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História Doce Escuridão - 1 - Z u m m a c h


Escrita por: Xofss

Capítulo 1 - 1 - Z u m m a c h


"Nada para provar e eu sou a prova de balas."

— Dangerous Woman, Ariana Grande

Esse definitivamente não era o perfil de trabalho que eu aceitava, mas para o que pretendia, essa recompensa seria indispensável. Geralmente me aventurava em cartéis, associações mafiosas ou esquemas de tráfico, e vingança. Mas no fim, tudo se resumia à: nova cidade, nova identidade, novo apartamento, nova vida. Era como se apagasse toda a minha história antes de chegar a minha nova tarefa. De certa forma era. 

Boston. Minha nova casa, por pelo menos alguns meses. Assim que a brisa da cidade soprou contra meus cabelos, soube que sentiria falta quando precisasse ir embora, não fazia nem um dia que havia chegado e já estava maravilhada com a metrópole. Era tão colorida, animada, uma experiência ou paisagem nova a cada esquina. O ritmo energético e o vislumbre da vista capturaram minha atenção da melhor forma possível. Mas tudo eram negócios, estava lá para cumprir um acordo. Era boa no que fazia e esse era o motivo do meu contrato.

Era uma assassina. Bonnie. Um codinome para quando precisasse ser contatada pelos Classificados. O nome era uma associação histórica as irreverentes figuras de Bonnie e Clyde. Parceiros no amor, loucura e ilegalidade. Um tanto clichê, e irônico para alguém sozinha.

Usando uma comparação barata e vulgar, tudo funcionava como num catálogo de compras. Terceiros passavam meu perfil de agilidade, capacitações em ação e claro, um comando com valores de comissão, os quais não eram nada acessíveis a qualquer mandante. Esse escalão de contratados era restrito e mais facilmente transitável apenas para os círculos mais quistos economicamente. Empresários e figuras importantes da sessão de grandes influentes no país. A identidade dos figurões era o essencial a ser preservado no elo - apesar da minha também ter sido, nesse meio pouquíssimas pessoas sabiam quem era -, eles eram os mais protegidos negociando como fantasmas sem identificação, ou por terceiros.

A curiosidade era algo muito aguçado em mim, e as vezes com algumas simples análises, consiguia descobrir quem me contrava. Só que daquela vez era diferente, quem me contratou se preocupou muito em se manter o mais longe possível de tudo. Com a minha experiência no ramo, diria que ele arquitetou o acidente perfeito para se livrar do ou dos envolvidos, que negociaram por ele. A única coisa que consegui descobrir foi um apelido: Senhor N. Quem fosse o - em um eufemismo - candidato a Casa Branca, com receio de manchar a imagem de perfeito, me mandou até a Massachusetts.

Atrás de Michael Zummach.

Não me dispunha a matar apenas pelo dinheiro, prefiria uma eliminação significativa de verdade, alguém que se sairia melhor morto do que vivo. Infelizmente essas encomendas eram mais raras. Quando tomei consciência de todo o perfil de Michael Zummach, me recusei drasticamente a aceitar o trabalho. Senhor N me queria para isso. E depois de ver o quanto ele estava disposto a pagar, e o destino final dessa mini fortuna, me dei por vencida.

E lá estava: no esplendoroso e enigmático universo que a megalópole se prostava a ser diante dos meus olhos.

●●

Em meio as pilhas de caixas, resultado da mudança, caminhava de um lado para o outro, descalça e a vontade com a minha bagunça confortável. Estava inquieta e pensativa, enquanto segurava com força o arquivo nas minhas mãos, até as juntas empalidecerem.

Tinha aberto a primeira página do relatório e estava incrédula com o que ia fazer. A imagem de Michael por si só já havia me deixado consternada. Imagina se eu encontrasse algo filantrópico e caridoso o suficiente para me fazer desistir de tudo?

Ele era muito bonito.

O contorno do rosto perfeitamente desenhado, com os cabelos escuros emoldurando aquela quase peça artística. Não conseguia para de reparar em seus olhos, um castanho confiante e sedutor passam a sensação de mistério e segredos. Os lábios perfeitamente desenhados, que soavam extremamente deliciosos.

