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História Esperança - Capítulo Único


Escrita por: _wagner

Capítulo 1 - Capítulo Único


Fanfic / Fanfiction Esperança - Capítulo Único

“(...) Meu coração sangra com uma dor que não consigo comunicar a ninguém, recuso todos os toques e ignoro todas as tentativas de aproximação. Tenho vergonha de gritar que esta dor é só minha, de pedir que me deixem em paz e só com ela, como um cão com seu osso (...)”. – Caio Fernando Abreu.

 

 

Escola Pública de Shreveport,  Luisiana. 19 de Dezembro de 2015.

Querido Aaron,

Estou sentada no canto escuro da biblioteca da escola, na parte onde o carpete do chão está gasto e empoeirado, perto da seção de livros de assassinos em série, e penso seriamente em como as coisas seriam mais fáceis se você estivesse aqui comigo.

Acontece que você não está. Porque você se deu um tiro no verão passado, me deixando sozinha num mundo de pó e cinzas: trancada eternamente num confinamento, onde adultos controlam o mundo e ditam todas as regras, deixando-me desorientada.

Deus, o que é que estou fazendo mesmo?

Minha professora de inglês, a Srta. Martin, passou uma atividade ontem. Ela disse que precisávamos escrever uma carta para alguém querido, com algum propósito por trás, é claro. E sabe qual é a parte mais engraçada nisso tudo? É que por nem um segundo sequer eu parei de pensar em você. Pensei instantaneamente nos seus lábios cor-de-rosa carnudos, na cicatriz que você tem no lado esquerdo do peito, nas sardas estonteantes que marcam suas costas, e no jeito em que você sempre tentava me alegrar quando eu estava triste.

A verdade é que não parei de pensar um minuto sequer em você desde que partiu. E isso é uma droga, porque já faz um ano e meio, e ainda assim me vejo impossibilitada de seguir em frente. É como ter uma espécie de tumor no peito: eu tento respirar, controlar a dor por meio de remédios; mas uma hora ou outra, volta a arder, a incomodar. Você é o meu tumor, Aaron. E eu te odeio por isso.

No entanto, meu maior propósito é te contar por meio desta carta como eu me senti naquele dia. Pois naquele dia eu havia acordado de bom humor, com as luzes do sol batendo no meu rosto, completamente determinada a não deixar ninguém estragar minha animação; nem mesmo Lindy e suas amigas idiotas, com seus comentários desnecessários. Aí eu fui até a sua casa, como sempre fiz todos os dias desde que nos tornamos melhores amigos, e te encontrei deitado na cama, chorando.

Sabe qual era a coisa que eu mais odiava na nossa amizade? Os seus malditos segredos estúpidos!

Eu te olhei naquele estado e só conseguia pensar em passar a mão no seu cabelo liso e sedoso e dizer que o que quer que tivesse acontecido iria se resolver, já que eu sabia de cor e salteado que você nunca me contava sobre as coisas que te deixavam triste. Eu era o livro aberto da nossa relação, a mais disposta a conversar sobre minhas inseguranças; enquanto você se trancava na droga de um casulo, rejeitando todos os toques de aproximação ao redor – resistindo a qualquer estímulo externo. Relevei isso durante toda a nossa amizade.

É, eu não poderia me arrepender por algo pior.

Então, quando você vestiu o uniforme da escola e fomos direto para o carro da sua mãe, eu cogitei que aquela havia sido só mais uma de suas recaídas. Nós éramos os excluídos da comunidade escolar, porém, éramos desajustados juntos. E isso deveria ter nos feito mais fortes, não é? Ter feito nossa amizade durar mais.

Mas aí o dia acabou e cada um foi para sua devida casa, jantar com suas respectivas famílias. Eu te vigiei aquele dia inteiro e lembro que você não fraquejou em me mostrar nem uma expressão facial de tristeza sequer. Eu não tinha motivos para achar que você não fosse ficar bem em casa.

Só que você estava só. Era você naquela noite, sozinho em casa, sendo atormentado pelos seus próprios demônios. Candice havia saído e sua mãe também, você esteve por sua conta e risco durante duas horas. E eu não suspeitei de nada.

