então alguns vários explodiram em gargalhadas, enquanto outros olhavam relutantemente para YoonGi, e alguns poucos se mantinham neutros.

Olhei para meu amigo, sorrindo de canto para si após encará-lo por um momento. Jin sorriu-lhe gentil, também. Suga deu de ombros, descartando nossos silenciosos agradecimentos como se não precisássemos oferecê-los.

Olhei para Jin, e ele olhou para mim, e rimos baixinho juntos daquela teimosia de YoonGi. Ele parecia um velho rabugento quase sempre, mas sempre estava ali quando precisássemos.

- Desse tipo de incômodo que você estava falando? – Perguntei, divertido, para Jin ao voltarmos a mirar à frente. Jin revirou os olhos, sorrindo contido.

- OS DOIS KIM AÍ! SUA CONCENTRAÇÃO FUNCIONA MELHOR QUANDO ESTÃO JUNTINHOS ASSIM? SE NÃO FOR ISSO, JÁ PODEM SENTAR DIREITO, POR GENTILEZA.

- É isso aí, professor! – Gritei de volta para Hae hyung, divertido. – Nossos Q.Is duplicam quando ficamos assim. Da hora, né?

- Muito, nossa. Tratem de não atrapalhar minha aula, seus adolescentes cheios de hormônios irritantes. – E, simples assim, ele se virou para a lousa, apagando o que o outro professor deixara (que YoonGi não estava de fato copiando, diga-se de passagem).

Olhei para Jin, que me olhava com um pingo de descrença apreensiva em sua expressão tranquila. Sorri, querendo rir.

- Viu? Nem o professor mandou você sair do meu colo. É um sinal do universo pra continuar aqui, não acha? – Apoiei minha testa em seu ombro, e ele pareceu revirar os olhos. Suas pernas estavam sobre as minhas, e minhas mãos estavam em volta de seu tronco, relaxadamente. Ele estava sentado de lado, confortável de forma meio impensada em meu colo no meio da escola.

- É um sinal do universo de que você é um cara de pau, isso sim. – Revirou os olhos, divertido, mas seguiu ali. Assistiu à aula de história inteira daquela forma, fazendo as anotações de forma desajeitada enquanto eu o observava distraidamente.

Na última aula, uma coordenadora ao algo parecido foi até a sala, e chamou a Jin e a mim – que já não estávamos abraçados desde a aula anterior, porque a professora de geografia não achou muito recomendável como comportamento em sala de aula – alegando que fôramos os únicos que não entregáramos os formulários de ambições acadêmicas, visto que saíramos mais cedo no dia anterior.

Nos olhamos de esguelha, e levantamos ao mesmo tempo, andando até a frente da sala, para junto da mulher que nos observava com pouca expressão através dos óculos de armação retangular.

Jin explicou com palavras breves e educadas que havíamos perdido os documentos enquanto eu afirmava silenciosamente com a cabeça, e ela, com uma feição de reprovação obrigatória, abriu a pasta que levava e tirou dali outros, novinhos em folha.

- Eu preferia ficar sem. – Resmunguei, olhando para o papel impresso enquanto seguíamos para fora do prédio da escola. – Onde tem uma lixeira? – Olhei para os lados, e Jin arrancou o papel de minhas mãos, rindo.

- Não senhor. O papel não tem culpa de nada. E não gaste árvores como se elas não fossem nada.

- Você verdadeiramente pareceu minha mãe falando, agora. – Comentei, e peguei o papel de volta, guardando-o no bolso antes que Jin protestasse. Soltei um suspiro fraco, e Jin me observou, enquanto andávamos até o portão. Avisáramos ainda lá dentro aos garotos que não íamos para casa direto, então não tínhamos que nos unir à gangue naquele dia.

- O que você tem? – Perguntou, quando já quase saíamos do terreno de nossa instituição de ensino. Olhei para si, que me observou com cuidado preocupado. – Parece desanimado.

Dei de ombros, considerando isso mais seguro que ter que respondê-lo. Tocamos a calçada, seguindo para a esquerda, em direção à estação.

Jin segurou minha mão, impedindo que eu seguisse, e eu parei, olhando-o sem expressão. Ele capturou meus olhos e semicerrou os seus, observando-me meticulosamente enquanto sua mão se mantinha segurando-me com firmeza carinhosa.

- Jin, vamos perder o trem. – Falei, desviando o olhar do seu e seguindo o caminho. Não soltamos as mãos, e Jin me seguiu com primeiros passos apressados, logo me acompanhando lado a lado. Seus olhos ainda me encaravam, pesados, e eu suspirei outra vez. – Eu estou com algumas coisas na cabeça, ok? Não é nada. Não precisa se preocupar.

- ...Não quer me contar qual o problema? – Ele perguntou após um momento, parecendo estranhamente tímido. Eu sabia o que era aquilo; seu modo "não quero ser um incômodo" estava ativado. Me xinguei baixinho por ter feito aquela situação se montar, e parei, segurando seus braços e fazendo-o me olhar fixamente.

Seus olhos estavam um pouco nublados, como ficavam quando refletiam sua mágoa silenciosa e abafada. Torci a boca, descontente.

- Olha: agora não é hora pra isso, ok? Eu juro, juro que vou te explicar direito. – Falei, pensando ao desviar o olhar para o chão por um momento. – Eu só preciso organizar algumas coisas antes, ok? Pelo amor do cosmos, eu odeio ficar te deixando preocupado, mas eu realmente preciso lidar com isso sozinho; ao menos por agora, entende? Por favor, Jin. Eu não quero que fiquemos mal, não quero que se incomode e fique inseguro. Eu só... Preciso resolver isso, ok?

O garoto me olhou com sincera surpresa. Não parecia de forma alguma esperar que eu soasse tão desesperado. Meu coração apertara mais do que eu gostaria ao ver aquele olhar refletir em seus orbes. Eu sabia que aquele tipo de coisa fazia com que sua confiança em mim se fragilizasse, e como eu odiava aquilo; mas, como eu estava, não via vantagem alguma em envolvê-lo naquilo mais que o necessário.

Lentamente, ele confirmou com a cabeça, e seus olhos começaram a amenizar-se numa expressão mais compreensiva. Eu não gostava daquilo, não gostava nada daquilo; de deixar as coisas mal resolvidas assim. Constar isso apenas me fez ter mais certeza de que eu tinha que resolver aquela fraqueza e me livrar dela de uma vez. Logo.

 

- Monster... Eu vou falar sério agora, está bem? – HyukJae hyung suspirou, tombando as costas em sua cadeira de escritório feita de couro sintético negro. Adiantou-se, inclinando o corpo sobre a mesa de forma que seus antebraços ali se apoiavam. – Preste atenção: eu entendo que sua mãe não te levou ao hospital por motivos pessoais de vocês, nos quais eu não pretendo de forma alguma me meter, mas... Infelizmente, se isso se repetir, sinto que você não vai ter escolha.

Fiz uma careta, mas concordei consigo. Eu e minha mãe havíamos feito uma espécie de combinado sem nunca precisarmos combinar de fato depois que meu quadro ficou estável: não voltaríamos a pisar num hospital nunca mais, se não fosse necessário. No momento, porém, a realidade era outra; e por mais que me desagradasse profundamente, eu sabia que o hospital muitas vezes era a única saída.

- Se você tivesse ficado um tiquinho mais de tempo consciente, tem ideia da quantidade de coisas que poderiam acontecer? Sei que você é forte, mas ataques violentos como os seus... Eles tem que ser monitorados se estiverem voltando à ativa. Seu TEI é diferente dos outros casos que tratei, e ao mesmo tempo em que é mais fácil em alguns pontos, é muito mais complicado em outros. Você entende isso, não é? – Acenei em concordância mais uma vez, sem olhá-lo nos olhos. – Mon... Você está bem?

Olhei para meu médico e amigo. Eu sabia por que ele fizera tal pergunta; eu não era de desviar olhares ou de ficar calado em conversas, mas a situação mudara: naquele momento, eu voltava a ser um garoto apático de oito, dez, doze anos, sentado à sua frente esperando que ele apenas me prescrevesse receitas de remédios e tentasse soar encorajador. O bolo em minha garganta se formou por tempo suficiente para que eu o olhasse, num segundo de desespero.

- Se eu estou bem? Acho que é bem óbvio que não, não é? Por que outro motivo eu estaria aqui, hm? – Respondi, com a voz fria e cortante. Minhas unhas se fincavam sem dó em minhas palmas, machucando-as. – Se eu estou bem? Não é muito cruel um médico perguntar algo assim pra alguém que ele está tratando? Bem, eu estou ótimo. Ótimo, prefeito, exceto por um detalhezinho de merda. Sabe aquele? Aquele que me faz virar um louco destrutivo? Aquele que me fez desacordar mais vezes que eu posso contar? Que me fez me afastar de meus melhores amigos por medo de mim mesmo? Se eu estou bem? EU NÃO ESTOU NADA BEM!

Num impulso, eu havia me levantado, e encarava HyukJae com minha face raivosa. O médico me olhava, assustado com meu desabafo. Ao notar o que fizera, recuei, desajeitado, encarando-o de forma arrependida.

Sua expressão se amansou, mas não havia pena ali – ele sabia bem que pena era algo que eu odiava ver nos olhos das pessoas –, havia força, e apoio. Ele me conhecia bem, aquele cara; me conhecia desde minha infância, e sabia só não mais que minha mãe sobre minhas fraquezas e inseguranças. Seu olhar passava confiança, e amizade, e foi o bastante para que eu relaxasse ao menos um pouco, sentando-me novamente.

