História Do outro lado - A passagem

ainda estávamos conversando e começou a chover de repente.
-Tenho que ir embora, vou pegar um taxi.- O vento soprava meus cabelos. 
-Não precisa, eu te levo em casa.- Ele disse me estendendo o braço.
Nós corremos até seu carro e entramos. Mas já estávamos molhados, foi tão rápido. 
-Então você vai me ajudar mesmo?- Ele me encarou.
-Vou, mas não faça eu me arrepender disso.- Minha voz saiu baixa demais.
-Não vou.- Ele concordou.
Até que ele era legal, eu nunca achei que seriamos ''parceiros'' por não gostar muito dele eu acho. Mas agora as coisas mudaram, um precisava do outro. Nós dois precisávamos de ajuda. 
Ele ligou o ar quente do seu carro para nos aquecer, meu coque estava todo bagunçado por causa da chuva, peguei um espelho que estava perto do volante e o ajeitei com a mão. 
-Agente pode ir falar com o seu primo agora?- Falei.
-Claro, seria uma boa.- Ele falou pegando o celular. -Espera.
Ele pôs o celular no ouvido, mas ainda dava para ouvir o som da chamada.
-Oi Mason.- uma voz grossa saiu da linha.
-Shane, preciso da sua ajuda. Eu to indo pra casa agora com uma amiga, será que dar para você nos encontrar lá?- Ele perguntou.
Ele pôs no auto falante.
-Claro, eu estou terminando de anotar umas coisas aqui, daqui a 10 minutos saio.- O Shane falou.
-Ok, tchau.- O Mason disse desligando o telefone.
-Porque tem que ser na sua casa? Agente não pode ir em nenhum outro lugar?- Perguntei. 
-Na minha casa é mais seguro pra nós conversarmos. 
-Ok, tudo bem.- balancei a cabeça.
Ele pôs a mão no volante e deu partida, ele estava indo meio devagar, deve ter sido por causa da sua mão que ainda estava machucada. 
-Você está melhor?- Falei olhando para sua mão.
-Sim, não foi muito grave. E seu braço como é que ta?- Ele me olhou.
-Eu to bem.- Falei encostando a cabeça na janela.
Nós chegamos na sua casa e ainda estava tudo do mesmo jeito, tentei não olhar para o local em que o Jared caiu, mas não conseguir... Tudo começou a voltar na minha cabeça igual um flashback. 
-Desculpe Charlie, não deu tempo de arrumar.- Ele me encarou. 
-Tudo bem.- Fiz a expressão de sorriso no rosto, embora eu não tivesse motivo algum para sorrir.
-Vamos entrar.- Ele falou abrindo a porta.
Nós entramos e nos sentamos no sofá, depois de alguns minutos o Shane chegou.
-Shane, essa é minha amiga Charlie, Charlie esse é meu primo Shane.- Ele falou nos apresentando.
O Shane parecia ter uns 25 anos, ele parecia muito com o Mason, só era um pouco mais escuro. Ele estava com uma calça jeans e um suéter cinza, ele era bem bonito e aparentava ser legal. 
-É um prazer.- Falei apertando sua mão.
-O prazer é todo meu.- Ele me beijou no rosto.
Ele se sentou no sofá, depois eu e o Mason se sentou também.
-Fala aê, em que posso ajudar?- Ele franziu as sobrancelhas. 
-Você falou que só poderia me ajudar se eu tivesse ''uma passagem'', pronto, aqui está.- O Mason olhou para mim fazendo o Shane me olhar também.
-O que? Ta brincando? Você já passou para o outro lado?- O Shane sorriu.
-Sim, duas vezes. A ultima vez foi ontem, mas eu não sei como controlar.- Me encostei no sofá.
-Você conseguiu falar com algum espírito?- Ele parecia surpreso.
-Sim, nas duas vezes...-Falei pondo a mão na boca. 
-O que ele te disse?- Ele perguntou.
-Ele disse que eu sou a escolhida para os ajudar a passar para o outro lado.- Eu estava séria.
