História Dive - A saga da vergonha alheia

Acordei enjoada de uma forma que acabei nem notando como cheguei ao banheiro. Vomitei sem dó e tive que escovar os dentes três vezes para atenuar o nojo que estava sentindo de mim mesma. Foi parada em frente ao espelho, me encarando com a pior cara de acabada que eu já conquistei, que me vi procurando uma resposta para a forma que tinha chegado ali. A vergonha queimou no meu rosto de uma forma que até abafou a minha percepção do enjoo. Voltei para o quarto e tudo o que conseguia pensar era em quantos meses demorariam para eu ter coragem de colocar o rosto pra fora de casa novamente. Se ontem eu não tinha conseguido dizer nada para James, eu nunca mais diria.

- Bom dia. – A voz rouca no meio do além que era o meu quarto naquela escuridão me deu um susto que fez meu coração dar um salto carpado 360º. Olhei em pânico para a direção de onde ela veio e consegui distinguir a silhueta de alguém deitado no chão do lado da minha cama, sobre o que parecia um amontoado de cobertas.

- James? – Perguntei em dúvida.

- Existe mais alguém cuja casa você tenha invadido ontem de noite e tenha tido que te trazer para cá e foi impedido de voltar porque você se sentiria solitária sozinha? – A voz devolveu e eu desejei que não tivesse acendido a minha luz. Não só porque meu olho ardeu, ou porque minha cara estava horrível, mas porque eu não tinha tido tempo o suficiente para me fingir de morta.

- Eu invadi sua casa? – Perguntei estupefata.

- Você não se lembra? – Perguntou se aproximando e não consegui entender o por que de parecer se divertir com a situação depois de tudo pelo qual eu o tinha feito passar noite passada.

- Lembro de bater na sua porta e de você atender... – Fiz um esforço para relembrar mais alguma coisa, mas era tudo um grande vazio preenchido por pura vergonha.

- “Bater” é um leve eufemismo. Você veio pronta para derrubar minha porta. – Ele riu e eu me encolhi. James tinha chegado a minha frente e me olhava com aquela sua beleza assustadora e olhos hipnotizadores. – Sorte sua que o sono dos meus pais é pesado e eu tinha pegado no sono na sala enquanto via série. Imagina se eles tivessem te visto naquele estado? – Eu tremi com a possibilidade. Lá se ia minha imagem de boa influência e ótima futura nora. – E foi difícil de impedir isso, porque você se esforçou viu? Quando perguntei o que tinha vindo fazer àquela hora na minha casa você simplesmente me deixou no vácuo e entrou na minha casa, indo até o sofá e dizendo que precisava dormir. Claro que precisava, eram duas da manhã. – James gargalhou com sua história e provavelmente com as caras que eu fazia. Sério, se eu me jogar de cabeça no meu armário eu terei minha queda amortecida pela neve de Nárnia? Eu aceito mesmo que a opção seja o chão.

- Então você me trouxe para casa? – Perguntei torcendo para que essa fosse a história completa.

- Sob protestos. Quando eu tentei dizer que era melhor ir para casa, você disse que tinha algo importante para falar, mas que dependendo da minha resposta eu nunca mais poderia procriar e então logo em seguida desmaiou. Foi um barulhão... caiu que nem bosta. – Comentou divertido e eu estreitei os olhos com a comparação. Ele teve a decência de não fazer mais comentários e borrar o sorriso. – Bom, eu te carreguei até aqui antes que meus pais aparecessem e acabou sendo mais fácil do que eu pensei porque o portão, por algum motivo, estava aberto. Sabe algo sobre isso?

- Ele ta velho já. – Respondi fazendo descaso da situação. Foi difícil ele segurar o sorriso nessa.

- Depois que eu passei pelo portão velho- deu ênfase nas duas ultimas palavras e eu revirei os olhos. – eu subi as escadas e te coloquei na cama, estava pronto para voltar para casa quando você acordou.

- Ah não. – Murmurei de desgosto com meu timing.

- Oh sim. Você disse para eu parar de desviar do assunto e te responder, mas você não tinha dito nada ainda, só uma futura consequência da minha escolha. Mas você parecia com sono demais para conversar e pediu para eu dormir aqui para que não ficasse sozinha. E eu, como um bom rapaz, fiquei. – Sorriu concluindo sua narração sobre a saga da vergonha alheia.

- Só isso? Foi melhor do que eu pensava. – Mentira.

- Eu ainda não acabei. – Falou e eu me amaldiçoei pela boca maldita. – Você também me beijou, antes de se virar e dormir.

Olhei James durante longos – pareceram horas – segundos e suspirei. Bom, eu estava esperando por algo do tipo desde que ele começou a história. Então ele já sabia, era melhor do que ter que contar sóbria – eu acho.

- Sério? – Perguntei desanimada, mas aceitando meu destino. Nada que fosse me impedir de estar me cagando de medo do que viria a seguir.

- Não. – James deu o maior sorriso do dia e eu fiquei confusa.

Droga, nem para uma beijo eu servi. Eu tinha me submetido àquela ressaca inutilmente. 

- Então porque falou isso? – Perguntei irritada. Meu corpo tinha parado de funcionar à toa. Conseguia sentir minhas pernas e braços formigando.

- Eu queria testar um negócio. – Ele se aproximou perigosamente, ultrapassando o espaço pessoal que tínhamos deixado. – Você pode não ter me beijado, mas falou uma coisa. Acho que as exatas palavras foram “eu gosto de você seu babaca”, mas sabe, você estava bêbada então eu não poderia dar muito crédito para isso.

- Mas? – Perguntei.

- Mas a sua reação agora... você gosta mesmo de mim não é?

James parecia tão feliz com sua conclusão que eu me vi sem palavras durante um tempo. Aquele era um bom sinal certo?

CERTO?