Normani Kordei Hamilton
Miami, Flórida , 9 de Julho de 2005
Deixamos para trás todos os resquícios de felicidade, quando mamãe foi abandonada no seu quarto mês de gestação, de uma noite fria, incomum no Texas, no natal daquele ano importuno. Não tinha neve e nem vestígios de vinho sobre sua roupa, tinha o sangue em seu peito, alastrando a dor que sentia, saber que uma vida estava dentro de seu ventre, ao mesmo tempo em que seu coração não suportaria aguentar mais nenhuma crítica lhe apedrejando pelas costas.
Como se necessitasse dos incontáveis fios ligados a aparelhos, para manter-se viva em meio a realidade que tanto abominava.
Fomos contra qualquer princípio de família feliz, a mesma fadada a bancarrota. Evoluímos conceitos e fundamos o nosso respeito.
Eu não me definiria única sem Andrea, ela é como uma grande parte de mim.
Assim como por meses, fui grande parte dela.
Eu vivo com seu fragmento de perfume, com sua abundante felicidade e sorriso que nunca foi desfeito, nem mesmo nos momentos mais angustiantes, embora seus olhos estejam cansados. Reconheço seus esforços e noites em claro, eu me orgulho, mas me abalo, por todas as palavras mal ditas, as ações mal feitas e a falta de afeto.
Aquilo me machucava, eram bobagens de uma mente infantil.
Que culpa eu tinha, se nem ao menos tinha noção do futuro? De que o amanhã poderia não existir quando ela foi o meu ontem. Se pudesse voltar no tempo não deixaria nada pra depois, porque na espera do depois, você pode perder os melhores momentos, as melhores experiências, os melhores amigos, os maiores amores, e todas as bênçãos que Deus tem pra você. Lembre-se que o depois pode ser tarde demais.
Mas minha mente dava risada, criança incrédula da realidade, das risadas cínicas e momentos capazes de machucar sua fiel genitora. Mas eu me encontrava cega em meio a qualquer outra circunstância capaz de me fazer enxergar o quão pequeno poderia ser o mundo.
A vida tem o grande prazer de imitar a arte.
Então eu pergunto, existe uma forma simples de definir o infinito? Muitas pessoas caminham em direção a esse ponto, muitas morrem na caminhada, muitas desiste quando, se quer, se ponharam a tentar. Eu nunca procurei esse infinito, ninguém nunca chegou até ele e muitas vezes em busca dessa pequena palavra, nos machucamos tanto, que esquecemos o real sentido disso. Não é literal, não, não é! Quando ira vê que isso é figurativo.
Quando se pensa em uma vida relativamente normal, não sei se me encaixo nesse contexto. Não sei se me faço de melodramática ou melancólica, sou do tipo que ao encarar sua face em frente ao reflexo do espelho, não reconhece seu interior. Talvez essa seja realmente eu.
:- Então, você vai essa noite? - Perguntou Camila enquanto arrumava as alças de sua mochila sobre seus ombros.
Movimentei meus ombros sem uma resposta concreta.
:- Ainda não sei. - Apoiei um de meus pés sobre o banco revestido em madeira e curvei minha coluna para então amarrar os cadarços. - Tenho que resolver algumas coisas com minha mãe, e ela disse que minha presença é importante.
Vestíamos os tradicionais uniformes de cheerleaders, o azul royal chamava atenção em sintonia ao branco de nossos tops e saias que atingiam metade de nossas coxas, o emblema em frente ao peito, carregando o nome de Miami Beach High School, como nosso legado. Camila sempre foi fascinada por tudo do gênero, portanto resolvi entrar nessa junto a ela, não que fosse algo que idolatrava, mas próximo a dança, era o que tinha de mais acessível.
Confesso não odiar, pelo sorriso no rosto angelical de Camila, eu poderia ser capaz de tudo.
Ou até mais.
:- Ah Mani... - Juntou as mãos em frente ao rosto com seus olhos pidões, como um cachorro sem dono. - Você vive nessa rotina, se não está na escola, está em casa, e vice versa. - Bufou cruzando seus braços enquanto olhava ao fim da rua.
Esperava por sua mãe.
:- Está sendo corrido, tente entender, Camila... - Suspiro arrumando as meias brancas, com listra superiores de três quartos em minhas pernas.