Transtorno Explosivo Intermitente. Eu não gostava de usar aquele nome, ou de sequer pensar muito nele. Minha mãe tampouco o mencionava; era quase como se isso fosse ajudar a aquilo parecer menos um distúrbio e mais com algo... Não sei, menos sério? Eu sabia que o TEI não chegava a ser algo sério a ponto de requerir tratamento psiquiátrico, num geral; mas também sabia que poucos casos apresentavam crises como as minhas, mesmo que eu tivesse mais dificuldade de explodir que a maioria dos portadores do transtorno. Também sabia que eu era muito "compreensivo" em comparação aos outros pacientes com aquele diagnóstico. Apesar disso, enquanto os outros precisariam apenas de visitas frequentes ao psicólogo e um bom semancol, eu já tivera uma época em vida em que não saía de casa sem um vidro de calmantes no bolso.

Era complicado, mesmo que não do ponto de vista médico. Eu sabia, mas aquilo me assombrava desde sempre, e eu não conseguia evitar em ver aquilo como um vilão; um vilão dentro de mim mesmo, o mal que vinha de mim e fazia mal a tudo. Eu estava muito mais preocupado do que gostaria de admitir.

Jae hyung me manteve ocupado por mais uma hora e um pouco mais, antes que me liberasse para voltar para casa, "ou ir atrás de SeokJin", disse, brincalhão. Depois de meu breve descontrole, eu me sentara naquele sofá-cama que tinha no canto do consultório, e explicara para o psicólogo como se iniciaram novamente os descontroles. Não me preocupei muito porque minha mãe devia ter explicado ao menos um pouco da história, mas claro que não pude deixar SeokJin de fora – ele havia sido basicamente a gota D'água de tudo aquilo. Eu tentava ser o mais direto possível, e não parecer meio idiota ao falar mais detalhadamente de Seok, mas era quase impossível; e as piadinhas de Jae hyung também não ajudavam muito.

Profissionais não deviam ser neutros e bons ouvintes? É nisso que dá fazer amizade com o próprio médico.

Por fim, Jae hyung rabiscou apressadamente uma receita com aqueles garranchos que eles chamam de letra e me entregou.

- Uma dose desse por dia, e duas desse aqui por semana. – Apontou para as figuras disformes que provavelmente seriam nomes de remédios. – São fracos, só pra garantir. Venha na quinta de novo para conversarmos, ok? Aproveite seu tempo, jovem apaixonado.

Disse isso ao tocar meu ombro em despedida, mas falhou em permanecer sério, curvando-se para rir com dificuldade em controlar-se, como se "Kim NamJoon"e "apaixonado" não fizessem muito sentido na mesma frase, ou, se sim, esse sentido fosse muito cômico.

De certa forma, era. Eu não gostava de pensar naquilo, na realidade. Me deixava meio incomodado.

Saí do consultório, sentindo o vento fresco anunciando que provavelmente choveria de novo de noite. Olhei para o céu, onde as nuvens se aglomeravam, como tias gordas na fila do supermercado. A rua tinha pouco movimento, e aquele ar pré-chuva deixava tudo meio cinzento e quase mórbido. Olhei para a receita em minha mão, e então para o latão de lixo ali perto na calçada. Alternei o olhar entre os dois outra vez, parando no papel e encarando-o demoradamente.

Elevei o olhar para a rua outra vez, num suspiro.

- Não vou precisar disso. – Falei, mas coloquei o papel no bolso, e segui meu caminho até a estação.

- Oi. – Recebi, junto de um sorriso, de SeokJin quando abri os olhos. Mal notara o cochilo que tirei no trem. Encarei Seok, meio aturdido, e sentindo o corpo pesar, como se protestasse por mias tempo de descanso; eu sequer sabia por que estava cansado.

Depois de sair do bairro de HyukJae, eu pegara o trem que levaria até minha casa, já que não sabia se Jin já terminara ou não, ou o endereço de onde ele estava, e meu celular ficara sem bateria mais cedo.

Jin soltou um riso curto ao me ver encarando-o, meio perdido. O trem começou a se mover para sair da estação da qual ele subira; MinCheon.

Olhei para ele. Meu sono se recolhera, mas o cansaço ainda estava ali. Jin sorria; aparentemente pelo menos um de nós se divertira naquela tarde.

- Como foi? – Perguntei. Jin se sentou ao meu lado, com as mãos sobre os joelhos. O sol estava baixo no céu; provavelmente quando chegássemos em casa, ele já esatira quase sumido no horizonte. – ChanYeol implicou com você?

- A princípio sim. No começo ele só falou comigo pra perguntar por que eu estava com um idiota como você. – Soltou uma risadinha, e eu revirei os olhos. – Eu disse que você não era tão ruim assim.

- "Tão ruim assim"? Nossa, obrigado. – Jin riu.

- Não faz drama. – Ele sorriu de novo. Podia ser culpa de meu desânimo crescente com aquele outro assunto, mas eu me sentia meio culpado por não conseguir estar sorrindo tão sinceramente quanto podia por vê-lo alegre daquele jeito. Era como se ele tivesse tirado um peso enorme dos ombros, o que me fez imaginar que tudo passara bem no novo emprego.

- E aí? Deu tudo certo? – Perguntei, ainda meio abatido; pelo cansaço iminente ou pelo estresse, não sei ao certo. Talvez ambos estivessem ligados.

Jin acenou com a cabeça, com um sorrisinho tatuado nos lábios cheios. Ele desviou o olhar de mim, remexendo em sua bolsa até encontrar o que buscava; retirou dali uma sacola de papel pequena, como aquelas de padaria. Franzi o cenho quando me estendeu o pacote, e o peguei, pegando uma das unidades em seu interior.

Olhei para a tortinha em minhas mãos por um momento, tentando lembrar de onde aquilo me era familiar. Por fim, arregalei os olhos, lembrando.

- Você passou na JaeHwa ajumma sozinho? Não é justo. – Reclamei, porém, soltando um sorriso sincero.

- Na última vez você fez isso, também. – Jin deu de ombros. – E eu não "passei" na JaeHwa ajumma: eu fiquei as últimas duas horas com ela.

Olhei para ele, sinceramente surpreso.

- Tá de zoa! – Jin apenas riu, acenando com a cabeça, como que pra confirmar que o que dizia era verdade. – Você vai tarablhar pra ela? Você é um maldito sortudo, SeokJin!

- Sou? – Jin perguntou, divertido. Confirmei, e agora eu sorria sinceramente. Estendi a tortinha de morango que tinha em mãos para perto de seu rosto, e ele abriu a boca, me deixando alimentá-lo. – Tem de chocolate também. Ela mandou pra você.

Dei-lhe o outro pedaço de sua tortinha morida na boca, lambendo a ponta dos dedos e buscando na sacola pelas que não estavam recheadas pela fruta carmesim.

Comi a minha com prazer, e Jin riu baixinho.

Assim que saltamos do trem, eu terminava de comer minha última torta, e Jin estremeceu ao meu lado pelo ar frio do lado de fora da estação.

O ar parecia estar indeciso: estava abafado, como o ar de verão, mas era cortado e movimentado por brisas gélidas e brutais. Se pudéssemos ver a cor do ar, ele estaria uma bagunça de cores quentes e frias, todas contribuindo para que, no fim, a sensação do frio invernal fosse tão desagradável quanto indesejada.

Deuses, ainda era início de outono!

Seguimos o caminho para minha casa de forma automática, conversando e não pensando muito para onde íamos; já era algo cotidiano, mesmo para ele. Jin pescou a última das tortinhas de morango da sacola, mordendo-a enquanto me encarava num momento de silêncio de nosso diálogo. Olhei para si, como se perguntasse "o que foi?". Ele mordeu a tortinha, ainda me encarando.

Por fim, disse:

- Você acha que consegue passar na prova da Federal? – Franzi o cenho, por um momento não entendendo do que ele falava. Jin mordeu outro pedaço da tortinha enquanto caminhávamos, e eu passei a língua sobre os dentes, considerando minha resposta.

- Talvez.

- Mesmo?

- Mesmo. Mas eu não sei se quero fazer isso.

- Pra algum lugar você vai ter que ir, NamJoon. – Jin engoliu o último pedaço de sua torta, passando os dedos uns sobre os outros para livrar-se das migalhas que ali ficaram.

- Você vai tentar medicina? – O garoto acenou-me com a cabeça de forma positiva. – Por que você quer ou porque você tem que?

Ele me encarou.

- Porque eu vou. – Não foi grosseiro, mas eu resolvi não encher sua paciência com aquilo.

- Mas na Federal?

- É a melhor. – Ele deu de ombros. – E é gratuita.

- E é difícil. – Falei, vendo-o me armar uma careta. – Não tem vontade de sair de Seul? – Fui encarado outra vez. Ele parecia nunca ter se perguntado aquilo.

- ... Eu tenho que ficar aqui. – Disse, por fim.

Suspirei, concordando com a cabeça para indicar-lhe que não ia insistir.

- Busan é legal. – Falei, porém. Jin sorriu de leve.

- Deve ser.

- Eu fui só uma vez. Mas acho que gostaria de passar um tempo morando lá. – Jin acenou com a cabeça. – Tem uma federal lá, também.

O garoto me observou, e então deu de ombros.

- Tem como colocar três opções de faculdade. – Contou. – Isso se você der conta de fazer de três a seis provas, claro.

Ele tirou um pedaço de papel de seu bolso antes que eu pudesse lhe responder. Desdobrou-o e me mostrou. De fato, havia três espaços para "instituição". Na primeira ele escrevera a lápis, com caligrafia rápida, o nome da Universidade Federal da capital.

Observei aquilo por um segundo, e busquei em meu bolso o meu formulário, que estava mais limpo que a lista de vezes em que Deadpool foi heterossexual. Encontrei o papel, e o puxei de meu bolso; inafortunadamente, porém, naquele mesmo bolso estava guardado outro papel, e este eu não podia deixar que Jin visse.

Exclamei sem som quando o papel dobrado caiu de meu bolso, empurrado para cima quando puxei o outro. Me virei imediatamente, para pegá-lo, vendo-o descer pelo ar, em direção ao chão.

