História Egoísta e Bonito - Primeiro barulho.

Jeon sempre gostou da segurança.

Nunca demorava nas primeiras aulas, nunca faltava provas importantes, não ia em festas absurdas em meios de dia de semana. Na verdade, não fazia muita questão de se aventurar em quaisquer dessas atividades rebeldes. Ele gostava do seguro, da sua própria área de conforto. 

Mas aquele momento que estava prestes a acontecer, deixava claro que ele teria que sair de sua zona de conforto, infelizmente. Era o dia da reunião com os moradores dos três últimos andares com o síndico,  para decidirem quem seria o próximo encarregado do cargo. O atual era Kim Seokjin, mas não era como valesse de grande coisa já que o mesmo estava mais fora do país do que no próprio complexo de apartamentos.

Com isso em mente, Jeon havia decidido que se candidataria para o cargo. Não queria admitir, mas o fazia com o seu vizinho como grande parte do incentivo. O quão legal seria poder notificá-lo se não parasse com os barulhos altos depois das 22h? Sim, Jeongguk estava ansioso para isso também.

Ele apertou o botão do elevador, mas o mesmo subiu ao invés de descer para o salão de festas onde seria a reunião. Subiu, obviamente, para o único apartamento restante no prédio. O do seu vizinho mal educado.

Respirando fundo pelo confrontamento que não queria ter de fazer naquele momento, ele se encolheu ainda mais contra o canto do elevador, somente torcendo internamente para que o seu vizinho não quisesse conversar ou algo do tipo. Apenas se concentrou em não se mover, quase não respirava. Jeon havia atingido um outro nível possível para ser anti social. 

E foi naquele momento que Jeongguk o viu. O demônio personificado passando pela porta de metal e entrando no elevador despreocupadamente descascando uma banana. Com seu boné virado para trás, um shorts jeans com um comprimento que garotos não deveriam usar, uma camiseta branca com algum dizer irônico escrito em fonte Arial no meio da mesma, e o mais estranho: um cabelo inteiramente cinza. 

Não que não fosse comum na cidade que morava esse tipo de coloração. Jeon somente esperava que ele fosse um adolescente novo, que morava com o irmão ou algo do feitio, tudo pela voz fina que ouviu no interfone. Era extremamente raro ver adolescentes com o cabelo descolorido devido as famílias rígidas do país. No entanto,  a tatuagem que cobria a panturrilha e a outra, a nuca do garoto, indicavam que ele tinha mais que vinte um, com certeza.

Se fosse qualquer outra pessoa, Jeon com toda certeza teria dado um sorriso de lado em nome da cordialidade e respeito. Mas claro, ele ainda estava rancoroso quanto as três noites mal dormidas por culpa do ser consideravelmente mais baixo que si, que se apoiava em um dos pés com uma postura despojada, logo ao seu lado. 

No elevador, somente o som dos pingentes da pulseira escura do garoto faziam barulho entre ambos. Jeongguk o analisou mais um pouco, e reparou que o garoto tinha toda sua orelha furada, com diversas argolinhas brilhando e balançando enquanto ele mastigava. Era realmente um garoto muito incomum. 

— Se você continuar me encarando eu vou começar a achar que tem algo de errado com a minha cara. 

No mesmo instante, Jeon coçou os braços desviando o olhar desconfortável. Ele pigarreou, fitando o painel que indicava menos de dois andares para chegarem no salão de festas, enquanto tentava abafar seu constrangimento.

— Não, não! Eu não estava encarando! É só que... — engoliu em seco, sentindo seu corpo gelar. — Esquece, me desculpe. 

Pôde observar pelo canto dos olhos o garoto franzindo as sobrancelhas e se remexendo levemente pelo clima estranho instalado no elevador. 

