História Entre Anjos e Demônios - Angel

-- Kagami --

          Príncipe. Com certeza alguma vez na vida, todos já desejaram pertencerem a realeza, realizar suas vontades sem impedimentos ou mesmo questionamentos. Viver ao luxo e mordomia, ter empregados e mordomos o servindo lealmente, criar leis que o auto beneficiaria, prender aqueles que o desprezam em calabouços e ter as mais belas mulheres caídas em seus pés com um simples estalar de dedos. Quem ousasse dizer que nunca sonhou ser um príncipe ou uma princesa quando menor, ou mesmo adulto, sofreria eternamente pela maior mentira da terra.

          Quem dera se tudo isso fosse verdade.

          Suas vontades atendidas diante de qualquer situação? Empregados e mordomos o servindo lealmente? Criar leis benéficas ao seu favor? Ter todas as mulheres que quiser? Kagami gostaria de pessoalmente conhecer a pessoa que inventou tanta besteira e coloca-lo em seu lugar, para que sua mente fechada e minuscula entendesse que não a nada de bom em ser do alto escalão.
          Desde o seu nascimento, foi obrigado a seguir uma rotina rigorosa de treinamentos e educação. Aulas de etiquetas, de auto-defesa, estudo de humanas, estudo de exatas... São tantas que seria impossível dizer todas sem tomar pelo menos metade do dia. Isso sem mencionar quando finalmente obteve a idade ideal para começar a aprender como governar o reino, participar de reuniões, resolver problemas pequenos feitos por plebeus.

          Seria pedir demais voltar a ser criança? Quero ter algum tempo livre novamente.

          Talvez fosse um pedido tolo, seu corpo e aparência não passavam de um garoto de quatorze anos. Anjos desde os tempos antigos, possuíam diversas aparências onde escolhiam a que se adequavam mais, porém ao decorrer do tempo, humanos começaram a assumir que tal seres celestiais deviam ter aparência de uma criança, representando a pureza e pensamentos livre de malicias, buscando sempre a felicidade de todos de uma forma simples e correta. De fato, não estavam errados.
          A única coisa era que apenas alguns escolhidos tinham direitos de ter tal aparência. Apenas aqueles cujo o destino trará mudanças grandiosas, algo que revolucionaria a era atual. E para a infelicidade do ruivo, ele era um deles. Segundo seu pai, mesmo antes de se quer existir, o oráculo havia feito uma profecia onde seu primogênito realizaria um feito jamais visto na história, algo que nem mesmo os seres mais poderosos ousaram tentar. O que seria isso afinal? Por mais que achasse um exagero dizer que mudaria completamente a vida de todos daquele mundo e que ele seria a causa disso, era demasiadamente interessante saber o que aconteceria.
          Para seu pai, Kagami traria gloria ao reino dos Anjos. Lideraria o grupo mais habilidoso de sua terra e exterminaria os malditos demônios completamente. Para o conselho constituídos dos mais antigos Serafins, tudo poderia acontecer, desde uma grande rebelião levando o fim de seu povo, como a limpeza de todas as calamidades distribuídas pelo planeta, promovendo a paz e felicidade entre os humanos, assim como em qualquer outra raça existente. Por esse motivo, passou a ser vigiado constantemente vinte e quatro horas por dia, desconfiava que até mesmo no banho não tinha privacidade.

          - Kagami-kun.

          O barulho da porta se fechando junto de seu nome sendo pronunciado por Kuroko só poderia significar uma única coisa... Mais trabalho. Suspirou ao notar os passos lentos e pesados do azulado que caminhava em sua direção, provavelmente causados pela pilha de documentos que carregava. Ainda sem o olhar, desejava que estivesse apenas com preguiça e por isso estava andando daquele jeito, chorando internamente ao visualizar o novo bloco de papéis no canto esquerdo de sua mesa.

          - Se ta brincando comigo...
          - Infelizmente não, Kagami-kun. - Dizia com sua tipica expressão neutra.
          - Não tem outra pessoa disponivel para vocês escravizarem não?. - Perguntava largando a caneta em cima da mesa, o encarando.
          - Até tem... - Respondia receoso. - Mas seu pai deixou bem claro que qualquer assunto politico ou militar deveria passar por sua inspeção.

          Kagami levantou-se de sua cadeira, se espreguiçando. Quanto tempo mais passaria sentado, preso dentro do escritório assinando pedidos egoístas e mercenários dos nobres? Infelizmente nem mesmo sua raça escapava de todos os pecados capitais, orgulho e avareza estavam mais do que presente no dia a dia dos privilegiados financeiramente ou politicamente.

          - Kagami-kun...? - Chamava-o ao perceber que o ruivo se aproximava cada vez mais da janela. - Não está planejando fugir novamente, certo?
          - Vontade não falta... - Dizia observando a cidade. - Mas não quero lhe meter em problemas.