Sempre quis entender o seu lado, sentir sua dor, te consolar... Entretanto nós dois sabemos que isso nunca foi possível de verdade. Senti como se nem te conhecesse mais; nós estávamos nos distanciando aos poucos, sem nem percebermos.

Eu lembro que eu estava me preparando para dormir quando notei as luzes da sua casa já apagadas – termos as janelas de nossos quartos uma de frente para a outra foi o destino, não é? – O que era estranho, visto que sua família sempre dormia tarde. Foi quando comecei a relembrar tudo o que você já aguentou: o dia em que Scott te fez escorregar no piso do refeitório mês passado para logo depois cair em cima do purê de batata doce que você havia acabado de pegar com a Tia da Cantina; quando te jogaram na piscina e você quase se afogou; ou ainda no dia em que quebraram a sua perna na aula de Luta Greco-romana.

Me levantei no mesmo instante da cama, disposta a te por contra a parede e força-lo a me contar exatamente como estava se sentindo. Saí da minha casa de pijamas e pantufas do Star Wars, atravessei o gramado verde molhado, agarrei a maçaneta brilhante e fria, e a girei, entrando na sua casa.

Até hoje eu me pergunto se a sua mania de deixar a porta sempre destrancada era uma coisa boa.

Atravessei a sala de estar, subi os degraus e dobrei num ângulo de noventa graus para a esquerda no fim da escada; abri a porta do seu quarto, acendi a luz e... Foi como ser atingida por uma gigantesca onda bem no meio do peito.

De início demorei a entender o que estava acontecendo. As luzes pisca-pisca continuavam na sua estante abarrotada de CD’s das nossas bandas favoritas – tudo estava o mesmo –, as paredes permaneciam cobertas por pôsteres do All Time Low e Blink-182 – tudo estava o mesmo –, o carpete do seu quarto estava cheio de roupas, espalhados por tudo quanto era lugar – tudo estava o mesmo –, e a sua guitarra permanecia intocada no encosto, bem no canto do quarto, perto da cama – tudo estava o mesmo –, mas... Você não era mais o mesmo.

Você não era mais o mesmo havia muito tempo e eu não fazia ideia disso até aquele momento, até quando senti que eu tinha tudo e em dois minutos eu não poderia ter mais nada; simples assim.

O cano prateado e reluzente de uma arma calibre trinta e dois estava apontado para a sua cabeça, pressionado com uma força e determinação por você investidas que eu desconhecia até então. Eu não sei explicar como me senti depois que o meu cérebro processou a informação com exatidão – e isso durou milissegundos – porque eu sei que fiquei parada por um tempo, te encarando, incrédula de que aquilo estava acontecendo justo com a gente; com você.

Eu soltei a mão da maçaneta da porta do seu quarto e senti o mundo despencar de mim: um vazio repentino e desesperador tomando conta do meu peito. Aaron, seu cretino egoísta e miserável, você me fez mergulhar de um penhasco, direto para um abismo sem fundo, no qual eu caía lentamente em queda livre numa gravidade coberta por ar rarefeito. Meus passos sobre o chão se tornaram ainda menos audíveis depois, já que cada ação a partir dali precisava ser milimetricamente calculada para não provocar uma consequência gravíssima – que me levaria a perder você para todo o sempre.

Só que você... Você apertou o cano da arma com mais força na cabeça, logo acima do ouvido esquerdo e disse:

–– Se você se aproximar... Eu atiro! Juro por Deus como eu puxo este maldito gatilho!

E aquilo foi o fim do mundo para mim. The end.

Os minutos seguintes se sucederam em súplicas chorosas e vagarosas por minha parte. Caramba, eu não fazia ideia que você estava mal ao ponto de fazer algo para si mesmo capaz de colocar sua vida em risco. Eu queria fechar os olhos, piscar, e descobrir que aquilo era apenas a droga de um pesadelo; ou uma brincadeira sua de muito mal gosto, da qual eu te xingaria muito depois, para em seguida te abraçar com o máximo de força possível e dizer um Eu Te Amo no fim.

