História Erick e Helliot - Prólogo

Encarava o chão do quarto como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo –e, talvez, naquele momento, realmente fosse. É mais interessante do que ter que ouvir o discurso do meu pai sobre estar se divorciando da minha mãe. O mesmo, inutilmente, pedia para que eu olhasse em seu rosto, e isso me custa muito por agora.

-Por favor, Erick, lide com isso com maturidade. –pediu meu pai, um homem de 47 anos, cabelos que já estavam praticamente brancos, rosto quadricular, nariz avantajado e olhos castanhos. Já estávamos há mais de quinze minutos calados no quarto, apenas encarando os cantos do cômodo.

-Maturidade? –finalmente deixei uma palavra sair da minha boca –Como espera que eu lide com o fato de você ter traído a mamãe com a sua secretária, e agora está nos deixando para ir viver com ela?

-Não encare os fatos dessa maneira...

-Está trocando dezesseis anos de casamento por um rabo de saia, é esse o fato! –me levantei da cama e fui em direção a janela do meu quarto.

A vista não é a das mais agradáveis, só há prédios e mais prédios cobrindo tudo o que há para se ver: mais prédios. Moramos em um apartamento no centro de Campinas, onde o meu pai mantém um escritório de advocacia junto com seus dois irmãos. O mesmo escritório em que trabalha a moça com quem ele vem colocando chifre na nossa mãe nos últimos oito meses, ou seja, desde outubro de 2014.

-Como é que serão as coisas agora? –perguntei, ainda olhando para o lado de fora. –O que a mãe fará?

-Ela não gosta daqui. Nunca gostou. Mas suportou de tudo por esse casamento.

-Ela irá pedir transferência do emprego, o que não deverá ser muito difícil. –meu pai explicava como seria o nosso futuro daqui para a frente. Minha mãe é uma jornalista e escreve para o site de um jornal local, além de manter uma coluna em uma revista, onde responde às perguntas dos leitores. Basicamente, onde ela tiver um computador, poderá trabalhar.

-Ela não gosta daqui. Nunca gostou. Mas suportou de tudo por esse casamento.

-Se tudo der certo vocês terão de se mudar.

-De bairro?

-De cidade.

Respirei fundo e pensei naquela ideia. Não me agradava deixar Campinas, aqui é o lugar onde nasci e cresci, fiz amizades, criei laços, e teria que deixar tudo para trás.

-Será um alívio para você. Se formos para outra cidade ficará livre de nós e poderá viver sua nova vida.

-Erick, entenda que a coisas entre mim e sua mãe não estavam sendo as mesmas já há algum tempo. Uma hora outra isso iria acontecer, mas mantivemos o nosso relacionamento até onde conseguimos por vocês. Todos estaremos vivendo uma nova vida, é uma chance de começar de novo. Isso não significa que os abandonarei, eu estarei ajudando vocês com o que for preciso.

A minha vontade era de dizer ‘’você não está fazendo mais do que a sua obrigação’’, mas me mantive calado, não adiantaria em nada gastar a minha voz. Meus pais estavam se divorciando, e, realmente, isso era o melhor a se fazer no momento. O que meu pai falou é verdade, o casamento deles não estava sendo um dos melhores, e eu percebia isso. Não estava explicito, mas era notável o quão desgastante estava sendo para eles fingir que aquilo os deixavam satisfeitos, porém, isso não perdoa uma traição – ao menos no meu ver.

-Já sou grandinho demais para você ficar me dando essas explicações. Você deveria ir falar com o Dimas.

-A sua mãe está falando com ele, mas, se você não quer mais continuar com essa conversa...

-Eu realmente não quero. –o interrompi.

-Tudo bem. –meu pai se levantou da cama e parou no meio da porta, eu podia ver pelo reflexo da janela de vidro –Eu espero que me perdoe um dia, Erick.

-Espera. –o chamei, antes que ele deixasse o quarto.

-Sim?

-Para onde exatamente a mamãe pretende ir?