-Patrício, eu preciso trabalhar! – A diretora respondia irritada ao amigo, sem levantar os olhos do notebook em seu colo.
Ele estava novamente perguntando do horário, ela constatou bufando. Em um intervalo de dois minutos, Patrício conseguira repetir a mesma pergunta cerca de quarenta de três vezes.
Sim, Marcela estava contando.
O diretor encontrava-se a alguns passos à frente dela, impaciente como ela nunca vira. Alternava-se em andar em círculos e tamborilar os dedos no encosto da cadeira ao seu lado. Já estava inquieto desde quando saíram dos estúdios da BAND rumo ao aeroporto de São Paulo, após reunirem todo o equipamento necessário para gravações externas.
Dentro do avião a inquietude transformou-se em hiperatividade, para desgosto de Marcela, que ao seu lado, tentava concentrar-se em tirar o atraso de seus projetos trabalhando no velho notebook. Desistiu após entender que ele não a deixaria trabalhar insistindo em qualquer assunto que pudesse retirar sua atenção.
Chegaram em Brasília e passaram o restante da manhã organizando, assinando, documentando e oficializando toda a papelada necessária para que pudessem utilizar o espaço onde ocorreria a próxima prova do Masterchef. Instruíram antecipadamente a pequena equipe de produção que os acompanhavam e declararam o restante do dia livre para descanso. Tão logo, voltaram para o aeroporto e desde então aguardavam o vôo de Paola, Fogaça, Jacquin e Ana finalmente chegar.
-Não há nenhuma informação de onde eles estão! – Ele concluiu após perguntar para um dos funcionários do local – Que horas são mesmo?
Quarenta e quatro
-Tá bom, Pato! Já chega! Senta aqui! – A jovem dizia puxando-o pelo braço para sentar na cadeira a seu lado. A mesma onde segundos atrás ele tamborilava os dedos. –Antes que eu seja expulsa por agressão!
-Só quero saber quanto tempo falta para chegarem...
-Não sei sobre eles. Mas sei quanto tempo falta para eu te esfolar vivo.
-...Porque precisamos ainda fazer check-in deles no hotel – Ele continuou, ignorando a ameaça da amiga e recebendo um suspiro profundo de impaciência – E ainda temos o tour planejado pela cidade.
Marcela o encarou de forma incrédula
-Que foi? Não acredita? Temos o dia de folga, e pensei em algo para fazermos juntos. Algo divertido e longe do trabalho!
Ela permaneceu na mesma expressão de incredulidade
-Sei que todos vão gostar. Não são rabugentos como você! – Ele sorriu, imitando a expressão da jovem, provocando-a. Ajeitou-se na cadeira, cruzou os braços e continuou – Além do mais, faz anos que Ana não vem para cá. Sei que ela sente falta e acho que este passeio vai fazer bem às lembranças dela.
-Ah! Agora eu acredito – Disse, sorrindo triunfante. –Sabia que havia uma segunda intenção responsável por essa hiperatividade toda. Então tudo isso é saudade? – Debochou
-Pare com esse sorrisinho convencido! – Ele revirou os olhos
-Calma Romeu! – Colocou uma mão sobre o ombro do amigo ao seu lado – Eles já devem estar chegando. –Riu do diretor, que afundava-se cada vez mais na cadeira com as mãos tampando os olhos. –E eu acho bom que você...
Marcela jamais pode concluir sua frase. Patrício já havia pulado da cadeira e corria à sua frente ao serem notificados de que os demais já encontravam-se na área de desembarque. Revirou seus olhos, e em um sorriso fechou o notebook ainda em seu colo. Diferente do amigo, deslocou-se vagarosamente no meio da multidão que saía, até encontrar seus colegas. Ficou longe para não interromper o que via.
Ana tinha sido a primeira a sair com sua bagagem. Abraçou o diretor, que já se encontrava esperando por ela do outro lado. Permaneceram assim até precisarem quebrar o contato ao ouvirem a voz de Paola, vindo logo atrás. Ele ficou onde estava para recepcionar os outros e a apresentadora seguiu para cumprimentar Marcela.
-Precisamos conversar – Ana sussurrou assim que a abraçou. A diretora entendeu de imediato e concordou com a cabeça discretamente.
Encerraram o assunto assim que perceberam que os demais se aproximavam. A chef caminhava em sua direção, sendo auxiliada em sua bagagem por Patrício. Fogaça permanecia por perto e Jacquin vinha logo atrás, de mãos dadas com sua esposa.