Jin foi mais rápido que eu; se abaixou e pegou o papel fino drobrado. Xinguei mentalmente, sem ter tempo para pensar muito antes que ele se erguesse, olhando o papel que tinha em mãos.

- O que é isso? – Perguntou, abrindo-o e franzindo o cenho. Peguei de sua mão antes que ele conseguisse ler algo, mas o estrago já estava feito: não era preciso decifrar a letra de HyukJae para deduzir que aquilo era uma receita médica. Jin me olhou, com a expressão entre o confuso e o questionador. Eu podia ver sua cabeça ligando aquilo à tudo o que provavelmente já povoava sua cabeça quanto ao meu comportamento estranho naqueles últimos dias.

- Nada importante. – Falei, guardando de novo no bolso o papel leve. Estendi o formulário da escola para si, mudando de assunto: – Olha, está em branco.

Jin olhou para o papel que lhe mostrava, e então para mim. Seus olhos refletiam o dilema interno que lhe afrontava: deixar ou não que aquele pequeno episódio passasse em branco. Seu olhar pesava sobre mim como se eu carregasse o peso daquelas mentiras nos ombros.

Eu estava tentando evitar que ele se preocupasse, mas sentia como se a cada vez que lhe escondia algo, mais um tijolo era colocado no muro que eu mesmo estava construindo entre nós dois. Por um segundo de pânico ao notar isso, senti vontade de só abraçá-lo com força e contar tudo, pedir desculpas por não confiá-lo àquilo, e me perder nas boas sensações que estar em seu carinho me trazia.

- Você tem que decidir logo. O prazo é essa semana, porque os vestibulares começam mês que vem, e temos que nos organizar.

Dito isso, ele voltou a caminhar, seguindo em frente sem ver se eu o acompanhava. Observei-o se afastar por um momento, não conseguindo ignorar a decepção que vira em seus olhos antes que ele os desviasse. Estremeci, e, guardando o papel no bolso, voltei a caminhar, seguindo seu caminho.

Ele não falou mais comigo após isso, e eu apenas o segui em silêncio, com a cabeça a mil. Quando chegamos em casa e pelo resto da noite, a situação não melhorou muito. Jin não estava me ignorando; na verdade ele me tratava naturalmente. A única coisa que se notaria distinta em seu tratamento era que ele já não mantinha muito contato visual ao falar comigo, e minha própria culpa pesava tanto que eu não consegui simplesmente acompanhá-lo em fingir que estava tudo bem.

Depois do jantar, eu subira para o quarto mais cedo, enquanto Jin se manteve ajudando minha mãe na cozinha. Eu estava ajudando também, mas depois de quebrar um prato enquanto o enxugava, fui expulso do cômodo, não vendo alternativa a não ser sair dali.

Estava sentado na janela. Meus olhos estavam fechados quanto os fones de ouvido abafavam todo o som de fora enquanto tocava a melodia de "Dust the wind" em minha audição. Apesar disso, eu quase pude sentir quando a porta foi aberta de forma silenciosa e Jin adentrou o quarto.

Olhei para ele, que andou até minha cama em silêncio, remexendo em sua bolsa em busca de algo. O quarto apenas tinha a luz lá de fora como iluminação; era algo de costume meu, e Jin nunca parecia se importar com o quarto num geral estar às escuras.

Ele pegou o telefone da bolsa, olhou-o por um momento e logo o largou na cama, ao lado da bolsa. Andou até meu guarda-roupa e pegou dali algumas peças, indo em direção ao banheiro em seguida.

Mesmo quando a porta se fechou num clique baixo, eu segui olhando para lá, como se ainda o observasse enquanto ele retirava suas roupas e entrava no banho. Meu cenho pareceu pesar sobre meus olhos, aflito. Meu peito pesou, por um momento me impedindo de engolir.

Ele não olhara para mim nem uma vez. Eu o encarara descaradamente, mas Jin claramente não me cederia tão facilmente. Eu sabia que ele estava chateado, mas preferia que só me xingasse ou algo assim, ao invés de ficar agindo como se a vida estivesse andando em sua normalidade e ele nada devesse como satisfação por seu comportamento.

E de fato não devia. A culpa era minha, todinha, eu sabia. Apesar disso, frustração era uma das maiores infelicidades que eu poderia suportar, e era assim que eu começava a me sentir: frustrado.

Eu não saberia dizer quantas músicas, ou quais, se passaram antes que aquela porta que eu encarava incansavelmente se abriu. Meu olhar há tempos já não olhava de fato para o pedaço de madeira, e estava perdido como meus pensamentos, todos vagando por aquele quarto, alguns até mesmo foragidos para fora da janela. Pisquei uma, duas, três vezes para forçar-me a voltar à Terra e olhar para o garoto que parara ali, na porta, e me encarava.

Devolvi-lhe o olhar, e não sabia se o meu passava mais desorientação ou mais aflição, mas o dele estava firme. Sua pergunta silenciosa era plena e calma, como um lago; profunda, mas escura e quieta, serena.

Jin se manteve ali por alguns segundos, e então cortou o contato de novo, secando os cabelos enquanto caminhava para a cama outra vez.

Eu me mantive na janela observando-o até que ele se arrumasse para dormir, e segui ali até depois que sua respiração se estabilizasse e o quarto ficasse ainda mais silencioso. Ele emitira um "boa noite" antes, ao qual eu respondi em voz tão baixa que mal  a reconheci.

Meus olhos pareciam vidrados. Eu mal notava meu corpo dolorido pela posição em que ficara por tanto tempo. Olhei para o corpo de Jin ressonando em minha cama, e pisquei uma vez, pausando a música em meus auriculares.

O mundo se calou, e eu desci da janela, andando até o garoto adormecido. Observei-o em silêncio, pensando em milhares de coisas ao mesmo tempo. Aa que relampejava em frente aos meus olhos, porém, era simples: eu sentia-o se distanciando, mesmo que um pouquinho. Senti-me estremecer internamente com a ideia de que essa distância só aumentaria se as coisas seguissem o rumo que estavam tomando.

Aquilo seguiu acontecendo por mais quatro dias. No dia seguinte Jin fora para casa depois da escola e do trabalho, e eu não lhe insisti muito quando ele disse que tinha que ficar com sua mãe. No outro, nos vimos na escola e pouco nos falamos, mesmo que ele ainda sentasse ao meu lado, e de vez em quando retribuísse ao meu olhar quando eu o encarava sem intenção. Nesses momentos, seu olhar parecia gritar por mim, e ao mesmo tempo, possuía uma frieza mostrando que não se moveria se eu não me movesse.

E eu não me movi. Já era sexta-feira, quando algo naquela odiosa rotina de ser ignorado por opção se modificou.

Era sexta, assim que era o último dia de entrega do formulário sobre nosso "futuro". Eu era um dos poucos na sala que não entregara aquela porcaria, então tinha que ir após a aula para a sala da diretoria e deixá-lo lá.

Falara pouco com Jin aquele dia. Na realidade, falara pouco com qualquer um. Os garotos certamente haviam percebido a diferença de tratamento, mas provavelmente apenas concluíram que ele estava tentando entrar num ritmo melhor de estudos, visto que faltava pouco para o período de provas da escola e os exames de entrada das universidades.

De fato, Jin estava estudando. Muito mais do que estudara naqueles quase dois meses em que se envolveu conosco, com certeza. Sua concentração era uma boa desculpa para seus silêncios, mas mesmo assim, era óbvio que tinha algo errado.

Tae viera para mim no dia anterior, e tentara descobrir o que se passava, mas eu não perdi muito tempo com ele. Aquele problema mais vinha da falta do diálogo, que não ocorreu no momento em que devia, e sua delonga em acontecer criou uma espécie de capricho, onde nenhum dos dois dava o primeiro passo para fazer daquela complicação algo fácil de se resolver.

De qualquer forma, as aulas da sexta-feira já se tinham encerrado, e eu estava na porta da diretoria, com o formulário de papel apoiado na parede e uma caneta na mão. Rabisquei no espaço para meu nome e no primeiro para escolha de universidade, e adentrei na sala, guardando a caneta no bolso.

A senhora Choi estava na sala, e me recebeu com gentileza apesar do cansaço por ser fim do expediente de trabalho.

Ela me ofereceu assento, e sendo negada, pegou o papel que deixei sobre sua mesa e o analisou. Assim que abriu a boca para falar, bateram à porta, e ela me pediu que abrisse.

O fiz, e quase pulei para trás ao encontrar SeokJin ali, mais próximo do que jamais estivera nos último dias. Ele também me encarava com certa surpresa, mas decerto não tinha a cara de idiota que eu provavelmente portava naquele momento. Fiquei encarando-o em silêncio, e então ele soltou um risinho divertido e silencioso, falando:

- Pode me deixar entrar? – Entreabri minha boca numa exclamação muda, e abri passagem para que ele fizesse o que pedira. Jin adentrou a sala, e eu andei atrás de si, parando um pouco mais atrás de si quando ele parou-se em frente à mesa da diretora, como eu fizera antes.

- SeokJin! Estava achando que você não vinha mais. – A mulher falou. – Mas se até o senhor ali apareceu, qualquer um se salva, não é mesmo? – Ela riu após a brincadeira comigo, e Jin abriu um sorriso de canto. – Tudo bem, pode ir.

Jin acenou com a cabeça, se virando após dar-lhe seu formulário. Fiquei surpreso. Tinha certeza de que ele já o havia entregado; ele não parecia muito em dúvida, por que demoraria até o prazo para entregar?

Olhei para o papel que portava seu nome e sua caligrafia corrida. A primeira escolha de instituição era a que ele me mostrara. A segunda, diferentemente da minha, estava ocupada também. Federal de Busan.

Virei o rosto, ele estava com a porta aberta. Eu tinha alguns segundos.

