Despertei pela manhã sentido um perfume masculino estranhamente familiar. Antes de levantar, me espreguicei e levei um susto ao sentir certa dor nas minhas coxas. Abri os olhos e me deparei com uma figura masculina adormecida, sem camisa e com o edredom cobrindo-o até a cintura. Rajah. Sua respiração era calma e ele tinha a cabeça apoiada em um dos braços, o outro envolvia a minha cintura. Levantei da cama com cuidado para não acordá-lo e olhei no relógio. 09h15min. Caminhei até o banheiro e sorria enquanto as lembranças da noite passada corriam pela minha mente.
Entrei no banheiro e um grito ficou entalado na minha garganta quando me olhei no espelho. Meu pescoço estava cheio de marcas roxas. Levantei a cabeça para analisar melhor e tocar na área com os dedos.
Como vou trabalhar com isso?
Eu tinha que dar um jeito. Nada que uma maquiagem não resolva.
Comecei a me despir para poder tomar uma ducha e quando tirei o short, levei outro susto: minhas coxas estavam cheias de marcas também. Apertei as marcas de leve e gemi de dor. O que foi que aconteceu? Fiz sexo ou fui espancada? Suspirei. Aquelas marcas iriam demorar um pouco mais para sair. Tinha que lidar com a dor para trabalhar e fazer as aulas.
Depois de tomar a ducha, fui para a cozinha preparar o café da manhã. Rajah ainda não tinha acordado e resolvi fazer uma coisa especial, já que não tínhamos jantado ontem por motivos... Hã... Especiais. Arrumei a mesa com ovos mexidos, torrada, suco de laranja, café, geleia de morango e estava no fogão terminando de fritar bacon quando sinto alguém me abraçar por trás e depositar um beijo no meu pescoço.
— Bom dia, malak. — Rajah sussurrou no meu ouvido.
Sorri, desliguei o fogo e me virei para beijá-lo. Senti que ele descia as mãos pelos meus ombros, passando pela minha cintura até as minhas coxas, apertando-as de leve. Grunhi de dor e afastei-me dele abruptamente.
— O que foi? — perguntou assustado. Quando permaneci em silêncio, ele direcionou o olhar para a minha coxa direita e levantou o tecido do short que eu estava usando. Ao ver as marcas, deu um suspiro pesado. — Alexia, eu fiz isso? — analisou também a outra coxa e o meu pescoço.
Assenti um pouco envergonhada, e Rajah franziu os lábios.
— Me desculpe. Ei — ele levantou o meu queixo e olhou nos meus olhos. —, acho que me descontrolei um pouco, prometo ser mais cuidadoso, ok? E se eu estiver te machucando, é só dizer.
— Certo. — sorri de leve. — Na verdade, eu nem senti. Só fui perceber hoje de manhã. Acho que foi o calor do momento.
— E que calor. — ele sorriu. — Cordão bonito, moça. — ele tocou na corrente que havia me dado.
— Gostou? Um carinha aí me deu. — dei de ombros.
— Esse carinha aí deve gostar muito de você. — ele entrou na brincadeira sorrindo também.
— Será? Não sei... Mas sei que eu gosto muito dele. — beijei a bochecha de Rajah e ele me abraçou.
Peguei em sua mão e o levei até a mesa do café.
— Fiz para nós. — anunciei, me sentindo orgulhosa. — Espero que goste dos meus dotes culinários. Sente-se e espere eu pegar o bacon, é só um minuto.
Como eu já esperava, quando voltei ele já estava comendo. Estalei a língua e servi o bacon enquanto ele se desculpava.
— Não consegui esperar. — ele disse com a boca cheia. — É tudo tão irresistível que não consegui me aguentar. Só não posso comer bacon, desculpe.
— Sem problemas. — eu ri e me sentei. — Posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Onde aprendeu a falar português tão bem?
Ele olhou pra mim e sorriu.
— Minha mãe ensinou para mim e meus irmãos quando éramos pequenos. Ela é brasileira. — ele fez uma pausa. — Assim como você.
Ri meio sem jeito e dei um gole no meu suco.
