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História Entre Sem Bater - Capítulo 03 - Mesmo se a porta voltar e bater na sua cara?


Escrita por: andreiakennen

Notas do Autor


#HappyYaoiDay2014 #FelizDiaNacionaldoYaoi2014

Capítulo 3 - Capítulo 03 - Mesmo se a porta voltar e bater na sua cara?


Entre Sem Bater

Por Andréia Kennen

Capítulo 03

Mesmo que a porta volte e bata na sua cara?

Foi chegar ao tal Copo Sujo que percebi que o nome tinha, literalmente, a ver com o lugar. Ambiente simples, com uma área ao ar livre na frente, toras de tronco de árvores serviam de assentos e algumas maiores de mesas.

Mas o estranho era existir um estabelecimento como aquele praticamente no centro de Campo Grande, no cruzamento de grandes e movimentadas avenidas.

O bar parecia o tipo que se encontraria nos bairros. Aliás, minto, tinha muitos bares de padrão elevado nas periferias da cidade.

Ainda mais engraçado que o bar eram seus frequentadores. Antes de adentramos o local eu pude notar os vários carros de luxo estacionados na frente, enquanto seus prováveis donos, senhores, que pareciam ter um bom poder aquisitivo, se encontravam sentados nas mesinhas e conversavam a vontade, curtindo o som ambiente de MPB, bebendo caipirinha e beliscando porções de peixe.

Thiago parecia conhecer alguns dos presentes, pois, conforme fomos entrando, ele foi sendo cumprimentado com acenos. Chegou a passar em algumas mesas e cumprimentar os que estavam sentados com apertos de mãos.

Assim que atravessamos a área ao ar livre fomos recepcionados por um senhor de aparência oriental, certamente japonês, levando em consideração a grande colônia japonesa da cidade.

Thiago o cumprimentou com uma reverência, curvando metade do corpo para frente. O senhor repetiu o gesto dele, respondendo a saudação em sua língua estrangeira.

— Irasshai, Thiago-kun![1] Seus amigos estar lá no fundo. Entrar. Entrar. — informou em um português carregado do sotaque japonês.  

Eu o cumprimentei com um leve meneio de cabeça, fiquei com vergonha de repetir aquele gesto de reverência, o comerciante pareceu compreender e apenas repetiu meu aceno.

Após nossos cumprimentos ao dono do estabelecimento, entramos no salão do bar, que também estava cheio, devido as mesas de bilhar. Passamos por outra porta e chegamos a área dos fundos, onde se encontrava um grupo diferenciado, compostos mais por jovens como a gente.

Todos estavam bem acomodados em mesas no mesmo estilo da área de entrada e do interior do bar. Havia gente de todos os tipos. Mas percebi algo em especial, algo que me fez sorrir sem querer. Ali tinha vários casais gays de garotos e garotas. Nenhum deles pareciam constrangidos em estar de mãos dadas, ou abraçados. De repente, respirei com alívio. Pela primeira vez na vida eu me senti normal.

— Aqui, Thiago! — um cara acenou em uma mesa embaixo de uma árvore frondosa, na companhia de vários casais.

Um deles dedilhava o violão enquanto o grupo cantarolava uma música da Legião Urbana. Não era uma das canções mais conhecidas, porque eu não reconheci a letra, mas pelo ritmo eu pude reconhecer que era do Legião.

O cara que havia acenado saiu do lado da garota que certamente era sua namorada e se levantou para recepcionar o Thiago com um abraço. Depois ele também me abraçou, se apresentando.

— Olá, sou o Claudio.

— Oi, Claudio. Sou o Caio.

O Claudio analisou meu rosto ao segurá-lo entre suas mãos e depois de alguns segundos constatou com um sorriso.

— Uau. Você é bem bonito, hein, Caio — comentou e felicitou o Thiago com tapinhas no ombro. — Seu padrão continua elevado, né, Thi?

— Cala a boca — o Thiago resmungou, devolvendo um safanão na cabeça do Claudio.

— Vamos lá, o pessoal tá todo ali.

Chegamos à mesa e fui apresentado aos demais, eram sete ao todo. O Claudio e a namorada Amanda. A Luciana e o namorado Vinícius. A Francisca estava sozinha naquela noite, mas fiquei sabendo que ela namorava a Jéssica. Por último o Ronaldo e o seu namorado Heitor. Quase todos me abraçaram e cumprimentaram com beijos no rosto, exceto a Luciana, que ficou agarrada ao braço do Vinícius o tempo todo, enquanto me olhava de esguelha.

