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História É Errado Te Amar? (em revisão) - Inquietações e Dúvidas


Escrita por: Akisa-sann

Capítulo 27 - Inquietações e Dúvidas


Ethan sentia o peso do clima como sacos de areia sobre seus ombros. Não conseguia tirar os pensamentos do que tinha acabado de acontecer. A voz arrastada e baixa, quase sensual, que falou com Willian como se estivesse verdadeiramente satisfeita em nada combinava com a forma como o garoto tinha se comportado. Diferente da pessoa que havia falado com eles, Willian parecia extremamente perturbado. Mesmo enquanto caminhavam de volta para a casa ele parecia perdido em pensamentos, tão alheio ao ambiente ao seu redor que sequer percebeu quando a fina chuva começou a cair. O garoto olhou para cima e através das folhas das árvores viu o quão escuro o céu estava e quando finalmente chegaram a varanda da casa, que brilhava em luzes amarelas aconchegantes, já estavam completamente ensopados.

Ethan observou Willian atentamente percebendo que ele parecia agitado, exatamente como tinha ficado mais cedo ao sentar na mesma mesa que sua mãe. Não conhecia aquele tal Matthew, mas ele tinha chamado Willian de “irmãozinho”, porém pela cara que Willian fazia, aquilo não parecia ser uma simples briga de irmãos. O garoto não parecia ter qualquer intenção de explicá-lo a situação e por algum motivo, aquilo lhe deixava muito desconfortável, quase magoado. E talvez fosse porque toda a situação deixava muito claro que ainda havia uma distância gritante entre os dois, coisas as quais não sabiam do outro e que não eram tão facilmente jogadas de lado com amor.

Ethan adentrou a casa logo atrás de Willian e o viu parar bruscamente. Acompanhou seu olhar percebendo o homem sentado a um canto na grande sala. O Sr. Clifford folheava um grande livro de aspecto antigo com uma capa gasta de couro preto, parecendo melancólico e saudoso. O homem estava sentado em sua cadeira de rodas, exatamente no mesmo local e com aquela expressão de quando chegaram ali. Antes que pudesse parar, Ethan se viu agarrando a mão de Willian e caminhando até o homem. Sentiu-o apertar sua mão tentando impedi-lo, mas continuou em frente até o homem lhe ver. Este ergueu os olhos e por um momento — menos que um segundo — seus olhares se encontraram e Ethan não conseguiu dizer nada, até que o homem quebrou o silêncio.

— Olá Sr. Fitzgerald, Willian… Já está bem tarde, posso saber por que ainda estão aqui? — o homem os encarou com olhos bondosos e sorriu amigavelmente lhe desconcertando.

— A-Ah... hum... M-Me desculpe estar sendo intrometido, senhor. É só que fiquei curioso sobre o livro que você lia, já que parecia lhe entreter tanto... Gostaria de pedir o nome pra que eu possa lê-lo também, gosto de ler. — Ethan se viu sorrindo ao perceber que aquele homem era a primeira pessoa com a qual se sentia confortável de conversar abertamente sobre seus gostos, mesmo com tão pouco tempo de convívio.

— Haha, tudo bem. — o homem falou parecendo alegre por compartilhar aquela informação e gesticulou com a mão os pedindo para se aproximarem mais um pouco — Este não é um livro, na verdade é algo muito mais precioso. É minha história de vida e a única coisa da qual me orgulho.

Ele virou-o e abriu na direção dos garotos, Willian se inclinou e pegou o conteúdo folheando-o e Ethan se aproximou fitando uma série de fotografias, algumas tão antigas que ainda estavam em preto e branco ou sépia, já outras mais atuais, já coloridas, porém todas muito únicas e de momentos incrivelmente felizes em família. O garoto ergueu as sobrancelhas percebendo que, na verdade, se tratava de um álbum de fotos. Eles folhearam juntos as páginas, enquanto o homem relatava os momentos em que cada foto fora tirada, até que algo chamou atenção de Ethan. Ali havia a mesma foto que ele havia visto no quarto de Willian: a foto de algumas pessoas reunidas perto de um lago ao lado de uma grande árvore. O homem suspirou e após os observar começou a falar.

