RENAN l
As luzes... Era impossível esquecer aquelas luzes. Elas cresciam e cresciam vindo em minha direção como um velho amigo com saudades pronto para me abraçar. Anos já haviam se passado e eu já nem me lembrava dos rostos deles, mas não havia como me esquecer daquelas luzes. Como sempre, abro os olhos no instante em que as luzes me abraçam.
O sol já surgiu e invadiu meu quarto, eu sinto meu corpo suado, como sempre após esse maldito e repetido pesadelo. Enquanto sento-me na cama, olho para minha janela e me pergunto se um dia conseguirei esquecer aquelas luzes. Acho que não conseguiria esquece-las nem se eu quisesse, são raros os dias em que não sonho com elas. Penso. Pego meu celular no criado mudo ao lado da cama e vejo que ainda faltava algum tempo para meu celular despertar e me acordar, sem perder tempo prefiro começar logo meu dia. Sinto um frio matinal adorável e raro nessa época do ano. Com o calor constante, era bom aproveitar esses breves momentos de frio e evitar ao máximo pensar no que já passou, mesmo que o passado esteja entrelaçado em todo o meu ser.
Levo alguns instantes para despertar de verdade, não sinto a minima vontade de sair da cama, mas tenho responsabilidades a cumprir, como fazer o café da manhã de minha mãe e me formar no ensino médio. A segunda não é tão importante assim para mim.
Minha organização sempre me da uma vantagem durante minhas manhãs. Meu material escolar já esta preparado e organizado, por isso já posso ir direto à cozinha preparar meu café da manhã, mas não sem antes ir a padaria. Com minha carteira em mãos, um rosto amassado de quem acabou de acordar e um mau humor bem grande eu saio do meu quarto. Desço as escadas e passo pelo corredor que possui três portas: uma que é a do meu quarto e é a mais proxima das escadas, a do meio é a do quarto de hospedes e a ultima é do quarto da minha mãe. Desço as escadas e segui por mais um pequeno corredor que me leva ao portão de entrada da casa. Saio da casa e estou indo em direção a padaria, que fica bem na esquina. O cheiro de pão é muito bom, mas só estou ali pela minha mãe, ela gosta de pães frescos e quentes.
É muito dificil cuidar de uma pessoa doente, mas mesmo assim fiz o maximo que pude para ajuda-la, e logo quando ela começou a melhorar me senti muito orgulhoso. Pelo menos para isso consegui ser util. E não queria deixar de ser.
Preciso esperar uma tempo em uma fila, mas logo já tenho os pães recem saidos do forno em minhas mãos. Em casa, no primeiro andar, vou até a cozinha e preparo: Pães com ovos e suco de limão. Coloco tudo em uma bandeja de café da manha e volto ao segundo andar, atravesso todo o corredor e chego ao quarto de minha mãe.
Entro sem avisar e vejo que as janelas ainda estão fechadas. Isso deixa o quartão bem mais escuro que o meu, só não totalmente escuro por conta da televisão ligada, mas que está no mudo. Ela sempre deixa a tv ligada. Minha mãe desperta rapidamente assim que entro, como se fosse algo automatico. Seus longos cabelos castanhos estavam tão bagunçados que mais pareciam palha. Eles cobrem boa parte do rosto de minha mãe, e ela teve que tira-los da frente de seu rosto para poder me ver. Nesse momento era possivel ver claramente seus claros olhos verdes destacados a pele clara dela. Ela sempre me pareceu mais jovem do que realmente é, mas ultimamente, por conta da gripe, parecia mais velha.
- Você não precisa continuar me mimando desse jeito – Diz minha mãe, com uma forte voz de quem acabou de acordar – Eu já estou muito melhor.
- Você ainda tem mais dois dias de folga, mãe – Respondi – Ou seja, tem que descançar até estar completamente bem, ouviu?
- Eu sei disso, e você é um anjo – Ela sorri e isso me deixa feliz - Só não gosto de me sentir inutil em casa – eu entrego a bandeja a ela junto com um olhar sério - Mas como eu sei que você não gosta que eu reclame assim – ela recebeu minha mensagem - Não vou reclamar e sim aproveitar esse maravilhoso café da manhã.