Percebi que havia algo na minha presença que a incomodava. Eu tentei não ficar preocupado, porque, diferente dela, a Amanda e a Francisca eram uns amores.

A conversa da noite se focou praticamente na revolução que estava acontecendo no Brasil. Pelo pouco que pude filtrar eu entendi que aquele grupo estava envolvido na organização da passeata que iria acontecer na nossa cidade.

— Vamos nos concentrar na Praça do Rádio por volta das quatro da tarde — Thiago informou.

— Mas e aquele caminhão de som que estão falando que vai estar lá? — Cláudio perguntou. — Tô falando, tem dedo de gente interesseira aí.

— Já demos o nosso “te mato”, Claudio. Se o carro de som aparecer, a gente vai tombar aquela merda. É sem partido essa porra! — Thiago bateu com o punho fechado sobre a mesa. — Sem bandeira! — bateu de novo. — Ter apoio dos próprios partidos é chacotear com a nossa causa!

— E você soube que até o prefeito disse que iria participar? — Vinícius expôs, rindo e entornando outro gole de caipirinha.

— Mas é isso que dá, Thiago — observou Heitor. — “Causa sem bandeira” permite que gente interesseira assuma a causa.

— Ah, não vem com essa merda não, Heitor. Eu discuti com meu professor por causa disso. A briga começou na sala e terminamos na coordenação onde levei gancho de três dias por ter mandado ele enfiar a “opinião ética” dele no cú. Se a gente não permitir, ninguém vai levantar bandeira e querer dar as caras para assumir nossas ações não.

O Heitor balançou a cabeça, ainda discordando. E eu acabei descobrindo o motivo pelo qual o Thiago havia se ausentado durante aqueles três dias na faculdade.

— Só sei que tem grupos e tem gente financiada no meio dessa passeata que irão acontecer aqui — o Heitor garantiu. — Escreve o que estou dizendo.

— Então vai ter pau — Thiago assegurou. — Por que eu vou ser o primeiro a quebrar e queimar as bandeiras que não sejam do Brasil.

Houve uma salva de palmas, assovios e batidas na mesa para comemorarem o discurso do Thiago.

— É isso aí, Thi! Vamos brindar! — propôs Francisca e todos ergueram suas taças e copos, brindaram e beberam.

Era incrível. Eu não conseguia abrir minha boca e nem opinar. Afinal, eu era o novo no grupo, me resignei a assistir o debate. Mas não consegui não admirá-los. Eles estavam realmente envolvidos naquela situação dos protestos e pelo que tinha entendido, estavam se preparando para a passeata que haveria na nossa cidade. Além disso, pelo que peguei da conversa, o Thiago era um tipo de líder, um revolucionário. 

Muito diferente daquele acadêmico tão calado e reservado de dentro da sala de aula.

A conversa estava boa, a bebida também e o clima mais gostoso ainda. Tudo indo maravilhosamente bem. Até que o Vinícius, namorado da tal Luciana — a mesma que não parava de me olhar com o jeito desconfiado — me perguntou:

— E você... Como é seu nome mesmo?

— Caio.

— Isso! Então, Caio, você é sempre tão quietinho assim? Você vai participar das passeatas?

Vi a Luciana beliscar o braço do namorado por estar puxando assunto comigo e, antes que eu o respondesse, ela o fez na minha frente.

— Pelo menos o Gui estará lá com certeza. Aliás, ele acabou de me perguntar pelo Whatss onde estávamos reunidos e eu falei. Ele deve estar vindo pra cá nesse exato momento.

— Ótimo! — Thiago terminou de entornar a tequila que estava bebendo e bateu o copo na mesa, estalou os lábios e se levantou. — Então é hora de ir. Bora, Caio. 

— Larga de ser naja, Luciana — reclamou Francisca com a Luciana.

— Eu que sou naja, Fran?

— Lu, melhor parar — o namorado dela pediu.

— Isso, Vinny. Faz a Lu calar a boca ou vai acabar ouvindo o que não quer.

O Thiago fez um gesto pedindo para eu levantar e eu o fiz rapidamente, já com o capacete em mãos.