Dirigiram-se para o hotel, conseguindo dez minutos para poderem deixar as bagagens, trocar de roupa e se encontrarem no saguão para iniciarem o passeio. Ana Paula e Marcela foram as primeiras a descerem, propositalmente. A apresentadora relatou sobre a visita na casa da chef. Enfatizou o quanto ela parecia estar insegura, apreensiva e machucada. Características bem distantes de quem Paola era de verdade. Relatou também sobre a mensagem de Fogaça e os medos da chef. Nada que não soubessem, lá no fundo. Marcela apenas assentia, em silêncio.
-E eles pelo menos vieram juntos, no avião?
Ana Paula apenas respondeu com uma expressão irônica. Era óbvio que não.
-Ela já está cansando de lutar contra os sentimentos, mas ainda tenta. Há uma pequena resistência da parte dela
-Então vamos quebrar a última barreira – A diretora decretou, mais para si do que para qualquer outra pessoa.
Haviam estagnado em uma etapa crítica de toda esta situação. A linha entre o sucesso e o fracasso era tênue, e qualquer passo em falso poderia mudar o resultado final. Não poderia dizer se tinha controle de tudo. E para uma diretora, não estar no comando é sempre algo assustador.
Focava em algum pensamento muito interno quando foi despertada pelo sussurro da apresentadora ao seu lado
-Você sabe o que está fazendo, não sabe? - indagou, procurando verdades na expressão da diretora. A jovem assentiu com veemência e Ana encontrou uma máscara de frieza, certeza e estabilidade no rosto da menina. Mas percebeu alguma sutil inconstância ao encarar os olhos dela.
Não teve muito tempo para analisar o que poderia ser, quando Fogaça sentou-se no sofá, adentrando a conversa.
-E então, do que conversamos?
Inventaram qualquer assunto banal para distrair o chef até que os demais chegaram. Juntos, caminharam em direção à um ônibus turístico que os guiou pelas ruas de Brasília, atrás de cada monumento, construção ou memória histórica. Passaram a tarde em um clima descontraído. Tiravam fotos, marcavam-se em suas redes sociais, riam e aproveitavam o passeio. Puderam, por pelo menos uma tarde, esquecer todos os problemas pessoais que os afligiam. Cada um à seu modo.
Jacquin desempenhava um ótimo papel no meio de Fogaça e Paola, obrigando eles a dividirem o assento e ficarem juntos para poderem gravar um vídeo entre os três. Talvez até mesmo sem perceber, instigava-os a conversarem e trocarem ideias, não aceitando nenhum minuto de silêncio ou momento constrangedor. Se o casal não se aproximasse por livre e espontânea vontade, o francês estaria lá para uni-los sem que percebessem. Mesmo sem estar planejado, a intromissão dele auxiliou em uma pequena ruptura na distância entre o casal, e puderam sentir até mesmo o clima mais leve.
Talvez fosse um sutil indício de mudança.
Ana Paula parecia radiante, contando sua própria versão das histórias sobre os lugares por onde passavam. Em um determinado momento, trocou de lugar com o guia turístico que os acompanhavam e passou ela mesma a fazer a devida função, sendo ovacionada ao fim do passeio.
Já era de noite quando o motorista decretou que seria a última parada. Decidiram, por fim, parar próximos à uma área gastronômica da região. Após inúmeras discussões, escolheram o restaurante onde gostariam de comer. A presença de todo o júri do programa de culinária mais famoso da televisão não passou despercebida pelo maître, que os tratou com toda pompa e circunstância. Os chefs riam pela maneira como eram tratados e precisavam sempre frisar que não estavam ali para julgarem o local, enquanto o jantar era servido.
O horário já avançava-se, porém eles permaneciam na mesa em conversas regadas à vinho. Durante toda a noite, os olhares sutis entre Paola e Fogaça tornavam-se cada vez mais aparentes. O desejo que tinham reprimido, a saudade e a vontade os consumiam. O orgulho não permitia que se aproximassem, criando uma tensão quase tátil entre eles possível de ser sentida por todos na mesa, que fingiam ignorar.
Sem que ambos percebessem, aos poucos, os demais criaram situações e desculpas para saírem da mesa, um a um, até que os dois chefs estivessem às sós. Ao longe, fingiam falar ao telefone, procurar alguma bebida no bar ou simplesmente trocar conversas, na esperança de ludibriar o casal. Acima de tudo, fingiam não observarem compulsivamente o desfecho de toda esta história, torcendo para que Paola e Fogaça se entendessem.
