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História Desgarrados - Lobo Corvo - Lobo ou Corvo?


Escrita por: rubiconvenus

Capítulo 3 - Lobo ou Corvo?


Capítulo 02: Lobo ou corvo

 

Há um único colégio em toda Prado Delta, onde estudam as crianças do vilarejo. É um casarão grande, construído com telhados triangulares, como tudo em nossa cidade.

Antigamente, apenas os corvos estudavam por aqui, mas desde que a Matilha se aliou, recebemos lobos também. Claro que isso criou uma rivalidade absoluta entre os alunos e atualmente, mesmo que estejamos na mesma classe, corvos não se misturam com lobos e vice-versa.

Todos os alunos já chegaram no colégio e apenas nós três somos os atrasados, acho que podemos agradecer Velvet quanto a isso. A água vertia ainda mais forte pelas calhas, molhando toda a escadaria da entrada. Tive que me segurar com força no corrimão de madeira, quando se é manco, subir escadas podem ser um verdadeiro desafio.

-- Bom dia, bom dia. - Abel cumprimentou o porteiro, o Sr. Woodpecker, um homem de rosto cheio de sulcos causado pela idade e nariz avantajado, com um formato curvo e fino. Ele tem as sobrancelhas vermelhas bem arrepiadas e o seu cabelo, está sempre penteado para cima.

-- Ahhh vão pensando que ser simpático vai me fazer deixar abrir o portão, por acaso? - Sr. Woodpecker nos olhou com impaciência. -- Se começam o primeiro dia assim, imagine os outros! Talvez a escola não seja para vocês…

-- Pare de piar e nos deixe entrar! - Abel implorou.

-- Sabe que Sevan não é muito rápido caminhando e nós perdemos o ônibus! - Velvet colocou as mãos nas grades fechadas. -- Quer chamar a Sra. Perroquet?

-- Owm. - Sr. Woodpecker destrancou o cadeado na hora. -- Ela sempre protege esse daí. - Ele me olhou com desprezo.

Se até o porteiro da escola me trata como um lixo desprezível, você pode imaginar como é estudar nesse inferno e o motivo de eu não estar nem um pouco animado em voltar às aulas. Abaixo a cabeça e acerto os óculos no rosto.

Passo pela porta de entrada primeiro que os outros e dou um tchau para o Sr. Woodpecker que se afasta assim que vê minha mão indo em sua direção. Dou risada enquanto os outros vem atrás de mim e Abel me empurra, para parar de provocar o porteiro, mas ei, é divertido! Atravessamos o estacionamento e vejo aquela moto estacionada bem próxima a entrada, junto dos outros veículos, mas não há ninguém perto dela, então não pude ver a cara daqueles malditos que atiraram lama em mim.

-- São alunos novos. - Velvet acrescenta, enquanto atravessa para dentro do colégio, tomando a frente.

-- Isso foi uma profecia? - Abel pergunta fechando o guarda chuva e largando-o dentro do cesto na porta do prédio.

Adentramos o corredor, as paredes são de madeira, mas a construção é bem feita e não há infiltração, mesmo assim o cheiro da madeira invade minhas narinas de um jeito fresco. Eu acho que tudo cheira melhor quando chove… bem, não tanto os lobos, eles ficam um pouco encardidos mesmo.

O corredor é cheio de vasos, mas eles estão sem plantas há pelo menos dois anos, quando meus poderes começaram a se manifestar e bastava eu estar perto dos vasos que as plantas murchavam. No começo os funcionários ainda trocavam as flores quase diariamente, até que eu disse à Sra. Perroquet que me incomodava um pouco matar flores todos os dias, eu estava ficando um pouco depressivo com isso. Eles tiraram todas as plantas, mas isso não fez com que eu me sentisse melhor, como descobri mais tarde.

-- Não, dedução. - Velvet gira, andando um pouco de costas, enquanto ergue um dedo cortando o ar. -- Todos os alunos que conhecem Sevan não iriam jogar terra nele com medo do que ele pudesse fazer para se vingar.

-- Mas eu nunca me vinguei de alguém! - Protesto.

-- Bem, teve aquela vez que você encostou em Edith e ela ficou uma semana no hospital. -- Velvet me lembra.

-- Não foi vingança, eu apenas pedi a borracha emprestada...

-- As pessoas se impressionam por tão pouco, não é mesmo? - Abel comenta, abanando a mão. -- Às vezes penso que são galinhas e não corvos!

No mesmo instante alguém sai de costas da secretaria e se bate comigo, tropeçando e me empurrando tão forte para o lado que eu teria ido ao chão. Não que meu equilíbrio seja assim tão compromissado, mas eu também tenho a tendência de ser um pouco desastrado, às vezes.

O garoto me segura, com suas mãos grandes e firmes ao redor do meu braço eu o encaro por cima da armação dos óculos, que escorrega até a ponta do meu nariz. É como levar um choque, entende? Meu coração para de bater pelo instante em que me perco na imensidão azul esverdeada de seus olhos.

