1. Spirit Fanfics >
  2. Desgarrados - Lobo Corvo >
  3. Meu lugar, seu lugar

História Desgarrados - Lobo Corvo - Meu lugar, seu lugar


Escrita por: rubiconvenus

Capítulo 5 - Meu lugar, seu lugar


Capítulo 04: Meu lugar, seu lugar

 

-- Está doendo? - Pergunto encarando as feridas nas costas de Daxton. Não pareciam exatamente profundas, mas estavam ali, marcando sua pele branca e sangrando. Eu sei o quanto as feridas de uma mordida de lobo podem ser doloridas.

Estávamos no quiosque, ele tinha se levantado e eu o segui. O sinal de retorno as aulas tinha até tocado, mas eu não tive coragem de deixá-lo sozinho todo machucado. Daxton também não demonstrou vontade de retornar para as aulas.

-- Não devia ter interferido. - Daxton abre a torneira, escorando-se na pia e enchendo a mão com água. Ele molha suas feridas, soltando um respirar entre dentes, de dor. -- Pegue minhas roupas.

-- Ahn? - Indago.

-- Estão ali. - Ele pede, apontando para trás, com o braço esticado.

Apesar de ser na minha direção, era atrás de mim.

Dou uma meia volta e encaro os arbustos da grade. Caminho pela grama, sentindo os sapatos como esponjas cheias de água, mas não reclamo disso em voz alta. Aproximo-me dos arbustos e abaixo, dobrando um joelho no chão. As roupas estão por debaixo dos arbustos, dobradas, como se tivessem sido guardadas, os coturnos ao lado, com as meias dentro. Tão estranho! Não consigo imaginar ele fugindo dos lobos e ainda tendo tempo de esconder as roupas dessa forma… E onde estão as roupas dos outros, aliás? Estico os braços, pego as roupas com cuidado, faço um tremendo esforço para voltar a ficar em pé e volto para o quiosque, tomando proteção da chuva.

-- Aqui. - Coloco sua calça jeans, camiseta branca, a cueca, meias e sapatos na bancada ao lado da pia, onde ele estava se limpando.

Reparo que as feridas estão fechando depressa, é um tipo de poder que os lobos tem, uma regeneração instantânea, que deixa apenas as cicatrizes. Eu me afasto, tentando não olhar demais para o corpo dele, que era atlético.

Daxton não disse nada, apenas pegou as roupas e começou a se vestir. Eu dei as costas para ele e encostei o ombro na pilastra do quiosque, cruzando os braços, olhando a chuva cair pelo telhado de sapê.

Não quis dizer nada, nem perguntar nada, já que obviamente ele não estava a fim de conversar e também, eu não era muito bom falando da minha vida e dos meus problemas para ninguém.

-- É uma questão de dominância. - A voz de Daxton surge bem do meu lado. Tomo um susto e me endireito. Ele segura na viga do teto erguendo o corpo um pouco, os músculos de seu braço enrijecendo com o esforço, esticando as costas. -- Estou te dizendo para não ficar assustado.

-- Não estou assustado. - Reviro os olhos. -- Caso não se lembre, enfrentei aqueles valentões. - E fiquei de frente para ele, encostando as costas na pilastra. -- Por que você não se defendeu?

-- Você se defende das coisas que os outros pássaros fazem para você?

-- Eu não preciso. - Aponto, erguendo as sobrancelhas e os meus óculos escorregam para frente, fazendo com que eu tenha que ajeitá-los. -- E não sei se reparou, eles meio que fogem de mim.

-- Hm, reparei. Dizem que você dá azar e contamina com doenças.

-- É uma versão resumida, sim. - Confirmo, balançando a cabeça e colocando os cabelos para trás da orelha.

-- E verdade?

-- Bem, da última vez que encostei em uma pessoa, ainda que sem querer, ela ficou uma semana no hospital. - Ergo as sobrancelhas lembrando.

-- Hm.

-- Então… Vai me dizer o que estava acontecendo? - Ergui os olhos para Daxton e arrumei mais uma vez os óculos. -- Porque, não sei, acho que a Sra. Perroquet devia dar uma advertência a eles, ou então, expulsá-los. Eram os gêmeos, não eram?

