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História Desejos Secretos - A Colméia


Escrita por: ValentinaEli

Notas do Autor


Mais um capítulo meus amores. Não desistam da Madame e do Igor, pleas!

Capítulo 23 - A Colméia


Fanfic / Fanfiction Desejos Secretos - A Colméia

Narrado por Elinór

Olho à minha volta e me vejo encurralada em um minúsculo quarto com apenas uma cama, a janela é pequena, muito alta e gradeada, impossível alcançar sem auxílio de uma escada. A porta robusta e de ferro, possui uma abertura de vidro retangular por onde se pode visualizar a prisão em que me encontro neste ambiente inóspito. 

– Você não está lidando com amadores, Madame Elinór – ela realmente sabe quem sou eu. Mas como? – O ingênuo do meu ex-marido acha que eu não sabia de todo o plano dele – puxou uma cadeira, posicionou-a do lado contrário e sentou-se à minha frente com uma perna de cada lado, analisou as unhas pintadas de vermelho e em seguida, enroscou os dedos em meus cachos. – Não foi muito difícil ligar os pontos – disse arrogante, seu ar de superioridade é intragável. 

– Seu nome é muito conhecido no meio, digamos, ilícito. Todos temem Soniér e sua bela filha espanhola – suspirou e proferiu a ultima palavra de maneira maliciosa. 

– Contudo, seu pai mora no Rio de Janeiro e repentinamente você se aproximou de mim, achando que eu não sei desconfiar de tudo e de todos. – riu sarcasticamente e ajeitou o cabelo liso e castanho escuro, colocando-o de lado. – Fazendo o papel de boa amiga e transando com meu marido logo após o nosso divórcio – minha respiração está descompassando aos poucos e busco incessantemente elaborar uma forma de saber onde estou e de como sair daqui. 

– Que, aliás, foi bem arquitetado por mim. Eu beijei o Edgar porque sabia que o Igor estava espreitando através da porta. Esfreguei-me com o homem na frente dele e gemi bem gostoso só para que ele se sentisse um excremento inútil. Porque, além disso, é um frouxo – meus ouvidos doem pelas barbaridades que ela diz. 

– Quando você entrou na minha casa naquele jantar eu percebi os olhares que ele lançou, mas sabia que jamais seria traída. Ele é fiel. Você apareceu de mãos​ dadas com a Patrícia e Igor te devorou por inteira. Ri internamente porque sabia que apesar do desejo que sentiu, ele nunca se tornaria um adúltero. Eu o tinha em minhas mãos porque ele era obsecado por mim, como um cachorrinho obediente – falou com desdém e senti uma pontada aguda em meu músculo cardíaco por presenciar tamanha insensibilidade, falta de amor e até compaixão. – Eu sei que ele esteve em seu apartamento​ e dormiu bêbado por lá – debochou como se eu fosse digna de pena. 

– Eu também tenho meus informantes e eles estão em lugares onde você nem pode imaginar – a encarei de forma perturbadora. – Eu soube de cada passo seu, de seu encontro com Igor naquele bar, do interrogatório com o meu homem na noite do baile de máscaras. Eu sabia de tudo! – passou os dedos por cima da fita sobre minha boca, encontrou a ponta e num movimento rápido, arrancou-a sem dó. 

– Ahh – a sensação de dor me invadiu por alguns instantes e passei a língua por meus lábios que certamente estão edemaciados, para não dizer, feridos. 

– Maldita! – falei baixo e com tom de ira. – Que belo elogio – sorriu maléfica. 

– Você cometeu o maior erro de sua vida ao me prender aqui, isso mostra que não é tão esperta como diz que é – alertei e Eduarda ficou pensativa, porém de imediato tratou de rebater. – É mais fácil o Igor me pedir perdão de joelhos pelo divórcio do que te encontrarem aqui. Esse é o fim da linha, Madame. Vai ter o mesmo destino que a adorada filha dele – um medo ferrenho toma conta de mim. "O medo é o refúgio dos fracos, minha pequena. Nunca permita que ele a domine. Uma vez dentro de você, se espalhará como chagas e essas feridas nunca cicatrizam." Era o que minha avó paterna dizia quando na primeira infância, eu corria para seu quarto com medo da chuva. Essa foi a única vez em que usou um termo amável comigo. A mulher se recusava a me acolher, e da porta mesmo ditava as regras. Eu voltava para o meu quarto naquela mansão vazia de tudo, desguarnecida de amor, de calor humano e ficava acordada olhando as fortes gotas de chuva chocando-se contra a janela de vidro. Eduarda fala da Paty como se falasse de qualquer coisa. Sem pena ou arrependimentos. Sem coração. 