— O que você diria se eu lhe dissesse que às vezes fico feliz por estar morrendo, Sr. Fitzgerald? Você me acharia uma má pessoa por isso? Egoísta? Ou Simplesmente louco? — Ethan engoliu em seco a pergunta do velho homem, na verdade não sabia o que dizer diante daquelas íris tão incrivelmente tristes que lhe observavam atentamente como se pudessem ver sua alma.

— Bom, acho que não estou em posição de julgar alguém, senhor. Não é como se as pessoas me considerassem uma pessoa boa ou normal também...!

— Hahaha... minha nossa. — Ethan ergueu as sobrancelhas quando o homem riu divertido — Você é ainda mais interessante do que eu achei que seria. — então o Sr. Clifford lhe lançou um olhar penetrante que lhe deixou constrangido. Era exatamente o mesmo olhar que Willian lhe lançava às vezes. Eles eram inegavelmente parentes.

— O-Obrigado, eu acho?! — o garoto falou sem jeito e o homem apenas sorriu.

— A propósito, se estiverem preocupados com o que a Kate disse, não se preocupem, ela só está preocupada… — e então ele olhou diretamente para Willian — Certo?

— Preocupada? — Willian perguntou baixinho e Ethan pôde ouvir raiva mal disfarçada em sua voz — Com o quê exatamente ela está preocupada? — o Sr. Clifford ergueu as sobrancelhas para Willian e depois deu um sorriso de canto muito modesto e prosseguiu sem se preocupar em responder o neto.

— Bom, de qualquer forma... Acho que cansei de ver minha família brigando o tempo todo pelos erros que cometi no passado, isso me mata mais do que minha doença. Mas talvez este seja o preço que eu deva pagar pelos meus pecados.

Ethan pela primeira vez percebeu o cansaço e desgosto nas íris verdes do velho homem e por algum motivo, pensou que ele era exatamente igual ao neto, tentando agradar a todos e escondendo dos outros seu "eu" que não satisfazia as expectativas. Honestamente, Ethan não sabia exatamente que tipo de pecado aquele senhor de olhar bondoso podia ter cometido para estar pagando tão caro, mas se pecados fossem, de fato, cobrados, ele já tinha sua passagem garantida para o inferno. Sentiu seus olhos se encherem de lágrimas por motivo nenhum em particular e apertou a mandíbula se sentindo realmente patético. Só se sentia tão triste pelo homem que parecia estar carregando o peso do mundo nas costas.

Engoliu em seco tentando reprimir aquela estranha sensação que crescia dentro de seu peito. Sua família sempre fora baseada na aparência e aquilo sempre tinha parecido normal para ele, pelo menos até conhecer Willian. Diferente dos seus pais, que haviam se casado por status, tiveram um filho pela cobrança, mantiveram o matrimônio por medo das críticas de um divórcio e ele era o resultado daquele dever comprido, Willian parecia ter tudo o que ele sempre sonhou: uma família de verdade. Era só tão injusto que chegava a ser triste. Ele de repente se sentia muito infeliz com o que tinha, com seus pais e com o relacionamento que tinha com os avós. Nunca tinha visto os avós paternos e os avós maternos só o criticavam sempre que o via. De repente se viu invejando Willian e tudo o que o garoto possuía. Nem sabia porque tinha achado que eram parecidos de alguma forma, ir até ali só provava que pertenciam a realidades completamente diferentes. Foi puxado de volta à realidade quando sentiu o homem segurar sua mão.

— Tome conta do Willian por mim, por favor, Sr. Fitzgerald... eu sei que ele é meio difícil às vezes, mas ele é um bom garoto. — Ethan queria dizer a ele que era a pessoa menos indicada para cuidar de alguém e que “bom garoto” eram as palavras que descreviam Willian perfeitamente, porém no momento, não conseguiu dizer nada.