Na minha mente tem um grande letreiro de led piscando e dizendo PARE! Esse frenesi todo dentro de mim com certeza se devia ao fato de uma vida sexual bem monótona, cerca de escassos dois ou três caras com quem estive. O principal motivo de não ter estado com mais companhias masculinas, era porque nunca ficava por muito tempo em um mesmo lugar, e também não conseguia me envolver facilmente com as pessoas.

Meta principal do momento, era: ignorar completamente o fato de Michael Zummach ser incrivelmente bonito. Um pedaço de mal caminho. Provavelmente estava sendo exagerada em vê-lo com tanta admiração, mas o apelidei mentalmente de Bonitão. Ia ser cômico chamá-lo assim em pensamentos.

Mudei para a próxima página, antes que criasse mais descrições romantizadas e idealizadas, como em um filme de conto de fadas, sobre o que vai ser o próximo nome na minha lista.

Frustração sexual estava em alta no meu currículo no momento.

Vice-presidente da empresa do pai, Ethan Zummach. Empresas Forseti. Relacionamentos, visto frequentemente com companhias femininas diferentes, mas os arquivos passavam informações que sugeriam que estava com Alyssa Fields, nenhuma fonte afirmava com convicção o namoro, mas era uma probabilidade um tanto alta. Ela era um encanto fisicamente, loira de olhos claros, um rosto delicado e sorridente, era a imagem perfeita de um exemplar para esposa desses magnatas.

Nunca admitiria, mas uma pontada de inveja me atingiu. Querendo ou não, ela era muito sortuda se estivesse com ele. Talvez fosse uma união cômoda para a família de ambos. Voltando aos papéis...

Pelo restante das informações que li sobre Michael, com certeza se entrasse em um desses sites sensacionalistas de fofoca, haveria muita notícia sobre ele, encabeçada com um: "Solteiro mais cobiçado de Los Angeles". Ou de toda a Costa Leste.

O restante da família não tinha nada de surpreendente, a não ser pelo senhor Zummach, que mais parecia a encarnação de olhos azuis do Drácula. Tinha uma irmã muito bonita, Stella, dois anos mais nova, parecia ser muito simpática e divertida, cabelos curtos e castanhos, um rosto angelical pelos olhos grandes e lábios cheios. Embora não tivesse mais informações sobre ela na pasta, diria que ela era o tipo rebelde. A progenitora, Theresa, me causou uma certa surpresa. Casou-se jovem com Ethan Zummach, depois de trabalhar como secretária deste por menos de um ano. Ela era bonita, tinha um ar de confiança altivo, com um certo toque de arrogância pela postura firme. Cabelos loiros mais escuros e olhos determinados que seriam capazes de fazer qualquer um recuar.

Fechei a pasta e soltei um suspiro pesado que nem sabia que prendia. Ler aquilo foi quase uma maratona, só que não tinha prêmio e nem cansaço físico, a não ser pelas inúmeras voltas que dei pela pequena sala do meu novo apartamento. Não havia motivos para ficar ansiosa ou afobafa por ler aqueles relatórios. Era só mais a futura ficha mortuária de alguém.

Me joguei no sofá macio, juntei o rosto nas mãos com os braços apoiados nos joelhos. Meio angustiada, meio entediada, repassei mentalmente minha rotina que começaria em dois dias. Com ajuda de algumas pessoas e com meu próprio mérito consegui me contratar na Forseti.

Iria vigiar e perseguir discretamente o Michael pela sua empresa. Eu seria assistente de Jason Miller. Escolhi a dedo ele, a família tinha laços próximos aos Zummach's e ele era amigo pessoal de Michael. Melissa Tramell, novo nome nos meus registros e documentação forjada.

●●

O dia de ir a Forseti como funcionária, enfim havia chegado. Melhor dizendo: o dia de ir a Forseti com o pretexto de assistente havia chegado. Iria finalmente conhecer o Zummach Bonitão de perto, acho que estava um pouco nervosa e relativamente ansiosa de chegar perto dele.

Assim que pisei no saguão suntuoso da entrada do andar principal - andar que ficava a sala de Michael, dos principais e poucos sócios. Meu novo chefe também residia nesse andar, e a minha futura sala -, assumi minha postura diária de olhar calmo e calculista, os saltos ecoando pelo piso ebúrneo impondo respeito e sagacidade, mas subitamente senti que algo drástico estava mudando em minha vida. Fosse a riqueza presente nos mínimos detalhes do espaço físico, ou simplesmente estar entrando em um jogo, cujo não estava habituada.

