Tu disse-me que eu deveria comportar-me como uma garota enquanto eu corria por aí, com os cabelos longos soltos e bagunçados pelo vento enquanto soltava pipa; você disse que garotas não podiam andar sem camisa, ou jogar futebol. Tu comprou-me vestidos rosas, porque era o que garotinhas deveriam usar.
Tu criou-me com um roteiro na mão, como se eu precisasse seguir tutoriais de “como ser uma garota”. Eu fui a garota que tu queria, papai. Fui. Por muito tempo, e acabei me perdendo no que tu queria que eu fosse.
Aquela garota que aparece no espelho toda vez eu olho, não sou eu. É uma casca, uma roupa errada, uma dublê; eu cresci. Disse-me que se eu fosse do jeito que tu queria, seria feliz. Balela. Eu segui todos os tutoriais de como ser uma garota perfeita, papai.
Então por que tu não me ama?
Eu passei na faculdade. No curso que você escolheu; virei noites e noites estudando. Sem dormir, sem comer. Queria ser perfeita para ser amada. Você sequer esboçou um sorriso ou me parabenizou quando contei-te sobre a faculdade, papai.
Eu comecei a olhar mais para o chão do que para o céu; olhe meu sorriso, papai. Atrás dele tem tudo. Menos eu. Sendo um espelho da tua garotinha perfeita, eu perdi meu reflexo. Perdi minha juventude. Perdi o meu verdadeiro eu.
No espelho, sou apenas uma perdedora, uma idiota coberta de cicatrizes. Apenas uma garota roteirizada e manipulada; queria poder sair de dentro desse espelho.
Mas você continua ditando-me como eu deveria ser. Por favor, liberte-me.
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