Suas mãos tremiam e suavam, obrigando Mikaru a encostar o carro antes que sofresse um acidente. Apoiou a cabeça contra o volante, fechando os olhos e tentando se concentrar em sua respiração, inspirando e expirando com calma, contudo, o fato de inspirar mais ar e com maior rapidez do que conseguia expelir, sem conseguir controlar aquele processo, apontavam que uma crise se iniciava. Era um problema que levava a outro, ambos com sintomas parecidos e bem interligados em seu caso.
Ficar decepcionado com Katsuya foi o gatilho para que um ataque de pânico surgisse. Havia esperado quase a semana inteira para procurá-lo, deixando toda seu orgulho de lado e buscando um pouco de coragem para dizer ao garoto que sentia sua falta, pedir desculpas pelo modo como o tratou e também que ele fosse consigo ao hospital, mas qualquer esforço havia sido em vão.
Infelizmente, seu ataque de pânico nunca chegava sozinho, trazendo consigo a hiperventilação, que também o fazia lembrar do namorado. Ou deveria considerá-lo ex? Como se não bastasse os tremores e a falta de ar, ainda tinha a vertigem e a dor no peito, os sinais vindo fortes, para reforçar que ele precisava de ajuda.
Se encolheu mais no banco, temendo a morte como poucas vezes acontecia. Medo da briga ter sido tão idiota quanto lhe parecia agora, medo de não ver mais uma vez o melhor amigo e nem agradecer o suficiente por tudo que ele já fez, medo de ser encontrado ali semanas depois, sozinho e trancado dentro de um carro, sem que ninguém sentisse sua falta… Apertou o peito com força, tendo a certeza que morreria sem ar, até seu celular tocar repentinamente, fazendo-o cogitar uma morte por parada cardíaca.
Pegou o aparelho com um pouco de dificuldade, as mãos suadas deixando-o escorregar algumas vezes e dificultando o simples ato de deslizar o dedo pela tela e atender a ligação.
– O que você quer? – não importava que estivesse à beira de um colapso, pois morrer sendo gentil também não estava em seus planos.
– Onde você está? – Katsuya ignorou a resposta atravessada, já acostumado à mudança de humor de Mikaru. Estava preocupado, antes pela mãe ter contado o estado em que o namorado saiu de seu quarto e agora ao ouvir seu tom de voz, que apesar de ríspido estava fraco.
– Por que quer saber disso? Volte pros seus estudos.
– Mikaru, eu sei que você não está bem. Me deixa te ajudar! Nós precisamos conversar. Preciso me desculpar pelo jeito que te tratei.
– Eu não quero falar com você… Não me deve desculpas, não temos mais nada. – decretou por fim, deixando o celular escorregar até o colo. O garoto não queria um namorado doente, então não teria mais um. Não queria ser um peso em sua vida, não queria que ele perdesse tempo se preocupando. Katsuya ainda era jovem, tinha muita coisa vindo pela frente e Mikaru seria só uma pedra no caminho se continuasse por perto.
– Mikaru, eu não me orgulho pelo que te falei… Você sabe que não sou assim! Eu só… estava frustrado, as coisas não andam dando certo e acabei descontando em você! – à essa altura, Katsuya havia tomado o caminho em que o carro de Mikaru estava virado antes. Ele devia ter ido naquela direção… talvez seguido para casa? Havia ligado poucos minutos depois, então se estivesse certo, ele não deveria ter ido muito longe. Sabia que ele não dirigia quando se sentia mal – Por favor, me diz onde está?
Então era isso que havia se tornado naquele momento? Uma válvula de escape? Sorriu incrédulo, pressionando a testa com mais força contra o volante, reprimindo a vontade de bater a cabeça ali para ter certeza que não era um pesadelo. Talvez fosse impressão sua, mas sempre imaginou que fizessem o tipo de casal onde um apoiava o outro, onde conversavam para resolver os problemas juntos. E ali estava ele, servindo de descarga.
– Isso não importa agora… esqueça tudo e volte pra casa, garoto.
– Mikaru, nem que eu tenha que vagar o resto do dia e a noite inteira, eu não volto pra casa sem falar com você e ter certeza que está bem.
– Você já está falando comigo. Eu posso te dar essa garantia. – respirou fundo, aliviado pela tensão ter se esvaído um pouco e sabia que a causa era o namorado. Apenas falar com ele já o acalmava – Eu estou melhor, pode ir embora.
Uma parte de si, porém, estava feliz com aquela insistência. Tinha certeza que Katsuya iria procurá-lo por um bom tempo, se fosse necessário. Isso se não chamasse a polícia para fazer uma busca. Internamente, Mikaru sabia que tudo que o garoto estava dizendo era verdade. E ele queria ser encontrado também.
– Eu subi dois quarteirões e virei à esquerda… – contou por fim ao pegar novamente o telefone em seu colo, suspirando aliviado – Estou em frente a uma loja verde.
– Loja verde? – Katsuya resmungou em retorno, tentando se lembrar de algum estabelecimento assim, mas nada lhe veio à mente – Continue falando! Eu já chego aí!
E não adiantou resmungar que não tinha assunto, pois Katsuya não o deixou desligar. Queria ter certeza que Mikaru estaria consciente quando chegasse até ele.
* * *
O que se seguiu à chegada de Katsuya foi uma discussão para que Mikaru mudasse para o banco do carona e o deixasse dirigir ou, caso continuasse a afirmar que ele não tinha carta, o que era um mero detalhe, iria carregar o loiro nos braços até em casa.
