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História Esse Anjo é Meu - Capítulo Único


Escrita por: Laraa777

Notas do Autor


Annyeong!! ^-^
FELIZ HALLOWEEN!!!!
Bem, eu realmente espero que gostem, nunca escrevi uma One-Shot tão longa e confesso que gostei, talvez eu faça até mais fics assim... enfim ksks
Boa leitura *-*

Capítulo 1 - Capítulo Único


 

Bom, primeiramente, olá. Sou Jeon Jungkook. E se você tiver ao menos um tempo, mesmo que seja raso, gostaria que lesse esta história. Minha história. Prometo tentar ser o mais breve possível, mas não digo o mesmo quanto a se conseguirei alcançar o feito. Apenas, tentarei.

Tudo aconteceu muito rápido.

Em um segundo, eu apenas atravessava a rua, calmamente. Noutro, senti meu sangue pulsar em minhas veias, ao ver a luz de um carro se aproximando ferozmente de mim. Não havia mais tempo para correr. E, mesmo que houvesse, não faria diferença; eu estava paralisado pelo medo.

Senti um frio percorrer minha espinha, arrepiando meu corpo de uma forma inexplicável, como se algo quente derretesse o sangue antes congelado pelo medo em minhas veias. Seria adrenalina? De qualquer modo, não fazia diferença, o veículo estava muito próximo.

Restava-me apenas mais alguns centímetros de distância. Fechei os olhos em reflexo, ao ver a luz ofuscante cintilar contra meu rosto e o clarão do farol refletir-se em minha roupa. Senti uma forte pancada em minhas costas. Não era o carro, não podia ser, eu estava de frente para o automóvel e a pancada se deu no lado oposto.

O impulso causado pelo atrito me fez tropeçar conforme era atirado contra o chão, brutalmente. Meu pensamento antes límpido e claro tornou-se fosco, junto de meus sentidos. Ouvi uma buzina soar estridente aos meus ouvidos, junto à vozes vindas da aglomeração de pessoas à minha volta. Minha audição estava abafada e minha visão, turva. Esforcei-me para me sentar no chão de concreto.

As pequenas pedras e os grãos de areia arranhavam a palma de minhas mãos e meus joelhos queimavam, como se tivessem sido arrastados no asfalto. E de fato, foram. Entreabri os lábios, confuso.

Eu estava vivo.

Não estava mais no asfalto sobre a faixa de pedestres, mas sim na calçada. Me levantei e bati a poeira de minha roupa. As pessoas me olhavam com estranheza e, acredite, eu também não estava acreditando no que meus olhos supostamente viam. Deveria estar morto.

Segui até um beco para dispersar a atenção das pessoas, estava me sentindo sufocado, como se fosse um animal exótico em um zoológico, atraindo a atenção de todos que estavam em volta. No beco havia um homem; um jovem adulto de cerca de 26 anos. Engoli em seco. Encontrar um homem estranho trajado de uma espécie de manto preto não era algo agradável, mas eu não podia correr para longe, as pessoas voltariam a me sufocar e a me questionar sobre como eu havia ido parar na calçada de uma forma tão inacreditável; milagrosa.

Percebi que o homem tentava, sem sucesso, ficar de pé. Qualquer ser humano com um pingo da humanidade naturalmente concebida para si iria se comover. Respirei fundo e caminhei até ele. Parei ao seu lado e estiquei minha mão em sua direção. Ele ergueu o olhar — dono de um azul piscina capaz de fazer qualquer sábio se afogar em uma loucura incontestável — e segurou firmemente minha mão conforme se levantava.

— Você está bem? — Perguntei, ao ver que de suas costas escorriam filetes de sangue, me deixando preocupado e alerta.

— Por que não consigo? Onde, onde estão?

Franzi o cenho, sem compreender sequer uma palavra. As sentenças saíam embaralhadas de seus lábios, os quais fizeram-me praguejar mentalmente por estar os fitando por tempo demais. Com intensidade demais. Aquele homem era, sem exageros, perfeito e, possivelmente, o mais belo que eu já havia visto.

Seu rosto mudou para uma expressão de dor quando ele levou uma das mãos para às costas e tocou um ferimento que, mesmo encoberto pelo tecido de sua roupa, era possível saber que estava lá apenas pela mancha escura e úmida de sangue que se formava ali. 

— Precisa de ajuda?

Ofereci, ainda com a esperança de conseguir entender algo do que era dito por ele. Ele suspirou, abaixando o rosto em puro desânimo.