Willian falou alguma coisa para seu avô, que soou como um resmungo, mas o homem apenas sorriu e o abençoou. Após aquela estranha conversa, o Sr. Clifford os desejou uma boa-noite e se despediu indo para o quarto, deixando-os sozinhos na sala, agora vazia. Subiram após um momento de constrangedor silêncio e foram para o quarto. Enquanto esperava Willian tomar banho, Ethan pensava na conversa com o avô do garoto e começava a suspeitar que o homem tinha percebido exatamente que tipo de relação eles tinham e aquilo lhe deixava nervoso, pois quase parecia um aviso silencioso de que ele estava sendo observado… Qualquer deslize e ele pagaria o preço.

Sabia que, aos olhos da sociedade, não era bem visto gostar de um homem. Sabia que aquele garoto era a última pessoa a qual ele poderia pensar em desejar, que ambos viviam em mundos totalmente diferentes, mesmo tendo o mesmo status social e que aquele fato tornava Willian inalcançável, por isso aquilo estava lhe fazendo ficar cada vez mais nervoso. Sentia-se inconveniente, um peso na vida do garoto e se continuassem com aquela relação ridícula, se insistissem em algo que ambos sabiam que estava fadado à ruína, o que restaria para os dois no futuro? Nada de bom podia vir de uma relação fadada ao fracasso.

Se continuasse juntos, do que Willian iria precisar abrir mão? E a relação do garoto com a família, continuaria intacta? A última coisa no mundo que desejava era destruir a relação familiar perfeitamente harmoniosa que o garoto possuía. Jamais se perdoaria se isso acontecesse e tinha medo de pensar em como Willian reagiria se sofresse a rejeição de algum ente querido. Não suportaria lidar com o ódio e o ressentimento do garoto e não saberia como reagir se ele lhe culpasse pelo rompimento daqueles laços. Ambos eram homens, não podia continuar fazendo aquilo, não podia continuar sendo egoísta e destruir a vida de um garoto que tinha tudo para ser bem sucedido. Não queria ser o motivo de um futuro de fracassos pelo escândalo de serem gays. Não suportaria passar por algo assim e ter que ver o desgosto nos olhos que um dia lhe encararam com tanto carinho.

***

O burburinho dos pássaros cantando nas árvores junto ao excesso de claridade natural nada comum que entrava pela janela fez Ethan despertar atordoado, se perguntando onde estava. Abriu os olhos ainda pesados de sono com muito sacrifício e quando finalmente o fez, estes arderam em protesto. O garoto olhou ao redor se lembrando do que havia acontecido na outra noite e de onde estava, e quando a ficha lhe caiu, olhou rapidamente para o lado analisando a cama e a situação de seu corpo, tentando decifrar se corria perigo ou não, porém o espaço na cama ao seu lado estava vazio.

Mesmo agradecendo por não estar em uma situação duvidosa, Ethan ainda se sentiu levemente decepcionado de perceber que Willian não estava mais ao seu lado na cama, porém ao olhar mais adiante, o encontrou sentado em uma poltrona mais afastada, ao lado da cama, com um roupão preto semiaberto deixando a mostra seu peito desnudo, clavículas bem trabalhadas e um pescoço sexy. Seu cabelo, que ele se acostumou a ver sempre bem arrumado, estava despenteado em várias direções, puxados em uma tentativa falha de deixá-los para cima, com alguns fios caindo-lhe sobre a testa. Ele usava seus óculos e lia um livro concentrado, então não o notou acordar e ficar o observando por mais de um minuto. Seus pés desnudos estavam apoiados na cama e Ethan percebeu o quão grande eles eram, aquele pensamento fez seu rosto esquentar, afinal ele era todo grande, dos pés a cabeça.