– Como teve coragem de fazer aquilo com sua própria filha? Uma criança, sua covarde – esbravejei as palavras e percebo que o líquido corrente em minhas veias está fervendo. – Não era dinheiro que você queria? Por que tirar a vida de uma inocente? Você é um monstro – ela retribuiu minhas palavras com uma expiração pesada de impaciência, seu ar pútrido e malévolo exalou pelo recinto. – Eu não me livrei da menina por causa do dinheiro – pausou a frase e revirou os olhos. – Achei que fosse mais perspicaz. Eu tenho uma promissória em minhas mãos, só estou esperando o momento certo para usá-la. Quando isso acontecer Igor ficará sem nenhum centavo – revelou seu plano sórdido. – Então por que fez aquilo? – indaguei confusa. – Simplesmente para causar tristeza, porque o sofrimento dele é doce – fiquei boquiaberta com tamanha declaração. – Não vou cansar até vê-lo destruído e o golpe final é o seu desaparecimento – apontou maledicente. 

– Onde o Fernando entra nessa história? – perguntei acumulando um ódio descomunal. – Ah, seu antigo pretendente? Foi muito fácil descobrir sobre o seu passado. O encontramos e uma boa promessa em dinheiro foi suficiente, já que o miserável está falido. Há essa hora ele deve estar se preparando para fazer uma viagem diferente... Só de ida para o inferno – entregou as verdadeiras intenções de Fernando, que por má sorte, deve ter sido eliminado por ela. – O objetivo não era voltar do seu passado e reconquistá-la, muito menos interferir em seu relacionamento com Igor. Simplesmente era trazê-la para mim, de desequilibrá-la emocionalmente e torná-la vulnerável – confessou a estratégia. Eduarda é mais suja do que pensei. Minha mente fervilha e ao mesmo tempo em que a ouço, tento me livrar da corda que imobiliza meus braços para trás. O nó rígido parece de marinheiro e meus punhos ardem pelas tentativas discretas, porém inúteis de me soltar. 

– Ninguém nunca mais vai ter notícias suas e para todos os efeitos você evaporou, sumiu do mapa – gesticulou e levantou-se da cadeira. 

– Bem vinda aos seus últimos dias – soltou um beijo asqueroso no ar e retirou-se do quarto levando a cadeira consigo.

Narrado por Igor

Saí de casa em direção ao apartamento de Elinór, nem acredito que finalmente vamos morar juntos, que vou vê-la todos os dias. Apesar de tudo o que está acontecendo, Susana é meu único motivo para levantar todas as manhãs e encarar este mundo tenebroso. O trânsito estava tranquilo e não tardei a estacionar em frente ao prédio onde atualmente mora. Desliguei o veículo e abri a janela. Tomei o celular em minhas mãos e disquei seu número, vislumbrei a praia do outro lado da rua e nesse momento, uma paz transcendental espalhou-se por cada célula de meu corpo. Sorri, sei que ela é a razão de tudo isso. Quando tudo se fez trevas ela apareceu e retirou-me do fundo do poço, salvando-me da morte. O telefone começou a chamar e, como sempre, espero ansioso para que ela atenda, porém chamou até cair. Repeti a ação outras vezes, mas o resultado foi o mesmo. Achei estranho, pois ela sempre atende de imediato. Marcamos exatamente neste horário e ela nunca se atrasa, o que é uma virtude excelente que admiro no ser humano. Resolvi discar o número mais uma vez, contudo, ouvi a célebre gravação da operadora "o número que você discou está indisponível ou fora da área de cobertura." Desci do veículo e me direcionei até a portaria do prédio, fui avisado pelo porteiro de que ela não apareceu por aqui hoje. Minhas novas tentativas de ligar não dão em nada e imaginei a possibilidade de estar em uma cirurgia, o novo neurocirurgião, certamente precisou dela e Susana jamais negaria um chamado médico. Entrei no carro e me dirigi até o Santo Ângelo. 

Assim que estacionei próximo ao hospital, segui imediatamente para o andar da cirurgia. Segundo informações da recepcionista ela já havia saído há bastante tempo. Passei na sala de Henrique e bati na porta. Como chefe deste setor, ele certamente sabe de seu paradeiro.

– Entra! – escutei a permissão. Abri a porta e vi o homem sentado em sua poltrona, analisando os exames que estão sobre a mesa. – Que bom receber sua visita – animou-se e veio me recepcionar, fui acolhido com abraços e tapas amistosos nas costas. – Há mais de um mês não venho dar um oi, desculpe o sumiço – expliquei-me, mas ele fez gesto de parada com a mão. 