Assim que ela começa a comer, me direciono até a porta.
- Mas não pense que eu esqueci – Ela fala assim que nota que estou saindo – Vai, me conta, como estão as coisas na escola nova?
Todos os dias ela me pergunta isso, e todos os dias eu queria dizer que estão terríves, mas na verdade, eu digo:
- Ótimas, o colégio é muito legal, mãe, e bonito também.
- Ah, isso eu sei – Ela continuou a comer – Mas e amigos, fez algum lá?
- Fiz sim – Menti - conheci um pessoal legal jogando futebol na educação fisica.
- Que bom, filho – Ela deu mais uma mordida em um pedaço de pão – Espero que você faça novos e bons amigos lá.
- Eu também, o pessoal da minha sala é muito divertido.
- Saber disso me deixa feliz.
Meu celular toca, mesmo do quarto de minha mãe dava para ouvir, é o despertador me avisando que devo começar a me vestir.
- Vai lá, filho. Você precisa ir ao colégio, pode deixar que eu levo isso para a cozinha.
Voltando ao meu quarto tomo uma rapida ducha e escovo meus dentes, pouco depois já estou arrumado. Sinto um pouco de fome, mas nada de mais, por isso bebo um copo de suco após pegar minha mochila, já preparada, e ir até a cozinha. Percebo que esqueci meus celular e carteira, volto e os pego, agora posso me dirigir ao meu colégio.
Não que isso me deixe feliz.
Quando passo pela cozinha pela ultima vez antes de sair, minha mãe está lavando o que havia sujado no café da manhã.
- Tchau, filho – ela disse quando me viu saindo – Boa aula, amo você.
- Amo você també, mãe. Tchau.
Começa agora meu fantástico dia, viva.
O sol já havia saído bem mais do quando fui comprara os pães, o frio já havia indo quase todo embora e o calor já estava bem ali. O céu estava azul e quase não havia nuvens nele.
Segui meu caminho padrão até o ponto de ônibus, como não havia esquecido meu celular coloco os fones de ouvido e começo a ouvir música. Nunca tive um gosto especifico para música, sempre fui muito ecletico, mas ultimamente estava escutando bastante Mpb. Quando eu descubro uma música ou um cantor novo, acabo ouvindo a musica repetidas vezes até enjoar e depois procuro novas musicas do mesmo cantor e por ai vai. O ponto de ônibus encontrava-se quase vazio, e não só ele, na rua se via pouca circulação de veiculos, quase nenhum carro e onibus, mas na rua ao lado se via um longo e caotico engarrafamento. O que as separava era um viaduto que terminava no meio das duas ruas. Apenas uma pessoa encontrava-se lá e me vi imaginando para onde aquele homem iria, mas pouco depois desisti de imaginar.
O onibus que eu precisava pegar demorou pouco, mas se encontrava bem cheio, então preferi esperar o proximo, já que passavam muitos onibus em direção ao meu colégio. O segundo demorara ainda menos, e se encontrava quase vazio, fiz sinal para o ônibus parar, entrei e passei meu vale transporte. Como sempre, me sentei nos bancos com elevação, os meus preferidos. Abro minha mochila e de lá retiro um livro, um grosso livro de ficção e fantasia chamado: 'O que está morto não pode morrer' e ele possui mais de 600 páginas. Independente do tamanho do livro se tinha algo que eu adoro tanto quanto desenhar, é ler, fossem livros ou histórias em quadrinhos.
O caminho fora tão tranquilo que pouco antes de eu terminar o capítulo o onibus já estava próximo do meu destino. Ao descer sempre me lembrava de que estudava em uma cidade diferente de onde morava, meu colégio se localiza pouco depois do limite entre as duas cidades.
Meu ponto era proximo a uma rodoviaria, então dificilmente eu me perderia. Pouco mais de dois quarteirões dali eu já estaria em meu colégio. Com música o caminho até lá parecia encolher, eu apenas me concentrava na música e andava e andava, nunca tive o habito de prestar muita atenção por eu andava, salvo por uma linda e maravilhosa banca de jornal. Ela era bem grande, por sinal, tanto que o vendedor tinha até uma televisão lá dentro e uma grande poutrona aonde se sentar. Eu sempre passava lá na ida ao colégio e vasculhava as prateleiras atrás de boas histórias em quadrinhos. Como era quarta-feira da primeira semana de março , havia vários e vários quadrinhos novos, mas eu não tinha dinheiro suficiente para eles, prefero voltar depois e olhar com mais calma.