— É muito bonito pra sua cara, né, Thiago? — Luciana continuou, mesmo não tendo apoio dos demais. — Chega aqui esfregando na nossa cara seu novo namoradinho e quer que fiquemos quietos? Eu não sou sangue frio para aguentar esse tipo de coisa. Tudo bem, o garoto não tem nada a ver com a história e não merece ouvir, mas...

— Cala a boca, Lu! — mais de um deles pediram, interrompendo-a.

Thiago se despediu com breves acenos.

— Tchau, pessoal. A gente se fala pelo Face. Pessoalmente tá foda. A coisa está resolvida faz tempo e tem gente que insiste em ficar remoendo o passado. Beleza? Fui.

Eu fiquei tão sem graça que apenas acenei para todos e segui o Thiago. Ele passou pelo Caixa, deixou uma parte da conta paga, comprou mais bebidas para viagem e quando estávamos saindo vimos aquela pessoa entrando.

Ok. Juro. Eu quis morrer em seguida.

O cara parecia um artista de televisão, esportista, modelo, sei lá. Apenas sei que era lindo. Ele tinha os traços marcantes da Luciana. Era como se fosse a própria Luciana na versão masculina. Loiro, cabelos curtos, espetados para cima, olhos azuis, a pele do rosto parecia bunda de bebê e o corpo era bem malhado. Bermuda creme, sapatênis bege, camisa branca com o símbolo do “Hollywood Café” no centro, relógio com pulseira de couro no pulso, gargantilha de prata, carteira na mão, celular e chaves de um carro que certamente era grande.

Houve uma troca discreta de olhares entre o Thiago e essa pessoa, mas nenhum deles abriu a boca para um cumprimento. Ao contrário, o loiro empinou mais o nariz ao passar pelo Thiago e, mesmo com um som das conversas, da música ambiente, foi audível o sussurro de “perdedor” dito por ele.

O senhor mestiço de japonês, dono do lugar, passou pela gente nos cumprimentando, mas somente eu fiz o meneio com a cabeça. O Thiago tinha andado tão depressa que havia chego na calçado, aonde estava chutando o pneu de uma caminhonete Dodge Ram vermelha e gigantesca estacionada na frente do bar.

Depois de exasperar um pouco da raiva na caminhonete, Thiago seguiu em direção a própria moto que estava estacionada na rua um pouco mais acima. Eu o segui.

— Você está legal? — quis saber assim que paramos.

— Será que podemos não falar agora? — ele me pediu, sentando no banco da moto e colocando o capacete.

Dei de ombros.

— Você é quem sabe — respondi, mas eu não era cego e nem surdo. Tinha entendido muito bem o que estava rolando, e não consegui ficar com a minha língua presa na boca. — Mas, veja vem, se o problema for me levar para casa, pode voltar e ficar com seus amigos. Eu pego um moto-táxi. Eu sei me virar, falou? Só acho que se você tem algo para resolver, ou se gosta desse tal de “Gui” e ele gosta de você, então deveriam...

Não pude concluir a minha fala, pois o Thiago me interrompeu, fazendo um gesto com a mão para que eu parasse de falar. Na sequência ele deixou a chave na ignição da moto, a sacola de bebidas em um dos guidões, ergueu o capacete para o meio da cabeça, fechou a mão na gola da minha camisa e me puxou em direção a ele.

A boca do Thiago pressionou a minha e a surpresa do ato me fez prender a respiração. Mas não houve tempo hábil para aquele gesto se tornar um beijo de verdade, com trocas de salivas e “línguas que se entrelaçam travando uma batalha ferrenha”, como costumam descrever nos romances por aí. O beijo foi seco, rápido. O Thiago apenas prensou seus lábios contra os meus de forma meio abrupta, então se afastou e voltou a arrumar o capacete na cabeça.

Mesmo não sendo um beijo de verdade, eu senti minhas pernas tremerem.

— Será que agora você compreende que eu só faço o que eu quero? — ele explicou. — Se eu quisesse ficar no bar com os meus amigos eu ficara. Se eu quisesse voltar para o Guilherme eu voltaria. Mas a única coisa que quero nesse momento é sair daqui e te levar em casa — reafirmou o que havia me prometido quando me ofereceu uma carona.

Aquelas palavras, aquela segurança, me deixaram completamente sem reação e até mesmo excitado.

— Além disso, se não tiver problema para você, gostaria de dormir na sua casa hoje.

— Não tem nenhum! — respondi quase no automático.

