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História Epitáfio - O Primeiro e Único


Escrita por: vernope

Notas do Autor


Olá~

Bom, pra quem não sabe, esse é meu debut no fandom exo (que inclusive entrei nem há 3 meses direito rs) e, só pra não perder a fama, eu entro com angst!!

Queria agradecer muito as organizadoras do Jongdae fest, porque eu amo meu anjinho e ele precisa de mais fics então: OBRIGADA!!! E também agradecer quem pediu esse prompt maravilhoso, assim que eu li eu tive que escrever. Espero que eu realmente tenha cumprido suas expectativas, fiz meu máximo e tomei liberdade em alguns aspectos para criar algumas coisas do meu jeito, desculpa qualquer coisa :(

Obrigada também para meu amorzinho Elisa que me ouviu enchendo o saco com essa fic, desculpa por judiar do seu ult eu te amo

Apenas um obs: a doença do Minseok é a Ataxia de Friedreich, eu não mencionei o nome em nenhum momento, mas caso alguém esteja curioso ou acha que eu inventei e fiquei com preguiça de nomear, tá aí KDGAUSU

Sem mais, boa leitura!!

Capítulo 1 - O Primeiro e Único


O fogo sempre o impressionou. As formas irregulares criadas por labaredas indomáveis que, pouco a pouco, tomavam tudo para si em um rastro de cinzas e destruição. Enquanto muitos viam o perigo, Jongdae enxergava a beleza cruel dos incêndios, a fumaça negra tingindo o céu azul e o laranja das chamas dançando a música do caos com o vento. O que mais Jongdae gostava nos incêndios, entretanto, era quando andava entre as labaredas e as sentia coçar em seu corpo lentamente, como leves formigamentos que quase o levava ao riso.

O quão irônico era a destruição lhe causar cócegas.

Com passos lentos e despreocupados, Jongdae andava na estrutura já completamente decadente com vigas de madeira prestes a ceder a qualquer instante, assobiava a marcha fúnebre como uma piada interna sem graça que dividia consigo mesmo. Enquanto atravessava as chamas, seus olhos evitavam os corpos carbonizados, recolhendo as almas que ali estavam com as pontas dos dedos sem ao menos tocar em seus cadáveres. Em casos como aquele, isto não era necessário. Quando a parte composta de matéria está tão fragilizada, as almas imploram por libertação, descanso… Paz.

E era isso que Jongdae oferecia para elas: paz. Ele era a solução eficaz de toda dor e sofrimento, aquele que silenciava os gritos desesperados por ajuda e as lágrimas de sangue. Afinal, havia beleza em incêndios, mas também poderia haver beleza na morte.

Quando a última alma veio ao seu encontro implorando para ser levada, Jongdae a acolheu entre seus braços. O espectro ainda estava quente e parecia reluzir com o fogo, era possível sentir que estava assustado e, por isso, ele tomou seu tempo a embalando para lhe garantir o sossego que tanto desejava. Um sorriso formou-se em seus lábios quando a alma acalmou-se e confiou em Jongdae para ir embora, ação que fez de bom grado e tranquilidade.

A luz do espectro desaparecia no ar quando o som de passos invadiu o velho prédio, Jongdae sabia que eles viriam, simplesmente porque estava planejado que ele os levaria também. Entretanto, sempre sentia-se inquieto para levar a alma daqueles que dedicavam a vida a salvação. O barulho das primeiras vigas de madeira cedendo, porém, o lembraram que não havia escolha em seu trabalho: ele os levaria consigo.

Assobiando as primeiras notas da marcha fúnebre, Jongdae fez seu caminho até o grupo de bombeiros que, aos poucos, eram soterrados entre os escombros do prédio.

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Andar pelas ruas entre humanos era um passatempo estranho que havia desenvolvido, a todo segundo sua presença era notada, porém, não da forma que um desconhecido nota outro fisicamente. Não, Jongdae era sentido.

A sua existência era sentida por aqueles cujos ponteiros do relógio não funcionariam mais, congelados para sempre nos mesmos números, e até mesmo pelas flores secando em vasos esquecidos em janelas de casas simples. Jongdae poderia ser invisível para os humanos, mas ao mesmo tempo completamente exposto.

Viver e morrer são apenas passos da vida, afinal de contas.

E, de morte, Jongdae entendia muito bem. Suas mãos jovens já haviam tocados milhares, milhões… Apenas um toque de seus dedos bastaria para que alguém lhe fornecesse um último suspiro, ou quem sabe o último ressoar de um riso. Logicamente que era impossível cuidar sozinho de todos aqueles que precisam morrer, o mundo é vasto demais e as mortes muitas para um só, entretanto, Jongdae possuía uma lista pessoal de escolhidos.

Enquanto os ceifadores ㅡ almas renascidas para ajudá-lo em sua tarefa ㅡ colhiam almas e ajudavam a travessia dos espíritos, Jongdae ia pessoalmente levar nos braços aqueles casos especiais. Uma vez, um de seus ceifadores o questionou por que fazia aquilo, o que o levava a escolher exclusivamente quem levar e ele riu. Oras, qual o sentido de perguntar a própria Morte por que mata? Ela mata pois assim foi decidido desde o início dos tempos, porque não há ninguém além de Jongdae capaz de fazer tal trabalho.

E, muitas vezes, Jongdae desejava que houvesse.

Ser quem era não dependia de escolha, mas sim uma questão de ser. Nascido a partir de uma morte para que esta pudesse existir, como um propósito criando vida e a consciência de sua importância para a manutenção do ciclo natural das coisas, porém, não sabia ao certo dizer se estava vivo. Afinal, o que era? Uma ideia capaz de andar, falar e sentir? O conceito de sua própria existência não parecia fazer sentido algum para si, durante anos vagou recolhendo a vida de seres vivos sem ao menos carregar um nome que fosse seu, apenas o peso de cinco letras o nomeando: Morte.

Foi a própria Morte quem escolheu Jongdae como seu nome, algo concreto e além de uma ideia. Mesmo tendo vivido mais que a própria humanidade, ser chamado como algo quando poderia assumir uma forma física o desconcertava desde sempre, sentia-se às vezes como se a sua própria existência fosse duvidosa.

Durante uma noite fria e sem luz, a Morte conheceu alguém capaz de mudar esse pensamento que o afligia.

Abandonado em um beco escuro e esquecido nas ruas lamacentas do começo da urbanização humana, um garoto estava apoiado na parede de uma casa recém construída. Seus trajes em farrapos indicavam a brutalidade com a qual fora atacado, o sangue correndo livre de seu corpo misturando-se com a terra batida na qual sentava. O rosto do jovem estava coberto por uma máscara de dor e, mais do que isso, a Morte podia ouví-lo gritar. A alma presa naquela matéria implorava por libertação, ficar ali a fazia sofrer pela inabilidade de morrer.

Os gritos, entretanto, não eram incomuns. Ela estava acostumada com aquela ocorrência, afinal, nem sempre o fim chega carinhoso para todos. No entanto, quando a Morte aproximou-se do corpo fraco e esquecido, esticando a ponta dos dedos para acariciar o rosto do jovem, algo inesperado aconteceu.

Uma voz falou consigo.

O som era irregular, fraco a ponto de desaparecer no ar caso você não se concentrasse para ouví-lo, porém, ele era real.

“Não me deixe sozinho”

A Morte apenas o encarou em surpresa, ninguém era capaz de vê-la, mas havia duas possibilidades para tal. A primeira ocorria quando ela própria desejava atravessar os véus entre os mundos, expondo para o humano sua forma física ㅡ esta variava de acordo com que os anos passavam, suas vontades de se exibir como humano modificava-se em algumas épocas ㅡ e, assim, o deixando com um canal aberto entre o mundo espiritual e o terreno. O segundo meio era o mais comum: quando as almas estão prestes a se separar dos seus corpos materiais, o canal entre os dois mundos é aberto e, sendo assim, a matéria encontra-se com o espírito.

Mesmo sabendo disso, porém, a Morte sentia-se exposta pela primeira vez. Ninguém falava com ela, isso é, ninguém além de outros semelhantes a sua situação. Ter uma voz humana a chamando pela primeira vez foi diferente de tudo, como se aquela fosse a confirmação que necessitava para ser reconhecida como real, algo além de um conceito vagando pelas mentes humanas.