-Você? Sabe quantos escolhidos tem no mundo inteiro? Um só... E você quer que eu acredite que é você?- Ele levantou do sofá.
-Não to pedindo para você acreditar. Você acredita se quiser. Só estou dizendo a verdade. Eu não escolhi isso, eles me escolheram.- Eu estava confiante.
-Como era o espirito que falou com você?- Ele não tirava os olhos de mim.
-Bem bizarro, os braços dele são varados para trás.- Falei.
-Você acredita mesmo que não estava sonhando?- Ele franziu a testa.
-Não, não estava. Foi tudo muito real.- O encarei. -Mas agora vamos falar sobre você. Você é Medium?
-É, eu sou. Já faz bastante tempo.- Ele pôs as mãos nos bolsos do suéter.
-Então vocês podem me ajudar hoje?- O Mason falou levantando no Sofá também.
-Agora? Mas eu não sei controlar.- Falei tentando me sair.
-Não precisa saber, se você tentar vai conseguir. Ta no seu sangue.- O Shane falou sorrindo.
-Qual a graça?- Perguntei.
-É que a muito tempo eu esperava conhecer uma pessoa como você. E agora você está ai, bem na minha frente.- Ele falou ainda sorrindo.
-Ta, Vamos tentar então.- Me levantei.
-Onde nós vamos fazer isso?- O Mason perguntou.
-Pode ser lá no porão.- O Shane respondeu com uma cara de retardado.
-Ok, vamos.- O Mason falou dando uns passos. - Me segue.
Nós entramos em um quarto, supostamente seria o quarto no Mason, o quarto inteiro era xadrez, tinha umas coisas estranhas numa pratilheira, mas era tudo muito organizado e o quarto era enorme. O Mason abriu seu armário pegando umas velas que estavam em baixo, logo depois pegou um tabuleiro ouija e um esqueiro. 
-Serio isso? Um tabuleiro ouija?- Eu falei o encarando.
-Deve servir de alguma coisa.- O Mason falou sorrindo.
Nós continuamos andando no quarto até chegar em uma porta que ficava bem no fim no quarto, ele abriu a porta e eu pudi ver uma escadas. Não tinha luz lá em baixo. 
-Seria melhor você ascender uma vela.- O Shane falou.
O Mason ascendeu uma vela e nós descemos as escadas. Estava tudo muito silencioso. Chegamos no final da escada e havia trapos para todo o lado, caixas espalhadas por todo o porão e a sensação era de desconforto.
-Você pode ascender essas velhas?- O Mason falou me entregando três velas e o esqueiro.
Eu acendi as velas e logo depois o Mason ascendeu mais três e o Shane ascendeu três também. Ainda estávamos com as velas nas mãos. 
-Venham aqui.- O Shane deu cinco passos até chegar numa pequena mesa.
Nós ficamos ao redor da mesa colocando as velas em cima em forma de circulo. 
-Agora deem as mãos.- O Shane falou segurando minha mão e a do Mason.
-Cuidado com minha mão.- O Mason falou.
-Qual o nome da garota?- Perguntei ao Mason.
-Hayley.- Ele respondeu. -Fala pra ela que eu sinto muito.
-Você acha que ela vai aceitar suas desculpas? To achando muito difícil.- O Shane levantou os ombros.
-Eu não sei, mas tenho que tentar.- Ele parecia nervoso.
-Vamos começar isso logo.- Falei apertando a mão dos dois. 
-Charlie, você deve fechar os olhos e respirar profundamente, preciso que você pense só no outro lado e se concentre na sua respiração.- O Shane falou com uma voz suave.
-Ok.- Falei fechando os olhos.
-Agora pense só no outro lado.- Ele falou com a voz mais suave ainda.
-Eu tenho que fechar os olhos também?- A Mason falou me desconcentrando.
-Sim Mason, cala a boca e fecha os olhos.- O Shane parecia irritado.