— Sim, por favor.

A voz calma e de timbre baixo me fez engolir em seco, pouco antes de ajudá-lo a ficar de pé.

— Quer ir para o hospital?

— Não.

— Mas você está...

— Não, por favor — assenti.

Por mais que eu soubesse ser errado não levá-lo à algum hospital no estado em que ele estava, parecia muito difícil negar algo com aquela voz soando tão ressentida. 

— Onde você mora? Posso te levar para casa se quiser, só precisamos ir à minha casa buscar meu carro — ele sorriu.

— Agradeço, mas sinto informar que, não, você não pode.

Estranhei, mas me esforcei para o auxiliar na caminhada para fora do beco. As pessoas antes aglomeradas já haviam ido embora, o que era realmente uma dádiva. Olhei para seu rosto, estranhando seu silêncio. Vi que, a cada novo passo que dávamos, ele mordia o lábio por conta da dor. Revirei os olhos para mim mesmo ao seguir rumo à minha casa. Eu não iria deixar aquele homem morrer. Se ele não quer ir ao hospital, posso chamar uma ambulância e assim, trazer o hospital até ele.

Durante todo o percurso seguimos em silêncio. Assim que chegamos em frente à porta, abri-a e o ajudei a entrar. Sentei-o no sofá e voltei até a porta de entrada. Fechei-a. Fui até a cozinha e peguei tudo que achei que seria necessário para cuidar de seu ferimento até a ambulância (que eu pretendia chamar assim que terminasse de, pelo menos, estancar o sangue) chegar: um pano, água morna que aqueci rapidamente no micro-ondas e um spray anti-inflamatório.

Voltei à sala e ele ainda estava sentado sobre o sofá como eu havia o deixado. Sorri, tentando quebrar o clima estranho e tenso entre nós, mas tudo que consegui obter foi um olhar. Um olhar intenso e focado, como se quisesse decifrar cada linha de expressão de meu rosto.

Estremeci.

Havia algo de errado com aquele homem, eu me sentia tão estranho. Não de uma forma ruim, mas eu também não sabia dizer se era boa. Era nostálgico, como passar a tarde com um amigo próximo; como se eu já o conhecesse há tempos.

— Precisa tratar essa ferida, ou vai inflamar.

— Está tudo bem.

— Só quero ajudar.

— Agradeço.

Aquele diálogo de palavras curtas estava me desesperando.

— Então... Só preciso ver o machucado. Vai se sentir melhor se me deixar ao menos aplicar algum remédio.

Ele riu. Ah, aquele sorriso; aquela risada.

— Éh... você está mesmo bem? — Não pude evitar perguntar, afinal, ele estava rindo fazia algum tempo.

— É estranho ver você cuidando de mim. Normalmente é o inverso.

— Como assim?

Eu definitivamente estava confuso.

— Sabe como ganhei isto? — Disse, apontando para o ferimento. Meneei a cabeça em negação. — Quando o carro estava vindo, você sentiu um empurrão em suas costas. Algo te impulsionou em direção à calçada.

Me sentei no outro sofá, ainda digerindo as palavras sem acreditar que aquele estranho sabia daquilo.

— Como sabe? 

— Fui eu.

Entreabri os lábios, surpreso.

— O quê? — Minha voz soara indignada, quase em um sussurro. Mais uma vez, ele sorriu.

— Você vai duvidar, mas sou seu anjo da guarda.

Passaram-se alguns segundos até que eu tivesse alguma reação. Franzi o cenho. Ele era louco, é isso ou estou sonhando? Antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa, ele deslizou o tecido preto pelos ombros, resmungando em desgosto ao ter que descolar o pano do sangue seco. O tecido passou a cobrir apenas de sua cintura para baixo.

— Você havia pedido para ver o machucado — falou simplista, como se estivesse explicando o motivo de estar parcialmente despido.

Assenti ainda estranhando a situação e dei a volta em torno do sofá, parando de frente para suas costas. As palavras saíram desconexas de minha boca e o ar travou em minha garganta junto da saliva, me fazendo engasgar.

Suas costas exibiam duas cicatrizes simétricas e, como se isso já não fosse estranho o bastante, haviam penas. Pedaços de penas quebradas saíam de sua pele. Era uma maquiagem de Halloween? Toquei e o ouvi gemer de dor.

— Não toque. Por favor.

