Todo vampiro é uma criatura amaldiçoada, não importa de onde essa maldição tenha vindo. Essa maldição nos dá poderes além do mundano, nos concede a eternidade, mas isso é apenas a luz que atrai o inseto para a chama. Quanto mais o inseto se aproxima, encantado pelo calor adquirido, mais a chama o consome, até que finalmente essa labareda, que é a maldição, cumpre o seu propósito e devora o inseto por completo.
O vampiro é esse momento entre a chama e o céu, entre o Humano e a besta. Existe algo dentro de você que muda o que você é, esse algo tem sede, não meramente de sangue, mas de vida. É por isso que precisamos nos alimentar. Sempre que um vampiro acorda para a noite, ele desperta com fome; quando um vampiro manifesta seus poderes, ele fica com fome; quando nos ferimos e nosso sangue se esvai para reparar a carne maculada, nós ficamos com fome.
Se a fome for muito grande, o vampiro pode perder a consciência de sí dando lugar ao que chamamos de Besta ou Fera. A besta é sua natureza primordial, ela é o instinto mais puro, a própria maldição. Ela não tem escrúpulos, cuidado ou pudor e atacará, com tudo que tem, qualquer coisa próxima que pareça estar pulsando. Não existe distinção entre uma criança ou um veado, entre um rei ou um mendigo, entre um inocente e uma vítima.
A besta não distingue aliados, pessoas que se quer poupar ou qualquer coisa do gênero, quando os olhos ficam amarelos, há apenas a fome a ser saciada e tudo mais no caminho será destruído.
Por isso, é importante que nunca fiquemos com fome ou as coisas pode sair do controle e ficar ruins, bem ruins. Acho que isso é tudo o que você precisa saber.
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A jovem estava limpa, sentada na cama de pedra enquanto uma das aias lhe penteava o cabelo. Foi um trabalho penoso mas as camareiras conseguiram lhe trocar. Nicolai supervisionava tudo, cauteloso com o novo imortal residente em sua casa, desferia ordens constantemente prendendo as ações do vampiro à sua vontade, num esforço para obrigá-lo a cooperar minimamente. Um trabalho cansativo, mas necessário.
Havia preparado um texto com algumas informações básicas que julgava necessárias serem introduzidas a sua nova convidada, precisou de alguma ajuda para colocar tudo em latim arcaico, mas tudo estava seguindo nos conformes:
— No geral, Vampiros podem se alimentar de duas formas: Beijo, que é como chamamos quando o vampiro não quer causar dor à sua vítima, e a Mordida. — reiniciou movendo-se pela cela — Colocando de uma forma simples, beijo de um vampiro é algo fascinante, é uma sensação extasiante que arrebata quem o recebe num ímpeto de prazer tão profundo, tão completo, que não se percebe o sangue sendo drenado, a vida sendo roubada. Ele seduz as vítimas como as cores atraentes e chamativas das víboras mais mortíferas. — Empurrando gentilmente uma das almofadas que haviam sido trazidas com o pé. — A mordida, por outro lado é avassaladora. É a dor da carne sendo dilacerada, são as presas de um monstro rasgando a pele e não há ilusão alguma nisso. — Dando uma olhada rápida no relógio — Poucos são os amaldiçoados que não possuem o Beijo — Nicolai respirou fundo por puro reflexo – Bom... Esperamos que você não seja uma dessa exceções.
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Austin desceu as escadas de pedra receoso. Era seu primeiro dia como um dos Criados de sangue*, estava nervoso. Por anos sonhou com esse momento numa relação de curiosidade e medo. Se ele estava preparado para isso, não, não estava, mal havia completado seus dezessete anos. Sabia que essa era a idade em que se iniciavam os serviços como criado, mas não imaginava que seria chamado tão cedo.
Ter que servir à criatura estranha que atacou a Victor deixava seu estômago embrulhado. Entrar em uma das celas no subsolo e encarar o frio úmido e a pouca iluminação do lugar apenas aumentavam sua tensão. Qualquer sombra, ou mínimo som, havia ganhado a capacidade de lhe assustar verdadeiramente.
Nicolai lhe cumprimentou com um “boa noite” sem sotaque enquanto abria a porta do quarto. A cela tinha cor de cimento e não possuía qualquer tipo de janela ou saída de ar. Havia uma cama de alvenaria com um colchão improvisado e algumas mantas. Um banco com alguns livros, algumas almofadas, uma garota encostada no canto da parede.
Ela tinha cabelos compridos de um castanho avermelhado, sua pele era pálida e seus olhos eram de um azul cativante. Ela o encarou por um momento e abaixou a cabeça encostando a testa nos joelhos.
— Austin, sente-se diante dela e estenda o braço. — Nicolai ordenou — Agora você, minha hóspede — Dirigindo-se à garota em latim. — creio que já sabe o que fazer.
Foi possível notar os braços apertando ainda mais as pernas, as unhas tencionando-se sobre a alva pele. Austin que estava ajoelhado ao lado da garota apenas voltou-se a Nicolai sem saber exatamente o que fazer.
— De toda forma, não posso dizer que estou surpreso com o comportamento — Resmungou para si mesmo procurando a peça no bolso, o item que foi pegue em sua escrivaninha já imaginando este momento. O vampiro segurou o rosto da garota obrigando-o a voltar-se em sua direção. A menina o encarou assustada. Ele apenas prosseguiu os comandos com frieza e seriedade — Quando eu disser "morda", você vai morder o pulso de Austin e beber seu sangue num beijo sem dor, até que eu lhe diga "pare".
Austin estava cada vez mais nervoso, não imaginava Nicolai ser grosseiro com uma moça daquela forma, o fato de não entender uma só palavra do que o mestre dizia apenas deixava o clima ainda mais estranho.
O vampiro se levantou novamente.
— Austin, estenda o braço. Meredith Morda!
E os dentes da garota perfuraram o braço de Austin, o garoto fraquejou apoiando-se na parede. Aquilo era fantástico... Nicolai tocou-lhe as costas com o pé e soltou um "Modos..." autoritário, fazendo-o recompor a postura. Passados alguns momentos com o vampiro conferindo no relógio ele ordenou:
— Pare!
A menina largou o braço de Austin e encolheu-se num choro silencioso. Nicolai perfurou o polegar com uma de suas presas e espalhou um pouco de seu sangue sobre o ferimento de Austin, antes do êxtase se esvair. Dispensou o jovem, pouco antes de agarrar o rosto da garota outra vez.
"Todos os dias, ao bater da sétima badalada noturna,
alguém vai entrar por essa porta e estender-lhe o pulso.
Ao cair do primeiro grão de areia da ampulheta, até o último,
você vai alimentar-se do sangue da pessoa que lhe estender o pulso.
Em seguida, vai espalhar uma gota de seu sangue sobre a ferida para fechá-la"
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