A surpresa entretanto foi cortada pelos gritos de agonia vindos de longe, mais especificamente, da alma presa naquele corpo jovem já prestes a ceder. Ela sabia o que devia fazer, mas simplesmente não conseguia tocá-lo, não quando ele havia falado com ela minutos antes.

Não me deixe sozinho.

O pedido lhe fez sentir pela primeira vez em muito tempo. Sentir tristeza, dor… Sentir emoções humanas as quais não possuía acesso, sentimentos que não poderiam andar lado a lado com a Morte. Mesmo assim ela sentiu, e foi tomada por desespero de ter que tirar de si a única confirmação de sua existência, aquele jovem rapaz que em seus últimos suspiros decidiu falar com a própria morte.

Foi necessário apenas um segundo de hesitação em seu trabalho para que seu corpo sofresse as punições.

Aquilo não era novo, pelo contrário, a morte já havia sofrido tal penalidade antes, contudo a resposta física sempre o chocava com a realidade de sua existência material. Lentamente seu corpo sofreu espasmos gerando uma dor aguda em seu tórax, a Morte não precisava olhar duas vezes para saber que um corte abria-se em sua carne. Aquela era a punição, afinal de contas: se ela não fosse capaz de matar, sofreria a mesma dor que a alma presa naquele corpo.

Um lembrete da sua função e propósito.

Quando o segundo corte começou a rasgá-la, a morte rangeu os dentes sem saber ao certo se a raiva que começava a borbulhar em seu íntimo era devido a dor, ou a injustiça de tudo aquilo. Foi então que cometeu seu segundo erro: procurou os olhos do jovem a beira da morte.

Ela iria se lembrar daqueles olhos anos depois sozinha no silêncio da noite, ou até mesmo nos dias de neblina onde a cidade era cinza. Os olhos do rapaz pareciam vidro e estavam cobertos por uma sombra opaca, não havia qualquer sinal de reconhecimento​ ali que ele estaria vivo, e até mesmo seu rosto era desprovido de qualquer cor. Havia tanta dor em seu olhar vidrado que a Morte sentiu-se observada por aquele humano que, em momentos antes, pediu para que não o deixasse.

A sensação aguda e ardida dos cortes abrindo-se ainda dominavam seu corpo quando a Morte começou a chorar. As lágrimas que escorriam pelo seu rosto eram frias como gelo e, para dizer a verdade, ela não sabia ao certo porque chorava. Talvez estivesse chorando pela humanidade esvaecendo a sua frente, o corpo que um dia já fora quente tornando-se cada vez mais gelado no aguardo de seu destino, ou quem sabe chorava pelo mundo como um todo.

Talvez chorava por si mesma.

O peso da injustiça da vida ㅡ e que ironia era usar tal palavra ㅡ que levava, mais especificamente dos atos que devia cometer pois mais ninguém os faria. As quatro palavras que lhe foram ditas pareciam ecoar naquele beco sujo, e foi então que a Morte percebeu: jamais poderia deixá-lo sozinho. Não quando ela mesma sabia melhor do que qualquer um o peso da solidão, em meio a lágrimas de dor, o reconhecimento de seus sentimentos por aquele humano que mal conhecia vieram a tona. Em minutos, ela o havia amado simplesmente por sua humanidade tê-la reconhecido. A Morte precisava, de uma forma ou de outra, cumprir seu último pedido.

Com o peito pesando em emoções que antes lhe eram tão distantes, a Morte segurou entre as mãos o rosto do jovem e ㅡ como se o tempo ao redor estivesse congelado para aquele momento ㅡ demorou-se admirando seus traços físicos, os longos cílios e fios negros cobrindo-lhe a testa. Guardou em sua memória cada aspecto daquele simples mortal e, em um ato delicado e banhado em lágrimas, colou seus lábios na testa do jovem.

A resposta foi imediata. O toque tão singelo fez seu corpo relaxar e a dor desaparecer ㅡ mesmo que a Morte soubesse que os cortes ficariam cravados em sua carne por mais um tempo ㅡ, e no mesmo instante foi capaz de sentir a alma do rapaz soltar-se da matéria. Ela aninhou-se em seus braços como quem vai de encontro a um abraço, e a Morte a segurou incapaz de controlar seus soluços desesperados. Aquela era a única prova de que era alguém, entretanto, ela precisava partir.

Não me deixe sozinho.

Antes de ir, porém, um sussurro foi dito em sua mente, apenas uma palavra que a Morte carregaria consigo anos e anos depois:

Jongdae.

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Entre todos os seus ceifadores, apenas um grupo seleto possuía autorização para dirigir-se a Jongdae pelo seu nome. Por mais que ter algo seu lhe preenchesse de orgulho, permitir que tal nome se espalhasse pelo vento o fazia sentir-se exposto, uma parte de si antiga demais que ㅡ desde aquela noite ㅡ estava escondida em segredo.

Quando chamou-se de Jongdae, a Morte fez uma promessa a si mesma: jamais, em qualquer hipótese, voltaria a olhar para o rosto daqueles quem tirava a vida. Não poderia deixar-se levar pela ideia de humanidade que tanto o encantava, muito menos esquecer seu propósito para existir, por isso mesmo fechava-se para as possibilidades que o deixaria vulnerável, e a morte ㅡ por mais sarcástico que fosse ㅡ era uma delas.

Existir por milênios muitas vezes o cansava e, por isso mesmo, constantemente Jongdae via-se a procura de novos passatempos. Entre todas as criações humanas, sua favorita era a música. A primeira vez que Jongdae teve contato direto com uma orquestra, não foi exatamente por um bom motivo, afinal, estava ali para levar consigo um dos violinistas que cairia com um derrame durante a segunda música. Entretanto, quando ouviu as primeiras notas sendo emitidas e o maestro conduzindo os músicos, foi com se as portas de um outro mundo abrisse diante de seus olhos. Havia algo completamente único em ouvir as notas tão belas dançando no ar, a paixão com que aqueles humanos davam vida a música que surgia de seus instrumentos.

Quando a primeira música acabou, Jongdae não se moveu para perto do violinista ㅡ que agora estava envolvido na melodia inicial da próxima sinfonia ㅡ, pelo contrário, manteve-se imóvel de seu lugar no camarote do enorme teatro. Após o término da segunda música, tampouco levantou-se, Jongdae estava perdido entre as notas e cordas que compunham aquelas lindas composições.

No final daquela noite, mesmo sem poder ser visto ou notado pelos humanos ali presentes, Jongdae se juntou a eles para aplaudir de pé a orquestra no palco. Em seu peito a sensação de harmonia lavava seu ser, e a beleza do que havia descoberto ali para sempre guardada em sua memória.

A coragem ㅡ se é que esta é a melhor palavra para definir o sentimento de Jongdae ㅡ para levar consigo o violinista veio apenas dois dias depois, quando a Morte já não aguentava mais a revolta de seu próprio corpo contra si. Tocou no homem com a ponta dos dedos logo atrás de sua nuca, evitando assim que olhasse seu rosto e sentisse algo além do pesar por tê-lo feito partir. No entanto, a descoberta manteve-se em si e, sempre que possível, Jongdae vagava no mundo humano conhecendo os estilos musicais existentes.

Algumas vezes, chegava a cantar para aqueles que levava, principalmente se eram crianças ou vítimas de ataques cruéis. Jongdae descobriu através dos anos que seu canto fúnebre acalmava as almas apavoradas de partir, ao mesmo tempo que cantar também acalmava a si mesmo a cumprir seu trabalho. No fim, a música transformava sua missão de tirar a vida em algo menos terrível, mais suportável.

Era nisso que Jongdae pensava agora enquanto caminhava pelos corredores de um hospital, as paredes brancas em contraste com o terno preto que usava. Aquela era outra de suas manias que fazia seus ceifadores rirem ㅡ alguns até mesmo reviravam os olhos quando pensavam que ele não os via ㅡ: Jongdae possuía certo interesse pela moda humana. Enquanto os ceifadores, em sua maioria, não podiam ligar menos para seus trajes escuros e sobretudos, ele costumava escolher os melhores ternos e smokings em seu alcance.