Ele sorriu e seu sorriso me deixou constrangido. Merda! Eu não poderia ter sido um pouco mais discreto? Parecia que eu estava esperando, desejando, ansiando desesperadamente aquele momento. O que não era de todo errado, claro. Porém, não era bem o que eu queria deixar transparecer.

— Bem, digo... — eu quis consertar, mesmo parecendo tarde. — Eu moro sozinho, por isso...

O que eu estava falando afinal?

O que eu estava insinuando afinal?

Acabei de deixar a coisa pior e mais constrangedora.

Cala a boca, Caio Henrique! Apenas, cale-sua-maldita-boca.

— Certo. Sobe aí — ele pediu, travando a fivela do capacete no queixo.

Eu respirei fundo, montei no banco do carona e coloquei o capacete.

Assim que sentei tomei aquela atitude. Havia feito a merda de deixar claro que estava a fim dele de qualquer forma. Também tinha obtido a certeza que o Thiago era gay. Não tinha mais nada o que esconder, então abracei ao corpo dele e esperei que Thiago seguisse.

Aquele meu gesto simples pareceu revigorá-lo, pois ao sair dali o Thiago acelerou a moto e passou em frente do Copo Sujo feito uma bala.

Era mais de uma da manhã e as movimentadas avenidas da cidade começavam a dormir. Senti o vento gelado do início da madrugada cortando minha pele. O Thiago reduzia a velocidade nos cruzamentos, fora isso, ele andou em velocidade máxima o tempo todo.

Quando vi o “Gui” entrando no Copo Sujo eu cheguei a pensar que estava ferrado. Nunca eu chegaria aos pés de alguém com todo aquele deslumbre. Também não consegui entender como um cara boa pinta e com panca de ter status como o Guilherme havia se apaixonado por um cara que parecia de origem humilde como o Thiago.

Ao mesmo tempo em que sentia vontade de saber mais sobre aquela história, eu não queria. Eu sentia medo. Porque eu pressentia que iria doer. As palavras da Luciana haviam doído demais. Doeu ter cruzado com o Gui e ter visto com os meus próprios olhos o quão fascinante era meu antecessor. Não queria mais sentir aquele tipo de dor.

Mesmo assim as coisas estavam acontecendo depressa demais àquela noite.

Eu nunca havia dormido com outro cara antes. “Dormir” no sentido literal, de passar uma noite inteira com alguém, não de fazer sexo. Eu não sou virgem há um tempo, só para constar. Fiz sexo com o primeiro (e até então único) cara com quem me relacionei. Momento da minha vida o qual não desejo recordar agora para não perder o ânimo.

Depois disso, tive somente tentativas frustradas marcadas virtualmente pela internet.

Por isso que eu não queria estragar as coisas com o Thiago e fazer com que ele se tornasse mais um número na minha decepcionante lista de estatísticas.

...

Chegamos à vila de casas de aluguel onde moro. O lugar é bem pequeno, mas é organizado e limpo.

Apesar de ser várias casas em um único terreno, cada casa era separada por muros e portão. Para mim, que vivo sozinho, as três peças são mais que suficientes. Na verdade, a cozinha nem dava para ser considerada uma peça separada, era do tamanho de um corredor e fazia divisa com o meu quarto-sala. Tinha também o banheiro, a varanda da frente que chegava até o portão, e a varanda na lateral, a qual servia de área de serviço, com tanque e o varal.

Bem, se eu tivesse carro ele teria que ficar na rua, não tinha espaço para garagem ali, mas a moto do Thiago coube direitinho na varanda da frente.

Demorei a encontrar a chave da porta, o nervosismo faz dessas coisas.  Eu sempre guardo a chave no estojo, mas na primeira procurada ela não estava lá. Procurei nos bolsos da calça e nada também. Tudo que eu menos queria era ter que chamar um chaveiro àquela hora da madrugada, mas voltei a averiguar o estojo e acabei encontrado a bendita chave dentro de um buraco que abriu entre os forros.

— Tá aqui — eu exclamei aliviado, erguendo a chave para mostrá-la ao Thiago. Só depois de parecer idiota é que eu a direcionei para a fechadura e destranquei a porta rapidamente, entrei e acionei o interruptor ao lado da porta dando luminosidade ao meu quarto-sala. — Tá meio bagunçado. Eu normalmente limpo no fim de semana.

— Não esquenta — ele respondeu tranquilo. — Eu esqueci de perguntar se você trabalha amanhã.

— Não, eu não trabalho aos sábados.