Engoli em seco e, por mais que estivesse duvidando da realidade da cena que via, peguei o spray que havia deixado sobre a mesa de centro.

— Isso vai doer. Posso? — Ele assentiu.

Apliquei o produto sobre o ferimento e observei-o espumar sobre a ferida, junto dos resmungos do homem. Era um ferimento de verdade, pois o produto estava criando a espuma típica de quando aplicado sobre um machucado aberto. Sentei-me no outro sofá novamente.

Passamos cerca de quinze minutos em um completo silêncio. Ele me encarava com tanta profundidade que me deixava desconcertado. Não que houvesse alguma malícia em seus olhares. Não havia nada; eram vazios.

— Qual seu nome? – Perguntei, após me cansar de toda aquela quietude.

— Kim Taehyung.

— Eu preciso me apresentar? — Ele sorriu.

— Não. Eu sei tudo sobre você.

— Por exemplo?

— Sei que os únicos segredos que guarda até hoje são sobre as brigas de sua mãe e seu pai e de como você se escondia no guarda-roupa. Também sei sobre a figurinha que pegou de um tal de Namjoon quando eram pequenos.

Mordi o lábio. Não tinha como ele saber. Nunca em minha vida contei aquilo à ninguém. Bem, também não é fácil descobrir que você está frente à frente com seu anjo da guarda.

— Obrigado por me ajudar mas, por que ainda está aqui?

Martirizei-me por ter sido tão ríspido, mas eu estava curioso. Se tudo aquilo era verdade, por que ele ainda estava ali?

— Não posso voltar, não tenho mais assas — sua voz pareceu, por mais que ele soubesse disfarçar, triste.

É, parece que, sim, os anjos ficam tristes.

— O que aconteceu com elas?

— Foram arrancadas.

— Por quem?

— Deus.

Sua resposta me intrigou um pouco.

— Por quê?

— Porque ajudei você de forma física e direta. Entenda, um anjo não pode sair por aí tocando pessoas ou conversando com elas, ou vai me dizer que está achando isso normal?

Eu tive que concordar, seu argumento era bom.

— Posso te ajudar em algo? Sabe, até você as recuperar.

Ele negou.

— Daqui há uma semana virão me buscar. Até lá, terei pago o preço por desobedecer.

Senti meu peito pesar com uma amargura ácida. Ele estava sofrendo por minha causa? Que tipo de pessoa faz seu anjo da guarda passar por isso?

— Desculpe.

— A atitude foi minha, não sua.

— Se eu tivesse olhado para o lado antes de atravessar, não teria quase sido atropelado. Fui eu quem deu início a todo esse problema.

Taehyung não respondeu. Notei que a pele de seu braço estava arrepiada e ele deslizava as mãos sobre esta.

— Está com frio?

— Acho que sim.

Sorriu sem jeito. Imagino que anjos não estejam acostumados a sentir frio. Andei até o quarto e peguei uma muda de roupas quentes: um moletom e uma calça confortável.

— Acho que tomar banho com essa ferida imensa não é uma boa ideia — aconselhei. — Quer se trocar?

Entreguei as roupas a ele.

— Obrigado.

Taehyung seguiu até o banheiro e fechou a porta. Como ele sabia onde o cômodo ficava? Espera, anjos seguem as pessoas até quando vão ao banheiro? Prefiro não pensar nisso.

O aguardei sair e logo a porta se abriu, mas ele ainda estava sem a blusa. Forcei meu olhar a se focar em seu rosto. Qual o castigo para alguém que acha seu anjo da guarda um cara fisicamente atraente? Prefiro não descobrir, não deve ser algo bom.

— Eu... não consigo vestir.

Seu olhar se desviou para o chão. Imagino que deva ser horrível se sentir incapaz de algo, ainda mais para um anjo.

— Não acha que seria melhor fazer um curativo antes de vestir? — Ele gesticulou negação.

— Posso ter um formato humano, mas não deixo de ser um anjo. Já está quase curado.

Suspeitei que estivesse dizendo aquilo apenas por não querer parecer incapaz, mas vi que ele realmente dizia a verdade. Havia uma cicatriz amarronzada sobre os dois cortes, mas eles já não eram mais ferimentos abertos. Taehyung ergueu os braços e eu o ajudei a colocar o moletom. Notei que mesmo que seu olhar estivesse conectado ao meu, ele não estava tão à vontade quanto antes. Parecia envergonhado por precisar de ajuda.

Sim, anjos também se sentem indefesos.