Tudo era básico e fácil antes, alvo; informações; dia e local para a execução. Agora eu estava diante de um desafio, teria que estudar e vigiar meu alvo, Michael não tinha envolvimentos ilegais que tivesse conhecimento, ele era praticamente um cara 100% inocente ao meu ver. E era essa a questão. E se ele não tivesse culpa alguma? Ia contra os meus princípios gastar tempo, munição e força com inocentes e depois ser recompensada por isso.

Me acomodei em um sofá de couro, a espera do chamado do senhor Miller. O cargo era certo, mas tinha que passar por uma pequena avaliação antes. Respirei fundo e trocava de posição inquieta pela demora. Esperar e ter paciência nunca foram coisas boas em mim. Finalmente a moça da recepção, de estatura mediana, se levantou e veio em minha direção.

- Senhorita Tramell? - Levantei com uma expressão séria, e percebi ela me analisando com indiferença - O senhor Miller vai atendê-la agora - Conferiu um papel e me estendeu a mão indicando o caminho, a segui admirando o local.

Era tudo moderno e amplo, as janelas grandiosas ofereciam a melhor vista de toda a Boston, favorecidas pela altura arquitetônica do edifício. As salas da ala de criadores, eram organizadas espaçosamente e tentavam a criatividade dos seus donos, para o perfil da empresa o que valia era a originalidade, e seus funcionários pareciam brincar disso em cada decoração pessoal. Os largos e inúmeros corredores formavam um labirinto, capaz de confundir os desatentos.

Para o meu breve curso de publicidade aquela era a empresa dos sonhos, para a qual eu iria querer me candidatar. Talvez em uma outra vida menos complicada eu teria conseguido.

Ainda seguindo a moça de passos rápidos me distraí olhando um novo ambiente. Era todo iluminado pela luz natural, que invadia pelas janelas ocupantes de todas as paredes. A decoração e flores coloridas deixavam o que parecia ser uma sala de reuniões, divertida e menos formal.

Ao baixar os olhos brilhantes terminando o tour visual, encontrei um homem de terno me encarando, parecia reparar no quão embabascada eu estava ao olhar tudo. Senti um frio na barriga e minhas mãos suarem, acho que meu olhar duro foi quebrado e fiquei parecendo uma adolescente. Parei meus olhos nos dele - olhos brilhantes e penetrantes, o tipo de olhar que faz uma mulher ficar excitada facilmente - e quase cessei meus passos, para continuar com aquele diálogo mudo por mais um tempo. Ficamos nos olhando por milésimos que pareceram horas, só aí que me dei conta de quem estava encarando fixamente.

É ele. Michael, o Bonitão.

Conversava com alguém que parecia ser um sócio, mas quando colocou os olhos em mim pareceu ignorar totalmente a presença do homem a frente. Se eu não tinha um fetiche por homens de terno, foi nesse momento que passei a ter. Ele estava impecável em um terno escuro, vestido minuciosamente no traje completo, exalava um ar de superioridade inatingível, com uma pose impactante de homem de negócios.

As fotos não faziam jus. Zummach Bonitão com toda a certeza.

Ao me dar conta da situação em que estava, estreitei os olhos com um pouco de indiferença e ergui o rosto um pouco mais que o necessário. Voltei a caminhar com pressa atrás da moça.

A imagem daqueles olhos sedutores não iriam me deixar tão logo.

Paramos fronte a uma grande porta escura, com uma placa metalizada indicando o nome: Jason Miller. A moça que antes seguia, mexeu na maçaneta com entusiasmo e um sorriso discreto. Jen, pude ler em seu crachá, depois de analisá-la com atenção, com sardas e um pouco robusta, de cabelos curtos e escuros. Entrei na sala grande e um pouco desorganizada, pelas pilhas de papéis que se acumulavam na mesa, depois do breve anúncio do meu nome; em seguida ela nos deixou à sós.

- Melissa Tramell - O rapaz atrás da grande mesa testou o nome animado, e rapidamente confirmei com um sorriso.