-- Como eu disse, é uma questão de dominância normal. - Daxton solta a viga e vira-se de frente para mim, erguendo as mãos e sorrindo, como se estivesse tudo bem.  -- Acabei de chegar na matilha e esse é o meu papel.

-- Ser atacado pelos outros? - Estreito os olhos, duvidando.

-- Não é como se eles fossem me matar, relaxe. Vocês pássaros não tem como entender isso, é coisa nossa. De lobos.

-- Você é muito bom em entender como os pássaros não vão entender, então tá bom. - Arfo irritado, virando o rosto para o lado, para a chuva. -- Não faz diferença.

-- Não sou da matilha, minha família entrou de favor, entende? Somos classificados como lobos Ômegas. É como nós pagamos para usufruir da proteção, tipo… Tipo os bobos da corte de antigamente. - Ele se aproxima encostando o ombro na pilastra em que estou, me deixando um pouco incomodado por aquela proximidade. As pessoas não se aproximam de mim e eu não me aproximo delas, sejam corvos ou lobos. Mesmo assim, eu sinto um pouco de falta de estar próximo a alguém, de fazer amigos novos e não ligo que ele esteja tentando ser legal e explicar as coisas, é como se quisesse me incluir na sua vida. -- Eles eram maltratados pelos reis e nobres, que são basicamente os alfas e os betas da matilha… mas enfim, aqueles lobos que você viu, são os lobos de classificação média, chamamos de gamas.

-- Os gêmeos.

-- Sim, os gêmeos. - Ele confirma balançando  cabeça. -- A maioria da matilha é gama e quando eu for totalmente aceito, provavelmente serei como eles.

-- Vai atacar os outros que vierem depois, como você?

-- Claro, faz parte de ser da Matilha. Os próximos precisam ganhar confiança, é assim que funciona.

-- Bárbaros. - Reviro os olhos e desvio o olhar dele.

-- Ei. - Daxton segura no meu queixo, fazendo eu olhar para ele novamente. -- É nossa cultura, por que vocês pássaros ficam querendo julgar e mudá-la?

-- Porque essa violência toda está errada.

-- Ah, e vocês por acaso sabem a certa? - Ele dá um sorriso provocativo, esticando a barba castanho avermelhada.

-- Claro. - Eu me afasto dele um pouco e acerto os óculos. -- A violência é desnecessária, de qualquer forma. Será que vocês não poderiam pagar para a Matilha de outra forma?

-- Como os pássaros pagam? - Ele provoca, erguendo as sobrancelhas curtas, que pesam mais na linha do nariz e quase desaparecem conforme contornam o supercílio.

-- Se um corvo que não é do bando quiser entrar, ele é recebido e se junta ao vôo, simplesmente! - Explico. -- Mas não existem corvos que não são do bando, nunca expulsamos ninguém e não conheço nenhum caso de deserção.

-- Mas sempre tem um líder na frente e ficam todos naquela formação em “V”, não é? - Daxton pergunta interessado.

-- O líder nos guia, é verdade, mas ele não manda um atacar o outro apenas para saber em quem ele pode confiar. Aqui todos confiam em todos.

-- Eles não parecem confiar em você. - Daxton retruca sério.

Suas palavras caem pesadas em cima de mim, mas ele tem total razão. Os corvos não confiam em mim, pior, temem o que eu possa representar para o bando.

-- Eu perdi uma asa, não posso realmente voar como eles. - Cruzo os braços e solto um suspiro, finalmente admitindo. -- Um de seus amigos lobos me atacou quando eu era criança, quando ainda estávamos em guerra com a Matilha.

-- Eu sinto muito…

-- Eu sou um mau-presságio para os corvos. Todos os meus poderes trazem coisas malignas para a vida das pessoas, então eles mantém distância de mim. É assim que as coisas funcionam, é o meu lugar.

