História Depois de Ti - II Temporada - Prólogo

Lety

               Atrasada. Atrasada. Atrasada. Eram as únicas palavras que passavam em minha cabeça. Maldita hora que disse à Fernando que ele não precisava me buscar! Maldita mania que tenho de não conseguir dizer não à minha mãe, e ter tido a burrice de aceitar comprar algumas coisas para ela no mercado antes de ir trabalhar. Resultado? Estou completamente atrasada. “Tem certeza, Lety, que não quer que eu a busque? Precisamos mesmo ir à essa reunião na hora marcada, e você não é a melhor pessoa do mundo para dirigir em uma velocidade alta. É claro que o fato de namorar o próprio chefe à um ano e meio aliviava um pouco a tensão, a não ser que seu nome seja Letícia Padilha e que você tenha repetido várias e várias vezes para quem quisesse ouvir que isso não iria interferir em nada, e que continuaria trabalhando como assistente como costumava trabalhar.

               Cheguei à casa de Fernando praticamente ultrapassando o portão, quase estacionando o meu carro sobre os jardins. Desci do carro me desculpando com Celso depois de quase tê-lo matado do coração, e corri em direção à entrada da casa. Quando subi as escadas o mais rápido que pude e cheguei à porta, fui recebida com uma bela e receptiva lambida de Spike, depois que dele pular em mim, quase me jogando no chão.

- Spike! – Exclamei me equilibrando. – Acho que você se esquece que já está quase do meu tamanho.

               Sem se importar, ele continuava com seu cumprimento diário. Sem conseguir fingir estar brava, o acariciei sorrindo, como sempre fazia.

- Spike!

               Ouvi a voz grave de Fernando ao fundo da casa, e logo Spike correu, desaparecendo. Senti o meu coração disparar quando o vi se aproximar da porta, com uma feição séria e os braços cruzados.

- Está...

- Atrasada, eu sei. – Suspirei com a respiração ofegante depois de ter corrido por três quarteirões.

- Fizemos um trato, Lety.

- Eu sei. Eu sei, me desculpe.

- Você disse que eu não precisava buscá-la e que chegaria na hora. Tive que remarcar a reunião.

- Eu realmente sinto muito. – O olhei arrependida. – Eu não esperava que fosse demorar tanto no mercado.

- Você precisa parar de fazer compras para sua mãe antes do trabalho. Sabe que sempre se atrasa.

- Eu sei. – Abaixei a cabeça. – Desculpe.

               Esperei que ele chamasse ainda mais a minha atenção. Há muito tempo ele não fazia isso, mas as poucas vezes que acontecia, no fim eu sempre conseguia deixá-lo mais calmo. Mas, nesse dia, para minha surpresa, ele não continuou os seus puxões de orelha. Senti suas mãos tocarem em minha cintura e ele me puxou para mais perto. Ergui a cabeça para olhá-lo, e ele estava com um sorriso torto no rosto.

- Você me deixa louco, sabia?

- Eu sinto muito. – Sorri divertida. – Já deveria estar acostumado.

- É esse o problema. Eu já estou.

               Imediatamente ele aproximou seus lábios dos meus, me dando um beijo apaixonado. Costumávamos nos cumprimentar com beijos, abraços, mas não daquele jeito.

- Uau... O que foi isso? – Perguntei quando nos separamos.

- Não posso cumprimentar minha namorada com um beijo?

- É claro que pode. Aliás, se quiser me cumprimentar assim mais vezes ao dia eu não irei reclamar.

               Ele riu.

- Vou para o escritório. Ao menos colocar os orçamentos em ordem antes da reunião.

- Ah, por falar nisso... Você não precisa ir.

- Como assim? – O olhei.

- Não tem necessidade.

- Mas eu sempre vou às reuniões.   

- Hoje não precisa.

               Sem esperar uma resposta, ele beijou minha testa e virou-se, indo em direção ao escritório. Continuei parada sem entender, mas achei melhor não perguntar. Fernando parecia estar de bom humor naquele dia, e eu não queria estragar isso.