— Certo. — Ele tirou a mochila das costas e largou no chão, perto da porta. Os capacetes ficaram nos guidões da moto do lado de fora. — Posso usar seu banheiro para tomar um banho?  

O pedido me pegou de surpresa.

— C- claro. Deixa eu pegar uma toalha para você.

Tirei uma toalha limpa da última gaveta da cômoda ao lado da cama e joguei para ele.

— Fica à vontade. Se quiser lavar a cabeça, pode usar o xampu, tá no suporte dentro do boxe.

— Valeu.

Achei que o Thiago havia ficado estranhamente sério de repente, mas a verdade era ele é sério. Então sacudi a cabeça e dei um giro dentro do quarto, constatando algo triste após uma breve análise.

“Esse lugar tá um lixo. Quanto tempo o Thiago vai levar no banho? Se for no mínimo uns quinze minutos eu consigo dar um jeito nessa zona”.

Então, pensando positivo, arregacei as mangas e comecei a arrumação de emergência. Primeiro recolhi minhas roupas e os calçados sujos do chão. Levei tudo para área de serviço; juntei os livros e os cadernos que estavam espalhados no carpete, de frente da televisão, em uma única pilha ao lado do aparelho. Troquei o lençol, as fronhas dos travesseiros, das almofadas e ainda forrei na cama uma colcha nova a qual eu ainda não havia usado.

Depois disso recolhi todas as vasilhas sujas, pratos, copos, embalagens vazias, que estavam espalhadas pelo chão e em cima da cômoda. O que era lixo foi para o lixo e o restante guardei tudo debaixo da pia da cozinha. Por último passei um pano úmido com desinfetante no chão.

Olhei no display do celular e fiquei orgulhoso de mim mesmo, havia se passado apenas onze minutos. Como eu não iria lavar aquela pilha de louças sujas que estava dentro da pia, juntei tudo e guardei com as outras no compartimento embaixo dela. Passei um pano úmido no fogão, guardei as bebidas no frigobar e aproveitei para retirar duas vasilhas de plásticos onde guardava carne fatiada e calabresa.

Liguei o fogo, coloquei a frigideira sobre ele, forrei de azeite e coloquei todo o conteúdo das vasilhas dentro da frigideira. Essas vasilhas também foram para debaixo da pia. Despejei condimento em cima da carne, um pouco de pimenta do reino, orégano e então larguei tudo fritando.

Recolhi o lixo da cozinha, coloquei para fora, passei o pano úmido no chão da cozinha também, larguei o rodo e o pano na área de serviço e fechei a porta. Lavei as mãos, olhei o relógio e constatei eufórico: dezoito minutos!

Dei um sorriso que não cabia no rosto. Virei a carne na frigideira, depois de algumas viradas fui para sala. Liguei a TV na Globo, estava passando o Jô. Ajeitei as almofadas sobre o carpete na frente da televisão de tela plana de 32 polegadas. Aliás, era o único aparelho eletrônico decente que eu tinha conseguido comprar para minha casa, e depois disso fui para o gaveteiro, procurar algo que pudesse caber no Thiago.

O Thiago era alto e magro, mais de 1,80 com certeza. Eu não sou tão alto, mas não sou baixo, devo estar com 1,72 no máximo. Porém, eu tenho mais corpo que ele (para não dizer que sou cheinho!). E também tenho uma bunda um tanto quanto... avantajada. É certo que meus shorts vão ficar largos para ele, dançando na cintura talvez. Recordei de um preto com cós de elástico que eu não usava fazia um tempo por ter ficado apertado. Procurei por ele, dei uma analisada para ver se não tinha nenhum furo e assenti. Iria servir. Escolhi esse e uma regata branca. Foi fechar a gaveta e o Thiago saiu do banheiro.

— Seu chuveiro é uma merda, a água sai muito rala — ele reclamou, batendo as mãos no cabelo para tirar o excesso da água.

— Isso é verdade. Preciso formalizar uma reclamação para dona.

Aquele bendito gelo no meu estômago que havia ido embora há algumas horas voltou com força ao olhar o Thiago tomado banho. Os cabelos soltos e molhados não eram tão estranhos. Ele nem parecia mais com o cara esquisito da faculdade. Talvez fosse um pouco devido a ausência das roupas bregas e dos óculos, que agora ele segurava junto com a roupa suja.

