Estava um calor insuportável. 35 graus era pouco, com certeza. A aula estava interessante, isso eu não podia negar, mas aquele calor conseguia tirar a atenção de qualquer um. Qualquer um mesmo, até mesmo da pessoa mais concentrada da Terra, e como eu amava o calor, o que eu mais ouvia eram reclamações, sobre o meu gosto "peculiar".
— Ei, Ana, ta no mundo da lua? Acorda! - ouvi a voz da minha amiga me chamando, silenciosamente, mas de uma forma tão eficaz que me tirou dos meus devaneios.
Julie era minha melhor amiga. Não diria que éramos como irmãs, mas sempre que alguma de nós precisava de um ombro amigo ou de ajuda, a outra sempre estava lá pronta para ajudar no que fosse preciso. Sempre pude contar meus segredos e sonhos para ela, sem ser julgada por isso.
— Ah, acabei fugindo para o mundo da fantasia de novo - falei, rindo - Mas você sabe como é, com esse calor é impossível prestar atenção em qualquer coisa - Por mais que eu gostasse do calor, quando era excessivo do jeito que estava, eu geralmente ficava tonta e preguiçosa.
- Pois eu acho que a culpa não é do calor por você ficar viajando assim. - Julie fez uma careta - A culpa é desses desenhos que você fica vendo o tempo todo, e quando não esta vendo, esta lendo sobre o assunto. Fora aquele personagem do qual você tanto fala, como se fosse seu namorado. Qual o nome dele mesmo?
Ela estava exagerando. Ta, chegava perto, mas não era pra tanto.
— Shun.
— Não tinha um nome pior, não?Fala sério Ana, eu entendo que você gosta muito desse desenho ou série ou sei lá o que isso seja, mas acho que só talvez você deveria tentar pensar em outras coisas - Julie estava séria dessa vez - Sei lá, tentar arrumar uma pessoa. Você é linda, pra você isso não é nada difícil e nós duas sabemos disso.
— Eu sei Ju, eu sei... - Falei como se estivesse acabado de ouvir um sermão, o que não era mentira. - Só acho que talvez eu não seja bonita o suficiente para alguém.
Bom, uma coisa era verdade, talvez eu estivesse mesmo exagerando. A questão é que quando eu assisto, eu me sinto parte da história. Ta, eu sei que parecesse maluquice e talvez seja mesmo, mas é simplesmente o que eu sinto...é difícil explicar essas coisas.
— Pensa bem, olha o Lucas ali te olhando de novo, como sempre. Por que você não da uma chance? - Julie perguntava, não muito animada. Ela provavelmente queria mais me ajudar mesmo. Não que eu precisasse de ajuda de fato.
Respondi à pergunta simplesmente fazendo uma careta, o que já explicava muita coisa. O Lucas era sim bonito, magro com os cabelos curtos, loiros, e os olhos azuis como o mar. Se só aparência física sustentasse uma relação, eu com certeza já estaria com ele, e por personalidade também. Lucas é uma boa pessoa, o problema sou eu. Sim, isso é muito clichê, mas é verdade.
No quesito amor e relacionamentos, eu sou uma chata, admito. Simplesmente não consigo ficar com alguém só por ficar, e pra ser bem honesta, eu não consigo gostar de alguém. Nunca consegui. Ninguém consegue chamar a minha atenção, então pra mim, ter um relacionamento é como um sonho, que nunca vai acontecer por sinal.
Quem vê pensa que eu sou uma esnobe, que ninguém é bom o suficiente para mim, mas não é nada disso. Se eu não gosto da pessoa, por que ficar com ela? Além de estar iludindo a pessoa, nenhum de nós vai ficar feliz com a situação, e eu não acho isso certo. Por esse meu jeito, já levei muitos nomes. Muitos mesmo.
— Já entendi, já entendi, você não gosta dele. - Julie continuou - Mas tem outros que gostam de você, ele é só o melhor partido deles, mas se você preferir outro tem o...
Antes de Julie terminar de falar, o sinal do fim da aula tocou. Ainda bem. Já queria ir embora da escola, mas principalmente, não queria continuar aquela conversa. Acho que Julie sentia o mesmo, pois logo que o sinal tocou, já mudou de assunto.
— Ah! Aleluia. Vamos? - Enquanto Julie falava, meu material já estava arrumado, tamanha a vontade de ir embora. - Nossa, você ta com pressa mesmo! Me espera!
— Ai Ju, você é muito lenta - Sorri - Vou te esperar na porta, mas vai logo! To com pressa.
Julie era mesmo lenta. 3 minutos pra arrumar o material. Já estava andando de um lado para o outro.
— Pronto! Fui rápida? - Julie apareceu já saindo da sala e indo em direção ao portão da escola, que ficava logo após de muitos andares e muitas escadarias.