— Não sei se você percebeu, mas não tenho muitos traços árabes. Puxei mais a minha mãe. Já meus irmãos são mais parecidos com o meu pai. — continuou.
— E você tem quantos irmãos?
— Somos em quatro. Sou o mais velho, Sa’id é o segundo, Hassan é o terceiro e Faizah é caçula.
— Todos são casados? — perguntei.
— Sim. — ele desviou o olhar.
— E... É verdade que no Islamismo o casamento é poligâmico?
— Sim. — Rajah parecia tenso. — Cada homem pode ter até quatro mulheres. Desde que possa cuidar delas igualmente tanto na atenção quanto financeiramente. Então, tem planos para hoje?
— Ahn... Sim. — respondi meio confusa por ele ter mudado de assunto tão rápido. — Tenho aula de dança mais tarde e depois estarei livre. Por quê?
— Tenho alguns assuntos pendentes para resolver e estarei livre também, quem sabe eu não passe aqui depois?
— Seria ótimo. — sorri. — Mas me diz uma coisa, o que você tem tanto a resolver aqui no Brasil?
— Minha família é responsável pela empresa de exportação de fosfato e equipamentos petrolíferos, e queremos abrir um acordo de venda e compra com empresas daqui do Brasil. Mas isso requer um processo muito longo e cheio de burocracias. — ele passou as mãos pelo cabelo.
— E como estão os negócios até agora?
— Bem, estamos finalmente quase fechando acordo. Mas todo cuidado é pouco. Reuniões, almoços coisas parecidas são muito importantes agora.
— Vai almoçar com eles hoje?
— Sim, se quiser te levo para aula antes.
— Perfeito, tenho que cuidar disso antes. — apontei para o meu pescoço.
Corri até meu quarto para trocar de roupa. Optei por uma legging em vez do meu habitual short e uma blusa com mangas em vez de camiseta, para ajudar a cobrir os hematomas. Passei maquiagem nas marcas do pescoço e até que deu para cobrir bem, nem dava para perceber. Coloquei na bolsa as maquiagens necessárias caso um imprevisto acontecesse e voltei para a cozinha.
— Tudo pronto. — anunciei.
— Vamos então.
Rajah dirigia o carro e nem sequer olhava para mim. Parecia pensativo, então resolvi não falar nada. Ele havia ficado um pouco estranho depois do café. Será que eu disse alguma coisa errada? Será que ele se arrependeu? Rajah costumava mostrar suas emoções pelas expressões corporais e pelos olhos, mas naquele momento ele era um enigma.
— Alexia, já chegamos. — Rajah disse, despertando-me dos meus devaneios.
— Ahn, sim. Desculpe. — me virei para pegar minha bolsa no banco de trás e pude perceber Rajah olhar para o meu pescoço.
— Cobriu bem, uh? — ele riu pelo nariz.
— Sim. — sorri. — Vai ser meio difícil deixar bonitinho assim. Mas dou um jeito.
— Como vai voltar pra casa? Posso vir te buscar se quiser.
— Eu ia a pé, mas aceito a carona. — abri a porta do carro, e quando estava quase saindo, o ouço pigarrear.
— Não está se esquecendo de nada? — sorriu torto.
Soltei uma risada e estalei a língua, beijando-o logo em seguida. Não posso deixar de dizer que me arrepiei toda, mesmo nem sendo um beijo daqueles. Rajah sabia como fazer direito.
— Bom, te vejo mais tarde. — eu disse.
— Ok. — ele me beijou de novo e saí do carro, fechando a porta e acenando enquanto eu entrava no salão. Encontrei algumas meninas que estavam esperando e fomos almoçar em um restaurante. Quando deu a hora, voltamos para a escola.
Fazer a aula foi bem difícil. Primeiramente por causa da dor nas coxas, e Julia não maneirava nos movimentos, o que não ajudava muito. Segundo por causa da maquiagem. Vez ou outra eu tinha que ir ao banheiro para retocar, e isso era bem cansativo. Para ajudar a me camuflar, assisti à aula na última fileira de meninas.