          Da última vez Kuroko o acobertou mesmo sendo contra suas escapadas diárias, sendo repreendido ao descobrirem suas mentiras, ameaçado de ser expulso do castelo. Porém não é nada comparado ao aviso que recebeu, onde seria exilado dessas terras caso o problema se repetisse.

          Depois falam que Anjos são seres puros e calmos.

          Talvez algumas décadas atrás isso seria verdade, mas atualmente está mais do que o contrário. Desde a última guerra entre Anjos e Demônios, tudo passou a ser diferente. A perda financeira e militar para ambos o lado foi significativamente alta, causando uma imensa crise econômica que se estendeu durante anos. Não faz muito tempo desde que a situação se estabilizou, porém as manias adquiridas ao longo do problema ainda permaneciam.

          Ou apenas estavam mostrando sua verdadeira natureza.

          Caminhou pelo local onde passava a maior parte de seu tempo, até de sua vida. As paredes brancas lotadas de quadro, contrastavam com o piso de mármore cinza. Os vasos distribuídos em cada canto da sala, continham flores de cores iluminadas e belas, deixando o ambiente mais vivo. O brilho e o conforto que cada decoração deveria passar, não combinavam nada com a expressão cansada e irritada de Kagami.

          - Você não parece bem... - Dizia ao notar a expressão do ruivo.
          - E não estou.
          - Se quiser, podemos dar uma pausa e comermos, o que acha?. - Perguntava sorrindo, não faria mal relaxar por alguns minutos.
          - Para depois voltar a me sentar e passar a noite toda recusando pedidos retardados dos velhos ricos?. - Perguntava retoricamente, notando o azulado ficar surpreso com a agressividade de suas palavras. - Desculpe... Só estou meio extressado.
          - Não, tudo bem. Eu entendo como você deve se sentir.
          - É complicado, Kuroko. - Dizia suspirando, coçando a cabeça em irritação. - Eu estou praticamente cuidando sozinho do reino todo! Meu pai apenas comparece as reuniões ou quando o conselho o chama, fora isso está deixando tudo em minhas mãos.

          Quanto a isso, não poderia discordar do ruivo. Desde que o Arcanjo chefe, pai de Kagami, insistiu em o ensinar a governar um reino e a tratar de questões politicas, o ruivo podia dizer sem nenhum exagero que não conhecia mais a luz do sol ou mesmo o que era dormir. Estava sempre trancado em seu escritório resolvendo todos os tipos de problemas sem descanso, enquanto seu pai parecia desfrutar do tempo livre.

          - Já tentou conversar com ele sobre isso?
          - Muitas vezes, mas sempre da no mesmo. - Respondia com uma expressão de raiva. - Continua insistindo no fato de que eu herdarei tudo e por isso devo aprender sobre qualquer coisa o quanto antes.
          - Pelo que eu pude perceber, até mesmo os assuntos sérios estão sendo passados a você. - Dizia, lembrando de alguns dos papéis que havia lido.
          - Isso que me da raiva! Ele parece estar ignorando totalmente o posto que tem para se divertir por ai e relaxar. - Sentava-se novamente em sua cadeira, debruçando-se sobre a mesa. - Eu tentei falar até mesmo com os Serafins, mas nenhum deles me leva a sério.
          - Isso é apenas uma frescura deles. - Uma frescura extremamente ridícula. - Por mais importante que a pessoa possa ser, se tiver a aparência de uma criança já não a levaram a sério.
          - Eu nunca pedi para ser alguém importante, então por que fui escolhido para isso? - Sentava-se novamente, dando um pequeno soco na mesa frustrado. - Odeio ter essa aparência de fedelho! O pior é que não cresço mais que isso, meu corpo parou de se desenvolver quando atingi quatorze anos. Até meu... Er... Você sabe! Ficou nessa idade, que merda!
          - Mas não temos o que fazer quanto a isso. - Tentava faze-lo aceitar a realidade, afinal era melhor do que sofrer eternamente por isso. - Tente ver o lado positivo, quando você for coroado poderá mudar as coisas a sua vontade.
          - Duvido muito, aqueles velhos vão estar no meu pé e negando praticamente tudo que não os beneficiar!
          - Eu tento ajudar e você acha outro problema. - Dizia dando um longo suspiro.
          - Foi mal...

          A conversa se prolongou por mais alguns minutos, até serem interrompidos por um dos guardas, dizendo que estavam sendo convocados para o salão principal pelo Líder. No começo apenas olhou confuso para o pobre coitado, que apenas negou dizendo não saber do que se tratava, apenas que foi ordenado a chama-los.
          Kagami e Kuroko se entreolharam tentando achar algum motivo para que fossem chamados do nada, porém como nada havia acontecido recentemente, não conseguiam chegar em nenhuma conclusão. Caminharam até o local mencionado, a porta decorada a ouro estava guardada por dois do mais poderosos guardas do castelo, que imediatamente se reverenciaram em sua presença, abrindo-a em seguida.