Nada respondeu, apenas pude ouvir o soar da buzina e um carro parado do outro lado da rua. Tia Sinuhe acenava pela janela com seu sorriso de sempre curvando seus lábios, retribuí o sorriso de modo fraco e nos aproximamos logo adentrando.
Acenei levemente enquanto suspirava, despedindo-me de minha amiga sem peito ao auge de seus quatorze anos.
...
:- Como foi o treino, querida? - Perguntou mamãe enquanto percebeu minha presença após adentrar na cozinha.
Era início de uma tarde ensolarada de um domingo.
:- Foi puxado, Mama. - Ditei enquanto me dirigia em direção a geladeira. - Acredita que tivemos que dar cinco voltas pela quadra? Cinco voltas, Mama! - Bufei indignada.
A mais velha riu baixo enquanto tinha seus olhos sobre a estrada.
Podia ser exagero, mas aquilo era comum diante dos olhos de nossa tão exigente treinadora.
:- É um pouco injusto. - Me encarou rapidamente e logo voltou a cortar seus legumes.
:- Muito injusto, Mama. - Sussurrei e peguei algumas frutas vermelhas, ela me ajudou deixando o liquidificador sobre a bancada.
Aproveitei para pegar o leite já gelado e mel.
Estava morrendo de calor, afinal, não havia nunca tido que treinar em um Domingo, porém ultimamente estava se tornando comum em minha vida. Prontamente deixei os ingredientes se misturarem, formando uma vitamina similar a um Milk Shake, já que as frutas estavam congeladas. O tom rosado me deixava com água na boca e a mistura de sabores era incrível.
:- Ansiosa para o campeonato? - Perguntou deixando a tábua repleta de legumes, no canto do mármore do balcão. Deu as costas á pia e cruzou seus braços abaixo dos seios. - Limite de doces, Bear. - Comentou vendo a quantidade excessiva de Mel na qual colocava dentro do aparelho.
:- Ah... - Resmunguei com o olhar baixo. - Desculpe, o que disse mesmo? - Perguntei mais alto, o barulho transmitido ao triturar o que havia lá dentro, era mais alto que o soar de sua voz.
Ela riu tornando a repetir tal frase ditada anteriormente.
:- Não sei ao certo, é sempre uma ansiosidade, porém tenho que estar preparada. - Torci meu lábio. Havia treinado bastante, mais do que minha treinadora exigia, era puxado, mas me esforçava.
Desliguei tornando a despejar o líquido pastoso em um copo de vidro. Respirei fundo umedecendo meus lábios, se encontravam naturalmente secos.
:- Medo? - Perguntou em um sussurro, eu sabia de certa forma a resposta na qual desejava.
:- Você me ensinou que essa palavra não se encaixa em circunstância alguma em nossos vocabulário. - Respondi em seguida.
:- Minha garota! - Percebo o modo entusiasmado no qual soou sua frase. Não hesitei em encarar seus olhos negros tendo um sorriso no canto dos lábios. Deixei de observar sua beleza quando deu-me as costas para voltar ao preparo do almoço.
Mesmo com o câncer, a falta de alguns fios de cabelo ela continuava linda. Estava receosa na pergunta que viria em seguida, mas se ela aguentou a perda de alguém que realmente lhe amou, porque não aguentaria uma pergunta inocente vindo de sua filha?
:- Você não tem medo, mãe!? - Acho que nunca havíamos discutido o fato dela partir, acho que sinceramente não tem como alguém se preparar ao certo ao ver a pessoa na qual mais amamos partindo sem nem ao menos poder lutar para o melhor.
:- Pensei que não existisse em nosso vocabulário. Medo de que? - Passou-se por desentendida, mas sabia o quanto abominava tais palavras.
Ainda mais vindas de mim.
Parece besteira, mas tinha receio do simples fato de perdê-la de vista por segundos e encontrá-la caída partindo dessa para melhor. Ultimamente ir a escola era quase um desafio.
:- Eu estou falando sério. - Aumentei levemente meu tom de voz.
:- De morrer? - Ela riu nasalmente.
:- Sim, quer dizer... - Fiz uma breve pausa tentando tomar a coragem que havia perdido a poucos instantes. - Sim, de morrer, sabe...somos humanos.
Suspirei derrotada.