— Rápida como uma lesma com câimbra - Tentei ser engraçada, mas essa não era mesmo a minha especialidade. Na "corrida" a caminho do portão, acabei esbarrando em alguma coisa - Desculpa, eu tava com pressa e não vi que... - Fui calada subitamente.
— Está tudo bem. - Era o Lucas. Seus olhos estavam fixos nos meus, e ele segurava meus ombros de uma maneira que não parecia querer soltar. Apesar de ter os olhos bonitos, pareciam os de um predador, de um tigre. Essa característica e mais a sua altura avantajada o faziam parecer mais intimidador do que realmente era.
— Ahn...certo. Bom, eu tenho que ir, até mais! - Falei desvencilhando-me de suas mãos. Por um momento ele hesitou, mas ao perceber o meu "desespero", soltou-me relutante.
— Até mais... - Logo que ouvi a sua resposta, corri à procura de Julie, mas mesmo assim pude perceber um suposto sorriso no canto de seus lábios. Ele parecia um predador rondando a caça. E a caça era eu. Mesmo longe, senti seus olhos sob mim, me observando correr.
— Julie? Não acredito que ela já foi embora! - Julie havia sumido, o que significava que eu voltaria sozinha para casa. E a pé. - Ah... - Suspirei.
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Cheguei em casa cansada e suada. O calor estava mesmo cruel. Me despi, e fui direto para a ducha me refrescar.
Após a ducha, fui para o meu quarto me vestir, mas antes disso, parei para me observar um pouco no espelho, ainda nua. Meus olhos cianos pareciam inquietos. Meu coração, estava acelerado. Nem eu sabia o porque de estar daquele jeito, talvez fosse o calor.
Foquei no meu rosto. Meus cabelos não são compridos, são médios, abaixo dos ombros. As madeixas, cor-de-rosa, um rosa muito bonito, do qual eu gostava muito. Meu rosto não é feio, apesar da franja cobrir minha testa. Os longos cílios delineavam meus olhos, deixando-os mais puxados do que realmente são. Meu nariz, pequeno e arrebitado, o motivo por a maioria das pessoas me acharem metida antes de me conhecer, e minha boca, carnuda, mas de uma maneira proporcional.
Nunca fui magra, mas dona de um corpo definido, por conta dos anos praticando diversas artes marciais e esportes. Gostava do meu corpo, estava bom para o auge dos meus 16 anos.
— É...não sou de se jogar fora. - Voltei para casa refletindo sobre o que Julie me dissera na escola - Talvez eu pudesse arrumar alguém...
Só a ideia de arrumar alguém já me desanimou. Mas que diabos acontecia comigo? Aquilo me deixou emburrada.
Me vesti só com um Top decotado e um shortinho de algodão, e fui para sala, assistir "Os Cavaleiros do Zodíaco", desenho que eu tanto gostava. Aquele era o meu programa para a tarde, afinal, meus pais trabalhavam até tarde da noite. Por isso, passava sempre as tardes sozinha.
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Já estava assistindo CDZ a horas. Tantas horas que estava até com um pouco de dor de cabeça. Alguns podem me chamar de fanática, mas pra mim, eu estou indo para o meu verdadeiro mundo.
Tirei o CD do DVD e fitei a capa deste por um instante. Na capa do DVD, havia Shun como Hades. Shun era de fato o meu personagem preferido, o garoto perfeito...mas isso não significava que eu estava apaixonada por ele...ou estava? De qualquer maneira, isso era vergonhoso demais para eu contar a qualquer pessoa.
— Ah Shun...se você existisse, com certeza eu escolheria você! Bom, isso se você me quisesse também - sorri para mim mesma - Se você existisse...queria tanto que você existisse...- Fechei os olhos e imaginei o Shun comigo, como se eu o estivesse chamando. Eu estava mais séria do que eu esperava.
Guardei tudo e arrumei a bagunça que havia feito. Estava cansada mesmo, e por fim, o calor e o cansaço me abateram e acabei adormecendo, gradativamente, no extenso tapete da sala de estar.
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Despertei sem abrir os olhos. Meu corpo doía como nunca. Quanto tempo será que eu havia dormido? Mesmo de olhos fechados, sentia alguém me observando.
Hesitei em abrir os olhos. Que sensação esquisita.
Tomei coragem, e os abri lentamente.
E tinha mesmo alguém me observando. Por algum motivo, não me assustei, nós dois simplesmente ficamos com os olhos fixados um no outro por longos 5 segundos. Os segundo mais demorados da minha vida. Era um garoto. Muito bonito. Muito bonito mesmo.
Seus olhos verdes me encaravam sucintamente. Eram lindos, tranquilos. Seus cabelos, acobreados, eram repicados e caiam sobre seus ombros. Seu rosto possui traços leves, refinados, eu diria. Sua franja caia em cascatas em seu rosto. Trajava uma regata, calça Jeans e tênis All Star. Uma roupa comum, mas o que chamou minha atenção fora a quantidade de bandagens que havia em seus braços, algo típico de um lutador. Magro, mas mesmo assim definido. Em seu corpo, haviam vários cortes, cortes recentes que manchavam sua regata com sangue.