-- Pronto, te segurei. - Ele diz, o timbre de sua voz é masculino e calmo. Nessa distância, eu posso ver todos os detalhes de sua barba, o tom castanho avermelhado, como os pelos de um animal.

-- Opa, cara, olha por onde anda! - Abel briga, me envolvendo o com os braços.

Acabo com a bochecha afundada em seu peito torneado. Gosto de sentir o braço quente dele ao redor dos meus ombros e o roçar de sua jaqueta fria na minha bochecha. Consigo sentir todo o perfume de Abel, algo que é ao mesmo tempo cítrico e doce, se é que isso é possível… Mas espera, o que ele está fazendo? Sinto as batidas pesadas do meu coração, uma espécie de susto esquisito, constatando que parece até que Abel está com ciúmes. Claro, nos meus sonhos!

-- D-Des-Desculpe. - O rapaz ergue os olhos azuis para mim, depois para Abel e por fim, ele abaixa a cabeça de um jeito submisso.

Eu acho que nunca vi um lobo gaguejar antes e isso me chama atenção causando um estranhamento único. O rapaz fica parado no corredor nos dando passagem, e como todos nós estamos acostumados com lobos rosnando em nossa direção, ficamos um tempo ali parados também. Ele tem a barba meio rala, castanha como seus cabelos ondulados e rebeldes que ele contém em um coque na parte detrás da cabeça. Em suas orelhas, ele usa um alargador pequeno e preto.

-- Certo, tudo bem. - Abel diz, desviando dele.

Ainda estou olhando para o rapaz quando Abel me arrasta para longe, então eu percebo que aquele lobo é exatamente o motoqueiro que jogou lama em mim.

-- Daxton? - Uma garota de olhos azuis e cabelos escuros e lisos, compridos, sai da sala da secretaria olhando para um papel. Ela está com as mesmas roupas de motoqueiro que ele, então sei que era a menina da garupa. -- Você e eu estamos na mesma turma, que colégio esquisito!

-- Estamos? - Ele vira-se para ela.

-- Nossa, achei que íamos arrumar uma confusão com eles. - Abel exala ar com alívio, enquanto andamos.

-- Melhor que não... - Eu digo, abaixando a cabeça e ajeitando os óculos.

-- Você também, Sevan! Veja se olha o que está fazendo, tinha que se bater justo com um deles? - Abel solta o meu braço, meio irritado. -- Meu pai não ia gostar de saber que entrei em uma briga com lobos logo no primeiro dia.

-- Foi mal… - Comprimo os lábios insatisfeito e procuro afastar da mente aquela desilusão. Que droga, não acredito que por um segundo eu me permitir iludir pensando que fosse ciúmes.

-- Os ventos nos protegem. - Velvet cantarola, balançando as mãos para indicar o movimento dos ventos.

De alguma forma conseguimos chegar na classe antes do professor e entramos, buscando um lugar para sentar. Como todos os anos, estou na mesma sala que meus amigos, Abel, Velvet e Chloe, uma menina branca de cabelos castanhos escuros e olhos de mesma cor, que apesar de sempre usar roupas em tons claros, marca bem os olhos e o batom com cores escuras, de forma que ela pareça uma boneca morta. Chloe guardou com seu estojo, caderno e bolsa os nossos três lugares.

-- Bom dia, Chloe. - Eu me aproximo.

-- O que tem de bom? - Ela me manda um olhar afiado.

-- O que tem de tão ruim? Você é sempre animada no primeiro dia de aula. - Sento-me na cadeira detrás dela, tirando o caderno e colocando na cadeira ao lado, onde está o estojo.

Chloe vira-se, para continuar falando:

-- Está chovendo, está tudo molhado, argh, eu detesto o cheiro de terra molhada e você?

-- Eu gosto.

-- Ai, que horror. - Ela revira os olhos castanhos chateada por eu não concordar com ela. -- Não vai ficar doente todo coberto de água desse jeito?

-- É só água, Chloe! Pura, cai do céu… - Abro o zíper da jaqueta e jogo ela para a cadeira, despindo. Fico apenas com um suéter preto, o cachecol no qual já começo a secar os meus óculos. Meus pés estão cheios de lama, bem como a barra da minha calça, pesando e molhado, criando uma sensação de frio, mas as minhas bochechas ainda se recordam de como foi encostar no peito quente de Abel e isso me deixa com a pele do rosto toda quente. -- Além do mais, eu não fico doente, eu deixo os outros doentes, esqueceu?

-- Haha, boa! - Ela ri como se fosse uma piada, mas é a mais completa verdade. -- Espero que esse ano entre uns alunos novos bem delícias que eu preciso arrumar um namorado!