:- Eu não me faço de forte, Normani. É apenas uma realidade que tento esquecer, como quando você se perde nesse mundinho paralelo. - Ditou.
Apenas afirmei cessando ao assunto, ela parecia desconfortável.
...
:- Normani, por favor. - Comentou Srta.Evans, a baixinha britânica responsável por minhas aulas de biologia.
Se referiu-se as batidas da ponta da caneta sobre a mesa. Recompus minha postura, ficando ereta e um tanto quanto desconfortável, aos poucos se silenciou os barulhos da régua colidindo contra a mesa, ecoando por todos os cantos.
A atenção de toda a turma - em exceção aos realmente concentrados. - voltou-se para a porta quando aberta sem aviso prévio.
Todos ficaram estáticos quando o diretor adentrou da sala que cheirava ao doce e enjoativo perfume da professora em frente a classe. O desespero era interno em todos, o receio vinha a tona.
:- Normani Kordei Hamilton. - Girou seus olhos pela sala, a procura de meu rosto. Ergui minha mão direita, percebendo sua visão mais clara. Limpou a garganta e retirou seus óculos de grau. - Está liberada, sua mãe ligou exigindo que estivesse em casa antecipadamente. - Franzi o cenho. - Pegue seus materiais e está liberada. - Colocou suas mãos no bolso.
Camila me encarou tão confusa quanto a mim, movimentei meus ombros jogando os livros, cadernos e até mesmo meu tão comum estojo de todas as aulas. Prendi o casaco na cintura, enquanto tinha a mochila sobre os ombros. Fui acompanhada até a saída pelo mais velho, queria chegar logo, pois a curiosidade me corroía inteira.
Girei a maçaneta, sentindo o gélido sobre a palma de minha mão, ao menos o clima era agradável. Os pisos de madeira eram encobertos pelo carpete perolado em cor creme, as paredes bem decoradas com ambientes e peitoris das janelas. Alguns porta-retratos em meio a sala de estar, um grande tapete felpudo que acolhia a mesa de vidro no centro. Dois grandes sofás, bastante aconchegantes em dias chuvosos. Uma lareira ao fundo da parede, por mais desnecessária que fosse, mamãe nunca se importou em retirá-la de lá, e ao topo do painel de madeira, a grande televisão, meu divertimento quando a mais velha não estava presente.
Haviam alguns livros que tanto adorava ler, em prateleiras para todos os lados, era com toda certeza o meu lugar favorito dentro daquela residência.
O aroma de macarronada tomava conta de minhas narinas, dilatando-as proporcionando-me sentir com mais estabilidade, era maravilhoso, ela sabia como me agradar. Olhei em volta, pairando sobre o corpo negro pousado sobre uma das poltronas, me aproximei sorrateiramente, ela parecia dormir como um anjo.
Tinha um porta-retrato em mãos, uma foto minha de quando menor, estava sorridente, era um dia feliz. Sentia falta desses momentos.
Joguei a mochila sobre o estofado e me aproximei para sentar em colo, embora estivesse sendo desprezível nos últimos dias, me esforçava para não decepcioná-la, pois sabia que tinha somente á mim, e muitas vezes era falho. Apoiei minha cabeça em seu ombro enquanto observava seu rosto sereno.
:- Mamãe... - Sussurrei próximo ao seu ouvido tentando acordá-la.
Elevei uma das mãos ao seu rosto, sentindo-o gélido.
:- Mamãe, acorde... - Ergui minha cabeça enquanto balançava levemente seu corpo.
Eu não recebia uma resposta, já sentia as lágrimas rolando por meu rosto quando sua mão, que aparentava fraca, deixou que o objeto em mãos caísse indo ao encontro do chão, espalhando cacos de vidro para todos os lados.
Era nesse estado que se encontrava meu coração.
:- MÃE! - Gritei chorando, estava perdida, não sabia o que se passava. - POR FAVOR, ACORDA! - Nesse momento já me encontrava desesperada.
Gritava por seu nome, mas não tinha nada em troca, sentia as incontáveis lágrimas caindo com força, como se levasse qualquer dor, jogando-a para fora. Eu só queria sentir seus braços me envolvendo, a ponta de seus dedos limpando os vestígios do meu choro, a pressão de seus lábios sobre minha testa, e sua voz soando que tudo iria ficar bem.