Ele se parecia com o Shun, caso ele existisse. Era surreal, e eu estava hipnotizada por ele. Mas logo pude me recuperar do transe, e me afastei dele imediatamente. O que significava tudo aquilo?
— Ah! - Ele pareceu se recuperar de algum tipo de transe também - Me desculpa por te assustar...não era a minha intenção... - Seu olhar revelava que ele estava encabulado.
Só então me dei conta da roupa que eu estava trajando.
— Ahn...Não se preocupe, não estou assustada... - Disse, numa vã tentativa de tampar as partes descobertas do meu corpo. Eu estava hesitante, mas não sentia medo. Eu deveria sentir, mas por algum motivo, não sentia.
Ele ficou em silêncio, me observando com um olhar inocente. Eu estava em choque. Em choque por ter um homem desconhecido na sala da minha casa e eu não sentir medo e nem querer que ele saísse dali. Pelo contrário, eu estava confortável perto dele. Meu Deus! O que estava acontecendo comigo?
— Bom, sei que parece estranho, mas nós não estamos na Grécia e nem no Japão, não é? - Ele estava mesmo curioso.
— Nós estamos no Brasil... - Falei com muita naturalidade.
— Brasil? Entendo... - Ele olhava para o nada, pensativo. - Bem, de qualquer maneira, me perdoe por tê-la incomodado, pois ao que parece estou na sua casa, não é mesmo? - O garoto me dirigiu um sorriso tímido, mas muito amável - Tenho de ir agora, me desculpe mais uma vez, e adeus! - Ele se dirigiu rapidamente para a varanda da sala, como se fosse pular dali.
— Espere! - Gritei alto e em bom tom. Eu estava surpresa comigo mesma, pela minha ousadia e por estar querendo que um estranho permaneça na minha casa. Eu estava louca, não havia outra explicação, mas o grito saiu tão rápido e natural que eu não pude evita-lo.
O garoto me encarou confuso, mas com um ar de riso ao mesmo tempo.
— Não se preocupe, coisas assim não vão me ferir. Você não entende, mas vou ficar bem mesmo se eu pular daqui.
— Eu sei que você não vai se ferir, só não quero que vá embora. - De novo não! Que vergonha! Falando assim com um estranho!
Se eu não estivesse tão espantada com as minhas próprias reações, diria que ele sorriu pelo canto dos lábios quando ouviu minhas palavras.
— Deixe-me cuidar de seus ferimentos. Depois disso você poderá ir embora. - Agora que já está tudo perdido, nem vou mais me importar, só vou ser eu mesma. Apesar de tudo, eu não queria mesmo que ele fosse embora, eu queria ele ali.
O garoto assentiu, e saiu da varanda. Parecia que ele também queria ficar ali.
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Estava limpando alguns cortes pelo seu corpo, e não pude deixar de notar o corpo definido que estava ali diante de mim. Tentava não prestar muita atenção, mas estava muito difícil. Mesmo parecendo que ele não havia notado meus pensamentos, corei pensando nessa possibilidade. Ele parecia inquieto, talvez um pouco desconfortável. O silêncio reinava ali, e eu precisava mudar o rumo das coisas.
— Me diga, como você se feriu desse jeito? - Já estava com essa dúvida a um tempo.
— Em uma batalha. Mas não foi nada, estou bem. - Ele sorriu para mim sinceramente.
Batalha? Como assim batalha? Será mesmo que meus desejos foram atendidos naquele momento? Não...não seria possível...será?
— Aposto que você não lutou para valer e acabou se ferindo para não matar o inimigo. - Suspirei como se aquilo fosse algo rotineiro.
Ele me encarou suspeitoso, mas com um brilho extremamente curioso nos olhos.
— Como sabe disso? E naquele momento, na varanda, como sabia que eu não iria me machucar? Você pode ser uma inimiga, mas não sinto nenhum cosmo perigoso ou agressivo vindo de você. Pelo contrário, só sinto amor. Quem é você, afinal?
Aquela era a minha deixa. Precisava saber de tudo, ouvindo diretamente da boca dele e vendo com meus próprios olhos.
— Assim como você esta curioso sobre mim, também estou sobre você. Se você me disser quem você é e de onde você veio, eu prometo te contar tudo, sem excessões.
Ele me encarou e assentiu, e sorriu ao dizer:
— Sou Shun, Shun de Andrômeda.
Meu coração parou, minhas pernas estremeceram. Ele percebeu de imediato, me segurando para eu não cair.
— Algum problema? O que houve? - O garoto me encarava extremamente preocupado.
— S-Shun? S-Shun de Andrômeda?
Aquilo estava mesmo acontecendo? Por algum motivo, me sentia feliz como nunca. Spirit Fanfics
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