          - Finalmente. - Um homem ruivo sentado em seu trono, folheado a ouro e decorado com pequenas pedras de diamante, dizia ao os ver.

          Kagami Riki, como o significado de seu nome, era o mais poderoso Anjo existente no momento. Seu físico junto de sua aura brilhante, passavam o quanto de sabedoria e experiência ele havia adquirido com o passar do tempo e das inevitáveis guerras. Nenhuma única alma que estivesse vivendo em suas terras, ousava enfrenta-lo ou mesmo desobedece-lo em alguma coisa, todos o seguiam fielmente e entregavam sua vida de bom grado caso precisassem.
          Isso era uma das coisas que mais o irritava, Kagami sabia que muitos apenas o veneravam por medo. Temendo que se fossem contra qualquer um de seus pedidos, teriam suas vidas arruinadas ou mesmo tiradas. O mais engraçado era que não importava o quanto dissesse isso ao seu pai, ele apenas respondia dizendo que mesmo entre os seres mais puros, isso era necessário para manter a ordem.

          Por quanto tempo eu vou ouvir essas mentiras?

          - Me chamou, pai?. - Dizia sem nem mesmo se reverenciar diante de uma autoridade maior.
          - Ho... Vejo que andou esquecendo da boa educação que lhe dei.
          - Assim como o senhor esquece de fazer seu trabalho e o joga totalmente para mim. - Respondia ríspido.
          - Kagami-kun!. - Kuroko estava horrorizado com o que Kagami estava dizendo, nem mesmo sendo do mesmo sangue, poderia dizer algo tão grosseiro ao Arcanjo.
          - Tudo bem Tetsuya, deixe-o. - Dizia ao notar o medo do azulado. Observou seu filho imponente e totalmente seguro, sem fraquejar um único segundo diante de sua presença. Não conseguiu deixar com que um pequeno sorriso de orgulho escapasse, havia o criado bem.

          Kagami apenas o encarava com uma cara levemente emburrada, estava cansado de todos os problemas jogados diariamente em sua mesa e a pouca importância que seu pai dava a isso. Nem mesmo ia visita-lo, procurando saber como estava indo ou se precisava de ajuda, apenas o ignorava enquanto curtia sua maravilhosa vida em algum lugar.

          - Me chamou para que? Infelizmente ainda tenho muitos papéis para assinar e ler, diferente de você. - Dizia sínico, o enfrentando.
          - KAGAMI!. - Gritou, sua aura se intensificou e emanou por toda a sala. Os guardas ali presentes, assim como Kuroko sentiram suas pernas tremerem e seus corações aceleraram ao sentirem o quão poderoso ele poderia ser.
          - Ta, ta. Vou parar. - Kagami estava totalmente intacto a onda de poder mandada por seu pai, para a surpresas de todos ali.

          Passou durante anos treinando com os mais fortes Anjos daquele lugar, enfrentou até mesmo seu pai em algumas ocasiões. Poderia se dizer que o ruivo se encontrava em outro nível comparado a elite do castelo, porém ainda lhe faltava muito para o vencer.

          - Vou direto ao assunto. - Dizia com um longo suspiro, tentando achar onde havia errado para seu filho ficar tão revoltado. - Quero que você, Kuroko e Midorima inspecionem o vilarejo ao norte. Segundo alguns mercadores, a população de lá está diminuindo cada vez mais e uma forte energia negativa pode ser sentida a uma floresta próxima.
          - Hm... E pelo menos eles tem alguma ideia do que está acontecendo? A informação de haver algo dentro da floresta é muito vaga.
          - Infelizmente é a única pista que temos, qualquer um que tentou descobrir a fonte daquilo não retornaram. - Jogava alguns documentos aos pés de Kagami, indicando-o que lê-se. - Já mandei alguns curandeiros ao local para caso fosse alguma praga que estava se espalhando, porém nenhum dos corpos possuíam indícios de doenças ou algo do tipo.
          - Logo é alguma coisa que está atacando os aldeões...
          - Exato. Acha que consegue cumprir essa missão?. - Perguntava em tom de deboche, adorava o irritar.
          - Apenas espere e verá, "senhor". - Respondia no mesmo tom.
          - Midorima estará os esperando no portão principal. Dispensados. - Dizia fazendo sinal com a mão para que saísse.

