Você não tem que tentar muito, você não tem que provar nada
Você me ganhou no "Olá!"
22h54min
O resto da tarde passou rápido, e a noite já havia caído a um bom tempo quando começamos a nos preparar para fechar. Carter ficou comigo o dia todo e aprendeu tudo o que eu o ensinei bem rápido. Ele era fofo, engraçado e tinha o dom de me fazer ficar sem graça. Nós recebemos várias pessoas ao longo do dia e ele foi ótimo com todas elas. Tirando algumas cantadas, ele havia sido uma companhia maravilhosa pra mim.
- Você desligou tudo? – Alex perguntou, pela milésima vez.
- Eu já te disse, desliguei tudo. – Afirmei e ela me analisou com os olhos semicerrados, desconfiada.
- Emma, você tinha deixado um dos projetores ligados. – Carter diz, saindo da sala de projeções. Alex me olha com as sobrancelhas arqueadas.
- Ah, até parece que você nunca esqueceu nada! – Reclamei.
- Eu, não! – Ela diz e começa a se dirigir até a porta dos fundos.
- E o incidente do filme? – Digo, enquanto eu e Carter a seguimos para fora do cinema.
- Qual foi o incidente do filme? – Carter pergunta rindo, com interesse novo na conversa.
- Aquilo foi um acidente! – Ela grita e continua andando, sem olhar para trás.
- Ela deixou um rolo de filme dentro do projetor depois que ele já havia acabado. – Contei, passando com Carter por Alex que estava parada no corredor nos esperando sair. – Só que o projetor era pré-histórico e ela também havia se esquecido de desligá-lo e na manhã seguinte..
- O filme tinha derretido e a gente perdeu o rolo e o projetor. – Ela fala, continuando. – Era a minha primeira semana, como eu poderia saber que aquilo ia acontecer? - Começamos a rir e Alex bufa, se virando para trancar a porta atrás de si.
- Eu te entendo, Alex. – Carter diz entre risos, dando tapinhas no braço da mesma.
- É.. – Diz, rindo e checando algo no celular. – Crianças, eu preciso ir andando.. – Ela brinca e me dá um abraço, fazendo o mesmo com o moreno. – Boa noite pra vocês!
Observamos Alex sair andando e Carter se vira para mim.
- Vai a pé? – Perguntou.
- O quê?
- Para a sua casa, - Ele se explicou. – Vai a pé?
- Vou, - Lhe dirigi um pequeno sorriso. - Minha casa é a uns três quarteirões daqui.
- Quer que eu te acompanhe até lá?
- Não vai te incomodar? – Indaguei.
- Não, claro que não. – Ele sorriu e começamos a andar.
As ruas estavam movimentadas e tudo estava iluminado como sempre. Essa era a beleza de Nova York, ela nunca dormia, em cada rua, beco ou estabelecimento, não importasse o horário, sempre haveria alguém, alguma luz, em qualquer horário. Era impossível estar sozinho. Eu sempre fui apaixonada por essa cidade. Ela guardava tantos segredos dentro de suas fronteiras e se mostrava perfeita para o mundo.
Carter e eu, caminhávamos lado a lado, ombros encostando. O vento batia no meu cabelo e eu andava com os braços cruzados na frente do corpo.
- E então, - Carter chamou minha atenção para si. – Você mora sozinha?
- Não.. – Respondi, me afastando um pouco para olhá-lo.
- Com seus pais? – Ele tentou de novo.
- Não, também. – Torci minhas mãos, desconfortável. O mencionar dos meus pais me deixava nervosa. – Meus pais me abandonaram a uns bons anos atrás. – Sussurrei.
- E-eu sinto muito. – Ele diminuiu o tom de voz, envergonhado.
- Tudo bem.. – Tentei sorrir. – Eu moro com a mulher que me criou e alguns outros.. – Irmãos? Amigos? Eu não sabia como descrevê-los. Por que eu não sabia como descrevê-los? – Minha família é complexa. – Eu ri, tentando concluir.
- Disso eu entendo. – Ele soltou uma risada sem humor.
- Problemas familiares? – Perguntei.
- Você não tem ideia de quantos. – Carter fitou a calçada, chutando uma pedrinha fora do caminho. – Mas vamos falar de assuntos melhores.
- Okay, - Vasculhei minha mente em busca de algo, mas tudo parecia inadequado. – Por que resolveu trabalhar em um cinema? – Meu Deus, isso foi horrível. Repreendi-me mentalmente, Carter riu e passou a andar de costas, na minha frente, me encarando.
- Eu precisava de dinheiro, saí da casa dos meus pais há algumas semanas, a situação estava apertando. E Carlos foi o único que concordou em me dar um adiantamento. – Ele explicava, dando algumas olhadas por cima do ombro de vez em quando, verificando se não havia nada no caminho com qual ele pudesse esbarrar.
- Você vai acabar caindo, andando desse jeito. – Avisei.
