Eram quatro e três da madrugada e ele rolava pelo seu feed do Facebook pensando no erro que havia cometido havia dois dias e o deixaram sem sono durante as últimas quarenta e oito horas. Devido à hora, por mais que tentasse atualizar a página da rede social, nada mudava. Os mesmos textos, os mesmos vídeos, os mesmo gifs, as mesmas imagens, a mesma inutilidade.
Mesmo que seu tédio fosse tão grande quanto a segunda Estrela da Morte, os seu erro o mantinha acordado, sem o menor sono e sem capacidade de dormir tranquilo.
Após inúmeras e redundantes tentativas de atualizar sua página, Donatelo - ou Don para os amigos, se é que ele ainda tinha algum - escorregou os dedos pelos seus cabelos negros e escorridos, esfregou os olhos tão verdes quanto esmeraldas, levantou-se da cadeira do computador e foi em direção ao banheiro. Ao olhar-se no espelho pela primeira vez em muito tempo, sentiu ódio de si. Suas olheiras mais profundas que o Oceano Pacífico eram sinais de sua culpa. Como pode ter sido tão fútil, ele se questionava. Don liga o chuveiro e, quando começava a se dispir, o som de notificação do Facebook ecoou pelo silêncio escuro de seu apartamento. Donatelo se surpreendeu. Quem diabos poderia ser? Resolveu ignorar.
Após o banho, dirigiu-se para sua cama. A tela do computador já havia desligado automaticamente e o escuro era total. Será que dessa vez conseguiria dormir? Deitou-se olhando para o teto e começou a refletir sobre a vida que ele sentia não ter mais. Depois do que havia feito, ninguém olhava mais para seu rosto. Sentia-se desprezado, inexistente, morto.
Seis horas da manhã. Seu despertador tocou e Donatelo não havia dormido mais uma vez. Deixou tocar. Tinha finalmente criado um mínimo de coragem para ir à escola. Talvez a aula de biologia fosse o principal ingrediente para um bom sono. Vestiu seu uniforme e caminhou até o colégio pela primeira vez após o acontecimento.
Chegando na escola. Foi o primeiro a chegar na sua sala. Aos poucos, mais alunos foram entrando e sentando em seus devidos lugares. Nenhum deles olhava para a cara de Don, que aguardava ansioso pela chegada do seu até então melhor amigo, Luan. Ele chegou e, assim como todos os outros babacas de sua classe, ignorou a existência de Donatelo. Pensou em cutuca-lo, mas durante o segundo de hesitação, achou melhor deixar pra lá. A professora de biologia havia acabado de entrar em sala quando Don se tocou de que Amélia havia faltado. Pensar na Amélia o deixava mal, afinal, era por causa dela que ele estava com insônia e por causa dela que ele fez o que fez. Não conseguiu dormir na aula de biologia. O dia seguiu sem que um olhar sequer fosse direcionado à Donatelo. Sentia-se péssimo. Ir pra escola foi o pior que poderia ter feito.
Chegando em casa, largou sua mochila no canto, trocou de roupa e voltou à porta da frente para recolher o jornal do dia para seu pai -que ainda estava dormindo. Foi preparar seu almoço, e apesar de seu pai ter lhe ensinado como cozinhar desde os sete anos de idade, nunca aprendeu. Apelou para o miojo. Decidiu ler o jornal enquanto almoçava, e em uma das notícias se lia:
"Jovem é encontrada morta"
A morte sempre lhe trouxe curiosidade -por mais que sua mãe tivesse falecido num terrível acidente de carro - então decidiu pular direto para a notícia. Pasmou. Deixou a tigela de miojo cair no chão, quebrando-a em centenas de pedaços junto com seu coração. Era Amélia.
Donatelo calçou seu tênis e correu para a casa de Amélia. Nunca correu tão rápido em sua vida. No meio do caminho, a fatiga, mas o que restava de seu coração não o deixava parar. Será que ela ainda sentia algo por ele? Provavelmente não, mas ela ainda era o amor de sua vida. Chegou. Suas lágrimas se perdiam no meio do suor e o seu desespero se escondia na respiração pesada do cansaço. Tocou a campainha uma, duas, três, inúmeras vezes. Ouviu o som de alguém se aproximando da porta e percebeu que tinha acabado de ser observado pelo olho mágico. A porta destrancou. Era Amélia. Aquela foi a primeira vez que alguém olhou para os olhos de Donatelo depois do que aconteceu. Ela parecia abatida. Fechou a porta sem dizer uma única palavra. Uma porta batida valia por cem palavras de ódio. Ainda estonteado e sem entender o que estava acontecendo, decidiu pegar o jornal que se encontrava no jardim dela. Tornou a ler a notícia. Chorou mais ainda, porém dessa vez de alívio. Não era a Amélia que amava.
Notou um lírio no jardim. Era pálido e delicado. Sua formosura o impressionava assim como sua beleza. Parecia Amélia em forma de flor. Decidiu sacar o celular para tirar uma foto. Salvou e selecionou como plano de fundo. Estava belo. Percebeu que havia algumas mensagens não lidas no Facebook e decidiu vê-las.
"Donatelo, meu Deus. Por que você fez isso?
Agora é tarde para dizer que te amo, mas mesmo assim...
EU TE AMO, DONATELO!
Desculpa por não ter te dado a devida atenção antes.
Até então eu não tinha percebido o quanto você era importante para mim.
Desculpa.
É minha culpa você ter decidido tirar a própria vida tão jovem.
Eu te amo
Eu te amo
Eu te amo"
- Amélia Flores
E nesse momento Donatelo lembrou-se e finalmente conseguiu dormir. Ao lado daquele lírio que chamou de Amélia. Ao lado de sua amada. Em paz.
Para sempre.
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