Ethan sacudiu a cabeça tentando ignorar aqueles pensamentos estranhos que estavam em sua mente logo pela manhã e enquanto fazia aquilo, acabou chamando mais atenção do que pretendia e congelou quando o viu fechar o livro e pousá-lo sobre as pernas. Willian ergueu a cabeça lentamente e seus olhares se encontraram. Ethan jamais iria se acostumar aquelas íris, parte verdes, parte douradas, intensas como o inferno, que lhe desconcertava a cada novo olhar. O garoto sorriu ao vê-lo acordado e ergueu-se de sua poltrona, deixando o livro no criado-mudo, aproximou-se e se sentou ao seu lado o observando.

— Bom dia... você dormiu bem?

Seu sorriso era radiante, o que Ethan suspeitava que era por causa do que havia acontecido na noite anterior. Seu rosto esquentou tanto que ele sentiu o suor aparecendo, ficou desconfortável com o olhar que o garoto lhe lançava, passeando os olhos por seu corpo como se lhe lambesse. Após um segundo percebeu que continuava completamente nú, exatamente como viera ao mundo, aquilo o fez se arrepiar. Tentou sentar-se, mas assim que o fez soltou um arfar alto por entre os dentes apertados. Acabara de perceber que suas costas, quadris e principalmente sua bunda, doíam tanto que ao invés de sexo, ele parecia ter sido atropelado por um caminhão algumas vezes. Sentiu seus olhos se encheram de lágrimas e voltou a se deitar, gemendo com a dor latejante em suas regiões baixas.

Willian inclinou-se rapidamente se aproximando um pouco mais e tocou-lhe o rosto lhe falando para não se esforçar muito. Na verdade, Ethan queria bater nele, mas não conseguia sequer sentar-se sem se contorcer de dor, imagina então tentar acertá-lo. Ainda não acreditava que tinha cedido a tão pouco. O quão fácil ele era? E o pior, aquilo doía como o inferno, durante e pelo visto, depois também. Será que aquele papo de que "com o tempo se acostuma" era verdade?

Fechou os olhos doídos e os massageou com os dedos tentando acalmar o coração e se convencer desesperadamente que não gostava daquele garoto idiota e com dupla personalidade, que Willian só tinha se divertindo com ele e quando cansasse o deixaria em paz, mas não conseguia imaginar o garoto fazendo algo assim, não era nada a cara dele se divertir as custas de alguém, brincar com os sentimentos de uma pessoa e depois descartá-la. Por um momento pensou em Érika, mas sabia que tudo aquilo tinha sido um acordo entre os dois, independentemente dos sentimentos que haviam sido desenvolvidos depois. De qualquer forma, já estava tão difícil ignorar o jeito como ele lhe tratava… Como havia lhe tratado na outra noite, a forma como tinha chamado seu nome, de sua respiração irregular, sua voz rouca em seu ouvido, suas mãos grandes, trêmulas pela excitação. Da forma como ele lhe fizera sentir seguro e tirado fora suas dúvidas e medos. Sabia que nunca daria certo para eles devido a toda a situação que os envolvia, familiar e social, então por que doía tanto o mero pensamento de dizer adeus? Já tinha chegado longe demais? Sim, já tinha sentimentos envolvidos, então era impossível simplesmente se afastar sem se machucar.

Sentia-se um idiota. Além da raiva que começava a se agitar dentro de si, tinha também culpa, medo, incertezas e uma pitada de desespero. Tinha prometido a si mesmo que não se apegaria, que não dependeria dele, mas por que seu coração insistia em não lhe obedecer? Por que suas ações contradiziam suas palavras? Por que se sentia sempre tão nervoso e ansioso? Aquilo não era nem de longe justo. O garoto tinha se enfiado em sua vida, lhe fazendo se sentir especial de uma forma que nunca havia acontecido. Se preocupou e o apoiou nos momentos mais difíceis, como nem um outro tinha feito.

Willian parecia entendê-lo sem julgamentos. Tinha até mesmo o levado à casa de seus avós para conhecer sua família, por isso Ethan disse a si mesmo que aquele sentimento não era errado. Estava tudo bem deixar as coisas como estavam, afinal não era amor, apenas carinho e dependência emocional, já que ele havia lhe dado algo que ninguém mais tinha lhe oferecido antes, mas ainda assim sua alma parecia inquieta e continuava lhe tornando esperançoso, desejando algo que nunca tinha tido.