                                                                          •••

               Olhei para Fernando enquanto ele trabalhava em sua mesa. Ele costumava estar de bom humor todos os dias, embora algumas vezes se irritasse com algo relacionado ao trabalho. Mas, naquele dia, estava estranhamente feliz. Estava, inclusive, assobiando enquanto trabalhava, o que era totalmente estranho. Em um certo momento ele se levantou, ajeitando o seu terno e sua gravata. Olhei estranhamente para ele, esperando que me dissesse aonde iria. Mas, pelo visto, eu não precisava saber sem perguntar.

- Aonde vai? – Perguntei.

- À reunião. Já está na hora.

- Ah... Tem certeza que não quer que eu vá.

- Não precisa. – Ele sorriu, debruçando-se sobre minha mesa, beijando meu rosto. – Eu não demoro.

- Tudo bem.

               Enquanto ele seguia para a porta, eu o olhei. Estava mesmo estranhamente animado. O que isso poderia significar? Não havíamos combinado nenhum jantar ou algo parecido. Ele costumava ficar assim quando tínhamos algum compromisso com nossos amigos. Mas, Eduardo e Laura mal saíam de casa depois do nascimento de Beatriz, e até onde eu sabia, Márcia e Carolina não haviam combinado nada naquela semana. Talvez Omar o tivesse chamado para o futebol, já que haviam viciado em ir aos jogos. Mas, não tinha nenhum jogo marcado para aquela semana.

               Me levantei e fui até a porta, ouvindo Fernando conversar com Irminha. Coloquei a cabeça para fora do escritório e tentei prestar atenção na conversa. Mas consegui apenas ouvir Fernando dizer “Não demoro” e “Cuide da Lety”. Eram as duas coisas que ele costumava dizer quando ia às reuniões da Construtora sem mim.

- Espera...

               Só então caí na real que naquela semana, Fernando havia saído para três reuniões sem mim. Não costumávamos ter tantas reuniões assim em uma semana, e principalmente, Fernando não tinha o costume de me deixar de fora das reuniões. Com a cabeça a mil e sem pensar direito, peguei minha bolsa e as chaves do carro em cima da mesa, e saí apressada.

- Lety! Aonde vai? – Irminha perguntou ao me ver passar como um furacão pela porta.

- Eu não demoro! – Foi a única coisa que consegui dizer. O portão da entrada havia acabado de ser fechado, o que significava que já estava seguro sair atrás de Fernando.

               Entrei em meu carro e passei pelo portão o mais rápido possível. Mas, ao sair na rua, percebi que o havia perdido de vista.

- Droga! Por que tem que correr tanto? – Bati ao volante.

               Mas, obviamente se ele estivesse indo à uma reunião, ele teria ido para a Construtora. Virei à rua e segui a caminho de lá, esperando e implorando que ele estivesse realmente lá. Fernando sempre reclamava da minha velocidade quando eu estava dirigindo, e dizia sempre que eu seria multada, não por excesso de velocidade, e sim por falta de velocidade. Mas, eu me sentia mais segura dirigindo devagar, e não me importava com as buzinas e xingamentos das pessoas que estavam atrás de mim.

               Fernando se orgulharia de mim naquele dia, já que eu estava andando acima da velocidade que costumava andar, tudo isso por que eu estava paranóica pensando se ele realmente estava indo às reuniões sem mim. Era um certo exagero ter tantas reuniões em uma semana e uma coincidência grande que ele dissesse que eu não precisava acompanhá-lo em nenhuma dessas. Quando finalmente cheguei à Construtora, minha paranóia aumentou ainda mais quando não encontrei seu carro no estacionamento. Havia definitivamente algo errado.

- Bom dia, Lety! – Paula Maria sorriu.

- Bom dia. – Respondi sem lhe dar muita atenção.

               Apertei o botão do elevador diversas vezes, até Paula Maria se debruçar sobre o balcão, me olhando curiosa.

- Se você gritar ele chega mais rápido.

- Estou com pressa. – Sorri sem jeito.

- Entendo. – Ela riu.

               Enfim o elevador chegou, e eu entrei nele com a mesma pressa que saí do carro e entrei na Construtora.

- Ah, Lety... Quando você ver o Seu Fernando, diga que chegaram algumas encomendas aqui hoje.

               As portas do elevador se fecharam.