Só que não foi nada disso o que aconteceu.

Eu estava no chão, rastejando para perto de você, e chorando pra caramba, implorando que não fizesse aquilo. Juntei as mãos, praticamente ajoelhada aos seus pés como se você fosse Cristo, dizendo que Pelo Amor de Deus Não Faça Isso; mas foi inevitável. Você estava cansado demais para continuar lutando, Aaron. E acho que a pior parte disso é que eu sabia que o bullying na escola não fora o que te fez tomar a decisão final – eu sabia que tinha mais, só que... você jamais me contou. Nunca.

Meu peito doía e latejava, e eu já estava cansada também. Não queria ter de fazer papel ridículo algum, porém se era para te ter ali comigo, eu faria tudo e mais um pouco.

–– Aaron, sou eu! Angela! Eu estive aqui, eu sempre estive aqui! Seja o que for pelo que estiver passando, você pode me falar. –– minha voz se tornou patética de tão fraca e rouca, era praticamente um gemido; um pedido de socorro. –– Você sempre esteve aqui por mim e eu estarei sempre aqui por você! Não faça isso, por favor, não faça isso!

–– Você não entende... Ninguém entende.

–– Então me explica. Eu imploro. Me expli...

Bum.

Foi esse o som que a bala fez. Ela atravessou o seu crânio, cérebro, e neurônio. E isso foi tudo o que ela fez.

Bum.

Até lá eu não havia me tocado que o motivo que leva alguém a cometer suicídio é individual. É algo que apenas quem sente a vontade é capaz de entender. Quando aquela bala atravessou você, Aaron, eu me senti deixada de lado. Porque eu queria que ela tivesse me atravessado também. Queria que ela tivesse tirado a minha vida da mesma forma como ela tirou a sua.

Depois daquilo, a única outra coisa que fez barulho foi o som do meu grito – e cara, ele foi muito, mas muito alto, daqueles que chega a quebrar espelhos. De repente você estava morto, logo ali, sabe? Só a alguns passos de mim, estirado no chão, com os olhos abertos, e sangrando pra caramba. E acho que foi até bom o fato de que eu já estivesse no chão antes, pois se não fosse assim, acho que eu teria despencado de repente – como aconteceu com você.

A sensação que eu tive foi de o meu próprio coração estar sendo arrancado do meu peito: você enfiou sua mão dentro de mim, perfurou a caixa torácica, penetrou o meu pulmão e os seus bronquíolos, e arrancou meu coração. Foi tão rápido que quase senti um efeito de anestesia depois, mas lento o suficiente para me fazer pensar “Deus, isso não pode estar acontecendo. ISSO NÃO PODE ESTAR MESMO ACONTECENDO”.

Segundos depois eu continuei gritando seu nome e voei em cima do seu corpo sem vida. Acariciei seus cabelos e pressionei meu rosto com a maior força que consegui no seu peito, encharcado de sangue. Eu gemia, e soluçava alto, como se isso fosse mudar alguma coisa. Bem idiota, não é? Mas foi o que aconteceu. Lembro também de ter balançado seus ombros, ainda que no fundo, lá no fundo mesmo, eu soubesse que você não voltaria mais para mim. Você havia me deixado para todo o sempre.

E eu não tinha ideia do porquê.

Porém, devo dizer que a parte mais difícil foi por meus dedos em seu pescoço, tentando inutilmente sentir algum pulso. Só que não havia mais pulso.

Não havia mais nada.

Eu tive de lidar naquele momento então que quando você se fora, levou consigo seus sonhos, desejos, amores, defeitos e qualidades. Tudo fora embora, sem restar nada para mim. Você é a porra de um ladrão, Aaron: me roubou tudo e me deixou sem nada, nada mesmo.

Foi quando me lembrei do diário. Eu me estiquei rapidamente sobre seu corpo, ainda sentindo-o sob mim, sentindo seu perfume que eu sempre amei ser substituído pelo aroma salgado e enjoativo do sangue arterial, e alcancei a última gaveta da cômoda de roupas. Lá se encontrava um caderninho de veludo vermelho, que sorrateiramente enfiei dentro dos shorts, por baixo da blusa.