-Talvez devêssemos seguir o conselho deles. Não acha? – Fogaça foi o primeiro a quebrar o silêncio na mesa, olhando fixamente para Paola que permanecia com o rosto abaixado – Eles estão tentando muito! -sorriu, ainda encarando a mulher à sua frente
Paola não pode deixar que um riso fraco escapasse por seus lábios, porém permaneceu em silêncio buscando qualquer coisa no chão que pudesse distraí-la do olhar dele. Fogaça se aproximou, alcançando a delicada mão por cima da mesa e cobrindo com a sua.
-Paola, fala comigo! – Ela arrepiou-se com o toque repentino. Em um susto, encarou as pupilas dilatadas do chef.
-No temos que hacer esto por causa deles! – Apontou com a cabeça para os amigos
-E quem disse que é por eles? – Fogaça aproximou-se um pouco mais. – Faço isso por nós!
-No existe mais nós!
Ele não temeu em aproximar-se dela até estar ao alcance de seu corpo. Ela, por sua vez, virou a cabeça para esconder a primeira lágrima que molhava sua face.
-Se é para mentir, ao menos faça isso olhando nos meus olhos! –Fogaça alcançou o rosto de Paola com a mão livre e fez com que ela o olhasse. A outra mão permanecia sobre a dela, sobre a mesa. Encarou-a por alguns minutos, sem palavras por onde pudesse começar a se redimir. Acariciou o rosto delicado da chef, ajeitando uma pequena mecha dos cabelos ondulados para trás da orelha afim de observá-la melhor.
O olhar penetrante de Fogaça desconcertava Paola, assim como levava à ruína todos os argumentos formados contra ele. Sentiu-se uma adolescente ao perceber o quanto ruborizava-se com a presença e insistência dele, tão próximo a ela. Toda a conversa com Ana Paula girava em sua mente, e as frases de apoio da amiga já haviam se tornado partes integrantes do seu dia. Quando menos se esperava, Paola pegava-se repetindo o que a jornalista lhe dissera naquela noite. Sabia do que sentia por Henrique e tinha certeza do que ele dizia sentir.
Valeria a pena jogar tudo fora para sustentar o medo de um passado inválido? Já não tinha mais tanta certeza.
O presente falava mais alto. As atitudes do chef também.
Paola nem se recordava mais do porquê brigaram, nem porquê estavam afastados. Mas o conforto lhe falava mais alto do que correr atrás do que seu coração realmente queria. Ela poderia sobreviver se enganando, mas não contava com a saudade que se impregnaria nela. Agora, já não sabia quanto tempo mais aguentaria sem tê-lo. Seu corpo ansiava por senti-lo e seus lábios quase tomavam vida própria, porém ela lutava para que a razão continuasse a predominá-la já que seus sentimentos pareciam tão confusos.
Para seu desespero, sua razão também clamava pelo chef.
-Eu te conheço Paola. Mais que qualquer pessoa aqui, mais que qualquer pessoa no mundo. Eu sei tudo o que você quer, e de tudo o que precisa. Eu não sou mais o mesmo garoto estagiário de tantos anos atrás. Não sou volúvel, e você não é passageira para mim.
-Eu quero tanto acreditar! – Fechou os olhos, quase em uma súplica – Mas ainda é demais para mí.
-Apenas acredite que eu te amo. E posso trazer toda a estabilidade de um relacionamento que você merece. –Puxou-a pela mão, indicando que se aproximasse dela. Paola permitiu que seu corpo fosse levado sem resistências. -E se ainda não acredita nisso, me deixa provar pra você. Só preciso de uma chance...
O chef eliminou o restante de espaço existente entre eles selando seus lábios de forma casta, em uma promessa. Sentiu que Paola correspondia ao beijo, mas quebrou-o para se afastar até poder olhá-la mais uma vez. Sorriu ao percebê-la sentir os lábios, provando seu gosto e internamente desejando mais. Queria beijá-la novamente. Mas antes, precisava de uma resposta
-Solo una chance mas – Paola sussurrou e sorriu, iniciando o próximo beijo.
Quando aprofundaram o beijo, a castidade cedeu lugar para a saudade e a lentidão. Antes que esta última também fosse perdida, sobrando apenas o desejo, ouviram uma rolha estourar. Separam-se a tempo de ver Jacquin segurando a champanhe recém aberta gritando “Aleluias ao casal”, seguido de uma bronca de Rosângela.
Não conseguiram conter o riso ao verem a cara de indignação dos demais. Fogaça abraçou a chef com força, prometendo a si mesmo que não a deixaria mais escapar, e esticou a mão para que Paola o seguisse. Ela se levantou e juntos caminharam em direção aos amigos, juntando-se à uma pequena, e particular, celebração que eles esperavam a tanto tempo.
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