O convidei para jantar e após terminarmos, ofereci minha cama para ele se deitar e segui até a sala. Ele não protestou, mas não por não se importar comigo; ele parecia apenas não saber o que fazer, como uma criança seguindo ordens.

Imagino que não tenha muita liberdade em seus ofícios. Se Deus era seu chefe, ele deveria obedecer sempre às suas ordens. Mas, agora, sem elas, parecia buscar alguém a quem obedecer.

Deitei-me no sofá e adormeci com o passar do tempo. O estalar monótono e contínuo dos ponteiros do relógio pregado à parede apenas embalava meu sono.

Sim, eu sabia dos riscos de se abrigar um completo estranho em sua casa e de ir dormir com aquela presença intrusa na casa. Todavia, por mais inacreditável que aquilo pudesse soar até mesmo para mim, eu estava confortável na sua companhia. Eu não o conhecia, de fato. Mas, havia algo que me fazia sentir que, mesmo com minha mente rejeitando a ideia de anjos e demônios existirem, eu sentia em meu âmago que eu o conhecia e que não era algo recente. Era como se ele sempre tivesse estado lá, sendo merecedor de minha confiança.

No dia seguinte, saí de casa para ir ao trabalho e expliquei a Taehyung que ele podia fazer o que quisesse enquanto eu estivesse fora. Ele parecia incomodado, mas assentiu. Talvez ele estivesse assim por se sentir dependente. Enquanto anjo, imagino que sua tarefa fosse cuidar de mim. Agora, ele depende de mim novamente, mas em papéis inversos.

Quando voltei, Taehyung estava sentado no centro da sala, perplexo.

— Taehyung? — Chamei-o, receoso. Não sabia se soaria desrespeitoso chamar um anjo pelo primeiro nome, mas chamá-lo de senhor soaria estranho e talvez até exagerado. Para minha sorte, ele apenas olhou em minha direção e levantou-se rapidamente.

— Fiz o jantar, espero que não se importe.

— Não, tudo bem. Obrigado. — Sorri desconcertado.

Ele apenas assentiu e seguiu até a cozinha. Ajudei-o a pôr a mesa e me sentei após o ato. Aquilo estava sendo definitivamente estranho e ia além do que minha imaginação poderia prever.

— Antes que me questione sobre o porquê disso, quero apenas que saiba que, como seu anjo da guarda, sei da sua péssima alimentação. Agora que posso falar com você, pensei até em fazer uma lista sobre o que você poderia fazer para ter uma vida melhor.

Definitivamente, estranho. Estranhamente engraçado e que me fez rir, sem saber ao certo o motivo. Notei que, enquanto ele levava o talher com uma pequena quantidade de comida aos lábios, sua boca se esforçava para abocanhar rápido a porção com uma expressão diferente. Como se estivesse contendo um sorriso, daqueles que se abrem em horas que não podemos sorrir.

Ele não queria sorrir? Não queria ou não podia? Definitivamente ele queria. Logo, concluo que ele não podia. Em quadros religiosos, anjos sempre são retratados com o mesmo olhar, sereno e rígido. Talvez porque demonstrar emoções, como todos sabem, nos torna sentimentais. Sentimentos levam à desobediência e isso leva ao pecado. Deus é mesmo assim tão severo para com seus filhos? Não, com os filhos não, os humanos fazem o que bem quiserem. A regra se aplica apenas aos anjos, seus guerreiros e servos mais fiéis, sem imperfeições ou falhas.

Mas Taehyung havia falhado, talvez fosse por isso que, agora, ainda tentava seguir à risca todas as regras estabelecidas por seu superior. Depois de longos minutos de puro silêncio mesclado ao som dos talheres raspando no fundo dos pratos, terminamos de almoçar e eu me encarreguei de lavar a louça, dizendo-lhe que ele poderia ir à sala descansar. Quando me aproximei do sofá, ele estava sentado praticamente imóvel; perdido.

— Fique à vontade. Quer ver TV?

O vi pensar por alguns instantes antes de assentir.

— Pode escolher o filme que quiser, estou acostumado a assistir com você.

Aquela frase me fez sorrir, mesmo que de forma discreta e inconsciente. Deveria mesmo ser assim tão bom descobrir que há sempre alguém lá com você? Bem, não vejo motivos para achar que seja ruim. Após escolher um dorama qualquer, me sentei no outro sofá e seus olhos pareciam exalar um desconforto incrível.

