História Diário de uma Adolescente - Vá ao inferno, titio.

​"Pobre criança, teve que crescer e vencer seus medos por monstros tão cedo... Pobre garota, com 8 anos já se tornou mulher."​

21 de novembro de 2016
                                                            14:20

Querida Yeva,

Eu gostaria de desabafar um pouco com você sobre algo que está marcado em mim ainda. Que ainda não me deixou e muito menos o machucado cicatrizou.
Me perdoe se parecer pesado demais... E inapropriado. Pode ignorar, mas eu preciso te falar.
Aliás, sem segredos se lembra?
 

"Vem aqui. Não precisa ter medo. O titio vai cuidar de você"
"Não se preocupe. Será rápido! Não sinta medo"
"FIQUE QUIETA!"
"Conte para alguém e você morrerá"

Foram frases que ecoaram em minha cabeça durante todo o momento.

O nojo, a ânsia e o desespero se fizeram presentes em meu olhar.
Onde se tinha inocência, foi substituído por ódio.

A cada toque que o "titio" me dava, era um pedaço de mim se desfazendo.
A cada passada de mão no meio de minhas pernas, era mais uma página de meu diário sendo reveladas. Reveladas para um monstro, ao qual, não permiti ler.

Você sabe o quanto isso me machucou?
Você sabe o quanto aquilo me atormenta?
Medo, angústia, ansiedade, me seguem, me perseguem.
Como se isso não bastasse. Como se as lembranças que tenho daquele dia não bastassem...
Tenho que ver seu rosto, todo dia.
Fingindo rir de suas piadas. Engolir as lágrimas e a vontade de mata-lo, substituindo por sorrisos falsos.

"Vai ser rápido"

Não, pare!
Sai daqui agora!
Não foi rápido!
Ainda dura.
Parece a eternidade.
Ainda sinto seus toques, seus beijos, seus dedos.
Dedos invasores, beijos nojentos. Toques repugnantes.

Uma voz.

"Minha mãe. Me solte. Ela esta me chamando!"
"Não ouço nada"

E então mais um grito. E você me solta.
Mas antes de eu ir embora me lembra da ameaça.

Lágrimas.
Pesadelos.

A cada banho que tomava me sentia mais suja.
Meu corpo arranhado pela esponja vegetal ardia em contato com o sabão.

Brincadeiras?
Não existia mais príncipes, cavaleiros ou guerreiros.
Apenas monstros. Ladrões. Dragões.

Inocência?
A pior parte!
Passei a minha infância inteira ouvindo "Olha, não queira perder sua inocência tão cedo em."
E adivinha?
Você me arrancou ela! Eu apenas sorria "inocentemente" e perguntava "O que é inocência mamãe?"

Eu era uma ótima atriz.

Mas tudo passou. Um ano se passou!
Havia descoberto que ainda tinha minha inocência.
E então, quando tentei ser criança de novo... Você apareceu.
Dessa vez não fui, mas você me arrastou. Me obrigou á deitar.

Me pergunto até hoje o porquê de você não ter consumido o ato?
O medo?
O que foi? Sua mente pesaria?! Você se odiaria? Ou ja estava bom demais enfiar 1,2,3,4,5 dedos em minha vagina e pronto? Se sentia satisfeito? O melhor? O dominador? O alfa? O machão?

Minha inocência se esvaiu entre meus dedos novamente. A mesma ameaça. As mesmas palavras.
E mais uma vez... As mesmas lágrimas.

Como se não bastasse fazer apenas uma vez, fez durante 5 anos.
E para fechar com chave de ouro, chamou mais um doente, para experimentar de uma criança que estava entrando na pré-adolescência.

Adolescência agora, completamente atormentada!

Não se preocupe, eu ainda não contei á ninguém.

O medo daquela" garotinha do titio" ainda esta aqui, escondido, mas esta.
O nojo ainda é presente, não tanto quanto antes, mas ele ainda vem.
Não sinto mais tanta raiva, nem ódio.
E quando sinto, é de mim.
De não ter conseguido sair do teu aperto, e agora me culpo, me culpo por não ter conseguido fugir de você, de ter lhe empurrado, chutado, gritado "NÃO", denunciado... Mas não, eu tinha medo, eu era fraca demais.
Toda vez que ia falar pra minha mãe, minha boca abria e som nenhum saía, as imagens de você se passavam na minha cabeça e eu... Fugia.
Desistia de falar pra minha mãe e ir pro banheiro "tomar um banho."

Gostaria de saber como você se sentia quando me "acariciava".... Quando me machucava.
Era divertido? Ver o desespero no olhar de uma criança. Era bom? Ver o medo em mim toda vez que te olhava. Era um alívio? Saber que você era o responsável por tudo aquilo.
Por que fazia aquilo? Tinha motivo?

Você me deixou marcas. Me deixou medo.
Agora todos os dias eu fico com medo aos olhares de homens nojentos como você.
Agora, eu não gosto de sair por ai sozinha, com medo do que pode acontecer.
Agora, eu fiquei marcada, á espera de algum dia, alguém terminar o que você começou, e continuar sendo infeliz.

Agora, eu não sei como superar tal coisa, e você, é o culpado de tudo.

Mas, fique tranquilo "titio", ninguém sabe disso ainda...

Apenas uma criança escondida dentro de mim com medo, dor e angústia, os últimos sentimentos que você permitiu que ela tivesse durante sua infância nada pura.

Carla