Afinal, a morte também pode ser elegante.

Caminhava pelo hospital com passos precisos e calma sem igual, sabia para onde ia: UTI. Procurava um garoto que o caso chamara sua atenção, portador de uma doença rara com a qual Jongdae encontrou-se apenas algumas vezes em seus anos de existência, aquele humano estava no início do fim. Até onde sabia, o diagnóstico havia sido feito quatro anos antes, porém ㅡ através do que os médicos chamaram de um “milagre” ㅡ o tratamento a qual era submetido deu bons resultados.

Bom, pelo menos até hoje.

Como parte de seu trabalho, Jongdae sabia mais que qualquer um o funcionamento de doenças, conhecendo cada aspecto capaz de torná-la fatal. Por isso mesmo que aquele caso lhe intrigava tanto, afinal, além de rara a doença também era incurável. Não havia outro destino para aquele garoto que não ia de encontro com os braços calorosos da Morte.

Encontrar o quarto de seu escolhido não foi difícil e, em pouco tempo, Jongdae atravessava a porta branca. O cômodo de paredes iguais janela de cortinas cor de creme estava silencioso, não havia ninguém no local naquele momento e, na cama ao centro do quarto, um leve movimento indicava que alguém dormia ali. O garoto morreria dormindo, pacificamente. De certa forma, aquilo acalmava Jongdae, afinal, um fim tranquilo e sem dor era o mínimo que aquele garoto poderia receber após anos de vida perdidos em um hospital.

As cortinas abertas iluminavam o cômodo de forma quase deprimente, a luz do fim de tarde refletindo nas paredes fez Jongdae parar e observar melhor o local onde estava. Cobrindo um lado do quarto, diversos desenhos de flores e as mais diversificadas espécies de plantas davam cor a parede branca, os traços finos ganhavam vida com as pinceladas delicadas de aquarela. Jongdae viu-se distraído com os minuciosos detalhes de cada pintura, até mesmo encantado com a habilidade com a qual foram criadas. De repente, questionou-se quem seria seu autor, os olhos voltando seu foco para o volume escondido na cama.

Fechando os olhos, Jongdae deu de costas para a parede. Aquilo não era hora de pensar em desenhos, tampouco imaginar sobre quem devia matar, ele estava ali por um propósito. Uma missão.

Sentou-se na beirada da cama como se possuísse todo o tempo do mundo ㅡ o que, de certa forma, não deixava de ser real já que a própria existência do tempo é relativa ㅡ, e preocupou-se em ouvir. Geralmente, perto de partir, as almas são capazes de pressentir a presença de Jongdae ao seu lado, o processo nunca funciona da mesma forma para todos, entretanto seu fim é o mesmo. Naquele quarto, porém, não havia um vibrar sequer da alma daquele garoto, e o único som capaz de ouvir era a leve respiração de seu sono.

Estranho. Não incomum, mas estranho.

A aparentemente tranquilidade da alma, no entanto, podia ser encarado como um alívio e, com este pensamento em mente, Jongdae esticou a ponta dos dedos para garantir a eternidade de seu silêncio.

Foi então que aconteceu.

Um atraso sem sentido e bobo de Jongdae em seu desejo de humanidade, combinado com o azar de estar diante de uma alma quieta fez seus dedos congelarem no ar. O garoto na cama remexia-se e, em segundos, soltou-se do aperto de lençóis para que seu rosto estivesse totalmente a mostra. Foi quando os olhos de Jongdae encontraram o rosto pacífico do garoto dormindo que ele percebeu, mais do que um atraso, Jongdae cometeu um erro.

O mesmo erro que jurou nunca mais cometer.

Deitado entre os lençóis brancos estava um jovem de aparência frágil, seus traços delicados descansavam no que parecia ser um sono tranquilo, seu único movimento aparente era o levantar de seu peito no ritmo de sua respiração. Jongdae viu-se completamente distraído pelas suas feições serenas, o modo como o emaranhado de fios alaranjados de seu cabelo eram um contraste de cor no branco o encantando por completo, e quando notou Jongdae imaginava qual seria a sensação de sentí-los entre seus dedos. A palidez do garoto denunciava o estado avançado de sua doença, no entanto sua pele parecia macia ao toque que a Morte sabia que não podia executar.

Ao toque que, na verdade, ela já deveria ter dado.

Entretanto, lá estava Jongdae imóvel encantado com aquele humano sem ao menos conseguir desviar seu olhar, mesmo tão fraco o garoto havia vivido mais do que se era esperado, como poderia simplesmente retirar sua vida assim? E, mais do que isso, por trás de sua pele pálida e corpo cansado, existia um garoto desesperado para viver com cada batida de seu coração.

Os minutos em que a indecisão de Jongdae atrasaram a parada dos ponteiros do outro, automaticamente fizeram sua presença ser sentida, através de uma forte pontada súbita de dor seu corpo reagiu a punição. De repente, sua cabeça parecia explodir de dor enquanto os músculos de suas pernas cederam, fazendo com que Jongdae perdesse o controle do seu corpo e, como um boneco, caísse ao chão.

O impacto do seu corpo batendo não fora o suficiente para que lhe machucasse, entretanto, Jongdae possuía consciência de que simplesmente não conseguiria mais ter o domínio total dos seus membros, isto é, até que desse ao jovem na cama o final que lhe aguardava.

“Quem é você?”

A voz suave estava carregada de surpresa e confusão, para um amante de música como Jongdae, o som assemelhava-se com o início de uma bela sinfonia. No mesmo instante, segurou o ar que não precisava para respirar, notando que não deveria estar prestando atenção em detalhes como aquele, havia coisas mais importantes no momento.

O garoto o viu.

Em seu conflito interno e admiração por aquele simples humano, Jongdae tornou-se fraco novamente, deixando com que o véu entre os mundos fosse rompido e sua presença notada. Ele precisava levá-lo o mais rápido possível, porém não conseguia levantar-se do piso frio do quarto, congelado pela falta de coragem em fazê-lo e a sensação de realidade que o abatia.

“Quem é você?” O garoto repetiu, desta vez seu tom de voz era mais incisivo e Jongdae quase conseguia sentir o desespero aos poucos penetrando o cômodo ㅡ mesmo sem saber dizer de quem viria tal emoção.

Controlando a dor que sentia e levantando-se do chão com um único movimento, ele virou-se para encarar o humano ㅡ agora acordado ㅡ novamente.

Quando o fez, desejou que não o houvesse feito. Caso Jongdae respirasse como um humano qualquer, provavelmente estaria sem ar suficiente no momento, pois a visão do garoto acordado agora lhe bagunçava os pensamentos e o fazia sentir. Como se o mundo monocromático de Jongdae finalmente ganhasse cor e vida, iniciando seu tom na forma que a luz do sol dançava no castanho dos olhos daquele garoto, de repente tudo ganhava uma nova tonalidade, uma nova vibração. O peito de Jongdae ardia em um misto de dor e um sentimento novo que não atrevia-se a pensar, pois quem era ele para sentir? Quanto mais sentir algo tão… Humano?

O silêncio que os envolvia era um forte contraste com os gritos dos pensamentos de Jongdae, sentia-se tolo sentado no chão apenas encarando o garoto, nem ao menos sabia como responder sua pergunta. Afinal, como poderia? Como seria capaz de dizer que estava ali para matá-lo? E, agora, Jongdae sabia que no fundo não seria capaz de fazê-lo, não quando desejava cuidar daquele jovem e afastá-lo de toda dor e sofrimento.

Afastá-lo de si mesmo.

Levantou-se do chão sentindo as pernas fraquejarem, a combinação entre o turbilhão de emoções que sentia e as punições por não cumprir seu dever. Com passos calmos, Jongdae caminhou até a cama sob o olhar observador do garoto nela deitado, todo seu corpo gritava para que se afastasse daquele rapaz e jamais o tocasse, o novo sentimento acordado em si queimando-lhe o peito.

Antes que pudesse fazer mais do que esticar seus dedos, porém, a porta do quarto que estavam foi aberta de uma só vez e, quando a enfermeira passou por Jongdae como se ele nem ao menos existisse, a Morte aproveitou-se da desculpa para desaparecer dali.