Ethan sentiu o gosto amargo da derrota em sua boca e também o da decepção. Era além de injusto sentir-se daquela forma e não poder fazer nada para reverter a situação. Nem sabia que podia se tornar alguém tão sentimental até estar naquele tipo de situação estranha. Sabia que Willian também tinha sentimentos por ele e odiava o pensamento de magoá-lo, mas também sabia que jamais dariam certo. Só lamentava não ter percebido antes de seus sentimentos terem evoluído tanto. Agora, estava, inegavelmente, com medo. 

Ethan não sabia exatamente o que temia, mas odiava aquela estranha sensação de vazio. Tudo o que sabia era que aqueles sentimentos machucavam bastante, até mesmo a ideia de dizer adeus ou se afastar dele de tudo era inconcebível e aquilo, de certa forma, era assustador. Era sempre o mesmo velho problema… Ele sempre acabava se apegando demais às pessoas erradas, confiando nas pessoas erradas, esperando demais das pessoas erradas. Sempre desejando coisas que não podia alcançar e por isso se decepcionava depois. Seus olhos observaram Willian que o encarava meio preocupado.

— Você… tá se sentindo bem, Ethan? — o garoto tornou a perguntar — Você não quer comer alguma coisa? Eu pego pra você.

Willian se aproximou um pouco mais e acariciou seu rosto. "Por favor, não seja tão amável assim... isso só torna minha decisão ainda mais difícil". Era o que ele queria dizer, mas não tinha coragem e já que o garoto estava sendo tão amável, não custava nada aproveitar um pouquinho mais. Aquilo não o tornaria uma má pessoa, certo? Ele não era tão mau por pensar daquele jeito, era? Era tão errado assim desejar uma realidade diferente, mesmo que fosse apenas uma ilusão? Era errado querer prolongar isso pelo menos até o fim da viagem? Ethan nunca tinha sentido tanto a vontade de ser só mais um garoto anônimo no mundo, como Willian como sentia agora.

Willian saiu do quarto e o garoto sentou-se lentamente ainda sentindo seu corpo protestar. Sua bunda ainda latejava bastante e seu corpo parecia ligeiramente febril. Ethan não tinha realmente parado para pensar no quanto o garoto era grande até precisar acomodá-lo dentro de si e começava a se arrepender de sua falta de atenção e bom senso, pois agora, mais do que nunca, estava sentindo toda a grandeza dele... literalmente. Ergueu-se e vestiu um roupão de seda azul escuro que tinha ao lado da cama. Ainda o amarrava na cintura quando viu no vidro da janela o reflexo de alguém parado à porta. Ethan virou-se rapidamente sentindo seu coração acelerar. Por um momento, pensou ser o Sr. Monggomory, porém seus olhos pousaram em uma pessoa diferente.

— Quem...? — começou a perguntar sentindo-se nervoso, mas o jovem que lhe encarava da porta apenas sorriu jovialmente. Seus olhos eram incrivelmente dourados, tão dourados que Ethan por um momento sentiu-se fascinado demais para falar. Talvez ele tenha percebido seu momento de confusão, pois prosseguiu com uma voz profunda e arrastada, quase preguiçosa:

— Nossa, que indelicadeza a minha… Desculpe minha intromissão, Sr…? — o jovem, ainda lhe encarando, estendeu uma mão pálida de dedos longos que Ethan apertou cautelosamente.

— Ah, eu sou… o Ethan! Prazer! E você é…?

— Ah, não ligue pra mim, Ethan, não sou ninguém importante. É um prazer conhecê-lo! — o jovem mantinha suas íris incrivelmente douradas grudadas às de Ethan em um olhar muito intenso para um primeiro encontro, ele parecia o analisar. Suas roupas eram claramente roupas simples do dia a dia, mas por algum motivo ele passava uma aura de sofisticação, além de certa melancolia em seu rosto belo.