Quando percebi de meus atos, havia caído de joelhos sobre os cacos de vidros, alguns adentrando de minha pele, eu já não me importava mais com a dor sentida e o sangue que escorria, como se fizesse parte de mim, ela era uma parte de mim, e tudo pareceu virar pó. Estava desacreditada, com ambas as mãos encobrindo minha boca, meus olhos já não conseguiam cessar as lágrimas.
Se ela estivesse afundando, eu pularia na água fria para ter ao menos a esperança de lhe trazer a superfície. Apesar do tempo nos levas a lugares diferentes, seria paciente em poder reencontrar seu rosto, queria poder não a soltar, como sua corda de segurança, nem que seja por uma única noite.
Queria ter minha mão, unida a sua, apertadas como dois navios à deriva, ondas leves tentariam quebrá-lo, mas eu faria qualquer coisa para salvar isso. Mas porque tudo tem que parecer tão difícil!? Queria ter meu coração, unido ao seu, sentindo-se com firmeza como os suportes de livros, páginas entre nós e escritas sem fim.
Tantas palavras que não estamos dizendo, não queria esperar até que isso vá embora, ela me fazia forte, mas, tudo terminou e eu não sabia como reagir. Porque lhe deixei partir?
Pois todos nós nos perdemos às vezes, sabe? É como nós aprendemos, como nós crescemos, queria poder deitar ao seu lado até envelhecer, ela não deveria ter lutado sozinha.
Salve-me desse barco, eu só quero sobreviver, estou completamente sozinha e eu espero, que alguém me leve para casa. Para um lugar que eu possa descansar a minha alma, eu preciso saber que você não vai me soltar, onde quer que você esteja.
Só resta dizer que tudo virou fumaça, vestígios de uma vida pairando no ar dando alguma esperança de que ainda exista fogo, de que ainda exista paixão que valha a pena. E na ausência de chamas esperar que dessas cinzas ainda surja uma imponente fênix alçando voo na imensidão do céu, desbravando o desconhecido e até a própria morte! Aí está a ilusão.
Encarar o fim é complicado para quem já foi tão envaidecido, ter de recomeçar é um pecado para um sujeito calmo e preguiçoso.
Aqui está o encerramento da obra, o capítulo final, a inscrição na lápide. Duas palavras, as duas últimas palavras de quem já não tem ânimo ou capacidade para buscar novidades.
Cada um de nós tem uma importância, cada um de nós somos especiais e nos completamos, um ao outro. Independente do tempo no qual passasse, nunca perderiam uma coisa mais importante a se extrair doas áureos momentos de juventude, o ato de sonhar, sonhava cada vez mais alto e me superava, os sonhos não morrem e nem nunca vão morrer, são apenas esquecidos.
Porém agora era minha hora de sonhar por mim própria, e trilhar o meu caminho, embora meu rosto esteja banhado pelo choro a cada vez mais ao ver o relógio avançar no tempo, e nada mudar.
Miami, Flórida, 30 de Maio de 2006.
Eu poderia ser mais que um rostinho bonito, um sorriso falso ou uma palavra presa em minha garganta, não tinha nada para provar ao mundo, mas ainda sim tinha que provar a mim mesma que esse ciclo fechado em hipótese alguma será o final de meu sonho, porque não vai ser. Esse ciclo nada mais será do que descobrir novos ciclos, oportunidades, caminhos, novos horizontes, é sonhar mais alto com a certeza, esperança e expectativa de se realizar.
Estou tão cansada de estar aqui, reprimida por todos os meus medos infantis, pois sua presença ainda permanece aqui, embora não enxergue além do grandioso "nada", ainda posso sentir seu aroma de jasmim estufando meu peito, e isso não vai me deixar em paz.
Essas feridas parecem não querer cicatrizar, essa dor é muito real, afinal, não há curativo que supre um coração em pedaços.
Há simplesmente tantas coisas que o tempo não pode apagar, nem mesmo as mais indesejadas.
Quando eu chorei, ela enxugou todas as minhas lágrimas. Quando eu gritei, ela lutou contra todos os meus medos. Eu segurei a sua mão por todos esses anos, ela ainda tem tudo de mim, a matéria pode não ser sentida, mas será lembrada quando eu acordar de seus passos, assim que me levantar da cama, quando fazem uma música que soa tão simples, mas dança na minha cabeça.