- Não vou, não. Esse é meu superpoder. – Ele argumentou, dando mais uma olhada sobre o ombro.
- Andar de costas?
- Sim, não ria do meu superpoder, Emma. – Brincou. – Nem todos nós podemos dar choque nas pessoas, como você.
Eu tentei rir, mas meu corpo todo se enrijeceu. E a mínima possibilidade de que ele pudesse saber me assustou de uma maneira absurda. Encarei o chão, a fim de me acalmar. Ele não sabia, não tinha como saber. Nunca saberia.
- Mas e você, - Carter pigarreou e tentou continuar. – Por que foi trabalhar num cinema?
- Eu estava entediada. – Dei um meio sorriso e olhei para ele, que tinha a mesma expressão brincalhona de antes.
- Você arrumou um trabalho, sete dias da semana, por que estava entediada? – Ele perguntou, parecendo desacreditado.
- É! – Afirmei, rindo de forma nasalada.
- Você é realmente.. – Aquela sentença nunca chegou a ser terminada, Carter tropeçou em uma lata de tinta, que estava ao pé da escada de entrada de uma casa.
Ele foi ao chão, e ao tentar buscar apoio, levou-me junto. Me fazendo cair em cima de si. As mãos dele estavam nas minhas costas, nossos rostos tão perto, que eu podia sentir sua respiração contra a minha bochecha. Olhares presos um no outro.
Ele deu um sorriso de lado e eu retribui, minhas mãos começaram a formigar e eu sentia a pele dos braços queimando. Um trovão se fez ouvir por todo o lugar. Agora? Sério mesmo? Controle seus poderes, Emma.
A chuva começou a cair e eu me coloquei de pé, ajudando Carter a se levantar também. Então ele me puxou pelo braço. Ainda ria, quando achamos refugio debaixo da varanda de alguém.
- De onde veio essa chuva? – Ele perguntou e olhou o céu, indignado, encostando-se à parede da casa.
Carter fitou o próprio braço e o mexeu, parecendo desconfortável.
- Você se machucou? – Perguntei.
- Não.. – Respondeu, mas ele não parecia estar falando a verdade. – E você, se machucou?
- Não, você amorteceu minha queda. – Ele arqueou as sobrancelhas e sorriu – A propósito, eu avisei, não avisei? – Disse e comecei a amarrar meu cabelo num coque.
- Você me fez perder meu superpoder. – Brincou, enquanto tirava a jaqueta molhada. – Emma Stuart, você é minha kriptonita!
. . .
Ficamos acobertados naquela varanda, até eu conseguir fazer aquela queda d’água parar. Quando o fiz, retomamos o caminho. Tentei fazer Carter desistir da ideia de me acompanhar, mas ele insistiu e andou comigo mais dois quarteirões.
- É aqui. – Eu parei, quando chegamos até a frente de casa.
- Nos vemos amanhã, certo?
- É, eu acho que sim. –Torci as mãos e ponderei um minuto se deveria chamá-lo para entrar. - Você não quer entrar? – Perguntei
- Obrigada, mas por mais que eu tenha gostado de andar, correr, cair e pegar chuva com você, eu ainda tenho que caminhar até em casa. - Ele se aproximou e depositou um beijo na minha bochecha. – Boa noite, Emma!
- Boa noite, Carter! – Eu o sorri e ele piscou pra mim, antes de girar nos calcanhares e se por a andar.
Dirige-me até a porta e entrei, encontrando Sofia e Luke em volta da mesinha de centro da sala de estar, na qual havia duas caixas de pizza.
- Emma! – Sofia exclamou. – Até que enfim, achei que tinha se perdido por aí.
- Eu nem demorei tanto assim, - Disse, jogando o celular e a bolsa no sofá e me sentando ao lado de Luke. – Demorei?
- Demorou, - Ela pegou o celular, que estava apoiado na mesa, e checou o horário. – É quase uma e meia da manhã.
- Sério?! – Me surpreendi, não parecia ser tão tarde. – Não havia notado.
- E o que você estava fazendo para perder a noção assim? – Luke perguntou me olhando de um modo brincalhão.
- Tentando fugir da minha própria chuva. – Murmurei alto o suficiente para que fosse ouvida e me servi de um pedaço de pizza. – Mas e vocês, o que ficaram fazendo?
- Dormindo – Eles responderam em uníssono e eu não pude evitar rir.
- Acordamos era umas dez horas. – Sofia comentou.
- E ficamos ouvindo histórias sobre a viagem do Dylan. – Luke completou.
- Então foi um dia produtivo para todos nós. – Disse rindo e Luke se inclinou para pegar um guardanapo, nossas mãos se encostaram por um segundo, me fazendo sentir uma dorzinha no local. Ele parou por um instante e depois voltou a se acomodar.
– Ei, esse Carter parece gostar de você. – Disse e passou a me olhar de modo malicioso.
- Luke, o que eu já disse sobre me ler? – O repreendi.