Não sei. Ali, só com a toalha em volta da cintura, sem os óculos, o Thiago pareceu muito atraente. Notei que ele tinha bastante pelos pelo corpo, nos braços, no tórax que, aliás, tinha uma pequena elevação de músculos, assim como os braços também exibiam músculos firmes. Ele não era tão magricela como eu pensava. A roupa larga que deveria dar aquela falsa impressão.

— Isso aí é para mim? — ele perguntou, fazendo um gesto com a cabeça para as roupas nas minhas mãos, me despertando do transe.

— Sim. Vê se serve — eu entreguei para ele o par de roupas.

Depois de ele colocar as roupas sujas sobre a mochila que eu havia movido pra perto da cama, o Thiago apanhou a que eu estendi e não se preocupou em puxar a toalha da cintura e ficar completamente pelado.

Eu prendi o ar no peito por um momento. Mas o Thiago continuou agindo tão naturalmente, que me fez regularizar a respiração. Ele se sentou na beira da cama, deixou os óculos do lado e jogou a toalha sobre a cabeça, passando a secar os cabelos que ainda pingavam.

— O cheiro tá bom. O que está fritando?

— Eu tinha umas coisas cortadas, carne, calabresa. Não comemos nada lá no Copo Sujo, não sei você, mas estou faminto. V- vou tomar banho também... Você dá uma olhada na frigideira?

— Vai nessa.

A curiosidade era grande, mas tentei passar desviando o olhar da parte entre as pernas dele. Porém, aquilo foi mais forte do que eu e não resisti e olhei.

Ouvi muitos rumores que falam que caras magros e altos tem pênis grande, mas achei que fosse apenas lenda urbana, mas não, o Thiago entrava na lista dos bem dotados.

 Entrei no banheiro com os olhos arregalados e me encarei no espelho em cima da pia, bati as mãos no rosto.

— Mantenha a postura. Mantenha a calma. Não dê nenhum fora. Não faça nada que possa afugentá-lo, Caio. Essa é sua chance.

Certo, conselhos dado, era hora da faxina em mim mesmo!

Mas o chuveiro realmente não colaborava, principalmente quando se quer lavar até entre os vãos dos dedos dos pés. Lavei os cabelos, limpei os ouvidos, me barbeei e até debaixo das unhas eu limpei. Mas eu achei que estava demorando demais e fiquei com medo de que o sono vencesse o Thiago e acabei apertando o passo.

Quando estava me enxugando eu notei a bendita da minha barriga saliente, peguei naquele pedaço de banha e apertei. Merda! Estava começando a fazer uma dobra. Cheguei a conclusão que somente a academia nos fins de semana não estava sendo suficiente. Ou eu começava a malhar sério durante a semana, ou teria que começar uma dieta.

Mas felicidade de pobre é comer, pelo menos é o que a Laurinha vive dizendo, como vou parar de comer sem entrar em depressão?

A camisa rosa que escolhi para vestir, e que estava tão velhinha que o rosa desbotado não deixava tão claro o tom de rosa, escondia bem a bendita daquela saliência. O short branco de um tecido mole que lembrava o ceda também.

Passei creme pós-barba no rosto e hidratante nas pernas e nos braços. Não achando suficiente ainda dei umas esborrifadas do Dalbec no pescoço. Era exagero passar colônia se eu não iria sair? Poderia ser, mas, enfim, eu iria dormir com alguém. Alguém que estou muito a fim. Então faz bem para auto-estima se sentir sexy e perfumado.

Fechei a porta do armarinho, ajeitei o cabelo passando os dedos e, enfim, estava pronto. Suspirei fundo e saí do banheiro.

As luzes estavam apagadas, a única claridade provinha da tela da televisão. Mas apesar de ter demorado mais de meia hora no banho, constatei após olhar o relógio digital que tinha sobre a cômoda, o Thiago não havia pegado no sono a minha espera. Ele estava de costas, sentado no carpete de frente para televisão, encostado na cama. Estava vestido, os cabelos ainda soltos e úmidos. Ele parecia concentrado no celular e, por algum motivo, ele disfarçou e colocou o aparelho no chão ao perceber minha presença.

Apanhou a lata de cerveja e tomou um gole da bebida.

Não consegui evitar sentir aquela estranha sensação de ciúmes ao imaginar que ele estava respondendo alguma mensagem enviada pelo Gui.

Meu bom humor estava dando indícios de oscilação. Eu precisava ser mais eu, ter mais confiança. Podia não ser tão lindo de morrer como o Gui, mas com certeza não sou do tipo que se joga fora.