Seguindo meu caminho, finalmente avisto o colégio Beatriz dos Santos Novena. Era o melhor colégio da região, funcionava com horário integral e era particular. Ele tem três grandes andares e sua largura era algo que eu nunca havia visto em lugar nenhum, o colégio era realmente muito grande. Chegando mais proximo do local eu já começava a avistar estudantes vestindo o mesmo uniforme que eu: Calça jeans, tênis preto e camisa azul e branca, as cores do colégio, com a logo tipo no braço esquerdo e do lado direito do peito. Eu nao conhecia nenhuma daquelas pessoas, mas isso não me surpeendia, estava no terceiro ano do ensino médio de um colégio novo e eu sabia que todos já teriam amizades formadas dos ano anteriores.
Tudo era mais dificil para mim quando se tratava de novas amizades, mas sendo sincero, não me importo, já me acostumei a solidão, que, por sinal, em alguns momentos é uma boa companheira, já que eu fico livre no horário do intervalo para ler e isso era muito bom, a literatura me levava para mundos muito melhores que esse em que eu vivo.
Eu me sentia deprimido quando adentrava o lugar passando pelos grandes portões azuis da entrada dos estudantes, mesmo que um jovem inspetor sorrisse e me dessejasse um bom dia, eu nem sequer conseguia fingir um sorriso. Não dava. Ainda faltavam alguns minutos para os portões serem fechados e por isso muitos alunos ficavam do lado de fora da entrada esperando seus amigos chegarem, como eu não precisava esperar logo já estava indo em direção ao meu Lugar Distante.
O grande portão azul não era o único do colégio, também havia um do lado sul e um ao lado do qual eu entrei, mas era aonde entravam os carros dos professores. Como o lugar era enorme, tanto o patio quanto o estacionamento eram juntos e não possuiam divisão. Por isso, era para lá que eu sempre ia, mas nem sempre eu era o único. Me sentei proximo de um carro vermelho bem no final do estacionamento, o mais longe possivel das pessoas, em seguida começo a ler novamente. Sentado no chão ao lado de um carro e com as costas apoiada em uma parede, eu não preciso de muito para me sentir confortavel para ler. Totalmente escondido das outras pessoas é tudo que eu preciso.
Lendo eu tive devaneios, e isso era irritante por me fazer ler a pagina que eu estava novamanete, mas quando li não consegui evitar. No livro, o pai do protagonista acabara de aparecer após fingir sua morte. Fecho o livro com raiva, com tanta raiva que por pouco não o jogo longe. Mantenho a calma e o guardo. O sinal anunciando o inicio das aulas toca assim que o guardo.
O forte barulho vindo do sinal é irritante e isso só contribuiu ainda mais para meu mau humor. Me levanto apoiado no carro vermelho ao meu lado. Só quando estou de pé percebo o quão cheio o patio ficou tão rapidamente, mas aquilo era normal. Sigo então até minha sala de aula, que fica no segundo andar. Um caminho não tão simples, porque todos os alunos que esperavam, tanto fora quanto dentro do pátio, resolvem entrar ao mesmo tempo. Isso era normal e não havia como evitar, apenas aceitar, mesmo quando eu sinto uma mão apalpando minha bunda. Eu tento olhar para trás, mas estava tão apertado que eu não conseguiria nem se quisesse. Ignoro e continuo vivendo minha vida. Na direção que iamos eu tinha três opções, frente, direita ou esquerda. Sigo em frente e subo a escada para o segundo andar dos três que a escola possui.
Eu fui o segundo aluno a chegar a sala de aula. Uma menina já estava lá, sentada na fileira da frente da coluna da esquerda. Sua cabeça estava abaixada e em cima dos seus antebraços, aparentando estar dormindo. Seus longos cabelos negros caidos cobriam toda sua cabeça e quase os braços também.