Uma melodia tão perfeita, que me persegue durante o dia e o pensamento de nós para sempre. É aquele que nunca vai embora, tudo o que eu preciso saber é onde começar, ou melhor, recomeçar, é o mais difícil até agora. Queria poder peguar em sua mão, e esperar para que mostre um "para sempre", queria poder nunca ter deixado ela partir, mas o que eu poderia fazer?
Queria permanecer junta, ao seu lado, para pegar este papel e esta caneta e escrever cada letra, para cada palavra que nós já dissemos, mas parecia cada vez mais distante, afinal, eu nem ao menos sabia onde poderia lhe encontrar.
Queria poder escrever a nossa história, cantar nossa música, pendurar nossas fotos na parede, relembrar de todos os abraços e carícias, de quando me aconchegou nas noites frias ou nas piores tempestades, todos esses momentos preciosos, que nós esculpimos em pedra, são apenas memórias afinal.
Afinal.
Ela me deu esperança, e ela hoje prevalece, acendendo aquele pequeno fogo em meu coração, embora ele ainda esteja se reconstruindo. Mas eu tenho que deixar ir, como se levasse algo interno, algo meu, de mais ninguém.
Está levando a alma, está no fundo da minha alma.
Nós não escrevemos nossa história e não cantamos nossa música, nós não penduramos nossas fotos na parede, não tivemos mais aqueles momentos preciosos, nós não esculpimos mais em pedra, só me restar lembrar.
De quanto tive um sorriso no rosto.
Ela costumava me cativar pela sua luz ressonante, agora eu estou limitada pela vida que ela deixou para trás, é o meu legado agora. Seu rosto assombra meus únicos sonhos agradáveis, sua voz expulsou toda a sanidade em mim, deixando-me perdida no seu soar, tão simples.
Tão único.
Enquanto criança, houve tempos em que não compreendia, mas ela me mantinha na linha e eu não sabia o porquê. Você não aparecia às vezes, aos domingos de manhã e eu sentia sua falta. Mas estou feliz que conversamos sobre isso, todos aqueles problemas de gente grande, que as separações trazem. Ela nunca me deixou saber, ela nunca demonstrou, porque ela me amava, eu tinha total certeza, e obviamente há muito ainda o que dizer, se estivesse aqui comigo hoje, cara a cara.
Eu nunca soube que podia doer tanto e a cada dia que a vida passa eu desejo. Poder falar por um tempo, sinto saudades mas eu tento não chorar, enquanto o tempo passa e é verdade que atingiu um lugar melhor. Mas eu ainda daria o mundo para ver seu rosto mais uma vez depois de todo esse tempo, e estar bem a seu lado. Mas é como se tivesse ido cedo demais e agora a coisa mais difícil de fazer, é dizer adeus todas as vezes que olho as estrelas e constelações no céu ao cair da noite.
Eu terei de seguir sozinha nessa.
Eu lembro de quando costumava embalar-me para dormir, com o ursinho de pelúcia que me deu e que eu abraçava bem forte. Eu achava que ela era tão forte, que iria passar por qualquer adversidade, é tão difícil aceitar o fato de que se foi para sempre.
Saber que na manhã seguinte, não iria acordar com seus beijos e o soar da sua voz me desejando um "parabéns para você" sonoro, nem ao menos o cupcake com velinhas em mãos, como sempre costumou fazer.
Talvez ela pudesse estar aqui, só não á vejo. Mas sei, que seja no céu ou inferno, paraíso ou fogo eterno, ela estará feliz em me ver completando mais um ano de vida. Afinal, treze anos, só completamos uma única vez.
Fechei meu caderno, enquanto encolhia meu corpo sobre a cama, me acomodando entre as cobertas, embora o relógio ainda marcasse dez da noite, aquilo jamais seria normal. Desde o acontecimento fértil, á quase um ano, tia Sinuhe tomou minha guarda, já que meus parentes mais próximos, estavam todos no Texas, era frustante, mas me sentia bem com a presença da pequena família Cabello, agora com cinco integrantes.
Fechei a cortina, cansada de tanto encarar as estrelas e não encontrar respostas, virando-me de costas para a janela, tendo em vista o corpo de Camila sentado na ponta de minha cama, nem ao menos senti seu peso ocupar aquela região. Ela tinha um sorriso simpático nos lábios, as mãos unidas sobre seu colo, vestindo seu pijama de todas as noites.