De aparência bonita: os cabelos eram de um castanho dourado, olhos com um azul convidativo e divertido para o cargo dele, e uma voz gentil e calma. Não parecia ser um futuro chefe ruim.

- Pode se sentar - Esticou o braço para a cadeira a frente da sua mesa, com um sorriso sereno. Acomodei-me no acento e apertei minha bolsa junto ao corpo.

- Você parece nervosa - Sorri para confirmar, mas na verdade não estava - Posso chamá-la de você? Acho que isso melhora a relação hierárquica - Assenti impressionada com sua desenvoltura e cordialidade comigo, que seria apenas sua funcionária - Então o que te levou a vir trabalhar aqui? - Se recostou na cadeira de couro, como se se arrumasse no assento do cinema.

- Bom - Olhei para o alto sorrindete -, o mundo da publicidade sempre foi algo muito atrativo para mim. E a Forseti, creio que é o sonho de qualquer um que é adepto ao ramo. Mas mesmo sendo apenas uma secretária, espero conseguir algum destaque e evoluir de cargo - Sorri finalizando e vi quase uma surpresa nele ao ouvir meu discurso. Vi-o puxar de uma das pilhas uma pasta azul clara.

As Empresas Forseti tinham uma área bem vasta de atuação. Desde trabalhos com publicidade, editorial até empreendimentos comerciais e exportação e importação de mercadorias. Sem contar as ações na bolsa.

- Seu currículo é muito bom! Faculdade Pitzer, especialização em arte contemporânea e estágio em algumas revistas e jornais... - Folheou rápido demostrando já ter lido tudo.

A maior parte do meu currículo era forjado. A única verdade era minha estadia em Pitzer, uma verdade pela metade ainda por cima. Abandonei a faculdade no segundo ano, quando tudo desandou... pela segunda vez. O resto eram simples falácias para fazer meu currículo ser mais atrativo.

- Sinto em desperdiçar todo o potencial, que você denota ter. Mas no momento preciso apenas de uma assistente. E fico feliz em ter você como a minha no momento - Concluiu colocando a pasta na mesa, e sorri com suas palavras mais do que certas.

- Não me importo de começar de baixo - Levantei um pouco o queixo - Preciso do emprego, e quem sabe não consigo me destacar? - Sorri de lado. Ele riu e me lançou uma piscadela.

- Gostei de você - Ele era simpático, seria um bom chefe - Pode começar amanhã.

- Fantástico - Juntei as mãos quase em palmas - Mas não teria problemas em começar agora? Sabe, só pra ir me adaptando e eu aprendo rápido. Consigo me virar bem por hoje.

- Por mim não há problemas. Ficaria até grato já que... - Sinalizou para a mesa - Como pode ver estou bem desorganizado - Suspirou sorrindo - Pode começar pela minha agenda.

- Ótimo! - Saltei da cadeira animada. E realmente estava. Ele abriu uma gaveta na mesa e puxou uma agenda de couro cheia de papéis de lembretes - Onde posso me instalar? - Perguntei ao pegar o objeto oferecido.

- A direita no fim do corredor fica a sua sala.

Minha breve experiência como uma pessoa normal, com uma vida normal, com um emprego normal e tedioso, seria uma verdadeira aventura. Nunca tinha conseguido um trabalho que fizesse me adaptar a uma personagem. Era arriscado e traria uma certa dificuldade para me livrar da investigação, mas estava mais que animada por essa pequena amostra de pacificidade.

Abri a porta da saleta e um leve cheiro de bolor que começava a surgir, invadiu minhas narinas. Corri os dedos pela parede a procura do interruptor, com o lugar iluminado pude observar melhor. Era pequena e meio apertada, mas bem aconchegante. Uma mesa pequena com um computador moderno, mais uma mobília básica composta de duas cadeiras e um armário de arquivos, objetos de escritório, e um vaso de violetas, esquecido sobre a mesa, quase morrendo. Me dispus a achar água para regar a planta.

●●

Depois de ajeitar o espaço para algo mais próximo do meu gosto, comecei a trabalhar. Em questão de pouco mais de meia hora, já tinha terminado minha tarefa. Não era tão complicado quanto parecia, bastava um pouco de silêncio, disposição e paciência. Bati a porta de Jason para entregar a agenda organizada e planejada, com os horários anotados com cuidado e post-its com lembretes. Foi uma tarefa até relaxante, não era algo difícil ou trabalhoso. Era mais interessante que ficar analisando a rotina de alguém minuciosamente.