###

“Por que ninguém mais te vê?”

Foi com uma pergunta em tom de curiosidade e fascinação que Jongdae foi recebido novamente no quarto, apenas alguns dias depois do primeiro encontro entre eles. A ideia era encontrar o garoto dormindo, por isso mesmo havia escolhido visitá-lo no período noturno, no entanto, o jovem estava completamente acordado quando Jongdae ultrapassou a porta.

Sentado com um pequeno caderno de capa preta no colo e uma caneta de ponta fina entre os dedos, o garoto o analisava minuciosamente com os olhos sem a menor discrição, e Jongdae sentia-se queimar pela atenção fixa do outro em si. Algo dentro de seu peito mexia-se inquieto por estar em sua presença, algo real e humano demais para que Jongdae conseguisse colocar um sentido lógico.

"Você não deveria me ver, foi um erro” Começou a dizer e pode ver o garoto levantando as sobrancelhas em surpresa “Desculpe-me por isso”

“Oh, você fala”

A observação foi feita com um fino sorriso nos lábios do rapaz, e a simples ação fez Jongdae sentir o corpo tremer. Ele não sabia ao certo, porém, se tal reação era por quão adorável o outro parecia, ou pela punição que fazia seus membros amolecerem sem aviso.

“Quem é você?”

E lá estava aquela pergunta novamente, tirando da boca de Jongdae qualquer chance de resposta simplesmente porque não conseguia dizê-la. Pela primeira vez em muitos anos, sentiu o acelerar em seu peito quase semelhante as batidas de um coração humano. A sensação estranha era aterrorizante e o fazia querer correr, Jongdae sentia-se longe do controle de tal situação pois sua lógica estava submersa pelo garoto a sua frente.

Jongdae deveria apenas matá-lo e ir embora.

Entretanto, seus pés estavam enraizados ao chão e a mera ideia do outro sem vida o fazia contorcer-se em dor, sendo esta ainda pior do que qualquer punição física que fosse capaz de receber.

“Se eu te contar quem sou, você vai preferir nunca ter perguntado”

A resposta pareceu apenas intrigar mais o garoto, pois assim que a ouviu seus olhos fixaram-se nos de Jongdae com intensidade suficiente para tirar-lhe o fôlego, um brilho de pura curiosidade reluzindo fracamente com a luz do abajur do quarto. Havia algo tão único e tão hipnotizante naquele humano que o fazia não conseguir desviar seus olhos, mesmo que seu corpo gritasse para tocá-lo e se aproximar, sentir a maciez de sua pele com a ponta dos dedos e o quão quente seria seu toque no rosto de Jongdae.

Com a mente borbulhando de ideias que sabia que levariam o garoto ao seu fim, Jongdae deu passos para trás tentando impedir seu corpo de aproximar-se da cama, mesmo que já estivesse há uma boa distância da mesma. O movimento não passou despercebido pelo outro, que mordeu o lábio inferior fazendo o pulso de Jongdae aumentar ㅡ e o que poderia ser considerado seu coração bater freneticamente em seu peito.

“Eu… Me chamo Minseok”

Minseok.

O nome foi como um sussurro no escuro do cômodo, e a palavra tão simples ressoou nos ouvidos de Jongdae que se prendeu a ela como uma corda, deixando-se enrolar nela e em como a voz de Minseok possuía uma melodia perfeita em seus ouvidos. Sem jeito, testou dizer o nome do garoto, provar como seu nome soaria em sua voz e o quão doce era finalmente poder chamá-lo, a falsa sensação de intimidade e aproximação humana.

Ao ouvir seu nome sendo dito por Jongdae em voz baixa, Minseok sorriu novamente de modo que suas bochechas tomassem cor, um fraco vermelho as tingindo e lhe dando mais vida em meio a doença que dominava seu corpo.

Sabendo que não seria capaz de matá-lo e que sua tentativa havia sido um fracasso, Jongdae não se importou em agir. Retribuiu o sorriso do garoto com a dor incessante de seus membros, o peito pesando com sentimentos que não sabia como lidar e as mãos trêmulas em esforço para que suas pernas não cedessem.

Naquela noite, quando foi embora carregando consigo apenas a força de seus pensamentos e desejos, Jongdae recordou-se como era a sensação de chorar e ㅡ apenas iluminado pela luz da Lua ㅡ caminhou entre os humanos desejando ser um deles.

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Cumprir seu dever como a Morte, quando pensamentos sobre Minseok continuavam a invadir sua mente, agora era como um teste diário de seus sentimentos. A descoberta de seu amor pela humanidade não lhe fora fácil no passado, entretanto desta vez havia algo a mais para atormentá-lo: Jongdae não o amava simplesmente por ser humano ㅡ uma daquelas criaturas tão peculiares que admirava há milênios ㅡ, mas sim pois era Minseok.

Amava-o pois nenhum outro humano parecia tão real em seus olhos, até mesmo tão vivo mesmo nas condições que se encontrava. Nenhum outro possuía lábios tão chamativos, ou sorriso capaz de fazer com que ele próprio sorrisse, Minseok era especial simplesmente porque o fazia sentir mesmo quando Jongdae achava que tal coisa estava longe de seu alcance para sempre.

“Eu tenho palpites sobre quem você é” Disse Minseok um certo dia, quando Jongdae apareceu em seu quarto.

O garoto não o olhava, sua atenção fixada em uma tela a sua frente apoiada em um pequeno cavalete. Era a primeira vez que Jongdae o encontrava sentado em uma cadeira, afastado de sua cama, Minseok lhe parecia mais saudável e até mesmo mais cheio de cor. Vida.

Jongdae deixou seus olhos percorrerem a tela que Minseok pintava, admirando o cenário florido ganhando vida a cada pincelada precisa que o outro dava. Sentou-se na beirada da cama com cuidado e o mais distante que podia do garoto, não queria arriscar ser pego de surpresa por um encostar de braços e pernas descuidado.

“Eu pensei em várias teorias, sabia?” Voltou a dizer Minseok focado em dar cor a um rio de águas cristalinas “Essa é a terceira vez que você simplesmente aparece no meu quarto, você nem ao menos usou a porta hoje”

“Portas as vezes não são necessárias”

A resposta fez Minseok rir e Jongdae não conseguiu evitar sorrir, ele o havia feito rir. Aquela reação foi causada por si.

“Para humanos elas são, o que me leva a crer que você não é humano” Falou Minseok relaxando o pincel e, após uma pausa, completou “Ou real”

Aquilo fez Jongdae erguer as sobrancelhas, desejava virar o rosto de Minseok para si e ver com qual expressão lhe dizia aquilo. No entanto, ele nem ao menos se mexeu, optando por enroscar os dedos entre os lençóis na cama do garoto.

“Eu sou tão real quanto você, Minseok”

O silêncio que os envolvia era um barulho incômodo, era claro como o céu azul da janela de Minseok o quão desconfortável o garoto estava, o pincel praticamente esquecido entre seus dedos pingava a tinta no chão do quarto, formando manchas de cor no branco imaculado de hospital.

“Você não acredita que eu sou real, acredita?”

“Como eu poderia?” Questionou Minseok como resposta, ele ainda estava de costas para Jongdae, mas o medo em sua voz era evidente “A enfermeira não te viu aquele dia, quando perguntei sobre você para ela de novo, ela me olhou como se eu estivesse alucinando. E eu posso estar realmente alucinando”

“Eu posso te provar que sou real”

Sem dizer mais nada, Jongdae observou quando Minseok virou-se para encará-lo, o medo de sua voz enevoando o brilho de seus olhos. Pensar nas consequências de sua aproximação com aquele humano era algo que o assustava, portanto, limpou sua mente de todos os avisos que o lado mais racional e lógico de si continuava a lhe enviar; com apenas o instinto de proteger Minseok de seu destino, encarar a situação entre eles era mais fácil.

