Nicolai sentou-se em um banco de pedra, que havia no quarto, esfregou as mãos e em seguida cobriu o rosto. Não gostava daquela situação, preferia nem estar envolvido. Lançou o olhar para a criatura encostada na parede em uma análise rápida. Ela estava encolhida murmurando algo como se fosse uma prece, seu olhar vazio procurava se perder dentro de seu próprio mundo para fugir da realidade. Hunt se levantou e se aproximou, ela se encolheu ainda mais com a aproximação, se é que isso era possível. Bom, ela ainda estava presente, parecia que a maldição lhe condenava com a sanidade de certa forma.
Talvez toda essa situação que estava passando fosse apenas a tal 'lei do retorno' agindo. Como Layla dizia: "cedo ou tarde, você sempre paga o preço". Apesar de desagradável, a visita de Ross lhe ajudou a entender alguma coisa: Era claro que seus poderes não haviam funcionando na garota. Afinal não se pode seguir uma ordem que não se entende.
Foi esperto procurar falar em latim com a garota, era uma língua morta, praticamente inalterada desde sua assimilação ao clero. No fundo, Hunt tinha um pouco de inveja dos poderes esotéricos, meio mentalistas, que as Sombras tinham. Embora nunca fosse admitir, afinal, ele pertencia ao clã dos Lordes, seu sangue carregava o poder do Comando, onde nenhuma ordem sua podia ser desobedecida.
— Você tem um Senhor, um mestre? — Perguntou tentando buscar no reduto de sua mente o pouco que conhecia de Latim. — Conhece a pessoa que lhe transformou no que você é?
A garota não esboçou reação.
— Você sabe o que você é? — Não houve resposta. Nicolai massageou as têmporas. Em que situação foi se meter.
— Diga seu nome! — Ordenou evocando o poder do sangue.
— Eleonora Caroline Meredith de Valoys, Filha de Bartolomeo, Senhor de Valoys. — A garota respondeu de forma mecânica.
Nicolai puxou o ar enchendo os pulmões e depois soltou lentamente enquanto assistia a menina chorar penosamente como se tivesse acabado de ser violada.
— Já tivemos o suficiente por hoje — comentou para si mesmo enquanto saia e trancava a porta e tecia mentalmente várias maldições sobre Ross.
***
O sapato de Ross fazia um barulho engraçado em atrito com piso, ele parecia não estar confortável assim como seu dono. O vampiro caminhava entre dois jovens albinos lhe acompanhavam até a sala do dono daquele lugar. Eles eram estranhos, muito estranhos, não importava quantas vezes já tivesse os encontrado, não conseguia se acostumar com aquilo: olhos arroseados, pele esbranquiçada, os cabelos tão descoloridos quanto as mangas de suas camisas e mesmo os cílios de seus olhos pareciam neve. Ross eram um vampiro, mas aquelas criaturas sem alma eram medonhas.
As portas pesadas de madeira foram abertas com um pequeno estalo exibindo uma sala que parecia grande demais para sua mobília. A iluminação era fraca e advinha de uma imagem de lareira crepitando na tela de plasma e pequenos pontos de luz que alimentava a penumbra. A cobertura ficava em uns dos mais altos prédios da cidade e era decorada em mármore e outras pedras polidas. Cortinas pesadas contornavam as janelas gigantescas de onde se podia ver toda moscou a seus pés
O Czar estava sentado em um sofá de couro preto, assistia pessoas nuas, pintadas de dourado enlaçando-se em um contorcionismo erótico. Entediado, ele girava uma taça na mão enquanto oscilava o olhar entre a exibição a sua frente e o celular.
“Meu Czar...” Ross anunciou à porta fazendo uma reverência, Dominic apenas gesticulou para que ele se aproximasse sem dar realmente muita atenção.
— Resolveu o problema? — Atalhou objetivo.
— Sim meu soberano. — Era sempre uma imagem indigesta para o vampiro pensar que se curvava diante de um garoto de pouca idade, embora soubesse que apesar da aparência, Dominic era sagaz como uma raposa velha, imprevisível e violento como poucas vezes vira. Mas, bem... o mundo é feito de aparências. O Czar colocou a taça na mesa ao lado e tirou um dos fones de ouvido fazendo sinal para que Ross prosseguisse.
— A criatura fugiu para as terras de Hunt e foi capturada por ele.
Dominic estava curvado sobre o braço do sofá e apoiava o rosto com a mão, bateu o dedo duas vezes na bochecha, como se tentando ligar o nome à pessoa, então parou.
