E lá estava Eliza deitada na cama em plena sexta-feira, uma letargia única a atingia naquele dia da semana em específico, não conseguia explicar o que era, talvez uma espécie de preguiça e desânimo por saber que era o último dia da semana. A vontade de dormir um pouco mais era enorme, mas sabia que tinha responsabilidades com suas notas que até que eram razoáveis. O despertador tocou novamente (desta vez quinze minutos depois do real horário costumeiro), a morena o desligou e se levantou devagarinho, abriu os braços se espreguiçando e soltou um suspiro um tanto pesado demais para uma adolescente de 17 anos. Hoje era um daqueles dias em que ela não estava muito bem e seu quarto era o único lugar onde poderia demonstrar isso.
Tomou um banho rápido, penteou os cabelos e escovou os dentes de forma ligeira depois de se vestir. Agarrou a alça da mochila e desceu a escadaria do primeiro andar para o térreo, quando chegou no assoalho do saguão olhou para os lados. A casa estava silenciosa, na verdade não fazia diferença alguma se sua mãe estava ou não em casa, o silêncio naquele lugar era assustadoramente pertubador.
── Mãe..?
Chama a garota alto o suficiente para que a mais velha ouvisse, mas como o esperado ela não recebe uma resposta. No geral era sempre assim, a Sra. Mao era uma mulher muitíssimo ocupada, trabalhava em um escritório de contabilidade no centro da cidade e quase não vivia em casa. Quando chegava já era as tantas da noite. As duas haviam se mudado de Bridgton no estado do Maine, para o distrito de Grove City na Pensilvânia, por conta das oportunidades de emprego que Judy Mao teria, e em menos de uma semana com aquele currículo invejável a mais velha havia realmente conseguido um. Eliza entendia que aquilo era para o bem das duas, mas as vezes desejava um pouco mais de consideração quanto a sua opinião.
No fim ela suspira e segue seu caminho saindo de casa. Logo que chega no jardim é recebida por uma rajada de vento forte que vinha do leste só para bagunçar seus cabelos castanhos, com uma das mãos ela tenta ajeitar o que podia dos fios. Por sua sorte a escola ficava a menos de duas quadras da sua casa, tudo calculado pela sua mãe para não ter a desculpa de se atrasar (...)
Chegando na escola, a morena encontra Anne na frente da entrada com um cigarro acesso entre os dedos e os jeans rasgados como de costume. A garota era uma das rejeitadas na escola e não tinha muitos amigos pela fama de ser um tanto rebelde. As duas se conheceram em uma ocasião muito inusitada; Enquanto Elizabeth andava pelo refeitório em seu primeiro dia de aula naquele lugar, deixou seu livro de geometria cair no chão e adivinha quem o pegou para a menina? Isso mesmo, Anne, que no dia soltou uma piada sobre Pitágoras e conquistara um lugar no ciclo minúsculo de amizade da garota antisocial. Daquele dia em diante as duas nunca mais se separaram.
── Ora, ora, ora, vejamos quem resolveu aparecer? - Solta Anne, passando um dos braços ao redor dos ombros da amiga e se dirigindo até a porta de entrada da escola com ela.
── Eu acho melhor você apagar isso aí, não quero receber outra advertência por andar ao lado de uma garota sem pulmão. - Respondeu Eliza quanto ao cigarro.
Anne lhe lançou uma olhadela mal humarada e resmungou apagando o cigarro. Enquanto caminhavam pelo corredor dos armários, Mao não conseguia deixar de pensar no dia enfadonho que teria hoje. A amiga estava teclando algo no celular em uma velocidade impressionante, Eliza espia por cima dos ombros e nota que era uma troca de mensagens com alguém, só não conseguiu identificar quem era. O corredor estava quase vazio e àquilo só podia significa uma coisa:
── Estamos atrasadas pra caramba, o Sr. Jones vai nos matar.
Ao entrarem na sala, o professor já esperava com o mesmo olhar severo de quando pegava algum aluno pelos corredores no horário da aula. Elizabeth abaixou a cabeça e entrou sem dizer nada, Anne por sua vez era ainda mais debochada e soltou um sorrisinho cínico para o professor, se sentando atrás da amiga. Eliza odiava ser o centro das atenções e naquele momento era isso o que era, pois os alunos em volta a observava como se fosse um animal exótico em uma jaula e isso a incomodava demais. Como se estivesse lendo seus pensamentos, Anne se inclinou sobre a mesa e se aproximou do ouvido da garota, sussurrando:
── Relaxa, estão com inveja da sua linda caneta de coelhinho.
A piada de mal gosto sobre a caneta de Eliza acabou a deixando com vontade de rir, porém o sussurro de Anne com seu hálito quente em seu ouvido a fez se arrepiar. Ela segurou fortemente a caneta e prestou a devida atenção no que o professor dizia mais à frente (...)