Os olhos de Minseok acompanharam cada movimento de seus braços e, quando Jongdae esticou os dedos para tocar nas flores ao lado da cama ㅡ vibrantes margaridas, possivelmente novas já que a Morte nunca as havia visto antes ali ㅡ, o garoto prendeu a respiração. A partir do leve toque de Jongdae nas pétalas da flor, o intenso perfume da mesma desapareceu sendo substituído pelo aroma de folhas secas, suas pétalas murchando em seguida e se despedaçando aos poucos.

Nenhum dos dois atreveu-se a falar nada, mas quando os olhos de Jongdae voltaram a encontrar os de Minseok ele soube que o garoto entendia, o enorme mistério a sua frente tornando-se a cada segundo uma assustadora realidade.

Incapaz de continuar mais um minuto ali diante do garoto, Jongdae desapareceu no ar indo o mais longe possível dali, sonhando em uma outra vida de possibilidades para os dois.

Em seu medo de encontrar novamente Minseok, os dias de Jongdae passaram concentrados em seu trabalho e almas para recolher. A cada nova libertação que oferecia aqueles pobres humanos, não conseguia evitar de pensar que o dia em que faria o mesmo com Minseok chegaria. Quando sua mente era tomada por estes pensamentos, um misto de raiva e tristeza dominava seu corpo e o queimava por dentro, quase uma combinação insuportável com a punição da morte que evitou.

Algumas vezes, a dor de seus músculos e mente era quase demais para aguentar, enquanto em outras ela desaparecia por completo apenas para voltar com intensidade ainda maior que antes. Entretanto, quando Jongdae pensava em Minseok sorrindo e vivo ㅡ mesmo que estivesse aprisionado entre as paredes de um hospital ㅡ o peso de sua punição não lhe parecia com nada. Ele trocaria qualquer coisa, até mesmo sua própria paz, caso isso significasse que não teria que levar o outro garoto consigo.

A coragem para visitá-lo novamente apareceu após duas longas semanas, quando seu coração já não aguentava mais o peso da saudade, e sua mente cansada de repetir as mesmas imagens do garoto. Desta vez, porém, ao chegar no quarto, não foi na cama que o encontrou e sim cercado pelas plantas do jardim que enfeitava os fundos do hospital.

Jongdae permitiu-se observá-lo por uns instantes antes de anunciar sua presença, de certa forma, apenas admirar Minseok fazia seu peito acalmar e a dor cessar por uns instantes, o carinho que o atordoava substituindo qualquer coisa negativa em si. Ali, sentado com os tons de verde e o aroma das flores o envolvendo, o garoto lhe parecia tão humano que era um pecado para Jongdae pensar que seus dias estavam contados desde seu primeiro encontro.

Quando ocupou o espaço mais distante possível do outro no banco de madeira, não houve qualquer indício de surpresa vindo de Minseok, era como se o garoto já o esperasse. De certa forma, não sabia dizer se aquilo era algo positivo.

“Você sumiu”

E lá estavam os olhos curiosos de Minseok o observando novamente em um misto de  fascinação e ternura, era como se a presença de Jongdae ㅡ a própria Morte ㅡ ali não o afetasse de maneira alguma, pelo contrário, era como se instigasse no garoto uma admiração assombrosa para entender o mistério diante de si. Possuir a atenção de Minseok para si fazia com que uma explosão de emoções ocorresse em Jongdae, sentimentos que lhe eram estranhos e o fazia sentir-se humano, com uma existência assustadoramente real.

O garoto ainda o observava sentado em seu canto no banco de madeira, os raios solares reluziam nos fios laranjas de seu cabelo, e um sorriso adorável encontrava-se desenhado em seu rosto. Havia algo sempre tão puro, tão cheio de vida em seu olhar que desconcertava Jongdae e a realidade de que o tempo estava passando doía, uma pontada de dor que tomava conta de todo seu corpo e lhe tirava o ar. Fazia apenas duas semanas desde que Minseok deveria ter morrido, entretanto, a punição que Jongdae sofria era um lembrete árduo que recebia a cada segundo.

“Você gosta de flores?”

A pergunta de Minseok o fez desviar o olhar para o jardim florido do hospital, as cores e aromas misturando-se pelo ar em contraste com o tom deprimente do lugar. Para dizer a verdade, Jongdae não saberia ao certo falar se gostava ou não de flores. as que mais possuía contato eram crisântemos ㅡ por razões mais que óbvias ㅡ e talvez aquela não fosse a melhor resposta para os olhos esperançosos de Minseok, portanto, ele apenas assentiu em silêncio.

“Você conhece aquelas?” Perguntou o garoto apontando para um canteiro próximo, onde flores laranjas desabrochavam cheias de vida “São gerberas, você consegue notar a semelhança entre elas e margaridas, pois são da mesma família”

“Não sabia que você entendia de plantas” Disse Jongdae sorrindo ao notar o olhar encantado do outro.

“Bom… Você não sabe muito sobre mim, isto é, tirando o fato que eu deveria estar morto”

A vontade de protestar ficou presa na garganta de Jongdae, e por mais que quisesse questionar como o garoto havia chegado a tal conclusão, ele não possuía forças para tal. Não quando ele estava correto.

Um silêncio desconfortável instalou-se entre eles, onde apenas o som do assobio do vento fazia-se notar. A verdade das palavras de Minseok pulsavam na mente de Jongdae, e novamente lá estava o aperto em seu coração, o mesmo que sentira quando a percepção de que o outro devia morrer veio a tona há mais de uma semana atrás.

Alguns minutos se passaram sem que nenhum dos dois quebrasse o silêncio, Minseok parecia perdido e com o olhar distante, as mãos em seu colo apresentavam dedos inquietos contorcendo-se na barra da camisa azul. Quando o garoto voltou a falar, sua voz era fraca e quase um sussurro no ar.

“Quando você vai me levar com você?”

‘Nunca, você merece viver’ ㅡ foi a resposta que Jongdae pensou com pesar, as palavras entaladas em sua garganta sem tomar cor. Jamais seria capaz de matar Minseok, arrancar com suas próprias mãos a alma tão bela que habitava seu corpo, o único humano capaz de fazer a Morte amar.

“Eu não sei” Foram as palavras que ele realmente respondeu, rendendo-lhe um suspiro.

Quando Minseok voltou para seu quarto, subindo devagar as escadas do hospital sem olhar para trás, Jongdae aproximou-se do canteiro de gerberas. As flores realmente eram semelhantes a margaridas, no entanto, brilhavam em um forte tom de laranja que o fazia lembrar do cabelo de Minseok. Com delicadeza, Jongdae esticou os dedos para tocar nas belas pétalas e observou enquanto as mesmas murcharam, a cor perdendo-se instantaneamente e a morte prematura levando consigo sua essência.

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Passar seus dias no hospital visitando Minseok havia se transformado em sua nova rotina, continuava a fazer seu trabalho ㅡ afinal, não havia escolha para a Morte ㅡ, no entanto apenas a ideia de ver o garoto fazia sua função mais simples.

Havia tanto que Jongdae não sabia sobre Minseok, tanto que instigava sua curiosidade em aprender sobre o garoto, entretanto descobrir sobre o outro havia se mostrado uma missão difícil, quase impossível.

Acomodado no silêncio de seu quarto no hospital, Minseok não importava-se em de fato falar quando Jongdae estava presente, apenas reconhecia sua presença ali para minutos depois voltar sua atenção a algo qualquer. Geralmente o garoto estava acompanhado de um pequeno caderno de capa dura, seu olhar concentrado enquanto as mãos moviam uma caneta apressada por suas páginas. Tudo nele parecia calmo e reservado, distante em um mundo que Jongdae não possuía permissão para acessar.

Outras vezes, encontrava-o observando o céu pela janela do quarto. Nesses momentos, Minseok assumia uma postura quase sonhadora, e seus traços felinos acentuavam-se em seu rosto. Era lindo observar a forma que ele ㅡ e o quarto completamente branco ㅡ eram tingidos pelos tons do pôr-do-Sol, os fios laranja do cabelo de Minseok brilhando ainda mais. Eram em momentos assim, que Jongdae sentia-se capaz de morrer (por mais irônico que fosse) de amor.