:- Está tudo bem? - Perguntou analisando suas mãos após longos minutos de silêncio.
:- Tudo. - Respondi simples puxando a coberta para cima dos ombros.
Engoliu em seco.
:- Mentir é feio. - Elevou seu olhar ao meu.
:- Fingir que se importa, também. - Comentei fechando meus olhos, queria apenas esquecer e polpar meus pensamentos.
Torturantes.
Pude ouvir um suspiro seu e o sobressair de minha cama, a cada momento que ouvia seus passos distantes. O barulho de algo ser aberto, que deduzi ser uma gaveta, fez com que imediatamente tivesse minha atenção pairando sobre o corpo curvado de Karla, retirando de lá suas 'meias de banana', que segundo ela lhe transmitem sorte. Sentou-se no colchão macio de sua cama, podendo assim vesti-las, prontamente iria dormir, era normal cair no sono tão 'cedo'.
Limpei minha garganta, na esperança de lhe chamar atenção, o que pareceu funcionar quando novamente teve seus olhos sobre os meus. Apontei levemente em direção a um envelope branco, havia caído de sua gaveta ao retirar de lá suas meias, ela franziu o cenho, curvando-se para pegar, logo reatando sua coluna, voltando a posição normal.
:- Oh... - Travou sua mandíbula enquanto levantava-se vindo em minha direção, estendendo o mesmo para mim. Franzi o cenho confusa. - É para você, o casal que comprou a casa, encontrou por lá, e está escrito que deve ser aberta apenas por você.
Arqueei uma das sobrancelhas, me sentando sobre a maciez do colchão, tomando a carta de suas mãos após lhe agradecer com um breve sorriso.
:- Sabe quem enviou? - Cocei a nuca em sinal de nervosismo e joguei minhas madeixas para trás dos ombros.
:- Não faço ideia, mas se abrir irá descobrir... - Voltou em direção a sua cama, posicionando-se sobre a mesma deixando suas costas apoiadas sobre a parede gélida.
Sem delongas abri o envelope, tinham algumas manchas, talvez pelo tempo no qual havia sido finalizado. Arrumei minha postura, puxando de lá uma carta, com letras bastante conhecidas por mim, engoli em seco um tanto quanto curiosa.
" 04 de Julho
Então... tenho boas e más notícias. A má notícia é que, aparentemente, estou morta. A boa é que, se você está lendo isso, você com certeza não está sentindo o que realmente queria lhe dizer. Concordo, é uma droga. É uma droga sem tamanho, mas me sinto muito feliz por ter vivido uma vida tão repleta de amor, alegria e momentos inesquecíveis ao seu lado, pequena. Tenho sorte em poder dizer, com toda sinceridade, que tenho zero arrependimentos e que gastei todas as minhas energias tentando viver a vida ao máximo, embora nos últimos dias, esteja me levando aos poucos e eu não tenha uma certeza de quando partirei.
Estou escrevendo esta carta para lhe dizer adeus. Muitas coisas aconteceram e está tão difícil continuar. Não sei se você irá me perdoar, embora eu realmente não quisesse que isso acontecesse,mas agora, só isso me resta. Sinto muito por não ir atrás de você em todos os momentos nos quais irá precisar daqui para frente, para te dizer o que sinto, entender o que sente, ou lhe dar os melhores conselhos, embora entrasse por um ouvido, e saísse pelo outro. Mas eu não conseguiria ver seus lindos olhinhos e ficar bem de novo com este adeus.
Posso sentir, que terá um momento no qual estará chorando porque chegou meu momento de partir. Peço que não deixe essas lágrimas caírem por minha falta, pode haver um espaço vazio, talvez seu mundo não seja mais o mesmo, mas não quero ver suas lágrimas manchando a roupa na qual veste, deixando seu rosto brilhando e o gosto salgado carregando a dor sentida, embora nada é como era antes.
Quero que volte aos lugares que nós fomos, sinta que ainda estarei lá para registrar em uma nova foto para nosso álbum, viva aqueles momentos outra vez, desejando que eu esteja ao seu lado. Guarde as memórias todas sobre o lugar, trazendo de volta tudo tão claro, lembre-se de todos aquele dias, embora eu não esteja mais presente neles, quero que lute, como eu havia lutado por você, lute com garras, unhas, dentes e força psicológica, lute por seu sorriso, ele vale a pena.
