- Muito bem, está preparado? – Perguntou Merwin se apoiando no cajado e olhando para Eórion.
- Sim.
Eles estavam no espaço cheio de grama que circundava a casa de Merwin. Fazia agora três meses que Eórion morava com ele e nesse meio tempo, Merwin fez o que havia dito e o ensinara um pouco de tudo; Alquimia, Quimica, Escrita. Não se aprofundaram em nenhuma porque Eórion pouco ligava para isso, odiava ler livros e estudar, pois além de tudo Merwin fazia algumas provas vez ou outra oralmente com ele. Surpreendentemente Eórion se saia bem o que deixava o velho Merwin um pouco indignado com a astúcia e inteligência do rapaz. Quando achou que já tinha ensinado o suficiente e sabendo que o garoto pouco faria esforço para aprender mais, decidiu encerrar as aulas teóricas.
Agora eles estavam a pouco mais de dez metros de distancia um do outro, e Merwin começou a andar em um circulo ao redor de Eórion.
- O que vou lhe ensinar hoje, Luto, é algo que pouquíssimas pessoas sabem. É como um segredo, embora ninguém afirme isso. Uma lei não proferida, isso. – Parou e observou a reação do rapaz. Ele viu o aceno com a cabeça e continuou. – Tenha em mente que você vai demorar a entender, e muito seja provável que nunca entenderá. Pois é para ser assim.
- O que exatamente? – Perguntou confuso.
- Você ainda é muito novo e nem sequer tem força suficiente para aprender a lutar fisicamente. Portanto, embora me desagrade essa opção, vou começar lhe ensinando a base da Magia. – Um leve sorriso ameaçou abrir em seu rosto. - Claro, um pouco diferente das maneiras habituais.
Eórion não disse nada e aguardou Merwin. Ele ainda continuava a andar em sua volta, mas parou exatamente na sua frente dessa vez.
- Se chama Twain, e pronuncia-se “Tuwain”.
- É uma magia?
- Não, é de certo modo o caminho para ela. – Respondeu.
- Eu tenho que aprender ela para poder usar magia?
- Não e sim. Os magos mais fortes a conhecem e a usam.
- Então exatamente o que é?
Merwin apoiou um braço no seu cajado e coçou sua barba espessa com o outro por alguns segundos.
- É uma modo de atacar alguém.
- Achei que só ia aprender a lutar quando ficasse mais velho. – Comentou levantando uma sobrancelha.
- A Twain serve para isso também. Quando você a conhece, ela se torna um estilo de vida, uma forma de pensar e agir, não tente separar os dois. Luta e Magia. Elas são a mesma coisa, mais usadas de forma separada.
- Tente ser mais claro, velho.
- Um dia, meu jovem, eu não estarei ao seu lado para te proteger das suas encrencas. Você terá que fazer isso sozinho. Algumas pessoas sabem disso, mas não tem o poder para tal. É por isso que eu quero ensina-lo. Quando chegar a hora, que você saiba se defender por si só e não dependa de outras pessoas. A Twain é essencial nesse processo.
- Para defender as outras pessoas também?
Merwin arregalou um pouco os olhos surpreso.
- Sim, de certa forma. Você aprende-la para se defender é errado, mas se aprender para se defender e defender as outras pessoas, faz parte da Twain.
- Então meu dever como seguidor dessa Twain é proteger as outras pessoas?
- Mais ou menos. – Maneou a cabeça, pensativo. - Eu disse que você vai demorar para entende-la. – Comentou Merwin com um sorrisinho.
- Óbvio! Você fica fazendo e falando em enigmas!
- A Twain é um conceito, não uma regra ou lei a ser seguida, é um bom senso mútuo e escolhido. Não há definição correta para ela.
- Onde entra o modo de atacar que você disse antes então? – Perguntou começando a ficar zangado.
Merwin fez algo que Eórion pensou ser fisicamente impossível para um velho. Em meio segundo seu cajado estava a menos de um centímetro do seu rosto. Ele o olhou com olhos arregalados e a respiração rápida.
- Imagine que sou seu inimigo e eu esteja indo te atacar. O que você faria agora?
- Tentaria me defender? – Perguntou hesitante.
Merwin bateu levemente com o cajado em cima da sua cabeça e voltou a apoia-lo no chão.
- Não responda uma pergunta com outra pergunta. É óbvio que tentaria se defender, a não ser que quisesse levar uma bela porrada na cara.
- Não, claro que não!
- Veja bem, você não vai se defender para ataca-lo, você vai se defender para se proteger...
- E quando eu me protejo, eu o ataco?
- Exatamente! – Gritou Merwin abrindo um sorriso e acenando enfaticamente para Eórion que ainda parecia perdido. – Mas, há como atacar sem precisar estar sob combate então?
Eórion demorou alguns minutos para responder, enquanto Merwin o observava tranquilamente.
- Se for para me proteger, eu posso atacar antes, certo?
Merwin assentiu.
- Isso faz parte da Twain.
- Mas então é tudo para se proteger? – Perguntou o velho.
- Acho que sim. – Respondeu tranquilamente.
Merwin negou com a cabeça.
- Se fosse assim, acho que a chamaríamos de “Código de Defesa” ou “Conduta Moral para Se Proteger”, não é? – Disse Merwin rindo. – Você vai precisa treinar corpo e mente, esqueça tudo o que for de fora para isso. Ela tem de estar no seu cerne, para que não precise pensar na Twain durante uma luta, pois ela precisa ser você. Concentre-se na situação e no que vai querer fazer, e a ação disso vai ser automática.
- E por que quem sabe disso são os magos mais fortes?
- Quando começarmos a pratica mesmo, você vai entender.
Um silêncio caiu entre os dois.
- Matar alguém é da Twain? – Perguntou Eórion depois de algum tempo.
- Não, matar nunca será da Twain. – Respondeu sério.
- Nem se for para me proteger?
- Não.
- Então eu devo deixar a pessoa me matar? – Perguntou incrédulo.
- Não, se chegar a tal ponto, você precisa mata-la.
- Eu não estaria fugindo da Twain então?
- Não, se você mata-la agindo dentro da Twain, você não estará fugindo dela.
- E como eu mato alguém dentro da Twain, se você disse que matar nunca será dela?
Merwin não resistiu e passou a mão na cabeça do garoto.
- Que bom que começou a pensar na Twain, Luto. Mas tem respostas que você vai precisar descobrir sozinho para saber. – Comentou andando em direção a porta da cabana. – Fora que, tenho a impressão que você não vai demorar muito para descobrir a maioria delas. Vamos, vou fazer um café, temos muito o que fazer hoje ainda.
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