Vou direto até meu lugar de costume que fica na ultima carteira da fileira da esquerda. Jogo minha mochila em cima da carteira e me sento. Pego mais uma vez o livro e volto a ler ignorando todo o caos de pessoas andando, falando, gritando e arrastando as carteiras de um lado ao outro dentro e fora da sala de aula. A sala de aula era algo realmente impressionante. Possuia um amplo espaço e carteiras e cadeiras de qualidade. Tinha ar condicionado e ventiladores também, todos em ótimo estado, assim como um quadro negro enorme com três lousas e um projetor. Eu detestava estar naquele colégio, mas não havia como negar que ele é realmente de ponta.
Só quando o silêncio toma conta do lugar que eu percebo que meu professor de português chegou. Paro de ler, guardo o livro e tiro os fones de ouvido.
Excelente, penso, infeliz, hora de estudar adjetivos.
O professor já se mostrara rígido a muito tempo e isso fazia com que todas as aulas dele se tornassem extremamente silenciosas e desinteressantes. Todos temiam perder pontos e por isso nem ao menos tentavam uma resposta.
- Me atrapalhem enquanto explico – ele dissera em seu primeiro dia de aula – ,e se arrependeram muito no final do ano.
Nem fora necessário para ele dizer isso uma segunda vez, todos entenderam o recado e mantiveram o silêncio. E até hoje nenhum aluno falou fora de hora enquanto Rodrigo Safar, o professor de português, dava sua aula.
Salvo o som dos aparelhos de ar condicionado, apenas se ouvia o som da caneta rabiscando o quadro da sala de aula, o que acabou tornando-a ainda mais massante. Enquanto eu copiava a matéria em meu fichário preto e azul, percebi como as matérias relacionadas a lingua portuguêsa sempre começavam mais fáceis do que quando terminavam, e isso me fazia odia-la ainda mais.
Eu sempre consegui copiar muito rapidamente, então quando o professor Rodrigo acabou de escrever no quadro e se virou para falar, eu já estava pronto para ouvir.
- Aulos – ele disse, e era esquisto ve-lo falar já que sua enorme barriga balancava sempre q ele falava – Com a preparação para a importante prova que vocês faram no final do ano, hoje teremos como tema 'adjetivos' – ele pontou para o titulo no quadro que era exatamente a mesma palava – Adjetivo é a palavra que – começou a explicar – caracteriza o nome, dando uma qualidade, defeito, estado ou modo de ser. Creio que todos aqui saibam o que é um adjetivo porque vocês não são burros, mas vamos continuar a relembrar.
Coisa chata.
Quando o sinal anunciando o fim do primeiro tempo de aula tocou, eu me senti aliviado, mas apenas por pouco tempo, já que o segundo tempo também era de português. Sem dar um minuto de descano, o professor encheu o quadro com matéria três vezes enquanto dava várias e várias informações que nos ajudariam, segundo ele. Seguindo por várias explicações e depois por perguntas quando a matéria ficara mais complexa.
Aqueles que acertavam, eram premiados com alguns bombons, uma razão que fazia com que os alunos até quisessem tentar responder, mas muitos temiam responder errado.
- Como você acha isso – ele respondeu para uma aluna uma vez quando ela dera um palpite – está no terceiro ano do ensino médio e me dá uma resposta burra dessas. Espero que não queira medicina no Enem.
Todos ficaram em silêncio quando ouviram o professor responder dessa maneira para Mariana, uma menina de cabelos pretos e óculos que costumava sentar na coluna do meio. Ela não recebera a resposta muito bem e ficara com os olhos vermelhos, mas não chegou a chorar. Aquilo foi o suficiente para ninguém mais tentar se arriscar.
Em uma ou duas ocasiões eu sabia a resposta correta, mas nunca me sentia seguro tomar uma atitude e responder.
Adoraria um chocolate, mas isso significa chamar atenção e também uma grande chance de falar bobagem. Preferia então ficar calando. Melhor ficar calado e deixar que as pessoas pensem que sou um idiota, do que abrir a boca e acabar com a duvida.
Mas o destino não liga para o que eu quero.
- Você, cinzento – ele apontou e me chamou – bom, primeiro, seu cabelo é cinza mesmo?
Todos olharam para mim.