— Seu machucado está mesmo curado?

— Sim.

— Você precisa de algo? Estou perguntando porque já percebi que não vai falar por conta própria sem pedir permissão.

Ele sorriu. E, como no dia anterior, meu corpo estremeceu com aquela visão sincera de seus sentimentos. Afinal é para isso que servem os sorrisos, não?

Sem generalizar, as pessoas apenas se esqueceram do real motivo para o qual o sorriso existe.

— Estou bem. Obrigado. É só que, é estranho te ver assim.

— Assim como?

— Longe — minha expressão se tornou desentendida em segundos. — Eu normalmente fico mais perto de você, te ver dessa distância é diferente do que estou acostumado.

— Ah.

Respondi, como se tivesse acabado de ouvir algo simples e sem importância. Claro, eu não iria dizer-lhe que minha respiração travou em meio ao trajeto, que a pele de meu braço se arrepiou e nem que meu coração estava mais acelerado do que o normal. Depois de passarmos o resto da tarde da mesma forma, tomei um banho e emprestei outra muda de roupas à ele, que tomou seu banho logo após eu ter deixado o banheiro.

Arrumei a cama para Taehyung e segui até o sofá. Ele não protestou quanto a ficar com o quarto novamente mas, como anteriormente, parecia se sentir desconfortável. Adormeci com a mesma facilidade com que sonhei.

Tive um pesadelo.

Mas aquele contraste de imagens embaçadas e vozes estridentes não era especificamente algo ruim derivado do meu cérebro, mas sim uma lembrança de minha infância. Eu estava no escuro, com apenas uma fresta de luz iluminando o lugar fechado, irradiando diretamente em meu rosto. Não via nada além do feixe de luz e da escuridão em torno de mim, mas sabia exatamente onde estava.

Eu estava dentro do guarda-roupa do quarto de minha mãe, enquanto a ouvia discutir arduamente com meu pai. As vozes debatiam entre si e repercutiam pelo extenso corredor de minha antiga casa até verbelizar pelo silêncio do quarto. No entanto, sempre que sonhava com aquela cena — o que ocorria diversas vezes durante o ano —, eu podia sentir que havia alguém ali além de mim.

Sempre senti uma presença ali comigo, que não era capaz de me assustar apesar de eu estar no escuro junto de alguém que aos meus olhos era inexistente. E, naquela noite, eu vi um rosto em meu sonho, e sabia que pertencia à tal presença.

Eu vi Taehyung.

Eu vi seus olhos claros focados tristemente em mim e suas mãos sobre os meus ombros em um ato de consolo. Eu o vi abraçado a mim quando eu tinha apenas sete anos. E então a fresta de luz se alargou e uma claridade desnecessária passou a iluminar o interior do guarda-roupa. Alguém havia abrido a porta do móvel onde eu estava escondido e permitido que a luz do quarto me expusesse. Era minha mãe. Ela tinha o rosto vermelho de raiva e os olhos encharcados de lágrimas.

Ela dirigiu seu olhar para mim e sorriu. Um sorriso forçado, mas que me acalmou. Eu era apenas uma criança assustada de olhos escuros brilhando em um medo palpável. Ela tornou a fechar a porta e eu não a vi abri-la novamente pelo resto da noite. O escuro voltou a me envolver e abracei com forca meus joelhos, soluçando baixo. Acordei em uma contração involuntária de meu corpo, como se levasse um choque e fosse obrigado a despertar.

Minha respiração tremulava, meus olhos estavam arregalados e a camisa do pijama grudava em minhas costas por conta do suor frio. Suspirei. Odiava lembrar daquilo, mesmo que não tivesse escolha. Levantei-me e andei até a cozinha, onde acendi a luz e peguei um copo, o enchendo de água. As cenas antes presenciadas passavam dispersas por minha cabeça, e eu entendia o porquê daquilo ter me marcado tanto. Meus pais costumavam ter brigas frequentes.

Aquela era a lembrança do dia em que minha mãe finalmente daria um fim àquilo e iria embora, tentaria ser feliz.

Então, quando ela abriu o guarda-roupa pronta para fazer as malas, ela não esperava encontrar uma criança, seu filho, tremendo assustado, escondido em meio às suas roupas. Ela desistiu de fugir, desistiu de deixar tudo para trás e iniciar uma nova vida, desistiu de seus sonhos para cuidar de mim.