– Não há porque se explicar, doutor Igor. É o seu tempo e, com todo o respeito, nos aguardamos a sua volta – deu leves batidas em meu ombro e apenas assenti. 

– Eu não vou tomar muito do seu tempo, Henrique, só gostaria de saber se a doutora Susana ainda está por aqui. Preciso falar com ela – ele sorriu e apontou para a cadeira à frente de sua mesa. Acomodei-me e esperei pelas informações – Ela esteve aqui sim, resolveu os últimos detalhes, mas já foi embora – disse ao organizar a mesa. 

– Eu estou feliz por vocês – estremeci no assento. – Como assim? – perguntei curioso e fingindo não saber do que ele está falando. Quando ele desconfiou? Ela havia contado? Por que revelaria tal coisa a ele? 

– Doutor Igor, eu sei quem ela é. Tranquilize essa ansiedade – o olhei cabreiro e com espanto. – Conheço o pai dela desde a minha adolescência na Espanha e já trabalhei com ele. Não perdi contato quando foram para a Grécia e assim que se estabilizou no Brasil, voltamos com a nossa parceria – estou literalmente abismado com a revelação. – Conheço Elinór desde que era uma menininha e a tenho como filha – apesar da descoberta abrupta, sinto-me aliviado por dividir isso com alguém.

– Quando Soniér aceitou seu caso, coincidentemente sabia que eu trabalhava aqui e preparei todo o caminho para ela – ele mexe em sua caneta prateada e eu apenas observo. – Eu sei nem o que dizer – gesticulei. – Todos os dias eu descubro coisas novas sobre ela, é como se fosse um... – pensei no que disse à doutora no café da manhã. – Enigma – ele sorriu sem mostrar os dentes. – Ela sempre esteve cercada de muito mistério, possui um vendaval de emoções, temperamento forte, é decidida e bastante teimosa – concordei plenamente. 

– Precisa ter muita paciência, pois além de ser essa profissional excelente, o instinto investigativo está dentro dela – apontou com a caneta. – Não queria podá-la, apenas reforce o que ela tem de bom. Extraia o melhor dela – lembrei-me do sorriso largo que recebi quando a presenteei com as passagens. – Ela é o que é quanto a isso eu nada posso fazer, só quero amá-la – ditei convicto. – E nada mais! – finalizei. 

– Realmente você é merecedor de ter ao seu lado uma mulher como a Altman – estendeu a mão que prontamente apertei. 

– Eu não consigo encontrá-la em lugar nenhum, o celular está fora de área, ela não está no apartamento. Pensei que soubesse de alguma coisa – ele me olhou e ligou para a recepção. Esperei alguns segundos e logo se dirigiu a mim. – Ela não passou pela recepção, deve ter tomado o elevador até a garagem no subsolo – um embrulho no estômago e um presságio possuíram-me, deixando um rastro medonho pelo ar. 

– Tem alguma coisa estranha nisso tudo – passei a andar pela sala pensando mil coisas. 

– Vivian! – uma luz irradiou minha mente. – Vou ligar pra ela – assim que a moça atendeu, disparei. – Elinór está com você? – minha frase saiu como um tiro seco no ar. – Não! Por quê? – fiquei repentinamente sem ar. – Não consigo falar com ela, não está no hospital e não foi ao encontro que marcamos. Estou preocupado porque o celular está fora de área e ela nunca deixa de me comunicar – passei a mão pelo rosto e notei um suor gélido brotar aos poucos. – Se acalme Igor. Vou tentar ligar para ela e para os nossos amigos. Aguarde meu retorno – desligou na sequência e tive uma ideia. – Eu vou dar uma volta, preciso encontrá-la – andei em direção à porta. 

– Para onde você vai, Igor? – indagou-me. – Eu não sei, mas parado eu não posso ficar – saí em direção à porta e ele veio atrás de mim. – Espera doutor Igor! – ele caminha ao meu lado pelo corredor e por tudo o que já aconteceu em minha vida, só imagino eventos trágicos. – Acho que o senhor precisa saber de uma coisa que aconteceu hoje? – Arthur, o enfermeiro chefe do setor se aproximou cauteloso de Henrique e paramos para ouvir. – É urgente? – o mais velho questionou baixinho. – O guarda de plantão na sala monitoramentos do hospital recebeu um “boa noite cinderela” – nos olhamos confusos. – Como é que é? – perguntei. 

– Estou dizendo isso porque ocorreram furtos no depósito, na farmácia, um carro foi roubado em frente ao hospital e para piorar, algumas pessoas disseram ter visto um homem armado nas cercanias do Santo Ângelo. Todos os chefes dos setores estão sendo avisados, mas boatos se espalham mais fáceis que fumaça e até atentado já ouvi sair da boca de alguém – passamos a observar os corredores e escutamos murmurinhos, pessoas mexendo em seus celulares e de repente minha consciência forjou o pior. Contudo, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, o celular vibrou. Senti-me esperançoso, pois é a Vivian. – Conseguiu falar com ela? – perguntei um tanto ofegante. Afastei-me um pouco deles e prestei atenção à chamada. 