  Voltei a me concentrar só na minha respiração, ela estava um pouco agitada. Pensei no outro lado e em tudo que o Brian tinha me falado, pensei na Hayley, mas não estava funcionando. Meus pensamentos estavam bastante acelerados, pensei no Jared. 
-Não da, eu não consigo me concentrar.- Falei abrindo os olhos. 
Eu nem precisei me concentrar, vi o meu corpo no chão, o Mason estava apoiando minha cabeça no seu colo, e o Shane estava segurando minha mão. Tudo estava silencioso, e eu me surpreendi com a facilidade que eu tive, não precisei fazer nenhum esforço. Estava tudo escuro no porão e eu precisava achar a Hayley, subir as escadas e abri a porta, ainda estava tudo escuro. Era um mundo totalmente novo, um mundo sombrio que eu nunca havia imaginado antes. 
-Hayley.- Chamei seu nome um pouco baixo. 
Ouvi o meu eco por algumas vezes, mas foi o único som que pude ouvir naquele momento. Eu estava no quarto do Mason, sair do quarto e fui direto para a sala, mas a Hayley também não estava lá. 
-Hayley.- Dessa vez chamei seu nome um pouco mais alto.
Ouvi meu eco por mais algumas vezes, mas ninguém me respondeu. Eu estava um pouco assustada, era uma sensação ruim, de não está onde eu realmente deveria está. Senti alguém passando atrás de mim, mas quando me virei não havia ninguém. O que eu estava fazendo? Eu nem tinha certeza se aquilo iria dar certo. Mas no momento eu só pensei em achar logo a Hayley, e resolver o problema do Mason. Continuei andando pela casa, as paredes estavam escuras e tudo aquilo parecia um sonho, mas eu sabia que não era. Abri a porta da frente e fui direto para perto da piscina, ela tinha que está lá. 
-Hayley.- Gritei mais uma vez.
-O que você quer?- Uma voz soou atrás de mim.
Ela era muito pálida, seus cabelos eram escuros e seus olhos também, seu rosto era um pouco arredondado e ela usava um vestido branco, estava descalça. Para um fantasma até que ela era muito bonita. Diferente do Brian. 
-E Eu , eu vim trazer um recado do Mason.- Falei gaguejando um pouco.
-Um recado? Eu morro por culpa dele e é isso que ele me dar? Um recado?- Ele parecia com raiva.
-Não foi culpa dele, foi um acidente.- Respondi.
-Acidente uma porra, eu era saudável, era inteligente, tinha uma boa vida e ele tirou isso de mim.- Ela apertou as mãos.
-Ele disse que senti muito.- Falei tentando convence-la a o deixar em paz.
-O arrependimento dele não vai me levar de volta a vida.- Ela ficou mais irritada ainda.
-Eu sinto muito por isso também, mas se vingar também não vai te levar de volta a vida.- Me aproximei.
-Isso é o que você pensa.- Ela sorriu ironicamente.
-O que você quer dizer com isso?- Tentei segura-la pelo braço. 
-Não chegue perto de mim.- Ela se afastou gritando.
A unica forma dela se vingar do Mason e ter sua vida de volta ao mesmo tempo seria tomando posse do corpo dele.  
-Não, você vai deixar o Mason em paz.- Apontei para ela.
-Paz? É tudo que ele não vai ter. Fala pra ele que só ta começando.- Ela falou.
-Você não pode passar para o outro lado sem uma passagem.- Falei sendo mais irônica ainda.
-O que você sabe sobre a passagem?- Ela parecia surpresa.
Eu sorri.
-Você.- Ela se aproximou.
Pude ver os sentimentos em seu olhar, raiva, magoa e solidão.  Não sei como conseguir, mas cada segundo a mais que eu olhava em seus olhos os sentimentos ficavam mais claros. Eu estava me descobrindo cada vez mais, cada dia me surpreendendo comigo mesma. Ela estava chegando cada vez mais perto.
-Eu? Eu o que?- Fingir que não sabia do que ela estava falando.
-Você é a passagem.- Ela afirmou.
-Não sou.- Desmentir.
-Você não pode voltar.- Ela falou vindo para cima de mim.