          Kuroko e Kagami se dirijam até seus quartos, começando a arrumar as malas e colocando tudo o que poderia ser essencial. Como não sabiam quanto tempo passariam por lá até que o problema fosse resolvidos, optaram por levarem mochilas grandes. Se encontraram ao terminarem de se arrumar, caminhando até a saída.
          O ruivo estava estranhamente animado para a missão, algo que Kuroko nunca pensou ver em sua vida. A questão era que para ele, seriam as tão merecidas férias depois de cuidar de tantos documentos, poderia finalmente relaxar mesmo que um pouco e respirar o ar puro que pouco havia sentido nos últimos meses.

          - Kagami-sama, Kuroko. - Midorima cumprimentava-os, fazendo uma pequena reverência.
          - Quantas vezes eu já disse pra me chamar só de Kagami ou Taiga? . - Kagami o repreendia incomodado. - É nojento quando um amigo fica me bajulando assim.
          - Eu não estava o bajulando, apenas estava sendo educado...
          - Não adianta Midorima-kun, ele é completamente fora do padrão. - Kuroko brincava, rindo levemente. - Ele pode ser considerado mais um garoto de favela do que um príncipe.
          - Ei! Isso ai já foi cruel!
          - Infelizmente não posso discordar... - Dizia o esverdeado entrando na brincadeira, começando a caminhar junto a Kuroko.
          - Que isso! Complô!?. - Perguntava apertando o passo, se juntando a eles. - Eu pedi pra me tratarem normal, não acabarem comigo!

          Os dois se puseram a rir, era divertido ver o ruivo se emburrar com algo tão simples. Por mais que Kagami tivesse um pavio curto, fosse revoltado com a maioria das coisas e facilmente irritável, passava uma sensação de conforto e felicidade as pessoas ao seu redor. Seu título de príncipe provavelmente não vinha apenas por conta de sua família, mas sim pela aura de confiança e proteção que ele conseguia passar para cada uma das pessoas em sua presença.

          - Mido, lê isso aqui. - Entregava os papéis recebidos de seu pai durante a conversa. - Consegue tirar alguma conclusão?
          - Hm... - Tentava analisar todas as informações, junto ao local e a descrição da possível criatura. - Muitas coisas não se batem, fica difícil descobrir o que poderia ser.
          - Como assim? - Kuroko perguntava curioso.
          - Dizem que uma aura sombria está sendo emanada da floresta certo?. - Perguntava, recebendo acenos de confirmação. - Porém essa mesma floresta é conhecida por ser totalmente inabitável a criaturas das trevas. Em seu núcleo, ela emana uma forte onda considerada venenosa a qualquer ser maligno.
          - Entendo... Já ouvi sobre isso. - Kagami dizia ao se lembrar os livros que havia lido como passatempo. - Por ser uma onda, ela consegue circular praticamente por todo o interior do corpo e por isso é mortífera. Se for pego apenas uma vez, já está condenado a morte.
          - Sim. Se essa aura não está diminuindo e muito menos se afastando, já podemos descartar o fato de ser algum monstro. - Midorima concluía. - Logo...
          - Demônios!
          - Sim, e se julgarmos pelo tempo em que estão expostos a essa onda venenosa, seriam da mais alta classe.

          Diante dessa afirmação, a postura de todos ali mudaram. Midorima e Kuroko que até o momento se encontravam calmos, passaram a se concentrarem mais ao redor em busca de qualquer ruído ou ataque surpresa. Kagami que até estão estava curtindo sua viagem com os amigos, tomou um ar mais sério e pensativo.

          - Bem, isso não importa. - Dizia recebendo o olhar dos dois. - Só precisamos extermina-los e fim.
          - Como você consegue mudar de humor tão fácil!? - Midorima perguntava retoricamente. Podia jurar que o ruivo havia ficado sério, porém agora estava novamente animado e radiante.
          - Ué! Não temos outra opção certo?. - Respondia como se fosse a coisa mais normal do mundo. - Ou morremos, ou matamos eles. Simples.
          - Lembre-se do que eu disse Midorima-kun, ele está totalmente fora dos padrões. - Kuroko tornava a dizer rindo baixo, arrancando um suspiro baixo do esverdeado.
          - Realmente, é complicado se acostumar com isso.
          - Do que vocês estão falando?. - Kagami perguntava confuso.

          Levariam mais ou menos dois dias para finalmente chegarem ao vilarejo, seriam longos dias cansativos de caminhadas. Tirando o fato de que provavelmente seriam atacados por criaturas aleatórias ao decorrer do caminho.

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       " --  Eu pensava que minha vida já estava bagunçada e difícil... Pensava que não poderia piorar e o por que de eu ter recebido a profecia dos oráculos, sendo preso eternamente a esse corpo de adolescente.
          Para tudo há uma explicação, a minha acabou vindo até rápido demais. Ao final dessa missão, minha vida tomaria um rumo totalmente diferente e imprevisível. -- "