Não foi necessário muito esforço, para que Jongdae percebesse que o silêncio de Minseok, não era uma forma de afastá-lo, mas sim apenas parte de quem era. Assim que ele chegava no quarto do garoto, apenas duas palavras eram ditas: boa tarde. Logo, Jongdae acostumou-se com a tranquilidade que estabelecia-se em suas tardes ali, havia algo de confortável em sentar na poltrona na parede oposta da cama de Minseok, apenas o observando tarde após tarde.

“Dói?”

A pergunta fez Jongdae arregalar os olhos em surpresa pra Minseok, o garoto não o olhava, seu foco estava no que escrevia em seu caderno.

“Para alguns sim” Respondeu estudando o outro, notando no mesmo instante a caneta parada no mesmo ponto da página “Mas eu existo exatamente para evitar a dor”

A resposta fez com que Minseok finalmente o olhasse, e o que Jongdae ali viu era uma névoa indecifrável. Seus olhos tão brilhantes com vida estavam opacos, e a caneta jazia rolando esquecida nos lençóis de sua cama. Ele preferia ver o garoto em silêncio escrevendo, ou quem sabe observando o céu e dando uma volta no jardim do hospital, qualquer coisa que trouxesse a Minseok seu brilho tão único.

“Ainda bem que você está aqui então” Disse Minseok sorrindo.

Jongdae não precisava olhar duas vezes para ver o sorriso não atingindo os olhos de Minseok.

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Foi durante a terceira semana visitando Minseok, que as coisas mudaram. Naquela tarde, ao chegar no quarto de hospital do garoto, não foi o habitual silêncio que o recebeu e sim o barulho de risadas. O que Jongdae não esperava, porém, era encontrar Minseok acompanhado de outra pessoa sentada na sua cama, tão próximo do garoto que mal havia espaço entre eles.

Assim que Minseok notou sua presença no cômodo, seu olhar perdeu-se em Jongdae lhe oferecendo um simples sorriso, uma pequena covinha formando-se no canto de sua bochecha.

“Ei, Minseok?” O garoto sentado na cama chamava o outro, balançando uma das mãos na frente de seu rosto.

No mesmo instante Minseok quebrou o contato visual com Jongdae, que sentiu-se sendo retirado de seu paraíso pessoal. Emburrado, olhou para o motivo da interrupção pensando em quem aquele garoto intrometido podia ser. O cabelo vermelho vivo emoldurava seu rosto fino, e Jongdae não precisou pensar muito para chegar a conclusão que ele possivelmente deveria ter a idade de Minseok, principalmente pela forma que suas feições eram joviais.

“O que tanto você olha?” Questionou o desconhecido encarando o exato ponto que Jongdae encontrava-se, claramente não vendo nada ali “Sabe, eu acho que ficar tanto tempo no hospital está te fazendo acreditar em espíritos”

Rindo, Minseok balançou a cabeça em negação “Não fale essas coisas em um hospital, não é como se eu estivesse aqui porque quero”

“Eu… Me desculpa, Hyung” O garoto parecia completamente arrependido, de seu lugar na poltrona, Jongdae o encarava com a testa franzida querendo entender qual a ligação do garoto com Minseok “Você vai melhorar, eu tenho certeza disso!”

“Obrigado, Baekhyun”

Os dois continuaram a conversar por mais algumas horas, enquanto Jongdae ficou imóvel em seu lugar observando a interação curiosa entre eles. Foi preciso apenas alguns minutos para que percebesse que Baekhyun era o oposto de Minseok, sendo a melhor definição possível para qualquer ação sua o adjetivo “barulhento”. Na maior parte do tempo que esteve lá, o garoto ocupou-se a falar sem parar e contar piadas que faziam Minseok se contorcer de tanto rir, o que despertava uma sensação estranha no peito de Jongdae.

Assim que Baekhyun foi embora, despedindo-se com um abraço ㅡ que pareceu demorar tempo demais ㅡ e uma promessa que passaria mais tempo com Minseok no hospital, as palavras deixaram a boca de Jongdae antes que pudesse impedir.

“Quem é ele?”

Erguendo as sobrancelhas, Minseok o encarou com um brilho divertido no olhar, mas logo em seguida desviou os olhos e concentrou-se em arrumar o travesseiro no qual estava apoiado.

“Baekhyun? Um amigo” Respondeu sem muita atenção “Nós somos amigos desde sempre, acho que nunca soube o que era não ser amigo dele”

“Ele parece barulhento” Disse Jongdae com uma careta, fazendo Minseok rir.

“Ele é, mas acho que é por isso que nos damos tão bem, entende?” Falou Minseok sorrindo e abraçando os joelhos com certo esforço “Baekhyun consegue falar o que eu sinto dificuldade em dizer”

Aquilo fez Jongdae se encolher na poltrona e calar-se com seus pensamentos. Havia tanto que não sabia sobre Minseok, todos os anos de vida fora daquele hospital, antes de ser diagnosticado com uma doença incurável. De repente, sentiu ciúmes de Baekhyun, aquele garoto barulhento que havia visto ㅡ e, mais do que isso, vivido ㅡ tantos anos de Minseok que Jongdae jamais teria acesso, será que ele sabia a sorte que possuía? O quão precioso era ter lembranças de Minseok fora de uma cama de hospital, com a cor lhe tomando o rosto e um sorriso capaz de iluminar uma cidade inteira?

Sentia-se um tolo por tal sentimento mesquinho, algo ainda mais humano que seu amor mais puro por Minseok. Queria desaparecer por completo, entretanto não podia desperdiçar um dia sequer com o outro, e já havia perdido horas preciosas do dia o dividindo com Baekhyun.

“Você parece pensativo”

Quando Jongdae o olhou, teve que apertar os punhos no braço da poltrona para não levantar e abraçá-lo. Minseok descansava o rosto nos joelhos, seus braços envolvendo as penas cobertas por um pijama já gasto de bichinhos, ali na cama ele parecia tão pequeno e frágil que fazia seu coração doer. Os fios laranja de seu cabelo estavam bagunçados, suas bochechas cheias apertáveis chamando pelos dedos de Jongdae, e mais uma vez o ciúmes de não poder tocá-lo como Baekhyun havia feito deixou um gosto amargo em sua boca.

"Alguma vez você já desejou ser algo que não pode ser?” Questionou Jongdae com a voz baixa e mais trêmula do que pretendia.

Minseok pensou por uns minutos, fechando os olhos como se tal ação lhe causasse muito esforço físico.

“As vezes eu desejo ser um pássaro” Ao ouvir a resposta, Jongdae riu fazendo Minseok abrir os olhos “O que? Não ria! Poder voar parece legal e você quem perguntou!”

O garoto parecia sem graça, mas Jongdae podia notar o sorriso em seus lábios e o brilho em seus olhos.

“E você, alguma vez desejou ser outra pessoa?”

“Eu queria ser alguém como você, como Baekhyun. Eu queria ser humano o suficiente para poder te dizer o que sinto”

“Não”

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O tempo é algo indefinível e relativo quando se é a Morte, para Jongdae o conceito do que é o tempo nunca foi algo concreto assim como sua própria existência. Não havia como medir os minutos e horas de seu dia de forma humana, principalmente quando a todo instante ele agia em todos os seres vivos do planeta, ocupado em oferecer a paz para aqueles que mais a necessitavam. No entanto, desde que conhecera Minseok, a ideia do que era o tempo modificou-se para si.

Os ponteiros do relógio de Minseok estavam obviamente correndo, mesmo que Jongdae não o tocasse e evitasse pensar no final inevitável do garoto, ele não era incapaz de notar as mudanças físicas do garoto. Não havia qualquer cura para sua doença e o progresso que a mesma fazia em seu corpo era notável, havia vezes que Jongdae o encontrava dormindo enrolado nos lençóis e tão branco quanto os mesmos, como se o sangue de seu corpo houvesse parado de circular por completo. Em outros momentos, os membros de Minseok cediam e ele perdia o controle de suas pernas, indo de encontro ao chão, sendo socorrido por enfermeiros e médicos que passavam.

E, quanto mais a doença avançava seu estado letal em Minseok, mais o próprio Jongdae era capaz de sentí-la. as fortes dores de cabeça e fraqueza atingiam um nível ainda maior que antes, a realidade do que devia ser feito sendo cobrada de si. Era necessário apenas um sorriso de Minseok, entretanto, para  Jongdae lembrar-se por que não era capaz de matá-lo.