Reviva como eu todo o bem que compartilhamos neste tempo.
Não fique triste porque eu fui embora, eu estou feliz porque lhe conheci. Quantos como eu morrem diariamente sem ter conhecido alguém especial? Se você pudesse calcular o quão feliz me fez, teria a certeza de que o que fez, foi o suficiente para eu partir extremamente grata por tudo isso.
Hoje à noite, quando você olhar para o céu e ver uma estrela piscando quero que você saiba que sou eu piscando um olho, avisando a você que cheguei bem e dizendo-lhe "obrigado pelo amor que você me deu", pois ele é infinitamente valioso para mim.
Eu me despeço agora não dizendo "adeus", mas "até logo". Eu estarei te esperando, orgulhosa do que irá fazer daqui para frente, eu não irei me importar por seus erros, nem os mais esdrúxulos, as escolhas mal feitas, ou sabedoria não usada. Estarei orgulhosa por estar vivendo sua vida, sem que algo lhe abale.
Nossos caminhos se separaram de uma maneira que eu não consigo nem entender. Foram paus e pedras para todos os lados, e apenas eu saí machucado. As feridas estão abertas ainda, e não é possível tapar buracos feitos com balas de canhão com um simples curativo.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão, o descompasso e o desperdício herdeiros são agora da virtude que perdemos.
Quando olhamos para o mundo à nossa volta, parece-nos que se multiplicam as catástrofes, os desastres, os cataclismos.
Os sonhos vêm e os sonhos vão, o resto é imperfeito.
Ás vezes podemos cair na ilusão que tem que ser forte, e não pode demonstrar suas emoções, pois sabem que todos estão vendo.
Mas acredito, que no final do dia somos todos humanos, e temos que chorar. Os laços que nos unem, as vezes são impossíveis de explicar, eles nos conectam até mesmo quando esses laços deveriam ser quebrados. Porque alguns laços, são simplesmente o que são.
Acredito que quando se tem uma conexão com alguém, isso nunca realmente se vai.
Nós mentimos tanto que as mentiras começavam a aparecer de verdade. E negamos tanto, que não conseguimos enxergar a verdade quando estampada á nossa frente. Até então achamos que estamos ao controle de exatamente tudo, você realmente estava, apenas por um tempo.
Quando estiver apaixonada, tenha certeza disso, ame e odeie se necessário, mas por favor, não se sinta uma imbecil, pois ele nem ao menos queira olhar em sua direção. Se tiver planos, não perca o controle de passar na escuridão confusa de seu cérebro, o tempo será suficiente para conseguir pensar em algo. O mundo do fingimento é uma jaula, não um casulo, e a pior parte, é que no momento que acreditar que realmente superou, um novo ciclo começa, trazendo suas piores lembranças, e sempre, toda vez, lhe tiram seu fôlego.
Não importa o quanto crescemos, envelhecemos. Nós ainda estamos sempre tropeçando em nossos próprios pés, erros e mágoas.
Sempre imaginando, sempre jovens.
Quero que sua inspiração para vida, seja ser feliz, e eu estarei aqui, onde quer que eu esteja nesse momento, torcendo por você.
Não deixe que o farol que expande e enaltece o castanho de seus olhos, se apague, nunca e em qualquer circunstância.
Eu te amo, filha. Jamais esqueça dessas palavras.
Com amor, Andrea.''
Eu já não supria minhas lágrimas, controlava meu choro o aperto que tinha proporcionado ao peito esquerdo, como com quem 'segura o coração'. Aquilo havia mexido de alguma forma comigo, afinal, nem ao menos superar eu consegui.
Não gosto de lágrimas, ainda em meus olhos, sejam ou não bonitas, são confissões de fraqueza, e eu nasci com tédio aos fracos.
Ao cabo, sinto que posso ser mais capaz de sofrer a dor e a adversidade e isso está me destruindo aos poucos.
Os braços magros de Camila me envolviam, na esperança de me acalmar, um ato de amor, falho e sem sentido. Ela queria meu bem, era bom saber que alguém nesse simultâneo momento ainda se importava.
Eu já nem mais sabia, quem era...Normani Hamilton.
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