- Jin. – Chamei, alto o suficiente para que ele me olhasse assustado, e a diretora também, mesmo que eu não tivesse gritado. Juntei seu olhar ao meu. Naquela fração de segundo, ele estava indefeso, e eu vi a confusão desesperada que seus orbes mostravam. Solitários, como os meus. Solitário, como eu. – Pode me esperar?

Mantive-me o olhando. Alguns segundos se passaram, e ele apenas acenou com a cabeça.

Sorri de canto, e me virei para a mesa da senhora Choi de novo. Tirei a caneta de meu bolso de novo, e em meu documento, abaixo da Universidade Federal da capital, escrevi rapidamente na segunda lacuna para preenchimento. Agora a única diferença entre meu formulário e o de Jin, eram nossos nomes e nossas caligrafias. A dele era impaciente e corrida, como se uma brisa leve empurrasse sua mão e inclinasse as letras; enquanto a minha era arredondada e pequena, bonita demais para alguém que pouco ligava para o que estava fazendo.

Cumprimentei a diretora com uma curvatura de cabeça, e segui para a saída da sala, ao lado de Jin. O garoto cumprimentou também a mulher, e ela sorriu divertida aos dois, com os olhos brilhantes, antes que saíssemos dali de uma vez por todas.

Andamos, lado a lado e em silêncio, enquanto saíamos do prédio. Jin brincava com um fiapo solto na alça de sua bolsa, e nossos passos eram baixos mesmo no eco do corredor.

- Jin.

- NamJoon. – Nos encaramos no mesmo momento. Faláramos ao mesmo tempo. Jin segurou o riso, e eu também o fiz, e então o soltamos juntamente de novo.

Seguimos andando, deixando de nos olhar enquanto ainda ríamos baixinho. Jin respirou fundo, e eu o encarei; ele também o fazia. Jin sorriu de leve. Eu estava sério.

Desviamos os olhares de novo, e seguimos em silêncio rumo ao pátio. Assim que pisamos fora da escola, como num estalo, eu me virei para ele de novo. Movi a boca sem fazer som algumas vezes, perdendo a paciência comigo mesmo por ser tão patético.

Jin dera dois passos depois que parei, e então parou também, me encarando, quase em expectativa.

Olhei para ele, e me mantive assim. Eu já pensara em zilhões de coisas para dizer-lhe, mas ali, eu hesitei. Jin me contribuiu o olhar por longos instantes, e então sua expressão amansou. Eu conhecia aquele olhar.

Eu não cedera, então ele estava fazendo isso. Baixei o olhar, cerrando os dentes. Senti vontade de socar minha própria cara.

- Está tomando seus remédios? – Perguntou, e eu ergui os olhos, mirando-o. Sua expressão era uma mistura: ele parecia preocupado, e apreensivo, e tranquilizador, e carinhoso, e temeroso; tudo ao mesmo tempo.

Abri a boca para falar, mas desisti, negando de leve com a cabeça. Jin me observou.

- Por quê?

- Porque eu não tive tempo pra comprar. – Jin ergueu a sobrancelha, em descrença irônica, como uma mãe quando suspeita de que seu filho mente. Armei a postura, indignado por estar sendo desacreditado. – É verdade.

A sobrancelha seguiu erguida, e eu estalei a língua, desviando o olhar. Claro que eu tivera tempo, em teoria; mas sinceramente? Esqueçera que tinha que comprar aquelas merdas.

Jin foi quem cortou o silêncio que se mantivera por um momento entre os dois:

- Eu estou indo pra loja. Quer ir comigo? – Olhei-o, meio surpreso com o convite. Jin se mantivera distante intencionalmente até aquele momento. Aceitei o convite com consecutivos acenos de cabeça, meio afobado, como se temesse que ele mudasse de ideia. Jin riu. 

Andamos em direção à estação. Seguia Jin com cautela, temendo levar uma bronca. Eu parecia como um cão de guarda desobediente após ter pisado na bola, e tinha plena noção de que estava à sua mercê se ele decidisse me colocar contra a parede e me fazer falar naquele momento.

Apesar disso, Jin estava sereno. Já não aparentava estar tenso ou irritado, como parecera naqueles longos dias que se passaram. Apesar disso, sua calma me deixava ainda mais ansioso. Não achava que ele simplesmente iria ignorar tudo aquilo e voltar ao normal; não faria sentido.

No trajeto do trem, eu não falei, e ele tampouco. Seu olhar estava perdido de forma calma na janela, e o meu igualmente, estava em si. Jin sabia que eu o encarava, é claro que sabia; e o fato de não ter-me correspondido o olhar, provou que aquilo não havia acabado. Eu ainda tinha uma bronca pra levar.

E a levaria, contendo ao máximo qualquer impulso orgulhoso que talvez me fizesse tentar discutir e tirar sua razão – inquestionável – na questão.

Qquando saltamos do trem e seguimos pelo bairro movimentado, eu sinceramente estava como um espírito vagante; apenas seguindo o corpo familiar que se movia comigo com a força bondosa que de si emanava. Não notei de fato as ruas e pessoas que passavam, só segui acompanhando-o, com a consciência nas nuvens.

E então Jin parou, tocou meu braço, e todo o meu ser foi puxado em velocidade inacreditável, cada célula de meu corpo concentrado em si, em onde me tocara e em sua boca movendo-se enquanto seus olhos me miravam.

- ... NamJoon, está me ouvindo? – Os movimentos de sua boca soaram retardadamente em minha mente. Ele provavelmente concluiu que eu não ouvira sem que fosse preciso respondê-lo, e repetiu o que dissera antes: – Tem uma farmácia ali. Está com a receita aí?

Olhei para onde ele indicara, e então para si. Jin me mirava relaxadamente, mas havia intensidade em seu olhar. Eu sabia que ele queria fazer um monte de perguntas, provavelmente me dar um tapa, mas no momento, estava sendo apenas quem era: alguém que considerava o bem estar muito antes de focar-se em situações menores. Naquele instante, ele apenas queria que eu resolvesse aquilo, ele sabendo ou não do que se tratava. Senti um aperto.

Apalpei os bolsos do uniforme, e então remexi na mochila, achando no bolso da frente, o papel dobrado.

Jin me acompanhou em silêncio pelas pessoas, andando até o outro lado da rua e subindo os pequenos degraus para adentrar na farmácia. Aquela loja não combinava com o resto do bairro, mas suponho que fosse útil. Não era nada pequena, tampouco.

Jin me seguiu, olhando distraidamente para as estantes, e eu fui até o balcão, falando com o atendente e entregando-lhe a receita. Ele pediu que esperássemos e sumiu nos fundos, se metendo pelas estantes com a receita amassada em mãos. Eu não olhei para Jin enquanto esperava, e ele apenas se manteve ao meu lado, avoado.

Ambos erguemos as cabeças quando o rapaz retornou, trazendo duas caixas em mãos. Um dos medicamentos me era familiar, já o usara antes; o outro, eu não lembrava de já ter visto, apesar de não ter certeza, dentre tantas drogas que já tomara.

Ele me entregou-os numa sacola, e eu paguei-lhe o custo consideravelmente alto. Jin me observava em silêncio, e quando saímos à rua novamente, eu o olhei, recebendo um sorriso fraco.

O movimento nas ruas era grande, e a tendência era a aumentar. Um bairro cheio de atrações noturnas – adultas e familiares – como aquele não devia ter movimento fraco numa sexta-feira à noite.

Quando nos aproximamos da construção que abrigava a loja em que Jin agora trabalhava, eu não pude evitar em sentir algo bom; quase uma nostalgia. Olhei para Jin, que subira os degraus da entrada enquanto eu permaneci na rua. Ele puxou a franja para trás num ato impensando antes de buscar a chave em sua bola e destrancar a loja. Não imaginei por que a loja estaria fechada àquele horário, mas nada perguntei. Apenas observei-o agir, tão distraído em seu contorno e sua expressão casual que se me visse naquele momento, provavelmente acharia cômico – ou assustador.

Jin abriu a porta, e adentrou-a, deixando-a aberta para que eu o seguisse. Assim o fiz, e mais uma vez me perdi na quantidade enorme de coisas que ali havia.

Fiquei para trás do garoto, olhando em todas as direções distraidamente. Ouvi ao longe quando Jin foi para trá sdo balcão, colocou a bolsa e o blazer ali e finalmente me mirou. Ele soltou uma risadinha, e eu imediatamente tive minha atenção outra vez puxada para si.

Seok nada falou, mas passou por mim até a porta outra vez, virando a plaquinha que indicava que a loja estava aberta, e acendeu as luzes da fachada.

Passou por mim outra vez, e eu senti com pesar seu corpo passar tão próximo. Se a situação fosse outra, eu juro que o teria agarrado ali mesmo, no meio da loja colorida, e o feito perder o fôlego.

Observei-o se afastar de mim em silêncio.

Jin voltou aos poucos para a frente da loja, em meio aos milhares de objetos, acendendo os abajures sobre as mesas e estantes.

Sem pedido ou permissão, eu me pus a fazer o mesmo, acendendo as luzes como uma onda luminosa que corria em direção à outra, que ele trazia consigo. A loja mergulhada em escuridão foi ganhando vida, com nossos exércitos cintilantes acompanhando-nos. As luzes dos abajures num geral criavam milhares de sombras, e pareciam flores em chamas em meio ao espaço escuro.

Acendi abajures de tamanhos, cores e formatos distintos, quase divertindo-me com aquela variedade. Ao lado de muitos, nas mesinhas, estavam estatuetas, caixas e todos os tipos de bugigangas que se pudesse imaginar. Tive meu ritmo interrompido ao deparar-me com um abajur pequeno, com base de madeira e aba de pano verde bordado em dourado. As figuras no tecido eram bonitas, mas não foram o motivo de meu atraso; eu não estava encontrando o interruptor para acendê-lo, por isso parara.