Quando tudo terminou, me esgueirei para o banheiro, pois me encontrava extremamente suada e temia que a maquiagem tivesse derretido e rezando para que ninguém tivesse me visto. Tranquei-me em uma das cabines e esperei até que todas as meninas fossem embora. Vasculhei na minha bolsa a procura de uma toalha para colocar em volta do pescoço, caso eu fosse surpreendida. Quando não ouvi mais nenhuma voz, abri a porta da cabine devagar e espiei se não havia mais ninguém. Barra limpa. Fui até a pia para me ver no espelho e tirei a toalha do pescoço. Como eu imaginava, a maquiagem tinha saído. Lavei a região e sequei para poder aplicar mais corretivo. Antes que eu pudesse começar, ouvi passos indo em direção ao banheiro. Rapidamente guardei tudo dentro da bolsa e coloquei a toalha de volta no pescoço. Para disfarçar, fingi que lavava as mãos.
— Sabia que te encontraria aqui. — pude ver Julia atrás de mim pelo espelho. — Não te vi muito hoje na aula, aconteceu alguma coisa? — ela mantinha uma expressão suave.
— Nada, só estou um pouco cansada hoje. — dei de ombros.
— Entendo. — franziu o lábio, como se estivesse decepcionada. Mas logo voltou a sorrir cinicamente e virou a cabeça um pouco para o lado. — Posso saber por que Rajah te trouxe pra cá hoje?
Congelei. Merda, ela tinha visto. Virei-me devagar para encara-la e respondi num tom de voz baixo.
— Isso não é da sua conta.
Antes que eu me esquivasse, Julia arrancou do meu pescoço a toalha, jogando no chão e deixando a mostra todas as marcas do meu pescoço. Continuei olhando séria para ela, mas por dentro queimava de vergonha.
— Ah, quer dizer então que a senhorita Inocência está se enrabichando com o Príncipe do Marrocos. — ela bateu palmas, rindo. — Gente, que babado! — suspirou. — Ah Alexia, você é tão ingênua que me dá náuseas. Acha mesmo que ele está caidinho por ti? Ele está se divertindo, você é só um brinquedinho dele. Depois te joga fora e volta pra sua terra. E você é estúpida o bastante pra acreditar que ele te gosta. — ela olhou para o meu cordão e riu. — Você só deve querer o dinheiro dele, não é mesmo? Deve estar gastando rios de dinheiro nas custas do Rajah. Não é a toa que foi igual a uma cachorra atrás dele.
Eu ri pelo nariz. Já tinha entendido tudo.
— Você está falando isso porque fiquei com o cara que você queria?
O sorriso cínico de Julia desapareceu. Eu tinha desmascarado ela.
— Acha que não percebi? — continuei. — Quem está correndo atrás dele igual a uma cachorra é você! Desde quando Rajah chegou aqui você está se jogando pra cima dele, babando ele o tempo todo, só faltava coloca-lo num pedestal! Mas não, ele se interessou por mim, dançou comigo e beijou a mim. Depois eu sou a estúpida? Pare de se sentir a maioral, Julia, você está morrendo de inveja.
Ela semicerrou os olhos e me olhou da cabeça aos pés.
— Você é uma vadiazinha barata. — cuspiu.
Joguei minha mão para trás e com toda minha força, dei um tapa em seu rosto.
— Não abra a porra da sua boca pra falar de mim. — apontei para ela. — Antes aprenda a cuidar da sua própria vida. E não dou a mínima para o dinheiro dele, até porque eu trabalho o suficiente pra ganhar o meu.
Peguei minha bolsa em cima da pia e me virei para ir embora.
— É tão bom assim ser a outra? — Julia riu pelo nariz atrás de mim. Parei de andar imediatamente.
— Rajah é casado, vai dizer que não sabia? — ela prosseguiu. Quando permaneci em silêncio, soltou uma gargalhada. — Oh, ele não te contou. — sorriu ironicamente. — Agora entende que você é só um brinquedo?
Ignorei-a completamente e corri para fora do banheiro, só parando quando saí do salão e me deparei com uma Land Rover preta. Caminhei na direção oposta e quando percebi que o carro estava me seguindo, apertei o passo.
— Alexia. — Rajah abriu o vidro e me chamou de dentro do carro. — Alexia, está me ouvindo?
— Me deixa em paz! — minha voz estava trêmula.