— Fazia tempo que eu não ouvia esse nome. Ele é sempre tão recluso, nunca se envolve em nada... Criatura medíocre — Resmungou com tom de desprezo enquanto pegava a taça e jogava nas pessoas douradas — Encham para mim — Ordenou voltando a mexer no celular.
Uma das pessoa apanhou a taça enquanto outra agarrou uma terceira, que aparentemente não demonstrava terror em ser a vítima. As duas criaturas exibiram suas presas de forma ritmada, e como serpentes esgueirando-se sobre a presa, lhes abriram feridas no pulso. Um nó engasgou na garganta de Ross, não conseguia se acostumar com aquilo, era revoltante ver vampiros sendo tratado como Gado daquela forma. Cerrou os dentes e desviou o olhar.
O sangue verteu lentamente em um vermelho escuro, expresso, espalhando seu aroma pela sala. O cheiro de mil almas roubadas. A vida destilada que corria pelas veias dos imortais.
Seria uma hipocrisia dizer que estava surpreso, afinal de contas, sabia mais que qualquer um o quão Dominic estava entediado com a Humanidade. Tudo nessa época era fácil demais, rápido demais, todos os vícios transbordavam e mal haviam leis a serem violadas. Para “almas imaturas e jovens” como a de Dominic, o mundo oferecia tantas coisas, que facilmente tudo perdia o encanto. Cada vez mais se tornava difícil encontrar algo realmente diferente, algo que não fosse apenas uma reinvenção. Com o tempo, esse “mais do mesmo” começava a tornar os fetiches cada vez mais criativos na procura de um entretenimento e era exatamente aí que a aposta de Ross entrava.
— Se já terminou, pode se retirar. — O jovem acusou.
— Na verdade senhor, eu gostaria de ressaltar que a criatura não foi destruída.
— E o ‘cinquenta tons de bege’ resolveu fazer algo e adotar alguém?
— Aparentemente ele foi incapaz de matá-la, meu amo... Ele próprio me revelou isso.
Dominic apenas se virou para Ross.
— Essa é a notícia que está te deixando tão ansioso e nervoso?! — Com uma certa ironia velada — O novo romance do Hunt?!
— Não é isso, senhor.
— Pois fale logo que está quase na hora de eu ir assistir Gothan*.
— Como?
— Apenas... seja direto. — Em uma exibição de paciência.
— A figura encontrada por Hunt é uma jovem de beleza descomunal.
— Eu estou acostumado com belezas descomunais.
— Oh, não apenas isso senhor. Ela me parece ser uma dama de tempos muitos antigos, eu mesmo não consegui entender bem, mas parece que sua compreensão de línguas como o inglês, o francês e o alemão são tão antigas, que até parece uma outro dialeto.
— Velhos costumam ser chatos, Ross.
— Ela é uma jovem recém desperta, talvez ela tenha sido enterrada logo após seu abraço*(ato de transformar alguem em vampiro), e ainda está em conflito já que parece ter uma alma boa demais para aceitar a maldição. Ela tem um brilho nos olhos das damas inocentes dos livros de romance. Algo que não existe mais nos dia de hoje onde o recato foi jogado ao vento.
Ross falava com a sua maior expressividade, Dominic apenas lhe observava apoiado no braço do sofá, ele tinha uma sobrancelha arqueada e um ar de desinteresse, mas Ross já era o Cão de Caça a muito tempo, conhecia as manias de seu Czar e estava otimista, afinal, Dominic largara o celular e agora direcionava toda a sua atenção às palavras do homem.
— Suas vestes remontam a algum tipo de alta classe, pelo que pude notar. Mas o mais impressionante, o que chamou a atenção tanto de Hunt quanto a minha, é a singularidade de sua natureza. Ela me parece ser algo tipo diferente de vampiro ou alguma outra criatura muito similar, mas de toda forma, dificilmente o senhor terá a oportunidade de encontrar com algo tão singular assim novamente.
Houve um breve momento em que nada foi dito, Dominic apenas passeava o olhar pela sala, imerso em seus próprios pensamentos.
— Peça para Rosalie marcar uma visita minha à casa de Hunt. — comentou voltando a mexer no celular.
— Para qual data senhor? — procurando não transparecer a excitação.
— Para daqui a uma semana, abri um horário às duas da madrugada. — Enreccou encarando o vampiro.
— Desculpe a intromissão, mas uma semana não seria muito cedo? A jovem não estará devidamente pronta para o senhor, meu Czar.
— Você me fez pensar que mesmo se eu a visitasse hoje, já ficaria fascinado pela figura. Estou sendo paciente em esperar uma semana. — Voltando a colocar os fones de ouvido — Espero não me desapontar, Ross.
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