Depois do que pareceu eras, o elevador se abriu e o garoto no mesmo instante saiu rebolando na sua frente, com a casca de banana balançando em sua mão. Jeon deixou o ar que não percebeu que estava prendendo se voltar, se sentindo aliviado pela tensão ter se dissipado. Saiu do elevador logo em seguida, encontrando o síndico conversando com os outros diversos moradores. Ele forçou-se a colocar um sorriso em seus lábios e cumprimentar todas as pessoas que estavam ali. 

Uma grande mesa de de mármore branco no centro do local marcava presença, onde encostado na mesma estava Seokjin, com seu sorriso habitual conversando com todos. Jeongguk andou desconfortavelmente até a mesa, o cumprimentando brevemente antes de sentar-se e tirar seu celular do bolso, torcendo internamente para que ninguém viesse falar com ele.

Jeon Jeongguk não era um dos sujeitos mais bem humorados.

Quando menos esperou, Seokjin e seu vizinho estavam vindo em sua direção, ambos sorrindo e conversando amigavelmente. O mantra na cabeça de Jeongguk para que o evitassem só ficou mais forte.

— Ah, Jeongguk-ah. Nem tive tempo de te cumprimentar de forma mais decente, que indecência a minha. — ele sorriu, obtendo um sorrido contido do outro, apertaram as mãos durante alguns segundos. 

— Não tem problema. 

O de cabelos cinza apenas observava a situação até então quieto, o moreno recusava-se a encará-lo ignorando sua presença.

— Eu espero que você esteja gostando do apartamento, já irá fazer mais de um mês que está por aqui, se não estou errado. —  o loiro alto supôs, sentando-se na cadeira do lado direito de Jeongguk, enquanto o mais baixo sentava-se no lado esquerdo.

— Sim. — obrigou-se a levantar os lábios levemente. — É confortável.

 — Tenho certeza que é. — concordou. O seu olhar se voltou para o platinado. — Você já deve conhece Park Jimin, certo? Meu afilhado, filho do construtor do edifício. 

Nesse momento, enquanto a mão de Seokjin se dirigia á Jimin, o moreno entendeu a situação. Ficou claro em sua mente o motivo de ninguém ter reclamado sobre os barulhos que garoto fazia antes. Seus dentes rangeram instintivamente, pensando que isso não o impediria de ser o primeiro a fazê-lo. Não passaria mais uma noite em claro por culpa dele.

— Conheço de vista. — ou de audição. Pensou Jeongguk.

— Sim, Jinnie, nós já nos falamos antes. Ele sempre me liga no interfone perguntando como eu estou. — o moreno fora o único a perceber o tom divertido de sarcasmo no timbre de Jimin, o que o fez cerrar os olhos.

Seokjin se contentou em dar um sorriso simpático, encerrando a conversa educadamente e virando-se para começar á reunião assim que todos se sentaram. Jeongguk se sentia seguro em dizer que estava aéreo em boa parte do discurso do síndico, apenas encarando a mesa limpa e batendo seus dedos na mesma.

Podia ver Jimin ao seu lado, parecendo — por mais incrível que fosse de acreditar —, interessado na explicação. 

— Alguém tem alguma reclamação deste mês? — Seokjin pergunta olhando para todos por cima de seus óculos. 

Nesse momento, os ouvidos do moreno se abriram, seus olhos cerrando-se. Podia sentir um encarar queimar sua nuca enquanto decidia se reclamava sobre seu vizinho ou não. Não poderia falar algo sobre Jimin para o próprio padrinho do mesmo, Jeongguk ficaria mal falado não só no prédio, mas também entre a família do garoto.

Relaxou novamente em sua cadeira, respirando fundo. 

— Você parece incomodado. — Jimin diz sem emitir som algum, Jeongguk tendo que ler seus lábios para entender o que estava falando.

O moreno ainda incrédulo e consideravelmente irritado, escolheu ignorar a presença de Jimin. Torcia para que aquela interação entre ambos fosse e a primeira e a última.

Torcia. Torcia muito.