Já esperava essa estúpida pergunta, mas não de um professor. Não importava onde eu ia, meu cabelo sempre chamava atenção por onde eu passava, e desde muito jovem sofria com apelidos chatos e brincadeiras sem graças. Todos me irritavam, menos João.
- É sim, professor – Respondo, irritado.
- Que interessante, rara condição genética, eu presumo, ou apenas tinta da farmácia?
Algumas pessoas riram, mas eu não achei nenhuma graça.
- Não, possuo essa cor de cabelo desde o dia em que nasci, assim como meus olhos são acinzentados também.
Eu estava um pouco irritado com as perguntas.
- Interessante, bom, cinzento – mais risadas - me responda agora – ele apontou para o quadro, uma questão com 5 alternativas – Sobre os adjetivos, é correto afirmar que?
Com raiva respondi.
- Letra ''A'', professor. “Classes de palavras que se caracteriza por delimitar o substantivo, atribuindo-lhe qualidades, estados, aparência etc”.
Isso tudo para uma pergunta tão estúpida.
- Muito bem, cinzento.
Para de me chamar assim, seu gordo estúpido.
Nesse exato momento, o sinal anunciando o fim do segundo tempo e o início do terceiro tempo de aula tocou.
- Corrigirei os últimos exercícios na próxima aula – O gordo veio até mim – Não tenho mais chocolates aqui, mas lhe darei na próxima aula.
Não respondi, apenas balancei a cabeça positivamente. Quando o professor saiu, vi que um grupo de alunos olhava para mim de vez em quando e trocavam risinhos. Dois garotos e três garotas, que sentavam nas carteiras da frente da fileira do meio. Apenas os ignorei como sempre faço.
Dez minutos se passaram desde que o professor de português saiu da sala, e nada do próximo professor chegar. Sem demora a sala se tornou uma confusão novamente. Alunos amontoados em um grupo, alunos falando aulto e alunos arrastando carteiras e cadeiras. Nada além do comum de uma sala de aula sem professor. Sem rodeios eu volto a ler e ouvir música.
Algum tempo depois, uma mulher baixinha, de cor clara e cabelos pretos entrou na sala de aula, ela vestia uniforme de inspetor do colégio, nada mais do que um colete por cima de uma camiseta branca, e avisou que o professor de matemática faltara. Altos gritos de alegria foram ouvidos. Ainda mais por que todos foram liberados para poderem ficar no pátio. Queria poder ficar no ar-condicionado, mas não tenho escolha e sou obrigado a descer com a turma inteira. Passo no banheiro para me aliviar e, assim como a sala de aula, ele também é muito limpo, bonito e bem estruturado. Também sou obrigado a ouvir um 'eae cinzento' quando dois garotos da minha turma passaram perto de mim. Sempre fui um garoto alto, possuindo bons 1,85 de altura, e isso era motivo para saber que ninguém me irritaria além de comentários e o clássico 'cinzento', mas isso não deixava de ser menos chato.
Todos se aglomeravam de baixo da parte principal do pátio, bastante longe do estacionamento, o que fazia com que eu me dirigisse direto para o Lugar Distante. Volto a me sentar perto do carro de antes, pego mais uma vez o livro de dentro da mochila e volto ao meu mundo literário.
E assim eu pretendia ficar, se não fosse pelo telefone tocando perto de mim.
Meus olhos buscaram o que meus ouvidos já haviam encontrado, quando tirei os fones de ouvido e começei a ouvir ainda mais claramente o som do celular, me levantei e finalmente eu o vi. Um aparelho branco, caido e virado com a parte frontal apontada para o chão. Ele estava bem na minha frente, de baixo do carro e próximo a porta. Logo pensei que o celular poderia pertencer ao dono do carro, se ele não estivesse proximo a porta do carona. Eu o pego, ele para de tocar assim que o tenho em mãos, e vejo uma leve rachadura em sua tela. Não faço ideia de quem era aquele smartfone, mas preciso descobrir e entregar. Olho em volta, buscando ver se alguém sente falta de seu telefone e vem até aqui procura-lo, mas nada acontece. Automaticamente, deslizei o dedo pela rachadura, o que fez com que a tela preta do celular se acendesse.
Achei que estava quebrado.
