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História Diários do Defunto - Grey Hill - Dois Palmos


Escrita por: itsgraham

Capítulo 2 - Dois Palmos


~Eu não tenho medo da morte, eu apenas não quero estar lá quando acontecer. 

 

Luke Waters correu. Não sabia exatamente porquê ou de quê, mas correu. Descendo a colina como um carro em alta velocidade fora de controle, tropeçando na grama cinza e tossindo quando as cinzas iam parar em seu rosto. Atrás de Luke se formava uma espessa nuvem, como ele fosse algum desenho animado em fuga.

Os cascos do cavalo explodindo como trovões no chão de cascalho fizeram Luke dar uma parada brusca e cair para trás, como se tivesse sido jogado para baixo de uma rampa de lixo, as mãos e o traseiro chafurdaram na lama. O enorme cavalo marrom relinchou e levantou, enquanto o homem de boina ampla na carroça tentava acalmá-lo e repreender Luke ao mesmo tempo:

— Ficou maluco, garoto? Você não tá aqui por ter sete vidas não. — ele mostrou uma serie de dentes amarelados, dando uma risada seca, realmente, como se sua garganta estivesse cheia de poeira. 

Haviam centenas deles, pessoas por todos os lados com bolças debaixo dos olhos, cascalhos de pedra e um céu enevoado com um enorme sol cinza leitoso no horizonte. Sobretudos negros, quase todos ao seu redor estavam vestidos em tons de marrom ou cinza, as mulheres de vestidos longos com corpetes apertados e punhos largos nas extremidades como mangas de sino. Os homens usavam calças cônicas, mantos amplos presos a seus ombros, e boinas planas feitas de lã. Carroças e estabelecimentos de madeira. Como se todos ainda vivessem no século 19. O cenário perfeito para um filme gótico.

Como foi imbecil em correr! Naquele noite em frente ao bar, parecia a coisa certa a se fazer, a única coisa a se fazer. Mas por quê? Por que ele fez isso? Que idéia estúpida o levou a pensar que seria uma jogada inteligente? E agora ele estava longe de casa e de todos que gostava, e provavelmente alucinando em alguma cama de hospital, com baba escorrendo pelo canto da boca. E foi tudo culpa dele.

Luke ouviu passos atrás dele, então rastejou para longe.

— Ah, vamos lá, amigo, é melhor você parar com isso agora, — Lottie gesticulou cética. — você ainda tem alguns fluídos humanos no corpo, vai ficar enjoado, vomitar, e aí vai ser um nojo.

— Não! Não!

— Não seja dramático, — ela rolou os olhos para Luke, que se arrastava sobre o próprio traseiro na lama. — Eu não sou um cara enorme com uma cerra, nem Jonny Depp com uma navalha. Não seja um bundão, anda, levanta daí.

— Não! Não é possível!

— Que foi? Quebrou a coluna?

— Não! Não posso estar morto, se eu morrer minha mãe me mata!

— Um tanto contraditório, Loc...

— É Luke! —gritou numa voz esganiçada.

— Tanto faz! — Lottie apertou a ponte do nariz, esperando. — Querido, eu tenho 131 anos, não posso ficar me esforçando assim.

— 131? — Luke ofegou.

— Não, não — ela estapeou o ar rindo. — Só tava zoando com a sua cara, tenho 17. Agora venha.

Ela estendeu a mão outra vez. Mas Luke a estapeou.

— Ei! Olha só o que você fez. Nada gentil, Muke.

Luke nem conseguiu registrar o alto Crak! E Lottie olhava para os próprios dedos quebrados, a pele pálida partida, mostrando ossos e carne arroxeada sem sangue.

— Jesus! O que é isso?

— Acontece de vez em quando — ela empurrou os próprios dedos para o lugar. — Agora, você pode sair correndo por aí como uma galinha sem cabeça, ou ser um bom garoto e vir comigo.

Ele parecia voltar a si depois de um sono profundo. Mas suas roupas ainda estavam rasgadas, e continuavam a cair cinzas. Mas ele podia acordar de quantos sonhos quisesse, porque isso não era um sonho. Era um pesadelo.  

Mas se Lottie não era real, se fazia apenas parte de sua imaginação (e ele podia muito bem ter imaginado a Emma Stone) Que mal faria segui-la? Não era como se ele tivesse algum outro lugar para ir. 

—Tudo bem —Luke levantou, ia começar a bater a sujeira das roupas mas, ao ver seu estado, desistiu. — Onde preciso ir? A um cartório fazer minha certidão de morte?

— Eu faço as piadinhas por aqui. 

—Tem Wi-fi por aqui? Qual a sua operadora de celular? Vivo?

— Cala a boca. 

 

Lotes de flores. 

Luke pôde ver exatamente o que eram, quando dobrou a rua atrás de Lottie e enfiou o rosto em um ramo de Tulipas. 

E o mais estranho era que...

Elas não tinham cheiro. 

O entregador trajado num longo casaco de lã marrom e boina cinza, olhou esquisito para ele. Com o rosto enfiado nas flores, testou diferentes ângulos em busca de algum cheiro. 

Luke parou para olhá-lo também. Bolças roxas debaixo dos olhos, cara pálida. Como a versão chapada de Niall. 

— Ah... se não se importa... Tenho coisas a fazer — disse o garoto, em uma voz anasalada, como uma eterna vítima da gripe. 

Luke deu um passo para o lado, e ele andou até a mulher alta e robusta que o esperava na varanda de uma casa de madeira rústica. Ela recebeu as flores, leu o cartão alegremente, e ele foi embora. 