- Bom trabalho! - Analisou a agenda com surpresa pelo meu desempenho.

Sorri orgulhosa, pronta para responder se não tivesse sido cortada pela voz que ecoou na sala.

- Jason! O que você acha... - Adentraram na sala sem aviso. Me virei em direção a voz para ver. Michael.

Antes de perceber de quem era a voz, senti todos os meus sentidos entrando em alerta, um arrepio descendo pela minha coluna e uma palpitação inacreditável. De repente perdi a voz e meu olhar cortante, que agora era um bobo preso nos olhos divertidos de Michael.

Ele era ainda mais bonito de perto, um perfume amadeirado quase inebriante. Ele parou a minha frente surpreso e sorriu de lado, olhando para mim e para Jason. Aquele parecia ser o tipo de sorriso que ele não exibia com frequência naquele prédio em horário de expediente, ou para qualquer mulher. Parecia um sorriso de um predador cercando sua frágil presa, e ao mesmo tempo fascinado.

Memorizei involuntariamente o sorriso dos seus lábios atrevidos.

- Nova secretária? - Apesar de me encarar sua pergunta era dirigida a Jason - Michael Zummach. - Puxou minha mão em direção a sua boca. Engoli em seco e pude sentir minha calcinha molhar.

- Acho difícil não saber quem você é, quando está na cara que você é o vice-presidente, quase dono de tudo aqui. - Puxei minha mão de volta com um pouco de asco, do toque íntimo demais.

Ele riu fazendo uma cara de ofendido, enquanto alternava o olhar entre mim e Jason. Pelo canto dos olhos, vi que ele se divertia com minhas palavras ousadas dirigidas ao meu verdadeiro chefe. Revirei os olhos e me virei para Jason, ignorando Michael que deveria estar analisando a curvatura do meu bumbum.

- Vou deixar você conversarem a sós - Sorri forçado, sem filtrar meu desprazer com a situação. Sai da sala sem olhar na direção de Michael.

Senti ele olhando de forma vulgar para o decote do meu vestido marfim. Não era o tipo de roupa que eu usava, mas as circunstâncias pediam uma caracterização mais preparada. Fiquei até feliz por saber que ele me caiu bem, embora minhas pernas tenham formigado com o gesto.

Saltos! Meus pés latejavam. Assim que alcancei a porta da minha nova sala arranquei afoita meus sapatos pretos de veludo.

●●

O resto do meu dia passou rápido. Jason não tinha me dado tarefas longas, a não ser pelas duas vezes que me mandou entregar alguns papéis em andares diferentes. Passei o resto do dia me distraindo ao rodopiar pela sala na minha cadeira de rodinhas, e pensando na decoração que usaria para deixar a sala menos séria e mórbida.

Quando me dei conta já tinha ultrapassado meu horário de expediente, e muito provavelmente não teria mais nenhuma alma viva no resto do andar. Meus olhos se acenderam em um brilho com a ideia de não ter mais ninguém no andar.

Poderia entrar na sala do Bonitão! Dar uma espiada em suas coisas e com sorte, conseguir acessar seu e-mail pessoal e empresarial.

Peguei minha bolsa e alinhei os sapatos nas mãos. Caminhei em silêncio pelo breu que se estendia no ambiente, iluminado apenas por poucos abajures.

Fui em direção a entrada e atravessei o portal contrário ao que tinha passado mais cedo. Cheguei a parte principal do andar: sala do vice-presidente. Havia outra recepção para sua sala, e não era nada modesta, era até mais luxuosa que a primeira. Analisei o ambiente a meia-luz, pela iluminação luar, com curiosidade e incredulidade, pela opulência.

Segui o pequeno e único corredor até a sala, parei ao lado da grande porta de marfim, com uma placa metalizada e esnobe indicando o nome. Estava entreaberta, sem olhar pela fresta já ia levando minha mão a uma das maçanetas, detive-me a tempo, ouvindo um gemido ofegante, com certeza feminino. Colei meu rosto na fresta para observar a sala.