-- Ah, vê? - Daxton segura nos meus ombros apoiando, eu olho para ele, que está com esse sorriso fora de hora no rosto. -- O seu lugar, certo? Igual ser um ômega. É o meu lugar. - E bate as mãos nos meus ombros, se afastando. -- Cada um no seu ninho, passarinho!

-- Não me chame assim. - Respondo rangendo os dentes.

-- Desculpe, ofendi você? Não fiz por mal, então… Devo chamar de quê?

-- Sevan. É o meu nome.

-- Muito prazer, sou Daxton.

-- Eu vi você na classe, eu sei. - Reviro os olhos entojado e volto a encrar a chuva.

-- Queria me apresentar direito. Minha mãe sempre diz que educação de mais não é exatamente um problema. - Ele contorna a pilastra e fica de frente para mim, jogando os cabelos compridos e ondulados para trás.

-- Acho que ela tem razão.

-- Mães sempre tem, certo? Aposto que sua mãe sempre acerta o clima, manda pegar casaco mesmo que esteja um dia de sol e se você não pega é assolado pelo frio em uma virada do tempo louca! Não é?

-- Hm, acho que sim. Eu não saberia dizer, minha mãe morreu quando o lobo nos atacou… E também o meu pai.

-- Oh. - Ele empalidece e solta a pilastra, quase caindo para trás. -- Sinto muito ouvir isso.

-- E eu em dizer. - Estico a boca em um sorriso sem alegria e encosto as costas na pilastra.

Ficamos um longo período em silêncio vendo a chuva cair. Nenhum de nós fala nada. Todo mundo sabe a minha história e eu normalmente não preciso contá-la, então, também não preciso lidar com essas reações esquisitas. Penso em voltar para a classe, mas não é minha atividade favorita, então fico por ali enrolando enquanto Daxton faz o mesmo, bocejando preguiçosamente.

Até que ele resolve cortar o silêncio:

-- A aula já vai terminar…

-- É…

-- Não vai voltar para a aula…?

-- Vou só pegar minhas coisas antes de ir para casa.

-- Você vai andando sozinho? - Ele pergunta de maneira enxerida. Acho que faço uma cara feia e Daxton ergue as mãos, explicando. -- Os gêmeos ficaram ofendidos quando você atrapalhou e podem querer dar um susto em você.

-- Eles não me assustam. Não precisa dar uma de babá.

-- Errr… Certo  se você diz… Bem, obrigado por sua ajuda, Sevan. Mesmo não tendo que interferir, o fato de ter interferido diz muito sobre você. - Ele estende a mão, para um cumprimento. -- Ops desculpe. - Daxton percebe o que ia fazer e recolhe a mão, passando no corpo.

Droga. Mais uma pessoa nesse colégio com medo de mim. E por algum motivo que ainda não compreendo totalmente, eu fico triste de perceber que ele está se afastando e que me vê como todos os outros me vêem.

-- Não, tudo bem. - Tento disfarçar a tristeza. -- Catapora é muito menos do que realmente poderia acontecer.

-- Eu já tive catapora. - Daxton dá um sorriso e se aproxima mais de mim, chegando tão perto que eu me expremo contra a pilastra. Ele funga o meu pescoço, perto da orelha, depois, fareja meu rosto, perto do nariz. Seu hálito contra minha pele faz com que fique com as pernas bambas, meu corpo inteiro reage, arrepiando e sinto o rosto pegar fogo imediatamente, enquanto meus óculos lentamente escorregam para a ponta do nariz. Daxton se afasta, ele parece estar se divertindo com o meu pânico e vergonha nesse momento. -- Esse é um cumprimento de lobo.

Eu fico sem reação diante dele. Um cumprimento de lobo? Mas eu não sou lobo! Por fim, ele toma distância, me liberando e sai na chuva.

-- Até mais. - Ele acena por trás da cabeça e abre o portão verde da grade, saindo do parque.

Mordo a boca, pensando. Escutar até mais, me deixa eufórico com a possibilidade de que vou conversar com ele novamente.

 

(Continua)

 


Notas Finais


Ai, não sei se meu coração bate mais forte pelo Daxton ou pelo Abel. E vocês?


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...