Acordei um pouco cedo, próximo das oito da manhã. Não sentia sono, ficar naquela cama estava me incomodando. Me sentia mais fraco que o normal, um pouco tonto e com dor de cabeça.
Sai do quarto em busca de algum remédio, acabei me deparando com Kalen na cozinha. Permaneci em silencio, ele ainda não havia notado minha presença ali.
— Óleo na frigideira por três segundos, porção de massa pequena... — Ditava cada passo do que fazia. — Espera dourar um pouco e depois vira...
— Panquecas? — Perguntei caminhando em sua direção.
— Ah, bom dia. Desculpe se te acordei. — O foco de sua atenção não mudou. Está bem concentrado no que faz.
— Bom dia. Você sabe onde está aquele remédio?
— Qual deles? — Riu baixo.
— Para dores. — Puxei uma cadeira e me sentei.
— Você está bem? — Virou-se para mim.
— Estou, é só uma dor na cabeça.
— Aqui. — Foi até a geladeira e pegou uma caixinha que estava ali em cima, a abriu e tirou dali um remédio, o qual me entrou em seguida.
— Obrigado. — Coloquei-o na boca e engoli sem qualquer dificuldade.
— Espere na sala, eu levarei seu café da manhã lá. — Sua atenção estava no fogão novamente.
— Não precisa, eu como aqui mesmo.
— Por favor, Tao.
✘ ✘ ✘ ✘ ✘
— Por que estamos aqui?
Não contive a pergunta ao pararmos em frente à casa de minha tia.
— Preciso falar com ela, e ela com você.
Suspirei em derrota enquanto ele tocava a campainha pela segunda vez. O filho de minha tia, Jingyu, foi quem nos atendeu.
— Tao! Yifan! — Sorria abertamente.
— Oi! — Kalen não estava muito diferente.
— Onde está a tia? — Perguntei assim que ele abriu o portão para entrarmos.
— Ela foi no mercado, disse que já volta. Brinca comigo Yifan?
— Claro!
Ficamos a esperando na sala, Kalen e Jingyu brincavam com bonecos de ação no sofá. Alguns minutos rindo dos dois foram necessários para que eu me desligasse de tudo a minha volta. O único foco era os bonecos e o sorriso em seus rostos. Jingyu virou-se para mim, ficou me olhando curioso.
— Tao? Por que você não vem morar comigo?
— Eu.... Não quero atrapalhar sua mamãe, ela já tem que cuidar de você.
— Mas você não atrapalha! Podia brincar comigo também!
— Jingyu, é complicado.
— Você não quer vir por que não gosta de mim e da mamãe, não é?
— Não! Eu gosto de vocês!
— E por que não vem?!
— Jingyu... o que sua mamãe fez quando ela conheceu seu papai?
— Ela namorou com ele.
— E depois?
— Ela brigou com a vovó e foi morar com ele. O que isso tem a ver com você não vir morar aqui?
— Eu estou como sua mãe estava.
— Namorando? — Concordei com a cabeça. — Com quem?! — Estava surpreso, alegre.
— Depois eu te conto, hm?
— Tá! Mas, você não vai morar comigo por que quer ficar com a sua namorada?
— É namorado...
— Você tá namorando com o Yifan?
— Por que acha isso?
— Ele me disse que gosta bastante de você! E o papai também gosta bastante da mamãe.
— Sim, é comigo.
Jingyu encarou Kalen com os olhos arregalados, brilhando.
— É verdade? — Sua atenção voltou para mim.
— É sim. — Ri baixo.
— O que é verdade?
Olhamos para trás, minha tia estava parada um pouco atrás de mim, com as compras na mão.
— Podem me contar?
— Yifan gosta do Tao! — Jingyu disse alto.
— Isso é bom. — Sorriu. — Me ajuda com as compras, Tao?
— Ajudo sim.
Me levantei e fui até ela, peguei uma parte das compras e segui até a cozinha. Deixei tudo em cima da mesa e comecei a desempacotar e guardar.
— Você está bem? — Perguntou baixo.
— Estou, eu acho. E você, como está?
— Preocupada com você.
— Por que?
— Pretendia me contar quando? — Apoiou-se na pia.
— Eu vi o e-mail do hospital ontem...
— Yifan sabe?
— Não, eu ainda não contei a ele.
— Pretende contar quando?
— Hoje mesmo.
— Você já sabe o que vai acontecer, não sabe? — Aproximou-se.
— Sei. — Meu estomago embrulhou, meus olhos lacrimejaram.
— Por que não tenta fazer o tratamento, ainda temos tempo. — Abraçou-me forte.
— Eu pretendo conversar com a Doutora Amber. Saber um pouco mais sobre isso. — Retribui.
— Tao, por favor. Independente das prevenções, leucemia aguda é algo sério, faça o que for preciso.
— Não quero que você gaste ainda mais comigo.
— Se for para te manter aqui, eu pago quanto for preciso.
— Me desculpe por tudo.
Fiquei em silencio por alguns segundos, mas uma pergunta martelava minha cabeça.
— Tia, como você encontrou Yifan? Por que compraria uma pessoa?
— Aconteceu o seguinte.... Se lembra que eu fui para outra cidade? Por causa de um projeto do hospital?
— Me lembro sim.
— Depois do trabalho fui passear pela cidade, algo estava acontecendo próximo de uma antiga estradinha de terra, a qual fica ao lado de um enorme barranco. Yifan estava sob o domínio de uns caras, diziam ter pagado por ele.
— O que faziam com ele lá?
— “Uma aberração assim não merece ao menos a vida”, isso o que ouvi de um deles. Você sabe, eu não aguento ver essas coisas.
— E o que fez?
— “Quanto você quer por ele?”
— Como?!
— Isso mesmo. Estavam quase matando ele, acha que eu iria ficar quieta?
— Não duvido de suas palavras. — Ri baixo, sem muito animo.
— Paguei por Yifan e o trouxe comigo quando minhas atividades naquela cidade se encerraram. Você estava me deixando preocupada demais, mal ligava e não me visitava mais. Tive que ir até seu apartamento e deixei Yifan lá, conversei com ele primeiro, achei que te faria bem.
— Como você teve certeza de que aqueles caras pagaram mesmo por Yifan?
— Longa história.
— Estou com tempo.
— Você só precisa saber disso: existe um tipo de documento, declaração de posse.
— Entendi.
— Vamos, me ajude a preparar algo para comermos, ainda temos muito o que conversar. Aliás, que tomou a iniciativa para vir até aqui?
— Yifan. — Eu prefiro chama-lo de “Kalen”, mas você não pode saber dessa história....
É um pouco estranho chama-lo de “Yifan” agora.
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