“Por que você não me levou ainda com você?”

A pergunta veio após dois meses, estavam ambos novamente no jardim do hospital e, dessa vez, Minseok estava sentindo-se forte o suficiente para passar ali a tarde. Com o auxílio de uma carinhosa enfermeira, levou consigo o cavalete e suas tintas, iniciando uma de suas pinturas.

“Por que deseja saber tanto sobre sua morte?”

“Oras, você não gostaria se soubesse que vai morrer?”

“Minseok, todos os humanos sabem que vão morrer” Respondeu Jongdae distraído com uma borboleta azul pousando nas gérberas laranjas “Não entendo essa sua obsessão”

"Os outros humanos não conversam com você”

Aquilo o fez encarar Minseok, porém o garoto não o olhava, estava concentrado na sua tela  e pincéis. Ele estava certo, Jongdae não falava com nenhum humano… Minseok era diferente, ele sempre seria.

“Terminei”

Antes que pudesse dizer algo, o outro segurava a tela e a virava para mostrá-lo com um sorriso tímido. Ao ver a pintura, Jongdae foi incapaz de segurar a onda de sentimentos que o dominava.

Pintado com uma mistura de tons curiosos, como uma fumaça negra estava Jongdae. Os traços delicados e precisos de Minseok foram capazes de captar perfeitamente sua forma física, havia detalhes perfeitamente colocados que o fizeram sem graça, afinal, para aquilo o outro devia o ter encarado por horas sem que se desse conta. O mais encantador, contudo, era a escolha de cores de Minseok. Além do preto ㅡ praticamente a única cor que Jongdae conhecia para se vestir ㅡ, havia também o azul intenso do dia e as cores vibrantes das flores que o cercava, era como se ele quisesse gravar eternamente o momento que viviam através das pinceladas de seu pincel.

Jongdae era capaz de sentir o arder de lágrimas em seus olhos, a força do carinho que sentia por Minseok capaz de derrubá-lo. Simplesmente não conseguia mais lidar com aquela situação, não quando possuía consciência que havia pouco tempo, que mesmo sem ouvir o grito de ajuda da alma de Minseok, em breve os pedidos de socorro seriam tudo que ouviria. Não haveria mais risadas, apenas dor.

Apenas quem ele era, a Morte.

“O que achou?” Minseok lhe perguntou com um sorriso tímido, seus olhos esperançosos analisavam seu rosto a procura de qualquer reação.

“Você é incrível, Minseok”

O sorriso que brilhou no rosto do outro fez com que o tempo novamente perdesse o sentido para Jongdae.

###

Nada exatamente parecia mudar na rotina entre os dois, porém havia pequenas modificações que aqueciam o peito de Jongdae, detalhes que agora ele guardava na memória para quando estava sozinho e longe do hospital.

Aos poucos, Minseok abria-se para ele oferecendo partes de informações sobre si, ele nunca questionava demais sobre Jongdae ㅡ o que ele era grato ㅡ, mas tampouco costumava a falar de si mesmo sem que Jongdae o instigasse a tal. Contudo, foi quando questionou o garoto sobre suas pinturas que ele descobriu o quanto adorava ouví-lo falar, seus olhos eram cheios de paixão ao dizer para Jongdae sobre sua vaga na escola de arte.

Era como se fosse capaz de finalmente conhecê-lo por completo, mesmo que ainda houvesse tanto que Jongdae não soubesse, e a cada nova informação ou lado que Minseok o permitia ver, mais Jongdae perdia-se no universo que constituía aquele humano capaz de fazê-lo amar.

A vida, no entanto, é imprevisível. E, por mais que Jongdae houvesse evitado há mais de seis meses o destino de Minseok, ele não era capaz de evitar suas próprias punições.

Muito menos quando elas o atacavam na presença de Minseok.

Aconteceu de repente, enquanto ambos conversavam na segurança do quarto do garoto, em um minuto Jongdae sorria enquanto o outro lhe contava histórias que viveu com Baekhyun na infância; no outro rolava pelo chão frio com a dor lhe queimando a carne.

O tempo fez a intensidade das consequências da morte evitada, as dores anteriores agora eram como se o próprio corpo de Jongdae estivesse pegando fogo, mexer seus membros era impossível e sua cabeça latejava tanto que poderia explodir.

“Não me toque!” Jongdae conseguiu gritar quando viu Minseok tentando se aproximar para ajudá-lo “Não importa o que aconteça, não me toque”

O medo nos olhos de Minseok eram uma dor pior que a sua punição física, o garoto parecia completamente apavorado e logo Jongdae viu lágrimas escorrendo por seu rosto, de acordo com que compreendia a informação em suas entrelinhas.

Demorou cerca de meia hora até que Jongdae conseguisse levantar o suficiente para sentar-se na poltrona, seu corpo estava tão fraco que ele não sentia-se capaz de nem ao menos mexer os dedos. Minseok o observava com olhos vermelhos e o lábio inferior trêmulo, suas mãos apertavam o lençol da cama com tanta força que seus dedos estavam avermelhados.

“O que aconteceu com você?”

“Não foi nada, não se preocup-”

“O que aconteceu com você?” Minseok repetiu a pergunta com mais força, a voz fraca e pesada de dor.

Suspirando, Jongdae abriu a boca, mas nenhum som saiu. Não sabia como começar a explicar a situação, como seria capaz de dizer a verdade agora que estavam tão próximos?

“Isso é minha culpa, não é?” Questionou o garoto e, quando Jongdae não o respondeu, continuou “Você nunca quis me dizer por que não me levou com você, quando era óbvio que deveria, por que?”

Jongdae não conseguia o olhar, não mais. Não havia como fugir dali, seu corpo estava fraco demais e levaria um tempo para se recuperar, mas o olhar de Minseok queimava-lhe a pele e o deixava exposto de forma que jamais alguém conseguiu antes. Então engolindo o seco e enfrentando os olhos tristes a sua frente, fez sua decisão.

“Eu não posso te levar comigo, Minseok. Eu cometi um erro terrível naquele dia”

“O que você fez?” Perguntou o garoto em tom baixo.

“Esqueci que não sou humano e me apaixonei por você”

As suas palavras fizeram Minseok começar a chorar e, de repente, Jongdae sentiu um impulso para juntar-se a ele. Era a primeira vez que dizia seus sentimentos em voz alta, porém não sabia se aquilo lhe trazia qualquer alívio, apenas tristeza por tudo que jamais poderia viver com Minseok.

“Então isso significa que eu também cometi um erro” Começou a falar o garoto com a voz trêmula e sorriso triste “Afinal, eu sou humano e me apaixonei pela Morte”

E assim, com ambos em lágrimas em lados opostos do quarto, Jongdae conseguiu esquecer a fraqueza de seu corpo. O peito inundado por tudo que sentia, pelo amor que não era mais capaz de conter dentro de si.

###

Quando o ano mudou, não houve qualquer mudança no estado de saúde de Minseok, mas os médicos continuaram a sorrir e lhe dizer o tamanho de sua sorte, como poucos com a mesma doença que ele eram capazes de alcançar os vinte e três anos. Jongdae o observava em silêncio quando ele sorria e agradecia, o sorriso não atingindo seu olhar, mas não era como se todos eram capazes de notar.

Desde a confissão que dividiram, ambos estavam mais próximos que nunca, mesmo que a distância física entre eles ainda fosse existente, a ligação que os unia ultrapassava a necessidade do toque. Diversas vezes, porém, Jongdae imaginava como seria poder entrelaçar seus dedos nos de Minseok, andar de mãos dadas por um jardim ㅡ um longe dali, fora de qualquer hospital ㅡ como um casal normal.

Entretanto eles nunca seriam um casal normal e Jongdae jamais seria humano.

“Você parece feliz, Minseok-hyung” Disse Baekhyun certo dia, deitado na cama de Minseok “Não que você não fosse antes, mas é como se agora você sorrisse mais”

“Hm? Eu sempre sorri” Respondeu o garoto sem tirar os olhos do caderno preto em seu colo “Mas eu me sinto melhor faz um tempo”

“Isso é ótimo, hyung!”