Não e ninguém sabe de nada – sua voz apreensiva percorreu meu ouvido como navalha cortante. – Tem alguma coisa estranha acontecendo aqui no hospital, eu tive um mau pressentimento e acho que ela pode estar em perigo – encostei-me na parede ao sentir um aperto no peito, esmaguei a mão sobre o lado esquerdo e grunhi de dor. 

– Arg! – o médico e o enfermeiro, próximos a mim, acudiram-me – Estou bem! – recusei os cuidados. – O que houve Igor? – preocupou-se, mas nem o incômodo no peito me tirou os pensamentos de Elinór. 

– Me ajude a encontrá-la, por favor. Isso não é brincadeira, ela nunca fica incomunicável – falei desesperado. 

Avisarei Soniér e vou aos lugares onde costumamos nos encontrar. Ela está bem eu a conheço. A bateria do celular deve ter acabado – a dor voltou mais aguda e minhas costas deslizaram na parede fria atrás de mim, até que caí sentado no chão. 

– É a Vivian – entreguei o celular para Henrique e vi quando ele falou baixinho com ela, justamente para não dar bandeira. 

– Não estou enfartando, só me ajuda a levantar – pedi e Arthur usou de toda a sua força para erguer-me do chão. 

– É melhor fazer um eletrocardiograma, doutor Igor. Pode estar em estágio de pré-enfarto – fiz sinal de negativo com a cabeça. – Não há necessidade – fui teimoso. 

– Arthur eu preciso de sua total discrição para uma coisa – Henrique me entregou o telefone e pediu ao rapaz, que assentiu sério. O conheço há muitos anos e sei de seu caráter como profissional.

– Em que? – questionou. 

– Vá até a sala de monitoramentos e peça ao técnico responsável para analisar as imagens nas câmeras que foram exibidas há sessenta minutos – ele ouve e sabe muito bem disfarçar as feições. – O que exatamente quer que eu veja? – indagou mais uma vez. 

– Procure por imagens da doutora Susana, veja se ela saiu pela garagem no subsolo – de imediato o rapaz atendeu ao comando e foi e direção ao primeiro andar. 

– Henrique pelo amor de Deus, o que aconteceu com ela? Eu não aguento mais nenhum baque – admiti inconsolável. 

– Eu não sei Igor, não gosto fazer suposições infundadas e prefiro esperar. Agora vem comigo, vou examiná-lo e não ouse me desobedecer, pode sim está tendo um pré-enfarto e sabe muito bem disso porque é cirurgião cardiotorácico – não tive muita escolha e o segui até a sala de exames. Tomei um vasodilatador e fiz o eletro, por sorte, foi apenas uma arritmia, que por pouco, não evoluiu para o pior. 

– Ele está demorando, vou trás dele – coloquei a camisa social e o blazer de volta e levantei da maca. Não esperei por resposta alguma, porém quando abri a porta, o rapaz estava preste a bater. Fiz gesto de passagem e ele entrou. – Viu alguma coisa? Por onde ela saiu? – perguntei apreensivo. 

– Ela saiu pela garagem no subsolo, mas o que acontece depois disso eu não sei, a sequência de imagens foi violada – minhas intuições confirmaram-se. 

– Como? – perguntou Henrique. 

– As câmeras da garagem foram temporariamente desligadas das onze e quinze da manhã até as doze e dez. As filmagens depois disso transcorrem normalmente – o clima de horror pairou sobre nós. – Agradeço a ajuda, Arthur. Não comente com ninguém – foi preciso ao dar o aviso. – Não há com o que se preocupar senhor – disse firme. 

– Doutor Henrique – disse visualizando o chamado em seu Pager. – Talvez isso seja uma informação relevante, quando passei pela recepção havia um grupo de policiais, eles estão averiguando a história do possível homem armado, o roubo do carro e os furtos, que pelo visto, foram grandes rombos nos estoques. Um deles dizia ter encontrado uma pulseira feminina perdida na garagem – um frio agonizante se apoderou de mim ao ouvir. – Tudo bem, obrigado por tudo. Pode ir. Estão precisando de você em algum setor – o mais velho apontou para o Pager do enfermeiro que não parava de apitar. O mais novo não hesitou e foi cumprir seu dever. 