Apaguei a luz do banheiro, fechei a porta e fui me sentar ao lado dele, de frente para televisão. Reparei que ele havia recolocado os óculos que agora refletiam a claridade da televisão.

— Uau. Você fez isso? — eu perguntei ao olhar os petiscos.

O Thiago havia dado uma cara decente ao prato. Organizado tudo no prato refratário do Microondas, de certo, por não ter encontrado uma bandeja. A calabresa havia sido disposta seguindo o contorno do prato, depois, seguindo a mesma forma, havia fatias de tomates, outro contorno de calabresa, outro de azeitona e no meio estava todo o contrafilé cortado em tiras e alguns palitos de dentes espetando a carne. Parecia um prato servido nos barzinhos.

— Só não coloquei cebolas porque não sou muito fã.

— Tudo bem, também não sou muito fã de cebola. Só uso para tempero.

— Usei os tomates e a azeitona que tinha no frigobar — ele falou em tom de justificativa, como se não tivesse certeza se poderia ter usado.

— Não tem problema. Tá com uma cara ótima.

— É. Eu trabalhei um tempo como garçom no Copo Sujo. Agora eu faço entregas no Superfrutas durante o dia, aquele mercado lá do lado. Antes disso eu trabalhei no Caixa do mercado, na época que eu não fazia faculdade, por isso dava tempo de fazer uns bicos como garçom. Depois que comecei a faculdade precisei sair, agora só estou nas entregas mesmo.

Talvez tenha sido dessa forma que ele tinha conhecido o Gui. Apesar de estranho, era perceptível que o lugar era frequentado por gente grã-fina.

— Tá explicado o prato caprichado — dei um sorrisinho.

Eu queria muito saber sobre a história deles ao mesmo tempo em que me batia uma tremenda incerteza. Achei mais seguro mudar de assunto.

— Mas por que não está comendo?

— Eu belisquei um pouco quando estava arrumando, resolvi esperar você. ­— Ele estendeu a outra lata de cerveja para mim. — Tá meio quente, você demorou pra caramba.

— Desculpa. O chuveiro realmente não ajuda.

— Nada. Afinal, valeu a pena — ele aproximou o nariz do meu pescoço e aspirou o cheiro. — Você sempre se perfuma assim quando vai dormir?

Era óbvio que ele estava debochando de mim. Mas aquele aproximar não me permitiu reclamar. Apertei a lata de cerveja na minha mão ao sentir que ele continuava “farejando” o meu pescoço.

 Fiquei um pouco envergonhado, mas gostei daquele arrepio que começou na nuca e percorreu toda minha coluna.

— Bem... Não, né. Mas não é sempre que durmo acompanhado.

— Isso tudo é para mim?

Cara, como ele conseguia me constranger com perguntas tão cretinas e ditas de uma maneira tão simplória?

— É... — confirmei meio vacilante. — Se tiver a fim, claro.

Ele riu e bateu a mão na minha coxa, deixando-a ali por um tempo, fazendo com que o gelo no meu estômago aumentasse.

— Come — ele meio que demandou. — Está esfriando.

Depois eu iria pensar nos meus pecados alimentícios ou na mão na minha perna. Mas eu estava mesmo precisando comer. O cheiro e a cara do petisco eram bons e não resisti. A princípio o Thiago ficou me olhando, revezando sua atenção entre a TV e a bebida.

— Não vai mesmo comer? — insisti.

— Vou — respondeu meio pensativo. —Sabe que eu estava pensando?

— Não.

— Esquecemos de passar em uma farmácia e comprar camisinha. Você tem alguma aí?

Eu estava curvado para frente para pegar mais petiscos no prato quando ouvi aquela pergunta e quase entalei com a carne que mastigava, forcei a engolir dando soquinhos no peito e voltei a me encostar na cama.

Não disse que ele tinha o dom de fazer perguntas indiscretas com naturalidade?

— Tenho — tentei disfarçar a surpresa. — Duas na carteira. E acho que tem uma cartela na última gaveta da cômoda.

— Garoto prevenido — ele observou sorrindo e bebeu mais um gole da cerveja.

A verdade era que a reserva de camisinhas significava que a minha vida sexual não andava muito ativa ultimamente e até fiquei com receios delas estarem vencidas, mas fiquei feliz por ele não ter percebido minha gafe.