Eu já tirara o pequeno objeto da mesa para buscar o botão ou o que fosse, quando senti a presença ao meu lado. Quase dei um pulo ao ver Jin tão perto, logo do outro lado da mesinha baixa, me observando em silêncio. Olhei-o, e ele pareceu divertir-se com minha expressão, pegando o pequeno abajur de minha mão e girando a base de madeira com leveza, fazendo com que uma luz amarelada se acendesse contra o tecido esverdeado.

O abajur foi colocado de volta onde estava antes, e eu olhei para Jin assim que ele o soltou. O garoto não pôde evitar aquele olhar, pois me mirara por puro costume, sem intenção.

E foi um ultimato: não éramos as melhores pessoas em desviar olhares uma vez que os havíamos juntado.

Os orbes de Jin refletiam as cores da lâmpadas que nos doreavam e dançavam sombras pelas paredes e teto. Junto disso, rodavam ali apreensão e ansiedade, além de uma vontade que eu sabia ser um impulso difícil de se conter; eu mesmo estava tentando-o conter naquele momento.

Eu não sabia dizer o quanto minhas íris escuras lhe contavam, mas sabia que eu provavelmente parecia igualmente ansioso, e igualmente angustiado – também igualmente devia parecer gritar silenciosamente por si. Esperava de verdade que meu pedido de desculpas também lhe fosse claro às sombras e luzes desnorteantes e quietas que nos envolviam.

Abri a boca para falar-lhe, e isso pareceu despertar Jin. Ele piscou os olhos curiosos, e eu colei os lábios novamente. O garoto desviou o olhar, com um sorriso decepcionado, mas compreensivo, e não mais me mirou quando voltou até o fundo do estabelecimento.

As luzes do resto da loja começaram a acender-se, e eu observei a infinidade de lustres ganhar vida sobre minha cabeça, tilintando e brilhando em diversas intensidades e tons.

Olhei, ainda no mesmo lugar, para o garoto que se movia em meio aos objetos que me dificultava a vista.

Estalei a língua, resistindo em rosnar de frustração, e andei com lentidão para perto da mesinha próxima do balcão onde outras vezes me sentei e saboreei as delícias de JaeHwa ajumma.

Jin sumira na porta atrás do balcão, e eu coloquei a mochila sobre uma poltrona antes de erguer o olhar a tempo de vê-lo aparecer outra vez naquele cômodo.

Sem nada dizer, ele colocou sobre a mesa uma caneca de café quente, e voltou para atrás do balcão. Olhei para o objeto fumegante, e então para si. Ele deu de ombros de forma gentil, e eu peguei a caneca, bebericando o líquido quente.

Aquela loja era mais movimentada do que eu imaginaria. Pessoas de várias idades fizeram o sino da porta soar nas duas horas que se passaram. Muitas – as mais novas – estavam ali, ou por ChanYeol, ou por BaekHyun, mas muitas também foram comprar. Jin parecia conhecer alguns deles, o que me fez imaginar que grande parte dos clientes daquele lugar deviam ser colecionadores ou coisas semelhantes.

Jin era gentil, mas suficientemente impessoal para que nada o incomodasse e nenhuma linha fosse ultrapassada; estava acostumado a lidar com pessoas, afinal – ao menos profissionalmente. Eu o observei com interesse distraído durante todo o período de tempo em que permaneci ali. Jin vez ou outra me mirava, mas aquilo não durava, e eu sentia meu desânimo aumentar a cada vez em que ele desviava seus olhos para longe do abraço dos meus.

Se havia algo que antes me incomodaria, mas no momento era quase ignorado, isso era minha fixação incansável em sua figura. Eu perdi a conta de quantas vezes passei meus olhos cuidadosamente por todos os contornos de seu rosto e corpo, observei seus lábios movendo-se quando ele falava com clientes, seus olhos piscando ocasionalmente, e suas mãos se movendo distraídas.

Notei após um tempo, pegando-me desprevenido, que não vira um sequer sorriso seu desde aquele último que dirigira à mim depois de acender os abajures. Aquilo pesou em minha consciência mais do que eu gostaria de admitir. Sabia que o clima estava estranho, mas vê-lo sério e quase frio daquele jeito me fazia lembrar do SeokJin que eu conhecera, naquela ocasião que parecia estar mais longe que minha infância, e isso de forma alguma isso me agradava.

Quando ajumma chegou, já eram quase nove da noite.

Ela anunciou sua entrada na porta, cumprimentando Jin dali mesmo, animada. Assim que cruzou o oceano de objetos que era sua loja, ela não conteve uma exclamação surpresa – porém animada – ao me ver sentado à mesa. Me cumprimentou com gentileza energética, e virou-se para Jin, perguntando se tudo correra bem. Após sua curta fiscalização, ela se sentou, satisfeita, na poltrona à minha frente.

- Mas que maravilha, não? Que o ajudante que consegui fosse SeokJin. É uma surpresa maravilhosa. – Comentou, sempre com sua voz macia. – E que vocês dois já conhecessem meu ChanYeol e o adorável Baek. É realmente muita coincidência.

Concordei com a cabeça, sorrindo à senhora que me falava. De fato, eu podia ver sua semelhança estética com o Park – o mesmo sorriso e mesmo rosto comprido –, e até mesmo algo em seu modo de agir lembrava a BaekHyun, mesmo que eles fossem tão distintos. Lembrei que uma vez ela mencionara que eu provavelmente me daria bem com ChanYeol se o conhecesse. Eu não duvidava, se não fosse a implicância de seu neto e nossa consequente rivalidade por culpa das battles.

Ela tirou da sacola que trouxera junto com a bolsa, um envase que eu sabia provavelmente conter algumas de suas guloseimas caseiras. Jin desencostou-se do balcão.

- Quer que eu faça chá, ajumma? – Perguntou.

- Ah, sim. Por favor, querido. – Dito isso, Jin sumiu outra vez atrás da porta, e eu me mantive encarando a mesma até que notasse estar sendo observado.

O sorriso de ajumma era brincalhão e gentil, como normalmente eram seus sorrisos. Olhei para ela, esperando que falasse.

- SeokJin tem estado meio tristinho nos últimos dias. – Contou. Sua expressão não era séria, mas seu sorriso se perdera em meio aos seus lábios finos. Ela não precisou falar mais. Era óbvio o que ela queria dizer-me: eu notara? Eu sabia o motivo? Eu era responsável por aquilo?

Apesar disso, não lhe respondi a nenhuma dessas perguntas. Tinha certeza de que ela sabia a resposta para todas.

Me restringi em acenar com a cabeça, mostrando que sabia do que ela falava.

- Ele é uma pessoa frágil, mesmo que se esforçe pra ser forte. Você sabe disso, não sabe? – Frágil? Eu não achava que era bem isso. Alguém frágil não aguentaria o que ele aguentava; não teria resistido até ali. Como se lesse meus pensamentos, ela sorriu. – Não importa o quão resistente sejamos para o resto do mundo, sempre tem alguém que nos fragiliza com falicidade impressionante. Tenho certeza de que sabe do que estou falando.

Seus olhos pequenos me encararam, como se me forçassem a captar cada palavra que ela dizia e fazer-me entender. Ela não me deixaria fugir.

Acenei com a cabeça, hesitante, apesar de ter certeza de saber do que ela falava. Tinha certeza também de que ela sabia quem era aquela pessoa, para mim. Nunca tinha parado pra pensar que eu também a era para SeokJin. Aquilo me fez estremecer, e eu não sabia se era uma sensação boa ou não – provavelmente era ambos, e nenhum dos dois.

- Ficamos perdidos com facilidade quando nos afastamos dessa pessoa, e mais ainda quando ela segue ao nosso lado, mas parece distante. Você é um garoto esperto. Sabe bem do que estou falando, e por quê estou fazendo isso.

Eu sabia. Sabia bem o que ela queria que eu levasse daquela conversa. Logo no momento em que ia responder-lhe, porém, Jin apareceu pela porta outra vez, e a expressão de ajumma pareceu nunca ter saído do sorriso relaxado que ela novamente portava no rosto.

Jin colocou o bule na mesa, me encarando de relance e logo desviando o olhar. Eu me mantive observando-o. As palavras de ajumma ressoavam em minha cabeça. Ele estava mal – ou no mínimo, fora do normal – e eu podia resolver aquilo com a facilidade com que chutaria uma pedra na rua. Havia a questão de que a situação poderia piorar depois que eu lhe contasse tudo, mas... Ele merecia saber, não?

- ... NamJoon... NamJoon! – Pisquei, sobressaltando, e ajumma riu. Ela me estendia o prato com cokies de chocolate. – Quer um, querido? Provar um dos seus amores não vai te privar do outro.

Jin tentou manter a expressão neutra, e eu também, mas admito que fiquei desconcertado. Aquela velhinha me assustava às vezes; parecia ver atravéz de mim. Seok baixara o rosto, e eu não consegui ver sua expressão, mas nada fiz para lograr tal feito.

Comi os biscoitos com a cabeça longe, sentindo apenas superficialmente o chocolate derretendo em meu paladar. Jin e ajumma conversavam, mas eu não me julgava capaz de concentrar-me ali no momento. Meu coração batia, impaciente e ansioso, e eu não sabia o que fazer a seguir.

Já eram dez e meia da noite quando ajumma disse que deveríamos ir para casa. A loja fechava às onze, mas apesar dos protestos de Jin, ela insistiu que poderia cuidar daquilo sozinha – o fizera milhares de vezes antes. Estávamos a poucos metros da porta, e ajumma nos acompanhava para despedir-se na frente da loja. O celular de Jin tocou, e ele pegou-o na bolsa após se atrapalhar um pouco.

- Alô? Sim. Tudo bem. Ah... – Ele olhou para mim, incerto, e então voltou a prestar atenção em sua chamada. – Sim, ele está comigo. Wu's? Está aberto ainda? Tae, eu não sei... Ok, já estamos indo.

Com um suspiro, ele finalizou a ligação. Olhei para si, mesmo que já imaginasse o que se passava.