Estava iluminada apenas pela luz fraca de um abajur sobre a mesa, totalmente irrelevante ao lado do ato principal. Michael agarrava com insistência e avidez uma moça loira - que com certeza não era a "namorada" -, que gemia e se contorcia em deliberado prazer, com as pernas desnudas enroscadas em seu quadril.

É, ele não era tão inocente assim... Se realmente namorasse com Alyssa Fields.

- Michael... - Ofegou em mais gemidos, sua voz estava embargada de excitação. Revirei os olhos pela cena que julgava ridícula ao analisar o local em que se densenrolava.

Ele mantinha o rosto entre o pescoço dela e as mãos agarradas em suas coxas. Alguns minutos depois, ele tirou as mãos de seu corpo e cessou os beijos, ela arquejava tentando abrandar a respiração, enquanto Michael parecia completamente tranquilo. Quando ele se afastou por completo da moça, pude focar em seu rosto. Estava com as bochechas vermelhas pela atividade, e tinha os cabelos dourados fora de ordem, o vestido milagrosamente ainda estava no seu corpo, porém elevado até o meio das coxas.

Acho que a invejei por ter a chance de tocá-lo e ser tocada por ele.

A fresta na porta oferecia espaço o suficiente para notar por mínimo que fosse, um pequeno olho curioso vigiando na escuridão do lado contrário.

Antes que ela terminasse de se recompor, e fosse avisada pelo seu sexto sentido de uma platéia solitária e atenta, sai de perto da porta com cuidado. Recompus minha postura e segui na direção do corredor, segurando o riso com custo.

Não existia superfície mais clichê do que a mesa de um magnata para transar.

Ele parecia a encarnação de uma personagem de um dos contos eróticos da Sylvia Day.

●●

Foi um pouco trabalhoso destravar as trancas da porta, a empurrei com um solavanco. O som da madeira rangendo sobre o piso sugeria o de um filme de terror. - gostava desses pequenos detalhes - Assim que entrei no lugar escuro, tropecei em uma das caixas da mudança, esquecidas na sala. Não tinha tanta coisa para colocar no lugar, mas mesmo assim um dia não fôra o suficiente para me organizar.

Sentei no sofá relembrando o meu dia tão diferente e divertido apesar de tudo. Não queria, mas acabei me lembrando de Michael, e especialmente daquele efeito afrodisíaco que ele me causou, logo no primeiro momento em que nossos olhares se cruzaram. Extraordinário. Era a palavra que definia meu torpor por uma simples presença.

Assustador também.

Torci os lábios frustrada e em rendição, caminhei até o quarto, mais especificamente em direção a uma maleta. Um vibrador iria colocar um fim naquilo. Quando me dei conta de que seria difícil uma companhia mais íntima, comprei um para me "divertir" - ou uma simples distração - sozinha. Era bem útil as vezes.

Assim que encontrei meu brinquedo profano, encarei o guarda roupas embutido na parede ao lado. Me aproximei e abri o fundo falso, revelando uma coleção modesta e essencial de armas que iria usar, poucas facas, remédios controlados e substâncias ilícitas, vendas e cordas e roupas especiais para disfarce. Ter um arsenal daquele não era algo que me orgulhasse, era estranho, mórbido e perigoso de se ter e transportar. Armas não me agradavam, mas eram precisas e não faziam sujeira se usadas corretamente.

Afastei as lembranças que armas me traziam e lacrei o fundo falso, fechei o armário e caminhei sorridente até o pequeno banheiro do quarto.

Enchi a banheira com água quente, e enquanto esperava, analisei os detalhes dos azulejos brancos que entalhavam todo o banheiro, delicados e um pouco apáticos. Ganhariam uma lembrança nova quando acabasse.

Enrolei o cabelo em um coque alto e entrei na banheira que soltava fumaças de vapor. Puxei o vibrador ansiosa e o ajustei em uma boa velocidade inicial. Depois de alguns minutos, o apartamento silencioso era coberto pelos sons dos meus gemidos.

Torcia para mais tarde, não me arrepender de ter usado aquele objeto pensando no Bonitão, e para uma vez ser o suficiente.

Ele não iria invadir meus pensamentos como se fosse uma adolescente anestesiada pela sua beleza.



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