Nunca tive um celular com tamanha tecnologia, estou parado no tempo a alguns anos nessa questão, mas já usei o celular de minha mãe algumas vezes e era quase a mesma coisa, então não foi uma total nova experiência para eu experimentar.
Quando o celular se acendeu, vi uma foto com duas meninas, ambas com cabelos avermelhados, sardas e olhos pretos, uma delas aparentava possuir uns 8 anos, mas a outra, parecia ter por volta de uns 19 anos. Elas estavam abraçadas e sorridentes em um sofá cinza. Levei alguns minutos para parar de olhar para a menina mais velha.
Seus cabelos mais pareciam um fim de tarde, aonde o sol estava em chamas enquanto o crepusculo chegava. Seus olhos pareciam duas perolas negras... E esse sorriso...
Meus olhos se arregalaram quando me lembrei.
É a menina que dá aula de música.
Minha memoria se esforçou ao máximo para se lembrar daquele tedioso e amargo dia. Quando eu estava aqui no colégio pela primeira vez, mas não era para assistir aula e sim para ver como o colégio era antes de minha mãe me matricular. Eu, ela e a diretora Rose fizemos uma pequena excursão pelo colégio enquanto ela me apresentava cada detalhe do lugar. Me esforço para lembrar do momento em que a vi, a menina de cabelos laranjas.
- E aqui fica a sala de música – A diretora Rose dissera enquanto abria a porta – Todo aluno pode aprender um instrumento aqui, e nós temos muitos – Ela nos mostrava a parte aonde estavam guardados vários instrumentos.
- Nossa, é realmente impressionante – Minha mãe não estava surpressa, mas penso que ela falou assim para me fazer querer voltar a tocar – Você se daria muito bem aqui, filho, não acha?
Eu apenas balancei a cabeça com desdém, mas não pude evitar de querer tocar quando vi o teclado proximo a parede no fundo da sala.
- Ah, seu filho toca? - Rose perguntou, já sabendo que sim – Seria uma honra te-lo aqui usando seus talentos.
E nesse momento ela entra. Uma menina alta e com cabelos alaranjados e olhos negros. Ela usava um vestido preto e tinha seu cabelo preso em um longo rabo-de-cavalo. Em seus braços, ela tinha alguns papeis que pareciam partituras. Parecia distraida e não percebeu que estavamos aqui até estar finalmente frente a porta.
- Você não poderia ter chegado em um momento melhor – Dissera Rose quando a menina apareceu. Ela foi até ela e passou um braço por cima de seus ombros – Essa é minha filha Maíra, é ela quem dá as aulas de música.
Foi dificil não olhar para ela, e impossivel parar de olhar.
Ela parecia um tanto quanto desconfortavel, mas só notei isso depois que ela saiu as pressas, sem nem ao menos me cumprimentar. Rose parecia completamente sem graça, mas não perdeu a compostura.
O devaneio foi embora quando Maíra saíra da sala. Voltando ao mundo real eu sabia que precisava entregar o telefone e também aonde entrega-lo, mas a coragem se esvaiu no instante em que soube de quem era o aparelho. O celular não possuía senha, no fundo eu queria olhar seu conteúdo, suas fotos, especificamente, mas não o fiz. Voltei a me sentar e encarrar o aparelho, sem reação.
Preciso devolvê-lo, é o certo a se fazer, mas porque não tenho coragem?
- A falta de coragem – seu pai lhe dissera uma vez – impede que nos vivamos bons momentos.
Refletindo sobre isso durante um tempo, eu decidi ir logo entrega-lo, mas era mais facil falar do que fazer, ainda precisava perder a vergonha. Pensando um pouco mais, decidi ficar sentado no mesmo lugar para ver se Maíra apareceria para procurar o celular ou se ligaria para ele, mas durante boa parte do tempo vago que eu tinha a menina não apareceu nem tentou ligar para ele.
Se ela soubesse aonde o telefone está, já teria vindo até aqui. Idiota.
O sinal anunciando o final do terceiro tempo tocou, naquele momento tive esperanças de ver a menina ruiva passar, mas não a vi. Resolvi levantar e ir a cantina comer alguma coisa, mas desisti no meio do caminho.
Centenas de alunos, e eu encontrei o celular dela.