— Vai soar muito estranho se eu pedir a você que não saia cheirando as coisas das pessoas por aí? — Lottie gritou, ela já havia andado alguma distância.

— Pessoas tem funções aqui? Por que... eu não sou útil em nada, a não ser... causar problemas — Luke estapeou a própria testa.

O que ele esperava dando uma informação dessas a ela? Que ela o expulsasse do Paraíso? 

— Não se preocupe, você não vai entregar flores — disse Lottie, puxando óculos escuros da pequena e quadrada bolça preta que batia em sua cintura. — Ainda.— ela pareceu contente com isso, encaixando os óculos no rosto branco. 

— Vocês tem flores aqui...?

Aqui em baixo. 

— Onde Diabos for aqui — Luke completou. 

— Geralmente elas não duram muito tempo. São temporárias, não podemos plantá-las, elas nunca crescem. Sabe como é, solo morto — pareceu uma tentativa de piada, mas Luke não achou graça. 

— Então... de onde elas vem?

— Das sepulturas. — ela disse isso com extrema naturalidade. 

— Sepulturas... — ele assentiu. — ... Claro. Como não pensei nisso antes...

— Quando alguém morre — Lottie suspirou. — as pessoas não trazem flores para se sentirem importantes mesmo que seu ente querido esteja azul e apodrecendo de baixo da terra? — ela disse isso sem parar pra respirar.

Bem, este era um jeito bem amargurado de se explicar mas...

— Sim.

— Então, é de lá que elas vem. Nem sempre sabemos exatamente quem as coloca, mas sempre sabemos para quem elas são.    

Ela estava andando para oeste, para um distante prédio de alvenaria, grande e quadrado, um bloco cinza e sólido cujas portas duplas não revelavam nada sobre a possibilidade de haver vida atrás delas. Uma grande placa de pedra estava plantada no meio da grama morta, as palavras SANATÓRIO JENEVIV gravadas nela. Por algum motivo, Luke pensou tê-la visto em algum website, mas parecia ainda mais feia no sol nebuloso do que na sem graça foto em preto e branco. 

Mesmo a distância, ele podia ver o limo preto cobrindo a fachada do bloco. Todas as janelas eram obstruídas por fileiras de barras grossas. Ele apertou os olhos. Aquilo era arame farpado em cima da cerca que dava a volta no prédio?

Mas por dentro ele era muito maior do que parecia, com um amplo teto abobadado, e papel de parede rubi desbotado e descascado, como um palácio real em ruínas. E estava cheio, como um grande centro comercial, e uma serie de falas simultâneas ecoando ao mesmo tempo.

Luke se esgueirou entre as pessoas, perseguindo a cabeça ruiva mal tingida de Lottie. Mais garotos como o das tulipas passavam apressadamente. Uma sirene soou, ricocheteando em paredes de mogno, Luke abaixou-se, cada pessoa que passava olhara feio para ele, mas ele sabia que não era culpa delas, porque ele não era apenas um cara abaixado, mas sim um cara abaixado, sujo, de roupas esfarrapadas com um rasgo que mostraria seu traseiro se apenas se dobrasse mais alguns centímetros. Ele alinhou-se sutilmente outra vez.

A sirene era alta, escandalosa e repetitiva como uma versão mais aguda daquele filme que ele assistiu, Silent Hill. E então, as pessoas estavam pasmas olhando aqueles estranhos telões de fumaça, expostos bem no fundo, dando informações, uma rodoviária doentiamente sobrenatural. Uma mulher, parada bem a frente, começou a chorar como se o filho tivesse morrido e enfiou o rosto no ombro de um rapaz mais alto, jovem como Luke.

— O que aconteceu? — Luke perguntou, tropeçando para frente, desviando de um homem gorducho, que tagarelava sobre o raro relógio que havia conseguido em alguma cova isolada, enquanto tentava acompanhar a garota mais baixa.

— Oh, não ligue — disse Charlotte, sem parar para olhá-lo. — Esses são só ladrões de corpos. Acontece o tempo todo.

— Ladrões de corpos? — disse Luke, desviando de mais lotes de flores.

— Oh, sim. Você sabe aquele momento em que as pessoas parecem ter morrido mas, no minuto seguinte, voltam a respirar como se tivessem se afogado?

— Sim.

Só que não, Luke pensou. Bem, ele não sabia exatamente. Mas já havia visto bastante em filmes.

— Então — Lottie suspirou paciente. —, neste momento, nestes segundos, existem alguns espertinhos que roubam o lugar desta alma.

— O quê? Eles tipo, voltam a viver? Com o corpo de outra pessoa? E ninguém nota a diferença?

— O cérebro é algo programado, Loc — Lottie parou, lançando os cabelos tingidos de vermelho, e Luke quase tropeçou nela, ela se virou, olhando para cima, por cima dos óculos escuros que a deixavam com cara de abelha. Seus olhos pareciam duas bolitas verdes, e havia empatia neles. — Alma é apenas algo que faz o corpo se mover. Quando esta alma entra no corpo, esquece que esteve aqui, vive conforme aquele cérebro está programado para viver — Lottie estava pronta para se virar, mas voltou a olha-lo. — E não, ninguém nota a diferença.

Um momento mais tarde, dois meninos sujos de um jogo esbarraram em um trio de mulheres que estavam em seu caminho caindo uns sobre os outros. As mulheres se levantaram e gritaram maldições contra os meninos, que zombaram de volta, apenas abrandando.

— Quer dizer então, que eu posso atravessar paredes aqui? — Luke abriu um sorriso sedutor para ela.

Lottie nem se prestou a olhá-lo ou se abalou. Ele ficou surpreso.  

— Isso é o Mundo dos Mortos, não Harry Potter.



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