Claro que Katsuya deveria ter levado em consideração que o carro de Mikaru, possivelmente tendo sido feito exclusivo para ele, não seria tão fácil de dirigir como o carro de seu pai, um modelo comum em que vinha praticando. Também não se imaginava tão religioso, mas se pegou rezando durante todo o percurso de volta, com medo de arranhar a lataria, no melhor dos casos. Não queria nem sonhar com o preço do conserto de um carro daqueles.
Para alívio de Katsuya, o mal estar de Mikaru foi passando aos poucos, não sendo necessário levá-lo ao hospital. Acomodou-o em sua cama com uma boa xícara de chá e um remédio que ele carregava na mochila, recomendando que tentasse dormir quando terminasse a bebida.
Assim que o rapaz voltou à cozinha, foi abordado por sua mãe, que o encarava ameaçadora.
– E então…?
– Ah… ele parece bem… eu disse que devia descansar um pouco. – Katsuya começou pelo estado do namorado, não sabendo bem o que a mãe gostaria de ouvir – Nós conversamos durante a vinda pra cá, mas não quis forçar o assunto e piorar a situação.
– Pelo menos você foi sensato. Agora, tente ser sincero com ele e com você, Katsu. Conversem bem e depois decida o que quer fazer com esse relacionamento.
– Eu quero continuar, mãe. Vamos resolver isso assim que ele estiver melhor.
– Muito bem, eu vou voltar a trabalhar. Se precisar de alguma coisa, me avise.
– Ok… – Katsuya suspirou após a saída da mulher, não sabia se de alívio ou apenas para tomar um novo fôlego. Queria ter dito algo mais à mãe, talvez se desculpar pelo modo como agiu, ou só abraçá-la e agradecer pelo conselho. Poderia fazer isso em outra ocasião.
Voltou ao quarto, entrando o mais silenciosamente que pode, encontrando Mikaru adormecido contra o encosto da cama, meio deitado e meio sentado, como se tivesse escorregado aos poucos pelos travesseiros. Era fofo vê-lo assim, relaxado e tranquilo, mas não muito inteligente deixá-lo daquela forma, visto que se ele dormisse de mal jeito, acordar com um péssimo humor seria inevitável.
Se aproximou da cama, erguendo-o com cuidado pelo tronco com um braço, usando a outra mão para ajeitar os travesseiros e colocá-lo no lugar, mas só se lembrou de um pequeno detalhe ao se sentir observado: Mikaru tinha sono leve. Muito leve.
– Ah… desculpe. – murmurou, sorrindo envergonhado, se sentando ao seu lado na cama – Não queria te acordar.
– Você sabe que isso é impossível. – veio a resposta de Mikaru, também em tom baixo, enquanto ele mesmo se ajeitava melhor no colchão – Não precisa se preocupar, cochilei há pouco tempo.
– Mesmo assim, atrapalhei o que recomendei que fizesse. – Katsuya estendeu a mão em direção à face do outro, mas se deteve por um segundo, mudando a direção e tocando-lhe a testa, como a medir sua temperatura – Como se sente?
– Estou bem. Foi só um mal-estar.
– Sobre isso… eu sei que você não gosta de falar a respeito, mas devia procurar ajuda médica.
– Me conta uma novidade… – suspirou frustrado, se virando mais uma vez na cama, de modo a ficar quase de costas para Katsuya – Era o que faria depois de pedir ao meu namorado que me acompanhasse na consulta, mas ele acabou me dispensando.
– Você e minha mãe tiraram o dia pra me deixar com a consciência pesada, não é? – coçou a nuca nervosamente, olhando de relance para Mikaru, que não se deu ao trabalho de amenizar o peso em suas costas. Ele estava mesmo chateado – Eu sei que fui um idiota com você, mesmo dizendo antes que não ia te magoar… acho que essa coisa de provas e estudar sem parar me desgastou um pouco…
– Coloque na sua cabeça que é impossível manter um relacionamento sem magoar o outro, nem que seja um pouco. Eu sei que tem coisas que faço e que te magoam muito, mas você releva, ignora, finge que não ouviu. – resmungou ainda deitado de costas, cruzando os braços numa forma de proteção – Talvez você não note, mas eu passei a frequentar lugares e sair mais porque eu sei que você gosta e quer me levar pra conhecer. Você aguenta muita coisa por minha causa e eu também, mas sempre vai ter um momento que algum de nós vai chegar ao limite. E agora foi sua vez.
– Uau… estou ouvindo um sermão seu! – Katsuya comentou em tom de brincadeira, mas estava um pouco incrédulo. Mikaru podia ser compreensivo quando queria e isso era novo. Discutir com ele, e por motivos bobos, quase chegava a ser parte da rotina.
– Não é um sermão… só comentei o que penso a respeito… – Mikaru suspirou fundo, os olhos se fechando conforme ia expirando e a expressão se tornando mais relaxada.
– Mikaru? Esta se sentindo bem mesmo?
– Uhum… – resmungou em resposta, a mão tateando à procura da coberta, puxando até cobrir onde alcançava – Remédio… dá sono…
– Entendi… eu vou estar por perto se precisar de alguma coisa. – só quando teve certeza que Mikaru havia pego no sono novamente é que Katsuya teve coragem de estender a mão em sua direção, acariciando-lhe os cabelos com cuidado. Tinha receio de ser afastado e com toda razão. Suas atitudes recentes foram desprezíveis. Esperaria o namorado acordar para conversar mais uma vez, com calma e falando tudo que fosse necessário, pedindo as devidas desculpas e torcendo para não ser dispensado definitivamente.
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