— Então por que está aqui, Sr. Ninguém…?

— Haha, bom… Digamos que desta vez minha curiosidade acabou levando a melhor sobre mim. Apenas não pude resistir, mesmo sabendo dos riscos.

Ethan não sabia o que aquilo queria dizer, o que só aumentava o ar misterioso ao redor daquela pessoa. Ele o encarou e o jovem ergueu as belas sobrancelhas, seus lábios se curvando formando um meio sorriso, o que fez sua boca secar. Parando para pensar, ele meio que o lembrava Willian. Ambos eram uma magnífica contradição, eram a tênue linha do ser ou não ser, parecer ou não parecer. De certa forma, tinham a mesma aura distante, o mesmo formato de nariz e lábios, e quase a mesma altura e estrutura corporal, talvez o que mais os diferenciasse fosse o fato de que o jovem ali parecia muito mais maduro, suas linhas faciais pareciam mais suaves, quase delicadas, sua mandíbula era menos marcada que a de Willian e seus cabelos incrivelmente negros escorriam por sua testa e pescoço, contrastavam muito com seu tom de pele pálido e olhos dourados. Aquele só podia ser o irmão do garoto, Matthew.

Ethan estreitou os olhos e abriu a boca para responder, mas foi poupado de responder quando os passos de Willian ecoaram no corredor. Ambos ainda se encaravam quando o garoto parou a alguns metros olhando diretamente para o irmão. Ele segurava uma bandeja cheia de comida e tinha o rosto sem expressão, mas seus olhos — que cintilavam entre o verde e o dourado —, deslizavam de Ethan para seu irmão. Apesar de parecer calmo, seus músculos estavam visivelmente contraídos, e sua mandíbula estava apertada. Ele caminhou com passos firmes e passou por seu irmão o empurrando para o lado com o ombro, colocou a bandeja em cima de uma mesa próxima a porta e o encarou com uma expressão assombrosamente assustadora.

Para seu horror, Ethan percebeu que a expressão do outro garoto também tinha mudado. Sob a luz pálida da manhã que entrava pela janela ele parecia fantasmagórico. Sua expressão endurecera ficando fria como um iceberg, totalmente diferente do sorriso amigável que desenhava seus lábios momentos atrás. O que reapareceu em seus lábios agora era um sorriso levemente arrogante, sequer chegava a atingir os olhos, o fazendo parecer superficial.

— Parece que minha visita acabou sendo inútil. — o jovem falou olhando para a bandeja de comida. Sua voz estava mais arrastada que antes, quase zombeteira.

— O que você está fazendo no meu quarto? Sua mãe não te ensinou que é feio entrar onde não foi convidado?

— Só quando a porta está fechada, mas ela estava aberta.

— Saia!

— Nossa — o garoto sorriu mostrando os dentes, mas o sorriso era tão vazio como seus olhos —, quanta aspereza com alguém que você não vê há anos.

— Eu não senti falta!

— Não posso dizer que compartilho desse sentimento! — por um momento os olhos do garoto cintilaram, mas tão rápido como veio, aquele vestígio de emoção se foi.

Ethan não sabia no meio de quê exatamente havia se metido, mas sabia que Matthew não parecia alguém que estava brincando com as palavras ditas e Willian definitivamente não estava com raiva, pois já o vira com raiva real e com certeza ele não era brando ou cauteloso daquela forma, na verdade parecia frágil, como se estivesse prestes a chorar, exatamente a mesma expressão que o vira fazer ao rever o avô.

— Você é engraçado, Matthew… Não foi você mesmo quem afastou todo mundo e fugiu para se esconder aqui? — Ethan podia sentir a mágoa na voz de Willian de uma forma que ele nunca havia ouvido antes, nem quando o garoto falava com Sebastian.

