História Desconexo - Um velho sonho

Como o planejado, pegamos o avião das sete, preparados para passar algumas semanas no exterior na expectativa de fazer os negócios voltarem para os eixos. Eu tinha expectativas bem mais altas para essa viagem, onde eu reavaliaria minhas escolhas, ponderaria acerca de velhos sonhos estocados em gavetas. Foram quatro horas de viagem em que dormi, acordei, li, dormi, acordei... até chegar na minha tão admirada Londres. 

Quando saímos do portão de desembarque o motorista já nos esperava. Um homem sério e de expressões serenas, tentou nos cumprimentar em nossa língua, o que achei bastante elegante e gentil da parte dele. Um "sejam bem vindos" com um sotaque britânico incrível. O Sr. Hans, meu chefe, foi o primeiro a entrar, depois o Sr. Mylles e por fim, eu, o estagiário competente de muita sorte. Estávamos indo para o Lansbury Heritage Hotel, teríamos que esperar mais uma hora para então de fato podermos descansar da viagem. Assim que chegamos cada um foi para o seu quarto, e eu só conseguia pensar no quão caro aqueles quartos deveriam ser. 

Entrei nas minhas acomodações, abri as janelas, uma vista incrível de um centro urbano movimentado. A mobília também era incrível, me sentia em um dia de príncipe, com direito a travesseiros de pena de ganso e banheira com espuma. Resolvi aproveitar aquele banheiro gigante, aqueles vários sais de banho que eu não sabia direito como usar, mas usei. Tomei um banho relaxante, parei de pensar tanto nos dilemas que me esperavam em casa, mergulhei e senti meu corpo todo agradecer aquele descanso físico e de alma. Depois de algum tempo, saí da banheira, me enrolei numa toalha e fui em direção ao quarto, onde uma camareira se surpreendeu quando me viu e saiu rapidamente, deixando o que acredito ser o chá da tarde. Vou admitir, meu estômago agradeceu dando um ronco alto e claro. 

Depois de me vestir e comer, fui até o bar do hotel onde meus superiores marcaram para nos encontrarmos. Desci as escadas exageradamente grandiosas, estava me sentindo um pouco deslocado e até com vergonha das roupas que eu trajava. Logo encontrei as duas pessoas que estava procurando, nosso chefe parecia bem relaxado sustentando um copo com wysk e gelo, enquanto o secretário  tomava alguma outra bebida chique que provavelmente eu não saberia pronunciar ou decorar o nome. Ambos trajados nos seus ternos italianos de cores semelhantes, divergindo apenas no tom de azul. Eu gostaria de voltar para o meu quarto e tirar aquelas calças jeans e o suéter sem graça antes que me vissem mas já era tarde demais. O secretário acenou pedindo para que eu me juntasse a eles. 

-Escolha uma bebida, meu rapaz. Não é todo dia que podemos visitar Londres. -Ele disse animado. 

-Ah, não... eu estou bem, obrigado. -Disse tentando parecer educado. 

-Amanhã às sete sairemos daqui direto para a empresa, quero começar a revisar as planilhas, a situação das ações e conhecer o pessoal designado para o financeiro. -Disse o Sr. Hans visivelmente preocupado. 

-Sim senhor. -Respondemos juntos. 

-Vou me retirar agora, aproveitem a estadia mas não durmam muito tarde. Lembrem-se que o dia será longo amanhã.- O mais velho disse se retirando. 

-Sr. Mylles, eu poderia explorar um pouco os arredores? - Perguntei sem me importar de demonstrar minha empolgação. 

-Me chame de Roberto, filho! E sim, pode ir mas tome cuidado para não se perder. -Ele disse despreocupado apreciando sua bebida. 

-Sim senhor. -Me levantei em um salto. 

-Ah, rapaz! -Ele me chamou outra vez. 

-Sim?- Respondi meio impaciente. 

-Trate de voltar cedo para o seu quarto! - Até pareceu meu pai falando. 

-Voltarei. Não se preocupe. -Disse e sai rapidamente antes que ele resolvesse me chamar novamente. 

Parei um táxi e pedi para que me deixasse próximo ao Big Ben, não era muito perto do hotel mas eu não esperaria até o final de semana para poder ver o monumento de perto. O motorista conseguiu entender meu inglês enferrujado, só não acreditou no meu destino, mas lá fomos nós. Ele me deixou numa avenida movimentada e cheia de turistas, eu podia ver o Big Ben ao longe, mas era tão magnífico que não era necessário me aproximar mais. Tirei a câmera da Júlia de dentro da bolsa e comecei a tirar fotos de tudo que eu via. Quando finalmente parei para olhar o resultado daquelas lentes profissionais, lembrei dela dizendo que eu deveria me lembrar dela todas as vezes que usasse a câmera. Foi um pouco constrangedor pensar nela, eu ainda não sei como tratar a Júlia, em que nível de relacionamento nós estamos mas lembrar dela nunca é ruim. 

Andei até um café retrô onde tocavam Teddy Picker do Arctic Monkeys, pedi um capuccino e relaxei em um dos bancos macios acoplados à parede. Eu nem estava acreditando, eu realmente estava em Londres e era tudo como um daqueles sonhos que eu fantasiava quando era adolescente. Fiz uma selfie com a minha bebida e publiquei no instagram. O meu primeiro curtir veio exatamente daquela na qual eu ainda estava pensando. Ela me chamou no bate papo e começamos a jogar conversa fora. Contei a ela sobre o avião, o quarto de hotel e sobre a pequena fortuna gasta em táxi. Felizmente Júlia já tinha vindo visitar Londres antes, sabia exatamente que linha de metrô pegar para que eu voltasse mais rápido para o hotel e consequentemente, gastasse menos. 

Terminei minha bebida e a conversa com a minha velha amiga, saí do café ao som de Hey Jude. Não seria Londres se não houvesse uma trilha sonora dos Beatles. Andei até a estação de metrô mais próxima, admirando a cor do outono naquela cidade e o brilho intenso das luzes de cada estabelecimento. Não era difícil achar uma boate ou um barzinho de esquina para afogar as mágoas, entretanto me controlei e voltei para o hotel. 

Cheguei no quarto e desmoronei na cama, eu estava exausto porém muito feliz, essa viagem mal começou e já estou maravilhado com o pouco que pude ver. Agora era esperar pelo amanhã e pedir a Deus paciência para colocar em ordem a bagunça daquela empresa.