– Hoje de manhã ela estava usando a pulseira que dei de presente há dias atrás – tampei a boca e senti o chão abrir sob mim. Sem dizer qualquer palavra, saí em direção à recepção em busca dos policiais. Preciso descobrir se é a pulseira dela. 

– Igor, pense muito bem no que vai dizer – ando tão depressa que os passos de Henrique não me alcançam. Não dou ouvidos a ele. Não esperei pelo elevador e desci pelas escadas numa velocidade perigosa. 

– Tome cuidado com as palavras, não ponha em risco a identidade dela – vire-me bruscamente, ainda nos degraus da escada. 

– Eu estou pouco me lixando, Henrique. Que se danem tudo isso! Nem que eu vasculhe cada canto dessa cidade ou desse país eu vou achar a minha mulher – falei efusivamente e o mesmo não teve palavras para responder, somente decidiu me acompanhar. Encontramos os policiais conversando com o supervisor e abordei um deles. – Soube que acharam uma pulseira na garagem, eu posso ver? Pode ser da minha esposa – enfatizei a palavra “esposa” para não causar alarde. Henrique e eu nos olhamos e acabei optando por ser estrategista. 

– É uma pulseira de golfinhos – falei e o agente mostrou o objeto em um saco plástico, engoli o gosto amargo em minha boca. Procuro coragem dentro de mim para não gritar na frente de todos. 

– É exatamente essa, ela acabou de me telefonar e pediu para que eu procurasse. É bem provável que tenha deixado cair ao entrar no carro, sempre anda com muitas bolsas e sacolas – forcei um riso e o individuo fardado comunicou a um terceiro o que eu lhe disse. Os homens me encararam e pensei que pudessem desconfiar de mim. Para a minha surpresa a pulseira foi entregue sem burocracia alguma. Assenti em forma de agradecimento e dessa vez, acionei o elevador mais próximo. Não consigo pronunciar palavra alguma, sinto minha garganta fechar e Henrique tomou a frente, vendo meu iminente colapso nervoso. Olhei para ele e assim que saímos do elevador, após alguns passos voltamos para sua sala. 

– Senta aí – atendi ao pedido e rapidamente ele voltou com um copo de água. Enquanto forço o liquido a descer por minha garganta estreita devido à pressão do mundo a esmagar-me brutalmente, estou apático para reagir. Vejo Henrique conversar com alguém pelo celular, contudo estou tão aéreo que apenas vejo o movimento de seus lábios, pois a imagem dela preenche todos os meus sentidos, impossibilitando-me ter percepções de quaisquer outras coisas. Apenas duas palavras que decifrei através da leitura labial, despertaram-me do transe hipnótico. Alerta máximo

– Vamos agora! – tirou o jaleco e o jogou sobre a cadeira. 

– Aonde? – perguntei forças. 

– Para a colméia – fiquei sem entender o uso do termo, ele puxou-me pelo braço e seguimos até a saída do hospital. 

– Não perca o meu carro de vista – ordenou e assim como o meu, o veículo dele está em frente ao hospital. Após um bom tempo dirigindo às pressas pelas ruas do Rio de Janeiro, entramos em uma estrada que dá acesso a algumas fábricas e instalações desativadas numa região afastada da civilização. Bem parecido com a Rota do Abandono. Continuamos o trajeto e minutos depois, visualizei à minha frente um galpão abandonado, cercados por inúmeros veículos. O cheiro de lataria velha e ferrugem estão impregnados por todo o lugar. Paramos os carros e descemos dos mesmos. 

– Por que colméia? – indaguei ao andarmos até a entrada. – Você vai entender – calei-me e esperei para ver com meus próprios olhos, entretanto quando conseguimos transpor a porta de entrada, me deparei com um enorme grupo de pessoas, muito mais do que eu podia imaginar. São homens e mulheres misteriosos e vestidos de preto, alguns carregam suas armas e reservam munições, já outros falam aos celulares de forma bem discreta. Todos, porém, voltam seus olhares para Soniér, ao centro do galpão. Henrique e eu nos aproximamos e logo Vivian veio nos cumprimentar. 

– Nós vamos achá-la, Igor. Aonde quer que ela esteja – disse convicta e, em seguida, todos se agruparam ao redor do ancião para ouvir as ordens.

– Prestem muita atenção no que vou dizer – seu timbre demonstra ira e ódios retrospectivos. – Isso é um alerta máximo, significa que não seremos ortodoxos – ele olha para cada um à sua volta, e quando seus olhos encontraram os meus apenas desviou. – Estão aqui por causa da minha filha, que também é chefe de vocês – todos se entreolharam, porém recobraram a atenção quando o homem prosseguiu. 

