História Entre as raízes do ipê - Ali estava ela

    Não era um lugar exclusivo, muito menos conhecido. Nem um quarto da universidade conhecia aquele lugar, já que ficava longe dos restaurantes e salas de aula. Mas eu conhecia e ela também, e isso bastava.

    Não que ela me conhecesse, mas eu a conhecia. Estudante de Psicologia, estando no segundo semestre. Sei disso, pois havia sido ela que tinha me mostrado o campus.

    Achava engraçado - e fofo, talvez - a forma como ela fazia. Ao invés de sentar no banco que ficava no outro extremo da árvore, preferia sentar no chão entre as raízes. Suponho que gostava de se sentir abraçada pela natureza. Sentava em posição de lótus ou com as pernas esticadas, de qualquer forma, era sempre debaixo do Ipê. 

    A mochila em estilo bucket, surrada e puída, ficava escorada em uma das raízes, sempre aberta depois que ela retirava o livro. 

   A cada semana era um livro diferente, todos com símbolo da biblioteca da universidade. Sempre tentei vê-la entre as estantes, talvez agir que nem àquelas cenas de filmes americanos onde o cara pega o livro da prateleira mais alta para a garota e ambos começam a conversar; no entanto, nunca a encontrei. Ela se escondia melhor do que uma traça de livros.

    O meu passatempo favorito era observá-la. Sempre tinha o celular ou um caderno em mãos como desculpa para ficar ali, mas a tela do celular ficava na área de trabalho e o caderno, nas folhas onde não havia nada escrito. Gostava de ver suas expressões e a forma de como agia enquanto lia. Ria, franzia o cenho, arqueava a sobrancelha, mordia os lábios e suspirava em frustração; todas eu amava presenciar. Contudo, hoje era a primeira vez que a via chorar.

    Não conseguia ver a capa do livro que lia, mas fazia umas dez páginas que ela estava chorando. As lágrimas eram retiradas de seu rosto antes que caíssem nas páginas do livro. Seu rosto estava lívido e seus soluços sôfregos era de cortar o coração. Sentia-me pior ainda por saber que não podia fazer nada. Não nos conhecíamos, então não tinha a liberdade de enxugar suas lágrimas, abraçar-lhe e dizer que tudo ficaria bem.

     No entanto, no fundo, torcia que essas lágrimas fossem somente da história e não por algum fator externo. Odiaria se ela estivesse chorando por um homem desgraçado. Iria quebrar a cara do infeliz se eu descobrisse. 

    Não. Não. Essas lágrimas são da história. Tenho certeza disso. Tem que ser isso. 

    As lágrimas pararam de escorrer por sua face, embora continuasse a fungar. Fechou o livro e deu um minúsculo sorriso. Acho que o Ipê havia lhe reconfortado. Ela arrumou suas coisas e levantou, saindo de seu próprio santuário. Passou por mim sem de fato me notar, voltando para o agito, deixando sua tristeza enterrada entre as raízes do Ipê.