-- Serão os mesmos alunos de sempre a menos que alguém tenha se mudado para esse fim do mundo. - Abel senta-se do meu lado, deixando que Velvet se sente ao lado de Chloe. Ele passa para Chloe o caderno e o estojo que estavam em cima de sua mesa.

-- Na verdade, haverão dois alunos novos! - Velvet cai sentada por cima de sua capa plástica, espalhando água em Chloe.

-- E como você sabe disso, senhorita vidente? - Chloe afasta o caderno, fugindo da água e passa as mãos nos cabelos, para certificar-se de que não respingou água neles. -- Teve um sonho premonitório?

-- Não, mas acabamos de cruzar com eles na secretaria. - Velvet pisca um dos olhos sapeca.

-- Gatos? - Chloe se empolga.

-- Eu achei bonitinho e gentil, o que foi até estranho já que ele veio da Matilha. - Velvet pondera.

-- Cachorros fedidos. - Chloe reclama fazendo bico. -- E lá se vai a minha chance de arrumar um namorado esse ano. - Ela suspira pesado e apoia o queixo na mão, com o cotovelo amparado pela mesa.

-- Você pode namorar outros garotos, Chloe. - Velvet comenta tirando a capa, mas ficando ainda sentada sobre ela.

-- Ai, eu sei, eu sei! Só queria um pouco de novidade e não os mesmos de sempre. Não tem ninguém bom de verdade. - Chloe resmunga. -- Já beijei todos, então eu sei!

-- Você devia ficar com Olsen, ele é um eterno apaixonado! - Brinco, provocando, só para irritar.

-- Olsen é um stalker! - Chloe abre bem os olhos. -- Ele nunca superou o término do nosso namoro, não sei por quê.

-- Porque foi um término por um motivo idiota. - Velvet implica.

-- Não foi idiota, ele tem um pintinha escura na testa, em cima da sobrancelha! - Chloe coloca o dedo onde fica a pinta de Olsen, que vou ser sincero, é tão pequena que nem aparece, além disso, quem não tem pintas?

-- Exigeeeente! - Abel brinca, mas falando um pouco sério. -- Por causa de uma pinta? Eu tenho pintas!

-- Por isso não vou namorar você. - Chloe pisca os olhos como se atirasse uma arma.

-- Não é a toa que está encalhada e solteira.

-- Otário. - Chloe dá um tapa no ombro de Abel, mas ele nem se importa, apenas ri e se encolhe, brincando. -- Prefiro encalhada e solteira a dividir minha vida com um babaca.

-- Bom dia, alunos! - A professora adentra a sala, segurando uma pasta verde escura, com a lista de chamada e uma caixa pequena com giz.

-- Bom dia, Srta. Karnache! - Todos falamos.

Eu percebo que com ela estão vindo dois alunos, os motoqueiros. A garota já deixou o macacão negro preso na cintura, usando apenas a calça, mas exibindo agora seu corpo bem magro e de peitos salientes, com um decote até exagerado na blusa azul que está usando.

-- Esses são Daxton e Kaya, são irmãos e recém-chegados à matilha. Não querem se apresentar?

O garoto, Daxton, comprime os lábios meio sem jeito, mas a garota se adianta, apoia o braço no ombro dele, reparo que ela tem as unhas pintadas de azul, uma cor que as garotas por aqui não costumam usar:

-- Meu nome é Kaya, eu tenho dezesseis anos, meu irmão já tem dezoito e acabamos de nos mudar. Viemos de uma cidade um pouquinho maior e com mais coisas para fazer, mas tenho certeza que Prado Delta irá nos recepcionar muito bem! - Ela sorri tão lindo que escuto uns suspiros pelo lado corvo e uns uivos pelo lado lobo da classe. -- Por favor, cuidem bem de nós, especialmente do meu irmãozinho aqui, ele é muito mau-humorado e tem dificuldades de fazer amigos. - Ela diz. Em resposta, Daxton vira o rosto para olhar para ela, repreendendo-a, mas não surte efeito, ela apenas ergue o dedo. -- Não falei?

E arranca uma risada da classe.

Se fosse eu, juro, estaria me desmanchando com alguém apontando meus defeitos, mas Daxton pelo visto lida com isso muito bem, não se importando, nem se abala, apenas joga os olhos claros para outro lado e me acerta com eles. Meu coração dá um pulo quando Daxton fica o seu olhar em mim. É uma sensação diferente que arrebata o meu corpo, quer dizer, ele é tão… bonito.  Tento afastar esses pensamentos da minha cabeça por motivos óbvios.

-- Dêem as boas vindas. - A voz da professora chama a razão.

-- Sejam bem-vindos. - A classe responde.

-- Vocês podem se sentar ali, na direita da classe, é o lado dos lobos. - A professora indica.

Aqui não tem essa de meninos de um lado e meninas de outro lado, como vi em algumas escolas ao redor do mundo na internet - além dos filmes e livros.

Aqui o que nos separa é se você é lobo ou corvo.

 

(Continua)

 


Notas Finais


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