— Bom, — Matthew desviou os olhos do irmão para Ethan e tornou a sorrir amigavelmente, porém seu sorriso parecia levemente oscilante agora. Ele estava obviamente evitando a questão que o irmão levantara. — Eu só vim avisar que o café da manhã vai ser servido às oito. Mas parece que vocês não pretendem comer com os outros, então estou indo. Vou deixar vocês à vontade. Ah… e Ethan? Foi um prazer conhecê-lo.

Com uma última olhada de esguelha e um leve aceno de cabeça para o irmão, Matthew saiu do quarto deixando um tenso silêncio no ar. Willian fechou a porta com uma pancada forte e ainda permaneceu vários segundos de pé encarando-a antes de finalmente virar e caminhar duramente até a cama. Ethan, sem saber o que fazer ou dizer, simplesmente o seguiu em silêncio, um silêncio muito pesado que parecia não ter fim. Finalmente, depois de longos minutos que se arrastaram, o garoto virou para ele e falou:

— Ethan... seria melhor se você não se aproximasse muito do Matthew, certo…? Ele não é uma pessoa confiável.

— Bom, eu não tive exatamente oportunidade... — sorriu tentando diminuir o clima tenso, mas aquilo só pareceu deixar o garoto ainda mais irritado.

— Eu não estou brincando, Ethan…

— Eu sei! — Ethan falou ligeiramente irritado — Eu também não. Ele só parou para dizer oi, e não parecia exatamente hostil. Além do mais, você chegou antes de realmente conseguirmos conversar…

Willian franziu as sobrancelhas e apertou a mandíbula. Parecia ainda mais irritado depois do que ele falou. 

 — Ethan… será que dá pra você levar as coisas que eu falo a sério pelo menos uma vez na vida? Nem tudo é brincadeira, sabia? Aprenda a separar a vida real do seu mundo de conto de fadas.

— O que foi que você disse? — Ethan levantou e o encarou sentindo o coração bater com força. — Desculpe se você acha que essa merda de vida que eu tenho parece um conto de fadas para você. Me diga, onde exatamente eu não estou conseguindo satisfazer suas expectativas? Você sabia desde o início como eu era e insistiu em se aproximar de mim. Você me convidou pra vir até aqui com você, então já devia saber que eu ia acabar esbarrando com sua família. Me diga, o que está te deixando tão irritado agora? A culpa não é sua? Se não queria que sua família me conhecesse, não devia ter me chamado até aqui pra início de conversa.

— Não é sobre isso… Você não entende!

— Não, eu não entendo mesmo! Pra começo de conversa, eu nunca tive intenção alguma de me envolver com nenhum… Você ou seu irmão. — Willian piscou duas vezes encarando-o muito sério como se suas palavras fossem tapas. Ele também havia levantado da cama. — Não sei o que aconteceu entre vocês dois, mas não tenho nada a ver com isso, nem pretendo me envolver.

— Você não entende, Ethan. Não importa se você não quer se envolver, você já se envolveu no momento em que ele colocou os olhos em você. — Ethan franziu as sobrancelhas — Não precisa ter um motivo específico, é apenas porque você está comigo. É assim que o Matthew é. Tudo o que eu tenho, ele tira de mim.

— Tem certeza que não é você que está vivendo em uma fantasia? — Ethan sentia a raiva aumentar em seu peito esquentando suas orelhas — Willian, eu não sou seu, e não sou um objeto para você reivindicar. Nós só nos conhecemos há alguns meses, nem sequer sei o que nós somos ou o que sinto por você. Não fique tão cheio de si só porque eu concordei com essa viagem. Eu não pretendo falar novamente com seu irmão, mas isso foi o que eu decidi sozinho e não o que você quer. Não é porque estamos transando que, de repente, isso se tornou especial. — Willian o encarava com uma expressão indecifrável.

— Sexo? É isso tudo o que sou pra você, um companheiro de foda? Depois de tudo que eu fiz e falei, achei que finalmente meus sentimentos tinham chegado até você…

— E se chegaram, então o que? Você realmente acredita que vamos poder ser felizes para sempre? Willian, olha pra você, você é incrível, tem um futuro brilhante à sua frente… E eu não me encaixo nesse futuro. Nós dois sabemos disso. 

