Eu me lembro de ter te visto chegar. Me lembro da primeira impressão que você causou. Me lembro da sua camisa xadrez, vermelha e preta. Do seu jeans desbotado e do seu all star. Me lembro de ter gostado dos seus olhos azuis – não um azul comum, um azul cinzento. Você estava em meio a um monte de garotos e todos pareciam conhecer você. Também me lembro de ter te encarado por um longo tempo sem que você notasse. Sem que nenhum dos garotos notasse – pelo menos foi o que achei. Mas bom, você notou.
Aí você sorriu. “Esse cara só pode estar ficando maluco”, pensei. As pessoas não sorriem para mim. Mas você não era qualquer pessoa. E eu devia ter percebido. Você continuou me observando, me analisando, talvez. Com certeza não estava acostumado a não ter as garotas sorrindo de volta para você. E aposto que isso te intrigou. Me pergunto até hoje se foi por esse motivo que você fez a burrice de caminhar até onde eu estava e se sentar. Sem ser convidado.
Apertei o exemplar de “O nevoeiro” do Stephen King com toda a força que consegui reunir. Seus amigos (presumi que fossem) te encararam, mas não deram muita importância, como se fosse totalmente normal você abordar desconhecidas na biblioteca. Totalmente normal. Você observou o livro, arqueou as sobrancelhas e soltou:
– Você não tem cara de quem lê Stephen King.
Foram as suas primeiras palavras. Foi a primeira vez em que ouvi a sua voz. E nossa, que voz! Revirei os olhos. Foi a única coisa que consegui fazer.
– Tenho cara de quem lê o quê, então? – arrisquei.
– Promete que não vai se ofender se eu disser?
– Prometo.
– Tudo bem. Você... hm... você tem cara de quem lê aquelas revistas de moda, sabe? Tipo Vogue, essas coisas.
Minha primeira reação foi soltar uma gargalhada. Escandalosa. Demorada. A bibliotecária me olhou com cara feia, eu tentei me desculpar. Você me olhou, confuso e eu só conseguia imaginar COMO você poderia saber o nome de uma revista de moda. Tentei me recuperar do ataque de risos, respirei, te olhei, voltei a rir, respirei mais uma vez.
– Qual é a graça?
– Você foi a primeira pessoa na face da terra que se atreveu a me dizer isso.
– Mas foi o que pensei.
– Não sou fã de revistas de moda.
– Mas é fã de moda?
– Não.
– Do que você gosta?
– Quem diabos é você?
– Isso faz diferença?
– Talvez.
– Quem você acha que eu sou?
– Pelos meus cálculos, você pode ser um psicopata.
– Mas não sou.
– E como eu poderia ter certeza?
– Você é completamente maluca, sabia?
– Sim. Isso não é um segredo.
Você riu. Um riso baixo, doce.
– Tudo bem, você venceu. Podemos começar de novo?
– Nós tínhamos começado algo?
Risos novamente.
– Bom, meu nome é Eric.
– Interessante.
– Não vai me dizer o seu?
– Não.
– Por que não?
– Você ainda pode ser um psicopata, sabe? Prefiro não arriscar.
Você arqueou as sobrancelhas, como se já não tivesse arqueado antes, o que mais tarde, confirmei ser um hábito. Você ficava lindo quando fazia isso. Você encarou o meu livro e antes que eu percebesse, ele tinha passado das minhas mãos para as suas. Você o abriu, procurando por alguma coisa na capa. Droga.
– Ei! Isso é meu!
– Calma, não vou roubar.
– Devolve.
– Sem problemas, Mel.
Você era mais esperto do que eu pensava.
– Só meus amigos me chamam assim.
– Eu posso ser seu amigo.
– Ah, claro, um desconhecido que se senta ao meu lado na biblioteca, sem ser convidado e que pode muito bem tentar me matar.
Mas que raios você fazia na biblioteca?
– Não vou tentar te matar. Você é teimosa.
– Isso também não é novidade.
– É novidade pra mim. Então, do que você gosta?
– Definitivamente de você não.
– Todo mundo gosta de mim.
– Eu não sou “todo mundo”.
– Só me responde e eu prometo que te deixo em paz.
– Responder o quê?
– Do que você gosta.
– Livros.
– Isso é meio óbvio. A gente tá numa biblioteca, dãaa.
– Por que você está em uma biblioteca?
– Eu fiz uma pergunta primeiro.
Suspirei.
– Gosto de observar as nuvens no céu, gosto de suco de tamarindo, gosto de bala de café. Tá bom assim?
– Já é um começo.
– E claramente um fim. Eu tenho que ir.
– Espera.
– Esperar o quê?
– Gostei de você.
– Odiei você.
– Isso não é verdade.
– Você não faz ideia do quanto isso é verdade.
Era mentira, óbvio. Me levantei, sem te olhar. Ajeitei o livro entre os braços e assim que comecei a andar, senti sua mão no meu pulso. Antes mesmo que eu pudesse dizer algo, você sorriu e sussurrou:
– É o que veremos.
Seus amigos nos olharam como se nunca tivessem visto uma garota não cair na sua antes. Isso me fez querer rir. E ao mesmo tempo, me fez querer chorar.
Provavelmente eu cairia na sua.
Eu caí.
O que, provavelmente, me traria uma confusão imensa.
E trouxe.
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.