— Apesar de que eu preciso de cigarros, tem algum lugar onde posso comprar aqui perto?

— Em uma hora dessas? Acho difícil. Nem sabia que fumava — comentei tentando não parecer decepcionado, afinal, eu nunca consegui compreender os fumantes, cigarro é algo que fede horrores.

Ele coçou a nuca, aparentemente sem graça. Pelo jeito, até ele mesmo tinha consciência dos malefícios do vício.

— Na verdade, estou tentando parar faz um tempo — ele explicou. — Por isso estou reduzindo aos poucos e usando aqueles adesivos. Mas quando eu fico ansioso ou nervoso não consigo evitar. A vontade fala mais alto. Eu fumei o último que eu tinha no intervalo de hoje da faculdade.

— Entendi — eu voltei para minha cerveja. — Se quiser mesmo comprar os cigarros, tem vários bares aberto na avenida Brilhante.

De repente, estava ficando difícil de engolir. Comecei a imaginar que a pergunta sobre ter preservativos não era indícios de que iríamos transar aquela noite, parecia mais com uma desculpa, assim como parecia desculpa também ele querer sair para comprar cigarros logo depois de descobrir que não poderia sair para comprar camisinha.

Ele só queria sair.

Talvez para continuar a troca de mensagens pelo celular, a qual eu interrompi quando saí do banho.

— Você viaja demais, sabia?

A observação me devolveu a realidade, e ela foi acompanhada de um massagear firme e do subir discreto da mão do Thiago na minha coxa, que começava a adentrar o short.

— Eu não entendi.

— Do nada você fica quieto, então parece que sua cabeça está fora de órbita.

Meus olhos haviam se voltado para encará-lo e estavam fixos nos dele, mas depois daquela observação vergonhosa eu vacilei e desviei. Mas o Thiago tocou meu queixo com a mão que havia largado a lata de cerveja e fez com que meus olhos continuassem fixos nos verdes por trás das lentes de grau.

— O que está te perturbando, Caio? Pode dizer.  

Eu precisava ficar quieto, mas esse era o meu maior defeito: não deixar de sanar as minhas dúvidas no momento que as tenho, então abri o jogo.

— Estava pensando que você quer sair para conversar com o Gui.

— O que eu faço para enfiar na sua cabeça que eu só faço o que eu quero? Se eu quisesse mesmo falar com o Gui eu tinha feito.

— Não sei se está dizendo isso apenas da boca para fora. Você estava respondendo uma mensagem no celular quando saí do banho. Se não era para ele, porque largou o celular então?

— É isso? — ele pegou o celular, tocou na tela e o virou na minha direção. — Estava no Facebook, na página de Eventos da Inominados MS. Queria saber quantas pessoas haviam aceitado o convite para nossa primeira passeata que foi marcada para o domingo que vem.

— Você é o dono dessa página?

— Um dos — ele respondeu, devolvendo o celular ao chão. — Está satisfeito? Quer consultar as mensagens enviadas?

Eu fiquei ainda mais constrangido.

Como eu conseguia ser tão patético?

O Thiago era o total inverso de mim: seguro e inteligente. E eu bancando o babaca, infantil e pior de tudo: ciumento sem nem ter certeza do que estava rolando entre a gente.

— Você está viajando de novo?

— Desculpe.

— Não precisa se desculpar. Eu não estou chamando sua atenção — afirmou e voltou a ficar sério. —Tem algo a mais te perturbando? Quer saber mais alguma coisa?

Eu pensei por um instante e acabei me enchendo de coragem para fazer aquela última pergunta.

— É cedo para querer saber o que rolou entre você e o Gui?

— Não é que é cedo — ele desconversou, retirando os óculos e deixando sobre a cama. — Só acho que não é relevante — continuou falando enquanto ele movia de posição. — O que rolou entre o Guilherme e eu é passado. É só o que tem para saber. — Então ele deitou a cabeça no meu colo e concluiu meio sonolento: — Esquece meu passado, vai, bebê. Faça perguntas do meu presente. Do nosso presente. Ou falemos do futuro. Acredito que ele seja mais promissor do que revirar o baú da vovó — e deu um bocejo. 

Acho que a maciez das minhas coxas fez o Thiago pensar que elas eram travesseiros, ele dormiu.

Continua...

Notas:

[1] Irasshai (japonês) – Bem vindo; “Kun” sufixo usado nulamente em nome de rapaze



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