— Que bicho te mordeu?
— Vai embora! — eu já me encontrava aos prantos. As lágrimas caiam e eu fungava sem parar.
— Quer, por favor, entrar no carro? Vamos conversar.
Ignorei seu pedido e continuei andando.
— Alexia, já está de noite, é perigoso, então é melhor entrar logo para poupar energia.
Sentindo-me exausta, entrei no carro e enxuguei as lágrimas. Rajah virou o tronco em minha direção.
— Pode me dizer o que está acontecendo? — perguntou.
Fechei com força as mãos sobre minhas pernas enquanto olhava fixamente para os meus pés. Meus olhos se enchiam de lágrimas novamente.
— Eu sou só um brinquedo para você? — perguntei com a voz embargada.
— Do que você está falando? Não diga um absurdo desse, malak.
— Não minta para mim, Rajah. Você é casado, como pôde esconder isso de mim? — olhei para ele com raiva.
Rajah se calou e encarou o volante.
— Quem te contou isso? — sussurrou.
Ignorei a pergunta.
— Quantas? — perguntei. Ele permaneceu em silêncio. — Responda Rajah, quantas esposas?
— Duas. — ele suspirou.
Abaixei a cabeça e fiquei quieta.
— Eu ia te contar.
— Ah, ia? Quando? — disparei. — Quando me abandonasse e voltasse pro Marrocos?
— Por Allah, Alexia! Eu não faria isso! — ele bateu as mãos no volante. — Eu só estava esperando o momento certo, mas eu ia contar, sim! Você nunca se aproximaria de mim sabendo que sou casado.
— Rajah, eu gosto de você do jeito que você é. Sua religião, seus costumes, eu não me importo. Mas você mentiu pra mim! Como você acha que eu me sinto, depois de tudo o que nós passamos, descobrir que você tem duas mulheres te esperando em casa?
— Eu não as amo, Alexia. E elas também não me amam. — ele suspirou.
Permaneci em silêncio e encarando-o, confusa. Rajah fechou os olhos e encostou a cabeça no banco.
— Há três anos, eu estava andando pelas ruas com Sa’id quando vimos um aglomerado de pessoas e nos aproximamos para ver do que se tratava. Acontece que duas moças iriam ser apedrejadas. Eram prometidas a um homem, mas foram estupradas e injustamente condenadas por adultério. Eu e meu irmão não concordamos com isso e levamos as moças para casa, para dar banho e comida. Elas estavam muito assustadas e quase não falavam nada. Tanto que demoraram a dizer seus nomes. Na época meu pai ainda era vivo, e disse que se eu quisesse que Safa e Zafirah continuassem morando na minha casa, eu deveria me casar com elas. Não seria bom para a reputação do Rei manter duas adúlteras dentro de sua residência. Como eu sabia que se eu não o fizesse as moças iriam morrer, eu me casei. Para protegê-las. Mas elas me fizeram prometer que não teríamos qualquer tipo de relação de esposa e marido. Temos uma relação de amizade e elas são totalmente gratas por eu ter as salvado.
Eu estava estática. Não sabia o que dizer e só olhava de boca aberta para ele.
— Eu sei que eu fiz merda, mas eu estava realmente esperando para te contar direito. — ele disse cabisbaixo. — Agora você entende? Eu não amo elas, Alexia.
Suspirei enquanto ele enxugava uma lágrima que escorria pela minha bochecha.
— Você jura que não está mentindo? — perguntei.
— Juro por tudo que há de mais sagrado. — ele colocou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. — Eu pensava que não iriamos chegar tão longe assim. Mas acontece que... — Ele fez uma pausa. — Eu me apaixonei por você.
Olhei para ele e funguei novamente.
— É tudo tão complicado... — espalmei as mãos na minha perna. — Como vai ser quando você voltar?
— Malak. — ele se virou para mim e segurou minha mão. — Volte comigo.
— Como é?!
— Sei que é loucura, mas preste atenção: você volta comigo para o Marrocos e passa um tempo comigo. Se não conseguir se acostumar com a vida por lá, volta pra cá.
Olhei para ele de olhos arregalados.
— Então, o que me diz?
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