Cinco segundos depois minha mãe apareceu na porta do quarto, junto a Candice e a sua própria mãe. Os olhares delas me quebraram em um milhão de pedacinhos, e aí eu perdi toda e qualquer esperança de que você ainda estivesse vivo.

Um dia depois do seu velório eu folheei as primeiras páginas do seu diário, e assumo que fiquei horrorizada com o que vi. Os desenhos eram tão precisos, e sua narrativa tão perspicaz...

Fui conduzida a um mundo inteiramente novo aonde a crueldade do ser humano não tinha limites. Lembro de ter chorado muito após ter lido e relido seus relatos, jogando o caderno na parede logo depois.

–– Seu cretino, miserável! –– afundei o rosto nas mãos, sentindo o bolo bloquear a passagem de ar na garganta. Eu estava entrando num carrinho de montanha russa que me levaria direto para o inferno, e lá eu iria queimar. –– Por que não me contou?!

A raiva foi tanta que bati repetidas vezes nos lados da cabeça, desgrenhando ainda mais os cabelos.

–– Eu estava aqui o tempo todo! –– deslizei pelo espelho da cama, acabada, reduzida a nada. Eu havia me tornado um estorvo, nada mais fazia sentido. Era culpa minha ele ter se matado. Era culpa minha... –– Estive sempre aqui...

Eu faltei um mês inteiro na escola. E quando voltei não foi como se eu realmente estivesse interessada nos assuntos de qualquer forma, porque eu não tinha mais motivação ou dedicação alguma para nada. Eu era um fantasma nos corredores, zanzando sem rumo a caminho da danação. Sabe o que houve depois? Lindy Wallspring veio até mim, junto a suas seguidoras, é claro, me dizer que sentia muito. Que sentia muito! Vê se pode!?

As pessoas haviam começado a me tratar enfim como gente, todavia não era como se eu quisesse continuar viva. Viver sem você é um saco, Aaron. Dói pra caralho. E não tem nada que eu possa fazer a respeito. Pois eu te amei, te amei e te amei, e te perdi da mesma forma.

E acho que por algum tempo eu brinquei de ignorar o que você fez, mas era impossível. Nós saíamos juntos para a escola bem cedo, e um mês depois, você não estava mais lá. Não estava no refeitório, ou no pátio, na quadra de esportes e nem mesmo na biblioteca. Eu me sentia sozinha e abandonada, olhando para a porta da sala de aula esperando você passar por ela e rir de mim, dizendo que tudo não passou de uma brincadeira idiota. Eu dormia à noite a base da agonia, desejando que a dor passasse e se tornasse menor, que você entrasse pela minha janela – como sempre fazia quando sabia que eu estava triste – se deitasse ao meu lado e me abraçasse, afagando meu cabelo.

Precisei de você mais do que nunca e você não estava lá. Não acha que poderia pelo menos ter aparecido em algum sonho meu, só para eu matar a saudade de te ver? É indescritível ter uma vontade repentina de abraçar alguém só para depois perceber que esse alguém, que costumava estar lá de braços abertos e sorriso no rosto, foi embora e não voltará jamais. Sua mãe e sua irmã sabem bem como me sinto.

Nós agora temos uma relação de amor e ódio, e por mais que eu vá todos os dias ao cemitério conversar com a sua lápide, eu nunca irei te perdoar pelo que me fez, me entendeu? Nunca.

É exatamente por isso que algum dia eu tenho a esperança de encontrar você no Outro Lado. Quero que nosso cenário seja Nova Iorque. Imagino-me diante de um rio, num dia chuvoso (eu sei bem que você amava a chuva), segurando um guarda-chuva rosa chiclete, esperando você chegar até mim, para que possamos dar as mãos e dançar pelos céus, voando e voando até as nuvens.

Eu te amo, Aaron. E eu sempre, sempre e sempre amarei.

 

Com todo amor do mundo,

Angela Perkins.


Notas Finais


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