Ao que parecia, mais algum professor havia faltado já que mais alunos desciam para poder ficar no pátio. Próximo dali, havia duas quadras para a pratica de esporte e ambas estavam em uso também. Era comum eu ver alguns alunos passarem enquanto me encarravam.
Foda-se, chega de ser um covarde, a menina deve estar dando aula e não pode descer.
Sigo fazendo o mesmo caminho que fiz para vir para o pátio quando anunciaram a falta do professor, mas vou para o terceiro andar. Comecei a andar um pouco mais rápido para não perder a coragem de encontrar a menina. Após passar por todas as salas de aula do andar, finalmente vejo a porta branca com a placa escrita 'Oficina de Música'. Não deu para não ouvir o som dos violões vindo de lá, com certeza Maíra estaria ali dentro. Fiquei uns longos minutos encarando a porta da oficina. Anda logo, eu ouvi meu pai dizer em meu ouvido, mas quando olho para trás não a ninguém, apenas minha mente louca. Bato levemente com o punho na porta três vezes e ela se abre um segundo depois.
- Oi, posso ajudar? - Perguntou Maíra, abrindo a porta, ela claramente aparentava nervosismo.
Ela está mais uma vez com seu longo rabo de cavalo, mas dessa vez veste calça cumprida, um tênis branco e uma camisa de mangá branca, por isso seus olhos e cabelos ficam muito, mas muito realsados.
Minha boca se abre e se fecha e eu não consigo falar. Volto ao mundo real apenas quando percebo que algumas crianças estavam olhando para mim enquanto seguravam pequenos violões.
A coragem sumiu.
- Oi...É... – Eu respondo, de forma lenta e idiota – Eu queria falar… Perguntar, perguntar uma coisa para você… - Eu parecia uma criança com medo do bicho papão.
- Estou dando aula, nesse momento, se importa de ser rapido, por favor?
Tão linda, mas ainda assim, parece que tem medo de mim, ou será impressão minha?
A oficina de música, enquanto sua professora se distraia comigo, parecia muito com a minha sala sem professor, um caos controlado. Crianças, meninos e meninas, tocando descontroladamente seus pequenos violões enquanto andavam por todo lugar. Não pude deixar de perceber algo que não havia notado antes, o lugar tinha uma cor diferente das salas comuns, era pintada de azul nas pardes em vez de verde como nas outras salas. E possuía pequenos quadros espalhados e pendurados por todo lado, assim como instrumentos. E ela tinha duas vezes o tamanho de uma sala de aula.
- De maneira alguma – Eu respondeu sem gaguejar e me recompondo – Na verdade, eu acho que sei o que está procurando.
Eu puxei o aparelho aranhado do bolso da frente da minha calça jeans. Seus olhos se abriram de forma tão repentina que eu achei que ela havia pensado que eu tiraria uma arma do bolso. O abraço que ganhei a seguir me surpreendeu, mas ela rapidamente me soltou. Quase como se tivesse se arrependido. A menina pegou o celular de minha mão e me agradeceu.
- Onde ele estava? - Ela pergunta, em seguida.
Não esperava o abraço, quanto tempo não abraçava alguém?
- No estacionamento - ela me encarava, seu sorriso era firme, mas seu olhar era distante, mas ambos belos – Perto de um carro vermelho, mas não tenho ideia de como ele chegou lá, e juro que não vi nada em seu celular, eu juro, eu juro mesmo. - Ela ainda sorria, mostrando ainda mais a beleza que tinha, e acho que ela me fez corar.
- Eu acredito em você, só por ter me devolvido-o, já sei que você não é igual aos outros alunos desse colégio. Sei que muitos outros teriam ficado ou até mesmo o vendido, mas você é um em um milhão. Não tem ideia de como esse telefone é importante para mim.
Essa menina, ela me olha como se tivesse medo, mas suas palavras são doces como mel.
- Eu faria isso por qualquer um – menti - Não quero atrapalhar você, Maíra, está dando aula. Vou indo.
Ela pareceu surpresa quando disse seu nome.
- Desculpe, mas como sabe meu nome?
- No dia em que vim visitar a escola pela primeira vez. Sua mãe estava me mostrando a oficina de música e você entrou derrepente. E ela nos apresentou você pouco antes de você sair de novo.
