História É hora do chá!; hiatus - Capítulo Um.

    Esgotado. Era assim que Steve sentia-se. Passara o dia procurando um emprego, mas aparentemente não precisava-se de um fotógrafo em nenhum local daquela cidade. Como se não lhe bastasse o cansaço físico, sua mente tornou-se um turbilhão de pensamentos confusos desde o "incidente" que envolveu sangue em seu apartamento.
    A tentação de voltar para casa ao invés de seguir para a faculdade era enorme. Não tinha muitos amigos, então seus dias se tornavam deveras entediantes. Na verdade, sentia que podia contar apenas com Any, que era (de certa forma) parte de sua família.
    Se conheceram durante o ensino fundamental, enquanto Steve ainda tentava lidar com o fato de ser o único dentre seus colegas que não tinha a quem presentear no dia das mães, nem no dia dos pais, nem no Natal.... Sentia-se adornado pelo gracioso manto da morte desde que, aos 15 anos, tomou real consciência do que havia lhe acontecido ainda na infância e, aos 17, a sensação só aumentou quando sua avó (única real família que o restava e que o havia criado e educado até então) faleceu sem nenhum motivo aparente além da velhice propriamente dita.
    Inerte em seus pensamentos, Steve só se deu conta de onde havia chegado quando sentiu alguém colidindo contra seu corpo e derrubando seus livros, porém, por sorte, não sua câmera. Isso poderia ter sido mais uma daquelas cenas clichês onde o protagonista tromba com o amor da sua vida, derruba seus livros e, ao abaixarem para pegá-los, suas mãos se tocam, olhares de conectam e é "amor à primeira vista"! Mas a vida real não é assim. Sem jeito, o tal garoto com quem havia trombado recolheu os livros de ambos que haviam sido derrubados, entregou à Steve os que lhe pertenciam e saiu andando cabisbaixo e apressado em direção à biblioteca universitária.
    Não muito interessado em fazer contato com um desconhecido, Steve apenas ignorou o ocorrido e seguiu rumo à classe onde Any provavelmente o esperava. Ao finalmente encontrar a sala (e a amiga) queixou-se de sua procura inútil por um emprego;
    -Any, já estou cansado disso. É tão difícil encontrar algum emprego com um salário que dê pra viver. E mais dificil ainda é encontrar um emprego em que me aceitem.
-Fiquei sabendo que na polícia estão precisando de um fotógrafo criminalístico Segundo o anúncio precisam de alguém que possa cumprir o dever de "fotografar, com observância das pertinentes normas legais e técnicas, pessoas vivas e cadáveres, para fins de identificação. Efetuar levantamentos fotográficos em locais de crime, incêndio, explosões ou desabamentos. Identificar, reunir e classificar fotografias, bem como, organizar e manter registros e arquivos fotográficos". Você devia tentar. Não tem nada a perder caso não consiga o emprego, mesmo.
    -Odeio quando você fala difícil assim. Será que pode traduzir para o seu amigo menos dotado de intelecto?
    -Eles querem alguém que consiga fotografar cenas de crime, pessoas (vivas ou mortas, identificar, organizar os arquivos e que seja bom no que faz.
    -Ah, talvez eu vá lá entregar um currículo. Realmente não tenho nada a perder.
     10 anos antes
    -HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA VAI CORRER CHORANDO ATÉ EM CASA CONTAR PARA A MAMÃEZINHA QUE NÓS ESTÁVAMOS SENDO "MAUS" COM VOCÊ, VAI? Aaaah, eu já estava me esquecendo; você não tem mãe. Eu tenho certeza que ela prefere estar morta a ter sobrevivido e ter que criar um filho como você. Você é louco, Steve. L-O-U-C-O. Ninguém gosta de você, as pessoas só te aturam. Até mesmo Any, sua irmãzinha do coração. Você é prejudicial à ela. E a todos à sua volta. 
    -PARA! EU NÃO ACREDITO EM VOCÊ. VOCÊS SÃO TODOS MAUS. 

    That's why my heart cold, full of sorrow, the lost soul
    Por isso meu coração é frio, cheio de sofrimento, a alma perdida

    -Você não tem salvação, garoto; não é uma criança normal como todos nós.Só tem onnze anos e já fantasia coisas com sangue, fantasmas e perseguições.Daqui a dez anos provavelmente estará na cadeia. Ou morto, como seus pais. Está cavando sua própria cova na sua loucura. E sabe o que é pior? Você gosta de toda essa dor presente em sua vida.