Seus olhos não me miraram quando ele falou:

- Tae e os outros estão no Wu's. Disseram para irmos lá agora. Ah, e pra você carregar a bateria desse telefone com mais frequência. – Foi quando me olhou, erguendo uma sobrancelha em censura. Encolhi os ombros; eu não usava muito o celular, a não ser para música, então era comum que ele passasse grande parte do dia descarregado.

Andamos até a porta após isso, com ajumma observando-nos, avaliativa. Quando pisamos fora da loja, ela falou:

- Bom, aproveitem o resto da noite. Muita coisa pode acontecer nesse tempo. – Pode ter sido impressão, mas seu olhar pareceu pesar mais sobre mim quando falou isso. –  Vocês são jovens; se irritam e se magoam com facilidade, mas não deixem isso bagunçar tudo. Boa noite, queridos.

Assim que ela sumiu dentro da loja, Jin me olhou, como se perguntasse o que diabos fora aquilo. Era óbvio que ele sabia que eu sabia por que ela dissera aquilo.

Na normalidade, eu teria respondido àquele olhar ou com descaso divertido ou com desleixo. Agora, porém, eu só conseguia olhar para ele. Suas desviadas de olhar tinham de fato me incomodado, e eu parecia um sedento no deserto, cujo oásis eram aqueles orbes prestando anteção nos meus.

Droga NamJoon, isso é patético.

Mas Jin não desviara o olhar. Sua expressão interrogativa sumira, e agora uma mais familiar ocupava sua feição: perdido, confuso e leve, como normalmente parecia ao me olhar.

E então aquele momento também se rompeu, e ele, balançando a cabeça discretamente como que para se fixar, iniciou o caminho até a estação, chamando-me de forma breve.

No trem, eu me mantive em silêncio. Estava sem falar há tanto tempo que sentia como se nunca mais fosse fazê-lo. Uma estação antes da nossa, no entanto, eu consegui alterar um pouco o rumo da corrente:

- Por que colocou Busan nas suas escolhas de universidade? – De fato, minha voz estava uma merda. Falhou antes de soar, e parecia mais rouca que o normal. Jin me olhou, quase como se não soubesse como reagir; não à minha pergunta, mas a eu ter sido o que iniciou o diálogo, de forma que eu seria o responsável se este tomasse um rumo mais sufocante para mim.

- ... Porque um idiota uma vez me ensinou que não precisamos ter tudo planejado e nos resntringir a só uma escolha. – Ele falou com o olhar na janela do outro lado do trem, mas eu não evitei abrir um pequeno sorriso inesperado. – E você? Por que colocou Busan só no último segudo? Foi você que sugeriu ir pra lá.

Ele olhou para mim, e eu não desviei o olhar.

- Foi tudo no último segundo. Tudo na minha vida é no último segundo. Mas quanto ao motivo... Eu não queria ficar sozinho. – Falei. Eu não queria ficar longe. Eu só te queria perto. Jin pareceu ficar sem fala por um momento. Arriscaria dizer que não por não esperar aquele motivo, mas provavelmente por não esperar que eu o admitisse. Respirei fundo internamente. Eu começara, e avançaria o máximo que conseguise. – Eu ando me sentindo meio sozinho, ultimamente. Isso não faz sentido, mas me fez pensar que eu provavelmente não aguentaria ficar tão longe por muito tempo.

O garoto me ergueu seu olhar, e este gritava, transparecendo um início de desespero; ele me deixou ver sua solidão, e eu soube que aquilo fazia sentido. De um jeito torto e estranho, claro que fazia sentido: eu não queria aquela distância, e ele tampouco. E não estávamos falando dos quilômetros de estrada que separavam Seul de Busan.

O trem parou, soando ao mesmo tempo em que a voz gravada anunciava que chegáramos à estação de meu bairro.

Nos olhamos mais uma vez. Com um suspiro, Jin se levantou, e eu o segui para fora da máquina.

Passamos pela borboleta de saída da estação, ouvindo os sons da cidade murmurando na noite. Ambos olhamos para o mundo à nossa frente, em silêncio.

Começamos a andar, ainda sem nada dizer. Aqueles silêncios estavam me incomodando; não eram algo confortável ou bonito de se aproveitar. Eram reprimidos e desanimados. Meu lado impulsivo estava quase explodindo pra pararmos com aquela lenga-lenga e resolver aquilo de uma vez.

Jin suspirou. Eu sabia o que aquilo significava: tínhamos que continuar a conversa.

- Eu achei que estava acostumado a me sentir sozinho. – Ele começou. Um sorriso sem graça se abriu em seus lábios. – Mas os últimos dias foram bem chatos.

Olhei para ele, dividido entre me sentir culpado e compadecido. Não podia ignorar também a leve centelha aconchegante que se acendeu em meu peito quando ele admitiu estar se sentindo sozinho também.

Seguimos andando. A escola se erguia na escuridão mal iluminada à nossa direita. Em pouco tempo, estaríamos no café.

Jin respirou fundo, e eu imediatamente o olhei, sendo correspondido. Seu olhar possuía um alarme, mas era algo controlado, como se ele estivesse medindo palavras há tempos.

- NamJoon... – Falou. Eu parei de caminhar, e ele fez o mesmo. A frente iluminada do Wu's estava pouco à nossa frente. O café não deveria estar aberto a essa hora, mas imaginei que meus amigos não ligavam muito para isso. – Eu não vou te forçar a nada, ok? Eu te esperei outras vezes, e posso esperar desta também. Achei que conseguiria alguma coisa se resistisse um pouco, mas eu não quero você se sentindo mal consigo mesmo por algo assim. Sei que está difícil, e mesmo que não saiba direito o que está acontecendo, acho que tudo o que você não precisa é eu me afastando, mais um problema pra lidar.

"Então eu vou ser paciente, tá? Eu só quero te ver bem, e quero ficar bem também. E não sei bem como fazer isso me distanciando de você. Eu acho bem desconfortável falar dessas coisas, e sei que pra você é pior ainda, então estou me esforçando. Eu confio em você, mas confiança é algo que não se força em ninguém. E mesmo que seja difícil, eu quero virar alguém em quem você confia mais que em si mesmo.

"Eu estou aqui, e a única coisa que peço é que tente ser mais honesto e menos cabeça dura. Não só comigo, mas com tudo na sua vida."

Observei-o. Por algum motivo, seu rosto sombreado parecia claro como diamante aos meus olhos incrédulos. Até que ponto aquele garoto conseguia ser daquela forma? Eu agradecia por sua atitude; ele deixara tudo mais fácil, ao menos por hora. Mas ao mesmo tempo, me amaldiçoava por, outra vez, ter sido ele a tomar a iniciativa e resolvido as coisas daquele jeito – se é que aquilo pudesse ser considerado uma solução. Quer dizer: ele esperava, ele cedia, ele pedia desculpas, ele se esforçava, ele confiava. Por um momento de desgosto comigo mesmo, me perguntei o que eu estava fazendo para que aquilo tudo desse certo.

Quando fomos interrompidos, eu soltei um palavrão. Estava acostumado, claro que estava; o universo parecia rir da nossa cara em colocar gente pra se meter no meio dos nossos momentos sozinhos. Não me preocupei muito por meu pavio curto, no entanto: Jin também resmungou e olhou feio para o telefone quando viu em sua tela brilhar uma chamada de TaeHyung.

Atendeu.

- Oi Tae. Sim, já estamos aqui na frente. – Não mais que dois segundos depois disso, a porta do café se abriu, e um Tae com o telefone colado na orelha colocou a cabeça para fora, abrindo um sorriso.

- O que vocês estão fazendo aí fora? Tem um monte de bolo aqui! – E, sem o menor pesar ou preocupação, nos esperou ir até ele. Nos entreolhamos, suspirando baixinho, e fomos até o garoto.

Dentro da loja o clima estava mais ameno que lá fora, cujo ar pesado, mesmo não sendo congelante, era gélido.

E eu estava certo: o café não estava aberto à freguesia. Numa mesa grande ao fundo, HoSeok, YoonGi, Kris hyung e Lay hyung estavam, com comidas do café em abundância à sua frente.

Tae saltitou até lá, se sentando ao lado de HoSeok. Eu e Jin nos acomodamos também, acenando aos sorrisos que nos receberam.

- Credo, vocês parecem cansados. – Hope comentou. – Sabem alguma coisa do JiMinnie e do Jeon? Eles não atendem o telefone.

- Cara, eles devem estar transando. Deixa eles. – YoonGi falou. O Min nos olhou. – Mas vocês dois estão horríveis mesmo. O que foi? Dormiram na sarjeta?

Olhei para mim, e para Jin. Não estavam falando de nossas roupas ou algo assim; provavelmente se referiam às nossas expressões. Eu não lembrava da última vez que me olhara num espelho, mas a situação devia estar meio feia, para YoonGi ter que comentar. Observei a Jin. Ele me parecia lindo, como sempre, mas vi os traços de fadiga em sua expressão. Claras olheiras começavam a se formar embaixo dos olhos.

- Deixa eles, Suga. – Hope interrompeu. – E não tem como eles estarem transando desde a saída da escola. JiMin não aguenta tanto.

- Eles podem estar revezando. – Kris hyung comentou. Suga soltou uma risadinha.

- Como você sabe que o JiMin não aguenta? – A lenha-pra-colocar-nas-tretas-ambulante-Suga perguntou, tomando seu café.

- Uma suposição. – Hope deu de ombros, sem se deixar afetar pela insinuação de Suga. Depois de mim, ele ainda era ali o que mais sabia lidar com YoonGi, afinal.

- Tem certeza? Aquela bunda parece resistente. – YoonGi tentou de novo.

- Vocês podem parar de falar de sexo enquanto eu como, por favor? – Lay hyung interferiu. – Na realidade, vocês poderiam mudar um pouco de tópico, sempre só falam disso.