- Ah sim, me desculpe por ter sido rude com vocês naquele dia, não sou muito boa com as pessoas.
Somos dois.
- Não tem problema – eu suava – Como disse, não quero atrapalhar você, até mais.
Não fique desesperado quando estiver perto da menina que você gosta. Dissera João uma vez, e eu nunca fui burro de não ouvir os conselhos dele. Sabia que provavelmente Maíra jamais voltaria a falar comigo, afinal, aparentemente eu a assusto. Eu acho. Me viro e começo a andar em direção ao pático novamente, quado esculto:
- Hey! – Ela chamou quando eu comecei a andar – Você não me disse seu nome.
Me viro e a vejo colocar a cabeça para fora da porta enquanto a fechava lentamente.
- Me chamo Renan.
Ela sorriu mais uma vez.
- Gostei desse nome, e também adorei seu cabelo cinza. Obrigado mais uma vez. Até mais, Renan.
Meu coração batia rapido e eu estava suando. Enquanto voltava para o pátio, percebi que não parava de sorrir.
O dia poderia acabar ali, eu estava feliz como não me sentia fazia muito tempo, até pensar de novo que aquilo jamais voltaria a acontecer. Ai o sorriso sumiu.
O primeiro intervalo veio após o final do quarto tempo. Quando saio de meu catinho reservado, o pátio era um caos mais uma vez. Um mar de adolescentes, pré adolescentes e crianças. Apenas cumpri minha vontade de comer, indo ao refeitório. Eles tinham frutas frescas e suco lá. Era tudo que eu precisava. Voltei ao meu cantinho e lá saboreei duas maravilhosas maçãs. Quando o sinal bateu novamente eu quis esperar todos irem para suas salas antes de seguir meu caminho, não queria que apertassem minha bunda novamente.
O professor de geografia já estava na sala de aula quando cheguei lá, mas muitos alunos ainda não haviam retornado, provavelmente nas turmas de outras pessoas, mas isso não impedia o professor, de cabelos pretos e curtos, alto, mas acima do peso e com uma grande barriga, começar a passar matéria no quadro. Me coloquei a copiar a matéria imediatamente, mas estava me distraindo facilmente. Você é um em um milhão. Não conseguia parar de pensar no que a menina dissera e também no carinho que recebi dela.
Com Maíra na cabeça, os tempos de aula passarem rápidos até de mais.
Você é um em um milhão. Pensei na frase saindo da boca da menina ruiva mais uma vez. Me vi pensando em Maíra durante muito tempo, mas eu sabia que era perda de tempo. Acho que fiquei assim porque nunca vi uma menina linda como ela. Deve ser isso.
O resto do dia passou quase se arrastando na chata aula de geografia daquele dia. Minha sorte era não ter que ficar ali até o final do turno integral todo. Eu deveria ficar no colégio até ás dezesseis horas da tarde, mas ainda não me inscrevi em nenhuma aula extracurricular, por isso eu podia ir para casa. E quando me dei conta já estava liberado para ir para casa. O clima nublado não dominava mais o céu quando sai do colégio, era o sol que estava brilhando forte. Pouco tempo depois eu estava no ponto de ônibus esperando para voltar para minha casa. Levou pouco tempo para pegar o ônibus e menos tempo ainda para estar em casa novamente.
- Oi mãe – Eu digo quando a vejo na cozinha – cheguei.
Vou logo a abraçando antes mesmo dela responder. Ela fica surpresa, mas retribui.
- Fazia muito tempo que não abraçava a senhora, eu te amo.
O abraço fica ainda mais forte.
- Eu também te amo, filho, você tudo para mim.
Era bom finalmente ve-la em pé após suas duas semanas de gripe.
- Qual a razão de tanta felicidade? - Ela me olhava com um olhar engraçado.
- Não é nada.
Ela soltou um risinho.
- Me fala o nome dela, anda.
Acho que corei pela segunda vez no dia, mas fingi bem não ter sido atingido pela indireta. Deu um beijo na testa dela vou para o meu quarto sem dizer mais nada. Tomou um banho e pouco tempo depois já ouvia minha mãe me chamar para almoçar.
Você é um em um milhão, ela disse.
Eu me lembro, e sorriu.
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