Ela apertou o meu pescoço me derrubando no chão, eu não conseguia respirar. Tentei me soltar, mas ela era bem mais forte do que eu. 
-Você não pode voltar, você não pode voltar, você não pode voltar.- Ela ficava repetindo isso igual uma louca. 
Tentei tirar suas mãos do meu pescoço tentando recuperar o ar, mas ela segurou minhas mãos para cima da minha cabeça com uma unica mão, e com a outra apertou o meu pescoço ainda mais forte. Eu estava perdendo as forças e meus olhos começaram a se fechar. De repente ela parou, abri os olhos e tentei recuperar o ar. O Brian estava  segurando-a pelo braço, ele me salvou. 
-Saia daqui agora.- Primeira vez que o vi gritar.
Ela estava apavorada e saiu correndo sem dizer uma unica palavra. Eu ainda estava no chão e o Brian veio para perto de mim.
-Você está bem?.- Ele perguntou.
-Estou.- Falei me levantando.
-Você tem que parar de se arriscar.- Os cortes de sua boca estavam sangrando.
-Eu só estava tentando ajudar um amigo.- Falei limpando meu vestido.
-Pare de se importar com as pessoas. Se eu não estivesse aqui você nunca mais iria poder voltar para o mundo dos vivos, ela estava te matando, e tudo isso porque você estava ocupada se importando com as pessoas.- Ele me encarou.
-Você está me seguindo?- Perguntei.
-Eu tenho que te manter em segurança.- Ele respondeu.
-Minha segurança? Eu não preciso de segurança. O Jared precisava.- Minha expressão mudou rapidamente.
-Eu tentei impedi-los, mas eram muitos, e eu tentei te avisar, mas você não me ouviu.- Ele estava calmo.
-Você não foi específico, a unica coisa que você falou foi que eu tinha que ficar longe, mas não falou que isso ia acabar em morte.- Eu gritei.
-Na verdade você já sabia. Mas foi egoísta, não queria se afastar do Jared por ele ser a pessoa mais importante na sua vida. Não pensou nele, só pensou em como não podia viver sem ele. Eu garanto pra você, se você tivesse me ouvido e se afastado seria muito menos doloroso.- Ele parecia sincero.
-Ok, a culpa é minha.- Baixei a bola.
-A culpa é sua, aprenda a conviver com ela sem se arrepender. Eu também já fiz muitas coisas ruins, mas não me arrependo, só sigo em frente tentando seguir por outro caminho, um caminho melhor- Ele estava sério.
-Quanto tempo faz que você morreu?- Fiquei curiosa.
-Já faz bastante tempo.- Ele respondeu.
-Não dar pra ser específico?- Eu sorri.
-Já fazem 365 anos.- Um pingo de sangue escorreu pelo canto de sua boca.
-E você... E você sempre foi assim?- Falei o olhando. -Desculpa.
-Não, eu era uma pessoa bonita se é isso que você ta perguntando. Mas eu fazia coisas horríveis, eu era uma pessoa ruim, meu espírito era podre. Quando agente morre nosso corpo morre, nosso espírito não. Nosso espírito permanece do mesmo jeito que era. Pelo menos a aparência dele.- Ele também me olhou.
-O que você fazia?- Falei colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. 
-Pesquisa na internet.- Ele respondeu.
-Ham? Ta brincando?- Perguntei.
-Brian Jackson, ano de 1651. Pesquisa lá.- Ele franziu sua sobrancelha queimada.
-Tenho que voltar agora.- apontei para dentro da casa.
-É, tem mesmo.- Ele falou um pouco baixo.
Fechei os meus olhos, quando os abrir ele ainda estava lá.
-Você precisa praticar mais.- Ele não sorriu, mas havia um sentimento de sorriso em seus olhos.
-Que droga. Sou nub ainda.- falei sorrindo.
-Feche os olhos e se concentre na sua respiração.- Ele falou enquanto eu fechava os olhos.
Respirei fundo e quando abri os olhos eu já estava do outro lado.