– Eu quero cada minúsculo beco dessa cidade revirada, olhem as casas, embaixo das camas... Vasculhem cada centímetro deste Estado e não voltem sem ela – disse efusivamente. 

– Eu quero a minha filha viva... Se não a encontrarem num prazo máximo de quarenta e oito horas, podem dar adeus às suas vidinhas tranquilas. Vou me acertar com cada um de vocês – uma tensão colossal apoderou-se do ambiente. 

– Repito, eu a quero viva! Viva! E quem estiver por trás desse sumiço também, para que eu posso torturá-lo e matá-lo com minhas próprias mãos, depois jogar sua carcaça aos cães – um tremor difundiu-se por minha espinha e paralisei com suas palavras. 

– Não ousem me decepcionar, é perigoso demais. – sua voz saiu como sussurro quando advertiu. 

– É de Madame Elinór que estou falando. Não parem para pensar, não durmam e o mais importante, não pisquem – virou a ampulheta na mesa e a areia do tempo começou a escorrer. 

– O tempo está correndo – mal terminou a frase e os investigadores saíram em direção aos seus carros até restar aqueles que eu conhecia. 

– Sabe atirar, doutor Igor? – perguntou seriamente para mim, o galpão vazio fez sua voz ecoar por toda a parte. 

– Não – respondi. 

– Vai ter que aprender – foi categórico e estendeu uma pistola semelhante à de Elinór. Hesitei por um momento, mas peguei o objeto. – Vê aquele alvo? – apontou para algumas latas bem distantes de nós. 

– Sim – assenti. – Acerte a lata azul – olhei para a arma em minhas mãos e suei frio. Ele colocou-se ao meu lado e ergueu os meus braços. – Postura! – ordenou rígido. 

– Segure assim – ajeitou-a em minhas mãos. – Não trave os cotovelos, com o disparo isso prejudica sua visão periférica – fez gesto para que eu observasse o campo visual. – Pressione o gatilho – ordenou e ao prender a respiração, apertei. O barulho seco estrondou por meu ouvido, e meu corpo bambeou para trás. O tiro acertou outra lata mais afastada. – Olhe para mim – o encarei.

 – Você é cirurgião, sua visão do longe é limitada. Você enxerga o micro e nada mais. Mire pequeno, desvie milímetros do alvo e atire – fiz como ele ensinou e dessa vez, atingi uma lata acima da qual devia. 

– Você a ama como diz que ama doutor Igor? – foi ríspido e, dessa vez, me segurou pelo colarinho. – Amo – afirmei seguro. 

– Tem certeza disso? – insistiu nervoso. – Você a ama? – de forma doentia, ele repete insistentemente enquanto eu digo que a amo várias vezes. Seu questionamento é infindável e já sinto minha cabeça girar, o homem intimida-me com fervor e não aguento mais.

 – Eu a amo! – gritei rouco e austero. O homem me soltou e nos olhamos por alguns segundos. – Eu sou louco pela sua filha, Soniér. Não consegue enxergar isso? Eu amo tanto aquela mulher que dói aqui dentro – respondi mais calmo. 

– Então honre as calças que veste doutor Sarmento. Ela está bem ali... Rendida com uma arma apontada direto para a cabeça – apontou para as latas como exemplo. 

– Se errar a mira ela morre! Então não perca o foco. A distância entre eles é mínima e um único erro cometido é fatal. Salve a vida da mulher que você diz que ama – olhei para as latas dispostas à nossa frente, ergui os braços e cerrei um pouco os olhos para que pudesse ver apenas o alvo. Ajude-me a acertar! Foi a única prece que consegui fazer. Investido de uma coragem insana, puxei o gatilho. O disparo estrondou a estrutura metálica e demasiadamente oxidada, mas respirei suave e sorri ao atingir o alvo. Minha agitação interna é tão fervorosa, que atirei em outras latas da mesma cor que se camuflavam no meio das que tinham outras tonalidades. Por incrível que pareça das sete latas azuis, obtive vitória em seis. Ele indicou outros alvos numa distância maior e eu os atingia com precisão, imaginando que poderia estar salvando a vida da mulher que amo.

 – Tenho que admitir, você leva jeito – disse ao acender um charuto cubado. Andou meticulosamente para perto de mim e me ofereceu um. Aos poucos, a fumaça nos inebriou e as últimas coisas foram recolhidas do local. Nossas tragadas são lentas e viscerais, Soniér é sem dúvidas, um ponto de interrogação. É assustador reconhecer que os dois possuem muitas coisas em comum.

– Teria uma carreira excelente como atirador de elite – Dimitri, que também consome o tabaco, disse e uma sensação diferente tomou conta de mim. 

