Paginas em branco.
Estou cansada. Não foi às inúmeras tentativas de escrever e também não foi o almoço com meus pais onde precisei fingir que estava tudo ótimo com a minha carta de admissão. Talvez tenha sido as duas situações juntas. Estou mentalmente exausta, com a cabeça pesada e os sentimentos devastados.
— Você não precisa ser perfeita. – Escuto minha voz ecoando pelo quarto, e respiro profundamente. Porque eu preciso ser sim. É o que esperam de mim. Não perfeitamente linda, não com os cabelos perfeitos, mas com o emprego perfeito, na universidade perfeita, sendo a filha perfeita. E não estou conseguindo ser tudo isso.
Fecho o computador e coloco meus sapatos pretos. Estou usando minha camisa branca, minha calça preta horrível e os cabelos perfeitamente amarrados. São as regras. Nada de fios rebeldes Rose Weasley. As pessoas acreditam que ser recepcionista de restaurante não é um trabalho simples, mas um trabalho que paga razoavelmente bem e é menos irritante que garçonete, que vendedora de loja, de entregadora de pizza. Eu garanto. Eu já fiz tudo isso.
— Quando vai tirar folga? – Meu namorado está deitado em minha cama lendo um livro com mais de quinhentas páginas. Sinto tanto orgulho.
— Não sei. Estou tentando fazer horas extras para ganhar um pouco mais esse mês. – Me olho no espelho e ajeito a roupa mais uma vez.
— Você já está perfeita. – Ele sorri pra mim me fazendo sentir uma vontade enorme de pular em cima dele e não ir trabalhar a noite inteira.
— Vai ficar aqui? – Pergunto enquanto torço para que diga sim.
— Claro, sabe que não consigo dormir sem minha dose diária. – Ele volta a ler fingindo que não tinha feito mais uma declaração fofa.
Scorpius tenta ser o menos fofo possível para o mundo, mas comigo sempre baixa a guarda. Não importa os olhos cinzas inexpressíveis, nem mesmo a expressão dura e severa que possui no semblante. Quando estamos juntos ele é o namorado quase perfeito.
Me abaixo o mais delicado possível e marco o rosto dele de vermelho. Ele sorri, mas não me olha. Sei que quando voltar ele vai estar no mesmo lugar, com a marca destacando ainda mais sua pele pálida.
Quando começamos a namorar quase ninguém apoiou. Ele era um chato que não gostava de conversar com as pessoas, que tinha o nariz empinado como se seu pai fosse dono da escola, suas roupas de marcas caras não condiziam com meus tricôs feitos à mão. Só que ele era mais do que aqueles detalhes. Ele é chato. É irritante e tem um humor deturpado. E só lê livros para universidade, não gosta de quase nenhuma música que outros seres humanos gostam. Mas ele gosta de mim. E eu gosto desse jeito esquisito dele.
O restaurante é poucas ruas distantes e estou acostumada a andar sozinha pelas ruas da cidade, porém Scorpius insiste que seu carro serve exatamente para isso, levar alguém de um lugar a outro. Pego seu carro. Sinto que será uma longa noite.
O lugar está cheio de casais comemorando namoros, noivados, gravidez, mas também está cheio de pessoas terminando relacionamentos, fechando negócios, vivendo vidas de mentira e querendo fugir o mais rápido possível. Eu fico para na entrada sorrindo automaticamente, minha voz mesmo cansada é obrigada a aparecer animada, e eu julgo as pessoas.
Sou uma julgadora. Julgo o homem de óculos que está tentando colocar a mão na cintura de sua secretaria que parece incomodada. Julgo os adolescentes que estão mandando mensagens com o celular enquanto os pais tentam ter uma noite em família. Julgo a mulher que está sendo pedida em noivado e não sorri. Julgo-me de pé aqui, vivendo uma vida que não queria sem força o suficiente para sair.
Quando volto para casa julgo o sinal vermelho e acelero o carro.
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