- Desculpa! – Ele disse, levantando as mãos ao alto, num sinal de rendição, ainda rindo. – Mas acontece, ué. – O encarei, com os olhos semicerrados e mordi mais um pedaço da minha pizza.
- Quem é Carter? – Sofia perguntou.
- O namoradinho da Emma. – Ele respondeu.
- O quê? Não! – Minha voz subiu uma oitava. – Ele é um amigo. – Fulminei Luke com os olhos. – Ele começou a trabalhar no cinema hoje.
- Aham, e ele tá a fim de te dar um trabalho. – Ele brincou.
- Cala a boca! – Bufei, lhe dando um tapa no braço.
- Ele é bonito? – Sof indagou. – Luke, ele é bonito?
- Ela achou ele bonito!
- Ai meu Deus! Querem parar? – Os dois começam a rir, me ignorando por completo.
- Eu pensei ter escutado sua voz. – Dylan aparece, vindo da cozinha com algumas latas de refrigerante na mão.
Ele colocou as latas sobre a mesa e se sentou ao lado de Sofia. Nem ela, nem Luke continuaram as brincadeiras sobre Carter.
- E eu achei que te encontraria dormindo uma hora dessas. – Falei e peguei uma das latas, abrindo a mesma. – Você fez uma viagem longa, não está cansado?
- Por incrível que pareça, não. – Ele diz.
- Não consigo entender isso, se fosse eu, estaria por aí, desmaiada, o dia todo. – Disse, já me levantando de novo.
- Aonde vai? – Luke perguntou, enquanto eu pegava minhas coisas no sofá.
- Tomar um banho e dormir. – Respondi, mordendo mais um pedaço de pizza e tomando um último gole de refrigerante, largando a borda e a lata dos mesmos em cima da mesa.
– Dyl, eu sei que prometi ficar acordada, mas eu estou morta. Me desculpa? – Disse, indo até ele e o abraçando.
- Não tem problema! – Ele sorriu. – Daqui a pouco eu já vou subir também.
– Eu saio mais cedo do trabalho amanhã e terei todo o tempo do mundo pra você, juro – Baguncei o cabelo dele com uma das mãos e comecei a caminhar em direção a escada. – Boa noite, seus lindos! – Gritei por cima do ombro e subi os degraus até o corredor do meu quarto.
. . .
Eu havia tomado um banho extremamente longo, até para os meus padrões. E o ato de deitar na minha cama, nunca foi tão maravilhoso. Não me lembrava de ter ficado tão cansada, quanto me sentia. Minhas pálpebras pesaram assim que encostei a cabeça no travesseiro e tão rápido quanto me deitei, eu adormeci.
Flashback on:
15h47min, (December 20, 2003)
Emma não olhava para cima ou para frente, andava pelos corredores da escola de cabeça baixa, para evitar chamar atenção. Sua mãe não viria buscá-la hoje, teria que fazer o caminho até a casa sozinha, mas tudo bem era só uma rua. Seguia a rua, virava a esquina e estaria em casa, Certo? Certo.
A garota temia, com todos os ossos do corpo, encontrar Mike e as outras crianças no caminho. Murmurava baixinho consigo um desejo, enquanto andava até os portões. “Que ele não venha atrás de mim, não de novo. De novo não”.
- Ei aberração! – A voz a fez se arrepiar por inteiro, mas ela continuou andando de cabeça baixa. – Não está me ouvindo?
A pequena girou nos calcanhares e passou a encarar o menino a sua frente.
- Por favor, Mike, me deixa ir. – Ela pediu baixinho.
- Eu deixo você ir, pro buraco do inferno de onde saiu. – Emma fechou as mãos em punho, mas não disse ou fez nada, somente se virou e continuou andando.
- Sabe o que eu não entendo Emeralda? – Ele gritava enquanto a seguia. – É por que seus pais ficaram com você.
As pontas dos dedos da pequena queimavam. O céu acima deles passou de um azul claro para cinza escuro, e um raio cruzou o céu. Ela começou a correr, estava quase em casa, só mais alguns passos e podia estar em casa. De repente sentiu algo em suas costas e a dor se instalou por todo o lugar. A menina se virou para procurar Mike e foi atingida mais uma vez. Aos seus pés, viu pedras tomarem lugar. Cada pequena rocha que a atingia deixava uma marca, e alguns pontos em seu rosto e braços começaram a sangrar. Mas ela não correu.
Emma encarou o céu e ergueu os braços. Ao abrir uma das mãos, o céu se iluminou com um relâmpago. Quando abriu a outra, o firmamento também se abriu, e a chuva veio tão forte quanto a raiva da pequenina. Raios começaram a cair nas calçadas e um atingiu a árvore atrás da qual Mike se escondia. Alguns dos galhos começaram a pegar fogo e caírem, o menino correu para longe. E pela primeira vez, Emma viu nos olhos dele, o medo que ela sentia a apavorar todos os dias.
Flashback off.
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