Olhei para Lay hyung com ar quase divertido, assim como os outros. Ele comia tranquilamente, casual.

- Nós somos adolescentes, hyung. – YoonGi retrucou. – Pensamos em sexo o tempo todo; é natural que só falemos disso também.

- Eu não falo só disso. – Tae contestou.

- Não. Fala de personagens 2D também. – A resposta de YoonGi foi desarmadora, como costumavam ser suas respostas. – Até esse punheteiro que paga de filósofo aqui. – Indicou-me. – Pensa em sexo o tempo todo.

Olhei feio para meu amigo. Não estava afim de entrar em discussão alguma agora  – na realidade, minha cabeça ainda estava vagando em minha conversa com Jin – então não lhe respondi. Não valia a pena, de qualque forma. Ele tinha razão: realmente só falavamos de sexo, se as coisas estivessem em seu curso natural. Era algo da idade, e eu não via problema.

E Lay hyung pareceu não ver por que discutir, também.

- Não se deixem enganar. – Kris hyung comentou. – Ele reclama, mas não é nenhum leigo.

Enquanto o chinês mais baixo censurava o namorado retardado, que ria enquanto pedia desculpas, eu olhei para Jin. Ele pegara um doce qualquer na mesa, e o comia lentamente, pensativo. De alguma forma, eu sabia que ele só estava tentando se distrair, e não ficar impaciente. Eu entendia o sentimento.

- ... Fala sério. Vocês se reconciliaram semana passada. Não briguem agora, por favor. Não tô com paciência. – A voz de Suga soou. Olhei para ele, e então para o casal que havia se "reconciliado na semana passada". Tae e Hope. O mais novo tinha uma careta, e HoSeok estava sério. Claramente YoonGi os fizera interromper algum início de discussão. Pedi paciência ao NamJoon interior que queria mandar eles pararem de palhaçada e irem dormir.

Hope, porém, me surpreendeu:

- Nosso prolema era a ausência de brigas, não a frequência delas.

- Qualquer intriga, sempre deixávamos a conversa pra depois e resolvíamos com beijo. No fim não resolvíamos porra nenhuma. Beijo sem diálogo não faz relação nenhuma durar. – Tae acrescentou, concordando com o namorado.

HoSeok acenou com a cabeça. Eles estavam sérios, mas pareciam um time; um apoiando o outro, e qualquer um esqueceria que eles estavam prestes a explodir uma discussão há alguns segundos.

- Estamos resolvendo os problemas sem medo de falar... – Ele olhou para Tae, e então coçou a nuca. – Mesmo que isso acabe tomando um caminho meio violento.

Tae sorriu pequeno, e eu os observei. Talvez fosse por eles estarem agindo mais maturamente, mas eu me senti bastante estúpido. Eu sabia de tudo aquilo o que eles haviam dito; se bobear, tinha falado algo assim aos dois mais de uma vez na vida. Mas como estava eu? Sendo um maldito hipócrita e desviando de todos os diálogos que pudesse evitar. Francamente, Eu, o que estamos fazendo?

Olhei para Jin, que observava os dois com o olhar fixo como quando temos nossa concentração em outra coisa quebrada, e olhamos para nossa distração com quase susto. Ele olhou para mim, e eu não desviei. Seus olhos estudaram os meus, e ele no mesmo momento se levantou, com calma, e andou até a saída do café.

Todos o observamos em silêncio, e então eu também me ergui, seguindo-o.

Ao abrir a porta de madeira e vidro, fui recebido novamente pelo ar frio e abafado da noite, e pelos sons da cidade que vivia como um grande organismo artificial sob nossos pés e sobre nossas cabeças.

Jin estava à minha esquerda, parado do lado de fora da loja. Me mantive fixo no lugar por um instante, observando-o. Não podia ver muito de seu rosto, por ele estar de costas para mim. Seus braços estavam cruzados, e sua postura, apesar de tentar se manter neutra, demonstrava tensão. O que eu estava fazendo aquele garoto passar?

Balancei a cabeça, me obrigando a resolver aquilo o mais rápido possível.

Parei ao seu lado, olhando para o mesmo ponto do outro lado da rua que ele olhava. Me mantive em silêncio, imaginando se ele iria querer falar algo. Quase imediatamente notei o quanto aquilo era covardia de minha parte; eu não tinha que esperar que ele cuidasse de tudo outra vez. Ele já falara, agora a iniciativa tinha que ser minha.

Suspirei na noite que pesava sobre nossas peles com sua temperatura sufocante. Jin refletiu meu ato, mais baixo e discreto.

- Eu já confio mais em você que em mim mesmo. – Falei, soando na noite. Jin me olhou, mas eu não retribuí. Não ia me distrair lendo suas reações agora. Tinha que falar, franca e diretamente; tinha que ser o NamJoon que conseguia manter-se firme, e não conseguiria fazer isso olhando para a minha desestabilização emocional ambulante e bonita que eu arranjara. – Mas isso não ajuda muito, nesse caso.

"É meio vergonhoso, mas na situação atual, eu meio que quase preciso de você pra confiar, porque eu não confio em mim. Olha... Desculpa, tá? Eu não quero te envolver mais que o necessário nisso. É algo que eu simplesmente tenho que resolver sozinho. É algo meu demais pra você conseguir alcançar e ajudar, entende? Mesmo que te ter perto vá ajudar muito. Vai ser fator determinante, com certeza.

"Esses últimos dias... Eles me deixaram meio assustado, mesmo que eu provavelmente já sabia que isso aconteceria se nos distanciássemos. Eu nunca lidei com algo assim antes, Jin. Entender o que sinto por você é mais complicado que tudo o que já fiz a vida. 

"Entenda: eu não sou um cara sentimental. Ou ao menos, sempre achei que não. Não tenho mais tanta certeza." Franzi o cenho, e ele deu uma risadinha quase imperceptível. "Lidar com isso é cansativo e revoltante pra mim, mas nem se compara à quantidade absurda de vezes em que eu sorri sem motivo. Eu realmente acho que fiz uma merda colossal em ter sido tão desleixado e deixado as coisas chegarem a esse ponto: sinto informar que agora tem um idiota que quase precisa de você pra sobreviver."

Nesse momento, eu o olhei. Jin parecia entre o surpreso – que não era surpresa de fato; ele sempre fazia essa cara quando eu era franco daquele jeito – e o "não-consegue-conter-um-sorriso". Eu, no entanto, ainda me sentia aflito.

- Eu não sei o que fiz pra merecer sua paciência, ou sua compreensão. Eu merecia um soco, não um sorriso, Jin. Não sei o que fiz pra merecer essa paciência, mas eu vou abusar dela em alguns momentos, você sabe disso. – Falei, e Jin concordou. Sua expressão ainda estava leve. Seus braços seguiam cruzados, mas era mais como se ele tivesse esquecido de descruzá-los que como se estivesse se esforçando para mantê-los assim. – Eu... Eu vou me esforçar, e ser menos egoísta. Eu te considero pra caralho. Considero mais do que compreendo, na verdade. Tudo o que eu menos quero agora, é ficar mal com você.

"Desculpa".

Jin me olhou, me analisando. Conhecendo-o, eu sabia que conseguira fazer um remendo muito forte naquele buraco que abríramos em meio a nós dois. Mas isso não me deixava de forma alguma orgulhoso de mim mesmo. Era um remendo, uma ponte, não um chão. O buraco existia, e estava sujeito a ser aberto outras vezes ao menor deslize. Aquilo ainda não tinha acabado.

- Realmente, você merece um soco. – Jin falou. – Mas eu não estou com vontade de fazer isso. Sabe de que estou com vontade agora?

Ergui o olhar. Jin tinha a cabeça meio tombada, amigavelmente me mirando.

Seus braços se descruzaram, mas não tiveram tempo de cair dos lados de seu tronco; ele os ergueu e me puxou, me abraçando ao mesmo tempo em que me beijava. Minha surpresa durou pouco, e eu fechei os olhos, retribuindo ao beijo e ao abraço.

Nossas bocas se moveram juntas brevemente, e soltamos os lábios um do outro num ofego na noite barulhenta. Olhei para si. Seus braços estavam em meus ombros, e minhas mãos, na ligeira curvatura de sua cintura.

Olhei para ele. Nossos corpos e rostos estavam muito próximos. Passei a língua sobre meus lábios. Sentia-o tremer de leve, e sabia que seu coração batia como um louco, como o meu, como eu.

- Nem tudo se resolve com beijos, sabe?

- Não, mas o diálogo já foi. – Ele respondeu, relaxado. – E eu estava com saudades.

- Quem diria, SeokJin. – Levei um tapa na nuca, e ri fraquinho. – Também estava.

Ele sorriu, e sem precisarmos mais, nos beijamos outra vez. Não era algo apressado ou desesperado; não íamos passar muito daquele beijo simples na atual situação, de qualquer forma. Estávamos apenas aproveitando um ao outro, a sensaçào de nossos corpos juntos, ignorando tudo ao redor por apenas um instante só nosso.

Senti seus lábios macios com um suspiro. Minhas mãos de leve em seu corpo, as suas pesando em meus ombros, o ar frio nos envolvendo de forma que notássemos o quanto tínhamos aconchego ali, um no outro; tudo aquilo parecia contribuir para que a preocupação que me acompanhava em meus dias e todo o resto sumisse, me deixando na nuvens.

Ouvi de leve a porta ao nosso lado se abrir, e um ofego. Ignorei, e Jin também. Ele apertou mais o abraço, e tombamos as cabeças ligeiramente para lados opostos. Aquela boca não era algo real, não era possível.

Meu coração batia forte, e mesmo que minha atenção estivesse metade nas nuvens e metade em Jin, eu consegui ouvir o "vem, Tae" sem jeito soar na voz que depois identifiquei como sendo de HoSeok. Sorri em meio ao beijo, e Jin também. Selamos os lábios, soltando-os lentamente, e então repetimos isso. Ri soprado por saber que nossos amigos ainda estavam nos servindo de plateia, e Seok novamente refletiu meu ato.