“Não é? Acho que eu encontrei algo capaz de me dar vida novamente”

Minseok disse aquelas palavras olhando Jongdae e lhe dando uma piscadela, fazendo o mesmo revirar os olhos pela piada. Quando Baekhyun foi embora no final da tarde, o caderno preto descansava no colo de Minseok enquanto o garoto dormia sossegado, ele parecia em paz.

Sorrindo consigo mesmo, Jongdae admirou o garoto desejando poder cobrí-lo e acomodá-lo melhor na cama, talvez ㅡ se fosse humano ㅡ poderia deitar-se com ele na cama e dormir com Minseok. Porém aquela não era a realidade dos dois, então Jongdae virou-se de costas e foi embora, afinal, havia trabalho para fazer.

A Lua brilhava no ponto mais alto do céu quando Jongdae retornou ao hospital, encontrando Minseok em pé junto a janela. O quarto estava escuro e apenas a luz natural da noite iluminava o garoto, ele parecia perdido em pensamentos enquanto encarava a escuridão da cidade, os pés descalços inquietos contorcendo-se no chão.

“Aconteceu alguma coisa?”

O garoto deu um pequeno pulo de surpresa, logo sorrindo em seguida ao notar a aproximação de Jongdae.

“Eu quero te fazer um pedido”

“Tem a ver com o que parece estar te incomodando e te fazendo pensar tanto?”

Sorrindo como quem guarda um segredo, Minseok virou seu olhar para a noite a fora.

“Você quer ver as estrelas comigo?”

E, claro, que qualquer desejo ou pedido de Minseok seria cumprido por Jongdae sem qualquer dúvida. Então, sorrateiramente, ele guiou o garoto pelos corredores do hospital até as escadas que levavam ao topo do hospital, ali o vento frio da noite agitava o fino tecido do pijama de Minseok, porém o garoto não parecia sentir qualquer frio. Como uma criança, ele riu e correu pelo espaço de braços abertos abraçando o frio, seu cabelo laranja brilhando na noite.

“Cuidado, não vá cair”

“Tudo bem, eu tenho você” Respondeu Minseok sorrindo e deitando no chão sujo em seguida “Venha!”

Com cuidado para não encostar ou ficar perto o suficiente do outro, Jongdae juntou-se a ele no chão. Não era um lugar confortável para se deitar, ao contrário, o cimento duro machucava as costas e estava gelado, no entanto, o manto escuro coberto de estrelas acima dos dois fez tudo valer a pena. Em silêncio, ambos observaram o céu noturno com apenas o som do vento os embalando.

“Ei… Você se lembra quando te perguntei quem você era há um ano atrás?” Questionou Minseok virando-se de lado para encarar Jongdae, quando este afirmou, ele continuou “Eu te disse que me chamava Minseok, mas você nunca me disse nada. Você nunca se apresentou para mim”

Imitando a posição de Minseok e soltando um suspiro, Jongdae reuniu forças para deixar com que o garoto tivesse acesso a outra parte de si, uma que lhe era especial e carregava em seu peito há mais tempo do que conseguia se lembrar.

“Jongdae, esse é meu nome”

“Jongdae…” Minseok sorriu “Eu gostei”

Retribuindo o sorriso ele deixou seu olhar vagar pelas estrelas novamente, aos poucos, o silêncio foi substituído por histórias. Jongdae sentiu-se livre para contar ao garoto as coisas que viu em sua existência, a criação das estrelas que hoje brilhavam no céu mas que já estavam mortas, e até mesmo como não possuía certeza na sua existência física.

Minseok ouvia tudo com olhos atentos e carinhosos, e quando a noite começava a chegar ao seu fim, Jongdae notou que o garoto chorava.

“O que foi? Eu disse algo que não devia?”

O garoto não respondeu, apenas sentou-se no chão frio de costas para Jongdae. Algo não estava certo no silêncio composto pelos soluços de Minseok, seu corpo tremia com a intensidade que chorava e o frio que o abatia, quando ele voltou a falar Jongdae sentiu que ㅡ se possuísse um coração ㅡ ele estaria em pedaços.

“Eu não posso mais continuar aqui”

“O que você está dizendo, Minseok? É lóg-”

“Não, Jongdae” Interrompeu o garoto virando-se para ele, fazendo Jongdae pensar o quão maravilhoso soava seu nome sendo dito pelo outro “Eu deveria estar morto há um ano, não foi um milagre médico que me salvou, foi você”

“E por que você quer mudar isso?” Indagou Jongdae com mais raiva do que pretendia, levantando-se do chão em um impulso.

Não queria pensar nisso, aquele assunto não deveria ser discutido. Eles finalmente estavam juntos, havia vencido o impossível por Minseok e acostumado seu próprio corpo a uma punição diária, mas estava feliz como nunca esteve. Jongdae tinha Minseok e assim seria por muitos e muitos anos, pois o garoto merecia viver.

“Eu quero que você viva! Desde a primeira vez que te vi, tudo que eu mais desejei foi que você fosse feliz, que fosse humano!” Falou Jongdae passando a mão entre os fios escuros do próprio cabelo, sentindo as lágrimas escorrendo pelo seu rosto “Eu não posso… Minseok,  você precisa entender”

Levantando-se e caminhando até Jongdae, o garoto sorriu triste. Iluminado pela Lua Jongdae não conseguia evitar o quão deslumbrado era por aquele simples humano, a sua beleza lhe deixando hipnotizado.

“Eu entendo e te agradeço pelo ano que você me deu, Jongdae” Minseok esticou a mão para tocar o rosto de Jongdae, mas recuou “Você me disse para não te tocar, eu deduzi que isso me mataria, estou certo?”

“Minseok…”

“Está tudo bem” Sorriu o garoto “Eu sei o que quero, Jongdae, mas você precisa entender o meu lado das coisas também, você precisa me ouvir”

E ouvir foi o que Jongdae fez.

Então, pela primeira vez, Minseok despejou tudo que podia sobre si e cada informação era uma versão completa de quem era, não mais um quebra-cabeças para Jongdae formar em sua memória, ali o garoto expôs por completo seu ser. A dor que sentia por vê-lo sofrer as consequências pela vida de Minseok, o como pensava em coisas que não podia realizar pois amava quem não devia. Mais do que tudo, Minseok lhe contou sobre a gratidão de tê-lo conhecido e ㅡ quando terminou ㅡ Jongdae sabia o que viria, mas não estava preparado para enfrentar tal coisa. Provavelmente nunca estaria.

"Você entende porque eu preciso fazer isso, afinal, você se sacrificou por mim há um ano”

“Minseok, por favor”

“Shh, está tudo bem” Respondeu o garoto indo em direção a Jongdae sorrindo entre lágrimas “Eu te amo, lembre-se disso, eu te amei”

No instante seguinte, Minseok fechava o espaço que ainda restava entre eles e, com o suave toque de seus lábios, entregava seu último suspiro a Jongdae. Pela primeira vez, Jongdae envolveu o garoto entre seus braços e ouviu sua alma falar, entretanto, ela não gritava, e sim sorria para ele enquanto soltava-se do seu corpo material. Aos poucos, o calor do corpo de Minseok perdia-se no toque de Jongdae enquanto uniam-se como um, e quando o peito do garoto chocou-se com o seu, foi apenas o segundo de ouvir a última batida de seu coração.

Segurando o corpo sem vida de Minseok em seus braços, a Morte caiu ao chão em lágrimas. A alma do garoto procurou conforto ali, encontrando a dor e tristeza que sua partida geraram, porém, com as últimas forças que havia em si, a Morte começou a cantar.

E abraçada com o corpo de Minseok, a Morte deixou com que seu canto guiasse a alma daquele que amou, o humano que foi capaz de conhecê-la melhor que qualquer um, seu primeiro e único amor


Notas Finais


Espero que tenham gostado da fic, e deem muito amor para as outras fics do projeto também!! Obrigada a todos que leram até o final, comentários e críticas são sempre bem vindos!
Até mais <3

PS: Eu tenho um Epílogo dessa fic escrito, se vcs quiserem eu posto, mas fiquei insegura sobre ele e tirei de última hora kdhsaud


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