– Você e Elinór farão uma ótima dupla, escreve o que eu estou dizendo. Não negue isso, acabou de descobrir que está no seu sangue – caminhou ao meu lado e saímos do local abandonado. Soniér e Dimitri seguiram na frente, escoltados pelos seguranças. Vivian, que estava com eles decidiu nos fazer companhia.

Narrado por Elinór

Estou sentada há horas nesta mesma posição, sem comida ou água e sinto dores por todo o corpo. Tudo está silencioso como a morte, eu diria que essa ausência de som é terrivelmente amedrontadora. Minha cabeça estava pendida para frente quando escutei o barulho da chave na fechadura. Olhei para a maçaneta sendo girada e em poucos segundos vi doutor Edgar inundar o ambiente com sua presença. Fechou a porta por trás dele e encostou-se nela. Olhou fixo para mim e depois, caminhou sorrateiramente até sentar-se na cama ao meu lado. 

– Doutora Susana – pronunciou meu nome com tom malicioso. 

– Vamos bater um papinho só nós dois – juntou as mãos e esfregou uma na outra com inquietude. Permaneço calada e sem olhar para ele. O homem está ao meu lado e miro à porta sem perder a concentração. 

– Podia muito bem ter evitado todo esse transtorno, mas resolveu interferir em nossos negócios​ e isso causou um enorme prejuízo – ainda me reservo ao direito de ficar calada. Sua mão, em uma atitude descarada, subiu por minha coxa. 

– Eu poderia fazer loucuras com você aqui – seu toque sujo subiu por meu seio e o apertou. 

– Tira essa mão de mim – ditei pausadamente cada palavra e virei o rosto devagar para encará-lo. Notei suas feições de homem de meia idade, certamente uns quarenta e cinco anos e um belo rosto afilado. As poucas mechas grisalhas e a tonificação dos músculos faciais demonstram seus ótimos cuidados com a saúde, a pele quase não apresenta marcas de expressão e acredito que foram esses atributos a chamarem a atenção de Eduarda.

– O que está fazendo com a sua vida? – perguntei indignada. – Acha mesmo que ela pretende ficar com você? Ela foi capaz de matar a própria filha, aquela mulher não precisa de cúmplices. Eduarda vai apagar qualquer vestígio de testemunha, a mínima pessoa que possa depor contra ela ou mesmo que saiba dos esquemas – falei séria e controlei o volume de minha voz. Ele me olha atentamente. 

– Ela vai te descartar, Edgar você é só uma alavanca na vida dela, sabe muito bem que Eduarda saía com outros homens. Você não era o único – lancei os fatos e vi em seus olhos a fúria que o corrói aos poucos. 

– Quando perder a utilidade ela não vai ter pena. Aquela mulher é calculista, uma psicopata. – enfatizei. 

– Por que não cala essa maldita boca – disse agressivo e colocou-se diante de mim. – Quer ter o mesmo destino da menina? – indagou sussurrando contra meus lábios. 

– Olhe para mim! Enquanto eu estiver falando com você é para me olhar – pedi e seus olhos se puseram sobre os meus. 

– Me escuta! – supliquei. 

– Você pode mentir para mim, contudo não pode mentir para si mesmo. Estou presa aqui, mas sou mais experiente que você. Quer continuar vivendo? – inclinei a cabeça para acompanhar seu olhar que se esgueirou de mim, acredito que algo tenha lhe chamado atenção. – Você não é burro Edgar, pensa com calma em tudo o que te falei – ele sorriu de canto de boca, seguro meu queixo de forma firme e senti seus dentes repuxarem meu lábio inferior, balancei a cabeça de um lado para o outro para que não me tocasse. 

– Você é bem gostosa, sabia? Eu morro de tesão em você – fechei meus olhos para não encarar este homem nojento. 

– Se for boazinha posso lhe trazer um delicioso jantar – joguei minha cabeça para trás com repulsa quando seus dedos deslizaram alisando meu rosto.

– E se usar essa boquinha perfeita lhe garanto que encomendo a melhor sobremesa – o encarei enojada, juntei a saliva em minha boca e com força, cuspi em seu rosto. O mesmo fechou os olhos na hora, pegou um lenço no bolso do blazer e limpou. 

– Vagabunda! – riu com escárnio e esboçou face de êxtase.

– Deve ser violenta na cama, tem certeza de que não quer? Seria ótimo para passar o tempo por aqui – falou acariciando o membro por cima da calça. 

– É melhor ma matar, filho da puta. Antes morta do que me sujeitar a um traste como você – falei apertando os dentes, mas depois ri de sua atitude patética. 

– Você é péssimo. Precisa ameaçar uma mulher para transar com ela – retomei o fôlego.