— O que isso tem a ver com nós dois? Ethan, eu não amo por perdas ou ganhos. Não estou com você pelo que posso ganhar em troca…

— O que sua família acha disso? Você já pensou? Já pensou em todas as consequências, realmente pensou no que você vai precisar abrir mão? Vamos ser realistas. — o garoto o encarava em silêncio.

— Então, desde o início você nunca considerou aceitar meus sentimentos?

Ethan engoliu em seco. Tinha acabado de perceber o que havia dito. Não queria dizer aquilo, não daquela forma, porque já sabia que seria aquela expressão que ele faria e doía vê-lo magoado. Honestamente, não planejava se apressar e dizer tudo assim durante uma briga e agora o gosto amargo de suas palavras queimavam sua língua. Porém, não havia mais como voltar atrás. Willian o encarava com uma expressão que beirava incredulidade, sua mandíbula estava apertada e seus olhos vermelhos. Parados em silêncio no meio do quarto que aos poucos ia clareando, uma rachadura parecia ter se aberto entre os dois. O garoto respirou fundo passando as mãos pelos cabelos.

— Eu também tenho medo, Ethan. Eu também sou só um adolescente, eu também tenho minhas dúvidas e inseguranças. — Willian falou lhe olhando e Ethan podia ver a mágoa em seus olhos. — Matthew me tirou muitas coisas, dentre elas minha mãe e Bianca, uma pessoa muito especial pra mim... Ele sempre me tirou tudo que eu prezo e com o tempo eu disse a mim mesmo que estava tudo bem assim, que não me apegaria a nada, que não desejaria nada pra mim, eu cresci dizendo a mim mesmo que era assim que devia ser, porque eu não queria parecer uma criança egoísta e ser abandonado pelo meu pai também. Mas agora, tem isso que eu quero manter ao meu lado, e é você, Ethan. Mas ele viu, então como você acha que eu devo me comportar? Como eu deveria agir quando você não dá qualquer sinal de sentimentos? O que eu devo fazer se você continua me confundindo, mas não me leva a sério? Eu não sei o que pensar de nós e isso me frustra. Não sou maduro o suficiente para lidar com a situação com calma.

— Eu… sinto muito que isso tudo tenha ficado tão confuso. Nós nunca deveríamos ter prolongado tanto isso. — Ethan falou se afastando dele; sentia as lágrimas queimando no final da garganta e queria desesperadamente sair dali, pois não queria chorar na frente do garoto. Seria impossível que ele acreditasse em suas palavras se estivesse chorando. — Acho que vir aqui com você foi um erro. Eu sinto que quanto mais prolongarmos isto, mais difícil vai ficar, Willian. E eu sinto muito mesmo, queria poder dizer que vamos ficar bem se ficarmos juntos, mas não vivemos em um conto de fadas, nós dois sabemos disso. 

— Ethan… — Willian deu um passo em sua direção parecendo desesperado, mas ele se afastou novamente. Agora já estava quase alcançando a porta.

— Vamos manter as coisas como estão, por favor. Sem dar um título ao que temos. Vamos aproveitar o agora sem precisar definir o que temos. Porque não quero lembrar de você como um erro.

— Isso não é um erro, Ethan.

— Na verdade, acho que é sim, e nós dois sabemos disso, só não queríamos admitir. Até mesmo a Érika sabe disso, Willian. — ao ouvir aquele nome o garoto congelou no lugar — Mas não se preocupe, porque eu não cometo o mesmo erro duas vezes. — Ethan alcançou a maçaneta, abriu a porta e saiu para o corredor frio ainda na penumbra com os primeiros raios da manhã o iluminando, deixando para trás um Willian agitado que chamava seu nome.

— Ethan, onde você está indo? Ei, Ethan!

~ C O N T I N U A ~



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