Bom, as duas assistiram todas as aulas em silêncio (de vez em quando trocavam bilhetinhos para saber o que ambas fariam depois da aula ou para fofocar sobre os pompons que Jéssica Carter chamava de peitos). Andar com Anne fazia Elizabeth perceber que a escola não era tão chata assim e aquele era seu último ano, não sentiria saudades, mas também não se arrependeria. Quando o sinal tocou todos os alunos quase pularam da cadeira em êxtase, afinal de contas era sexta-feira e o final de semana havia acabado de começar. A maioria tinha festas para celebrar, encontros para ir e noitadas em boates. Elizabeth com sua sorte talvez tivesse o resto da noite livre para assistir a um filme qualquer ou maratonar suas séries prediletas antes de sua mãe chegar. Ela esperou pacientemente a turma esvaziar a sala, odiava ter de enfrentar aquele mar de gente tentando sair ao mesmo tempo por uma única porta. Enquanto isso guardava os materias dentro da bolsa. Cerca de uns 5 minutos depois Anne se aproxima dela e as duas saem andando até a saída da sala.
── E aí, o que você vai fazer hoje a noite? Por favor não me diga que vai calçar aquelas meias velhas e ficar jogada no sofá da sala assistindo "The Expanse", aquela série é um lixo, Eliza..
── Olha só, "The Expanse" é uma série super interessante de pura ficção científica, e você que assiste "13 Reasons why"? - Retruca Elizabeth de forma sarcástica.
As duas agora saíam da entrada da escola e começavam a caminhar pelo pátio em direção a calçada. A tarde era ensolarada e havia um grupinho de garotos mais a frente fazendo bullying com algum aluno intelectualmente superior. Isso sempre acontecia. Anne respondeu:
── Bah, isso não vem ao caso agora! - Ela empurra de leve a amiga e solta uma risada. ── ...Agora é sério. Vai ter uma festa na casa da Margot McKinley. Sei lá, estava pensando em ir e não queria ir sozinha.
Aquilo parecia uma proposta, Eliza ficou em silêncio por algum tempo e pensou seriamente em inventar qualquer desculpa para dizer que não estaria disponível hoje. Odiava aquele tipo de festa e sabia muito bem que Anne arrumaria alguém muito melhor que ela para ir. Suspirou pesadamente e passou uma das mãos no rosto, não queria decepcioná-la, porém tinha de dizer isso. Resolveu ser sincera.
── Anne, você sabe que eu não sou assim... não vivo no mesmo mundo em que você vive.
Anne se posiciona na frente da amiga e segura seus dois ombros a fazendo parar de andar, seu semblante era o mais preocupado possível. Ela sabia que Eliza tinha depressão e temia pela saúde mental da garota, só queria a fazer se divertir por quem sabe poucas horas. Não era pedir muito, era?
── Eliza por favor, eu não estou te pedindo para beber ou socializar com ninguém. Se você for eu te prometo que não desgrudo de você, sei que não está bem e estou tentando te ajudar... por favor, vamos?
Eliza suspirou abaixando o olhar e se sentiu culpada, poxa, quer dizer, era uma garota relativamente novata naquela cidade e se não fosse por Anne ela jamais teria alguém para conversar. Anne era seu pontinho colorido no meio de todo aquele mundo preto e branco. Custava o quê fazer uma vez na vida algo por alguém que fazia tanto por ela? A garota levantou os ombros e voltou a olhar a amiga, sorrindo fraco.
── Tá, você ganhou desta vez.
Anne levou um tempo para entender o que a amiga acabara de lhe dizer, ficou quase meio minuto parada até a ficha cair. Caramba, Elizabeth Mao iria á uma festa na casa da Margot com ela! Deu um pulo e sacudiu a garota pelos ombros totalmente empolgada, isso fez Mao sorrir pela felicidade que estava dando a ela. Depois disso as duas voltaram ao trajeto até a casa de Eliza que já estava bem próxima. A garota quebra o silêncio:
── ...E que horas será essa tal festa?
── Ahm... às 19:00 - Responde Anne, verificando no seu relógio de pulso. ── Olha, eu passo aqui para te buscar nesse horário, minha mãe me deixou pegar o carro hoje.
Finalmente chegaram em frente a casa, Eliza segura as alças da mochila e levanta os ombros meio desanimada como quem dizia um "okay", Anne sorrir e beija o rosto dela ainda animada com a resposta quanto a festa. As duas se despedem ali e Elizabeth Mao entre para sua casa. Sabia que não seria fácil encarar todos aqueles rostos joviais e populares naquela noite, mas faria isso por Anne. Somente por ela.
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