– Porque gratuitamente ninguém te quer porque é patético – me olhou furioso, deu passos em minha direção e ergueu a mão.

– O que está fazendo Edgar? – foi interrompido por outro homem que entrou no quarto e questionou com voz grave. Olhamos para o mesmo e vi um homem alto e moreno, trajando roupas escuras e acredito ser um segurança. Edgar ajeitou o colarinho e passou as mãos pelo rosto. 

– Essa conversa ainda não acabou – intimidou-me. – Fique de olho nela, é bem arisca – ordenou e saiu da sala. O moreno fechou a porta por trás dele e girou a chave em seu dedo, brincando com ela no ar. O sujeito assovia de forma sinistra como se cantarolasse a trilha sonora de filme de terror. Meu corpo inteiro está travado na cadeira e ele deu voltas entorno de mim, por um minuto pensei que ousaria algo repulsivo, mas para meu alivio, retirou a corda que prende meus pulsos. Movimentei os braços para frente e senti a tensão muscular em meus ombros pela posição em que ficaram. Massageei meus pulsos, abri e fechei o punho relaxando as articulações. O moreno abaixou-se em minha frente e fez o mesmo com a corda em minhas pernas, segundos depois fiquei livre das amarras. Ele não para de cantarolar assoviando e isso me causa uma sensação ruim. 

– Por favor, eu preciso de água – pedi calma e esperei por sua reação. 

– Não posso lhe oferecer absolutamente nada – negou veementemente meu pedido. – Estou morrendo de sede, há horas não tomo nada e não almocei. Eu imploro por um mísero copo com água – já estava desistindo quando o mesmo tirou um celular do bolso e analisou alguma coisa. Pensou por alguns segundos e parou de fazer barulhos com a boca. 

– A cozinha é aqui do lado, eu não posso abandonar a porta deste quarto por nada, fico do lado de fora vinte e quatro horas. Eu vou junto, mas se tentar qualquer gracinha comigo, estouro sua cabeça – afastou o lado direito do blazer e vi a pistola semi-automática presa no coldre de tórax. 

– Eu lhe dou a minha palavra – demonstrei confiança e sinceridade em minha voz. – Levanta devagar – ordenou e assim o fiz. – Vai em frente – tirou a arma e a empunhou. Apontou para a porta e caminhei com cuidado. Ao sairmos do quarto, que é uma espécie de solitária, notei que estamos no meio de um corredor e tudo aqui tem coloração pastel. Do meu lado esquerdo, no fim do corredor, há uma escada que não posso ver aonde leva e do lado direito, a cozinha. Senti o cano da arma em minhas costas e continuei até chegar a um espaço amplo, devidamente organizado como se fosse uma cozinha com móveis planejados, meus olhos buscaram alguma saída ou janela, contudo só visualizei uma entrada de tubulação. 

– Sente-se! – mandou autoritário e obedeci. Puxei uma cadeira e acomodei-me, logo ele retornou com um copo de água fresca e tomei cada gole bem devagar. Gravei mentalmente o local, as gavetas onde acredito estarem guardadas as facas e o armário com os objetos de vidro. – Anda logo com isso – bebi o último gole e lhe entreguei o copo. 

– Ai! – senti uma pontada na barriga e prendi a respiração por longos segundos. Encolhi meu corpo na cadeira e pressionei as mãos contra o meu ventre.

– O que foi? – perguntou ríspido. – Nada, é só uma dor. Me leva ao banheiro – o olhei com semblante de agonia e ele pareceu muito nervoso. – Rápido – me puxou pelo braço e me arrastou até uma porta ao lado do quarto onde estou. – Você tem dois minutos contados a partir de agora – entrei no banheiro e olhei minha imagem refletida no espelho, vi meu semblante pálido e meus lábios cianóticos. O local é abafado e não há janela ou báscula. Senti o incomodo mais uma vez e suspirei. O que está acontecendo comigo? Fiz exercício de respiração e a dor se dissipou. Utilizei o banheiro como precisei e antes que eu pudesse abrir a porta, reparei em um grampo de cabelo caído no canto esquerdo perto da porta. Sem pestanejar, coloquei o mesmo em meu bolso e em seguida saí do toalete. O homem me empurrou para dentro do quanto e advertiu. 

– Se contar a algum deles o que fiz eu mesmo me encarrego de torturar você – neguei. 

– Não vou, pode confiar – ele assentiu um pouco desconfiado e me trancafiou. Sentei na cama encarando o nada e me assustei quando a porta foi novamente aberta. O moreno invadiu o recinto e sem dar uma palavra sequer, levou a cadeira e as cordas com ele.


Notas Finais


Obrigada por ler até aqui 😍
Espero que tenha gostado 😘


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