    And only Lord knows when I'm coming to the crossroads
    E só o Senhor sabe quando me encontro em uma encruzilhada
    So I don't fear shit but tomorrow
    Então eu não tenho medo de nada só do amanhã
    And I'm a sucker for pain, it ain't nothing but pain
    E sou otário pela dor, nada além de dor

    Dias atuais
    -Steve? Eu estou falando com você! Por que você não está com seu livro? 
    -Any, eu nem mesmo abri o livro para você estar tirando conclusões precipitadas.-confuso, o garoto não sabia como a amiga podia ser tão observadora. Não havia passado nem dois minutos lembrando de seu passado, as coisas eram diferentes da escola agora. Na faculdade, ninguém se importava se ele havia perdido os pais ou não; se tinha sentimentos ou se era frio; se era medroso ou corajoso. A única coisa que importava eram as festas lotadas de gente vazia, esfregando-se umas nas outras e implorando por atenção geral.
    -Stev, esse livro não tem os desenhos na capa, não é o seu. Olha,- disse abrindo o livro e estreitando o olhar- tem um nome escrito aqui... Jason.
    -Ah, droga. Um cara trombou comigo antes da aula e meus livros caíram, ele deve ter ficado com o meu. Ah, não. Meus desenhos!!!
    Mais rápido do que acreditava ser capaz, Steve pegou o livro que pertencia ao tal garoto e correu até a biblioteca. Chegando lá, chamou por "Jason" umas três vezes, até se dar conta de que era um local que exigia silêncio. Então sentou-se, apoiou os ombros em uma mesa e afundou a cabeça nas mãos.
    -C-Com licença -ouviu uma voz, até então, desconhecida e sentiu uma mão em seu ombro.
    Ao levantar o olhar, Steve deu de cara com um belo garoto. Possuía feições angelicais e, ao mesmo tempo, um olhar profundo e misterioso. O garoto aparentava ser tímido e, com uma das mãos, coçava a nuca como se interagir com outro ser humano fosse algo que o envergonhava e incomodava.
    -Ahm... Eu sou Jason. Por que estava me chamando? -em  questão de segundos, o garoto pareceu ter um flash e lembrar-se da face de Steve- Ah, você é o cara em quem trombei hoje mais cedo. Por engano, acabei ficando com seu livro m-me desculpe.
    -Foi justamente por isso que vim até aqui, Jason. Gostaria que me entregasse meu livro, por favor. Aqui está o seu -disse estendendo a mão que segurava o livro do rapaz.
    Jason abriu a mochila que carregava em suas costas, guardou seu livro e retirou de lá o livro de Steve. Antes de entregar ao garoto mordeu o lábio inferior e hesitou, como se pensasse em algo intrigante. Por fim, estendeu o livro e o devolveu ao dono. Steve agradeceu com um meneio de cabeça e virou as costas para sair da biblioteca. Mas antes que pudesse sair, Jason o interrompeu;
    -Ei, espera! Steve, não é? -o outro assentiu- V-você desenha muito bem. Me desculpe ter visto, mas eu precisava ler um texto do livro e não estava com  o meu -Steve irritou-se levemente por alguém desconhecido ter visto os desenhos que eram representações dos tormentos presentes em sua mente depois do "ocorrido sanguinário", mas apenas virou-se para enfim voltar à aula- Ei! Não vá ainda. S-será que você n-não gostaria de tomar um café c-comigo mais tarde?
    -Tanto faz. 
    -Tudo b-bem então. Na cafeteria em frente à estação central depois das aulas, pode ser?
    -Sim, até mais.
    Steve saiu da biblioteca sentindo uma pontinha de alegria, misturada à curiosidade. Decidiu passar no banheiro e lavar o rosto antes de voltar para a classe, afinal nem sabia se o professor permitiria sua entrada tardia. Assim que postou seus olhos no espelho, um desespero tomou conta de si. Em letras escarlates, pode ler: "Ainda nem começamos, mas espero que possa se divertir muito em nosso jogo, querido."