Jin beijou-me brevemente, e então mordeu de leve meu lábio inferior, soltando-o ainda risonhoenquanto afastávamos os rostos. Abri os olhos, virando o rosto para mirar os garotos sem desfazer-me do abraço em que estava.

Meu sorriso era quase debochado, mas discreto. Olhei, irônico, para os dois que ali estavam. Hope desviou o olhar, mas logo suspirou, encolhendo os ombros como se dissesse "mal aí". Tae, por sua vez, estava petrificado. Sua boca parecia travada em meio a um berro mudo que ele emitia incansavelmente. Seus olhos estavam arregalados e a mão apertava com força o pulso de Hope.

Jin riu fraquinho, meio envergonhado. Eu também estava meio sem jeito, mas nada mais que isso; TaeHyung podia dar seus surtos fanboy o quanto quisesse, eu estava com um bom humor muito grande para me incomodar com ele nos tratando como seus personagens 2D.

- Ai meu cu. – Ele finalmente falou, parecendo ainda meio em choque. – Vocês podem fazer de novo? Eu não tive nervos pra tirar foto. Por favor.

Fez biquinho na última frase. Ri soprado, e Jin olhou para Tae com carinho, mas quase com dó, como se pedisse "desculpa, mas não". Tae gemeu dolorosamente para mostrar sua tristeza com nossa negação, mas só recebeu mais risos fracos. Hope balançou a cabeça negativamente, e livrou sua mão do aperto que provavelmente doía das garras de TaeHyung.

- Galera, algum de vocês viu meu celular? – A porta se abriu nesse momento, exibindo Suga, que falava com sua voz de morto de sempre. Todos o encaramos, em silêncio, e ele ergueu a cabeça com o cenho franzido, estranhando. – O que foi?

Dei de ombros com um sorriso obrigatório sobrevoando meus lábios. Tae soltou uma risadinha animada, e Hope encarou o Min com olhar divertido.

Olhei para Jin e peguei sua mão, andando em seguida, nos afastando dali. Tae e Hope nos seguiram, e um YoonGi perturbado por saber estar de fora de algo, também:

- Ei! Que porras aconteceu? Seus cínicos filhos da puta, vão me ignorar mesmo? – Todos demos risadas, mas ninguém respondeu a YoonGi, que bufou, revoltado. 

- Monster, se vocês forem embora sem se despedir, Kris hyung vai arrancar seu couro. Cê tá ligado, né? – Hope comentou comigo, e eu imediatamente, sem nada dizer, dei meia volta para retornar ao café. Jin riu com gosto, me acompanhando.

Depois de dar boa noite e agradecer aos dois chineses, saíamos à rua de novo. Aa temperatura parecia magicamente ter caído nesses pouco minutos, e Jin estremeceu.

Fomos até os garotos, que estavam parados onde os deixáramos, nos esperando.

- Vocês dois estão sorrindo muito. – YoonGi observou. – Tem alguma coisa a ver com o comportamento das mocinhas risonhas aqui? – Apontou Tae e Hope, que deram risadas outra vez.

- Relaxa, Gi. – HoSeok falou. – Toma, aqui está seu celular.

- Filho da puta, eu achei que tinha perdido. Cê quer que eu fique sem cu?

- Não sei o que seu celular tem a ver com seu cu, mas eu peguei porque você ia esquecer. Me agradeça.

- Nem morto. Filho da puta.

- Tem alguém muito estressado aqui. – Tae comentou, risonho ao lado de HoSeok. Seu ciúme daqueles dois provavelmente ainda existia em algum lugar naquela cabecinha complicada, mas ficava feliz em vê-lo bem assim. Conversas sinceras realmente eram mágicas. – O que foi, hyung? Está na seca?

- Claro que não. – YoonGi fingiu-se escandalizado. – Eu lá tenho cara de quem perde tempo ficando na seca?

- Por que o mau humor, então? – Hope insistiu.

- Porque as mocinhas aqui estão claramente zoando com a minha cara. – Ri para mim mesmo ao ouvir sua reclamação. Eu e Jin caminhávamos um pouco à frente do trio, assim que não podíamos ver suas expressões; a conversa era engraçada de se ouvir, de qualquer forma.

- E as milhares de vezes em que você zoa com a gente sem parar? – Hope questionou.

- Vocês são pessoas fáceis de zoar. – YoonGi dispensou o argumento do Jung com descaso.

- "Faça o que eu digo, não faça o que eu faço". – Tae comentou. – Você deveria tatuar isso em algum lugar bem visível na sua pele, Suga hyung.

- Pra quê? Ele tem isso em vermelho berrante na testa. – Os dois riram, e YoonGi seguiu reclamando.

Olhei para o céu sem estrelas, e suspirei, fechando os olhos. Jin apertou minha mão, e eu sorri. Tinha que aproveitar aqueles momentos bons; tinha um mau pressentimento quanto à frequência deles no futuro próximo.

 

- Ai que coisa mais linda. Você não tem ideia da falta que você faz nessa casa, Jinnie! O Joon fica todo frio e chato e não brinca comigo! Por favor, não vai embora nunca da nossa vida! – Minha no-momento-muito-dramática-mãe falava sem parar enquanto abraçava SeokJin com força na sala. 

Chegáramos há pouco em casa; Tae e HoSeok foram com YoonGi para o Lux – mesmo que estivesse meio tarde, isso não importava naquele lugar – mas eu e Jin preferíramos ficar por ali.

Revirei os olhos enquanto minha mãe seguiu falando. Jin sequer tinha como retribuir ao abraço, pois a mulher prendera os seus quando o envolveu, mas tentava acalmá-la, meio sem jeito.

Ele olhou para mim, meio que pedindo ajuda, mas eu só lhe sorri, dando de ombros. Ele sorriu também, e voltou a prestar atenção em minha mãe.

Naquela noite, eu dormi com Jin em meus braços, com uma sensação meio irracional de que passara anos sem fazer aquilo. Tê-lo me olhando diretamente, sorrindo e falando comigo, isso não tinha preço.

Demorei em adormecer, e acariciava distraidamente seus cabelos enquanto olhava fixamente para o teto. Apesar de tudo, Jin ainda estaria esperando uma explicação, e eu não ficaria em paz antes de entregá-las à ele. Ainda achava melhor resolver aquilo antes de ter que contá-lo. Mirando a estrutura branca acima de mim, resolvi comigo mesmo que falaria com HyukJae no dia seguinte mesmo. O prolema estava em minha cabeça, certo? Então era eu o que devia resolver; não tinha que ser tão difícil. A complicação só existe quando acreditamos nela.

Ouvi uma batida fraca na porta, e, mesmo que eu não tivesse dito nada, ela se abriu um pouco, revelando minha mãe.

- Joonie? Estão acordados? – Ela piscou os olhos para se acostumar à escuridão no quarto, e sorriu ao ver Jin adormecido em meus braços. Olhei para ela, esperando que continuasse. – Não marquem nada amanhã, ok? Seu irmão nos chamou pra sair. Yuri vai também, provavelmente.

- Sair? – Perguntei, em tom baixo. Meu cenho estava franzido.

- É. Os garotos também vão, provavelmente. – Ela afirmou com a cabeça. – Lembra aquele parque aquático que o Tae queria ir? JongIn conseguiu ingressos para todos, nào sei bem por qual motivo, mas é um ótimo jeito de se despedir do verão.

Eu quase comentei que já não era verão nem a pau, apesar de que ainda devia ser. Além do mais, JongIn hyung provavelmente fizera aquilo para provocar KyungSoo, mas eu não diria isso. Minha mãe parecia muito animada, e Yu iria também. 

Olhei para o garoto de olhos fechados, dormindo profundamente, e então mirei minha progenitora, e acenei positivamente com a cabeça. Ela abriu um sorriso enorme e se despediu, fechando a porta e deixando o quarto outra vez às ocuras ao abafar a luz do corredor.

Suspirei. Hyuk hyung provavelmente não trabalharia num sabádo, de qualquer forma. Na segunda feira eu resolvia aquela merda.


Notas Finais


Galera linda, só quero lembrar que eu sou quem faz essa fic existir e continuar, então agressões contra a minha pessoa são prejudiciais à vocês u.u
Mesmo que eu ache que ficou levinha a treta, eu conheço muitos de vocês, e sei que muitos vão me ameaçar, entào estou me garantindo: não passem das ameaças.
Eu comentei lá em cima que gosto quando vocês vêm conversar comigo. Só acrescentando aqui: mds que galerinha envergonhada vocês são, meu santo pai Ares. Cês são muito uke, mano. Eu não mordo (só se você pedir), e não tenho o menor problema em respoder vocês, seja aqui, ou no Twitter, ou no que seja. Se você me pedir, eu dou até, sla, instagram (mesmo que eu não saiba pra que vocês iam quererm meu instagram. Foi um exemplo).
Falando em responder: foi-se o tempo em que eu tinha tempo e paciência e internet pra responder a todos os comentários. Mas eu leio tooooodos, sempre, ok? E pareço uma menininha de doze anos conversando com o crush, quando leio, só pra completar.
Como sempre, eu não lembro bulhufas do que ia falar. Tenho que começar a anotar.
Ah, uma coisa: Meus parabés pra quem conseguiu comprar ingresso. Não, eu não estou nesse grupo. Sou do grupo que tá choramingando em casa.
Mas ó: meu aniversário é 7/6 dias depois dos shows. Ninguém quer me dar um ingresso de presente? Eu pago, se você quiser.
Tinha mais alguma coisa? Ah, foda-se.
Só pra fechar: FOI CIENTIFICAMENTE COMPROVADO QUE LER E NÃO COMENTAR FAZ MAL À SAÚDE.
E: meu Twitter, se quiserem: @kaisooisreal_Lu
XOXO amores míos


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