Eu fui a causa de ela não ter ido embora, e foi isso que a deixou doente por anos, necessitada de remédios anti-depressivos. Os psiquiatras costumam dizer que não foi culpa minha e que isso passaria quando eu aceitasse que não fui eu o culpado por ela ter adoecido, mas o que eles entendem? Eles não estavam lá, não viram o que eu vi e não sabem do que eu sei. Não passaram pelo que eu passei.

Terminei de beber a água e depositei o copo sobre a pia, notando que minha mão estava trêmula. Assim que me virei, me assustei ao encontrar Taehyung parado à minha frente.

— Taehyung, o que voc...

Minha voz morreu ao sentir seus braços me envolvendo em um abraço apertado. Fiquei estático por instantes, me questionando se ele estava fazendo aquilo por ser sonâmbulo ou se havia enlouquecido de vez. Após alguns segundos, decidi me render ao gesto e me entreguei ao abraço. Sua mão deslizou até meu cabelo exercendo uma carícia suave. Fechei os olhos e os senti se umedecerem. Eu sempre ficava com o emocional instável quando lembrava da cena vista em meu sonho.

Escondi meu rosto na curva de seu pescoço, aumentando a força com que o segurava em meus braços, como se ele corresse o risco de desaparecer. Eu não queria me sentir sozinho, não queria voltar a me sentir como se estivesse no escuro. Minha respiração se acalmou aos poucos, meus olhos se fecharam e meu corpo parou de tremular, só então ele me soltou.

— Sei que é difícil para você ter aquele pesadelo, quis ajudar — explicou.

— Como sabe que tive um pesadelo?

— Eu senti. Parece que não estou completamente desligado de você, o que significa que nosso laço não foi rompido e provavelmente vou voltar ao posto de seu anjo da guarda quando a semana acabar.

Assenti. Taehyung era alguém legal e de presença marcante, seria doloroso ter de me despedir.

— Jungkook — ele me chamou e aguardei que prosseguisse com a fala. — Não sei se isso irá ajudar muito mas... — mordeu o lábio, nervoso. Era a primeira vez que eu o via assim. — Eu estava lá quando aconteceu. Eu sempre estive lá com você, desde o dia em que você nasceu. Eu te vi crescer, vi você ralar o joelho ao cair de bicicleta, vi você brincando com seus poucos porém bons amigos na escola, vi cada sorriso que já deu e cada lágrima que já deixou cair. Eu estive lá em todas as vezes que você se escondeu naquele guarda-roupa e presenciei cada uma das brigas ocorridas naquela casa. Sei que não aceita a opinião dos psicólogos quando dizem que não foi sua culpa, mas eu passei por tudo contigo e digo que de fato você não tem culpa de estar no lugar errado na hora errada. Você não tem culpa de fraquejar e de ter tido medo. Era apenas uma criança, o que você podia fazer? Não se culpe pelo que não pode mudar. Você não pode voltar ao passado, então por que passar a vida se martirizando por algo que estava destinado a acontecer? Acredite em mim quando digo que você não teve culpa de nada.

Eu estava sem reação. Minha respiração era rasa e meus olhos praticamente não piscavam. Saí do transe e fiz algo que para mim foi inevitável: o abracei.

O efeito daquelas palavras foi maior do que eu algum dia senti. Era como receber um anestésico injetado diretamente na veia ao mesmo tempo que uma substância energética. Eu não aceitaria a opinião de pessoas que não sabiam do que eu estava falando, mas ele sabia. Ele passou por tudo junto a mim, sofreu comigo, talvez até mais.

Enquanto eu apenas aturava as discussões, Taehyung as via e me via sofrer. Talvez eu não devesse pensar dessa forma, mas no fundo eu sabia que ele se importava comigo mais do que deveria. Afinal, se isso não fosse verdade ele teria me deixado morrer no acidente. Pior do que aguentar aos conflitos de meus pais, era ter que ver a pessoa com quem você se importa sofrendo por causa disso e você não poder fazer nada.

Eu sempre senti algo à mais comigo enquanto estava chorando escondido. Taehyung sempre foi mais próximo de mim do que deveria. Em meu sonho, ele tentava tocar em mim, me abraçar. Mas, nunca pôde fazer nada além de me ver chorar sem ter a chance de impedir que as lágrimas caíssem. Estava lá apenas para me observar, sem poder interferir. Seu ponto de vista era diferente do meu, mas ambos seguiam lado a lado pela mesma linha tênue de raciocínio. Ele estava dizendo a verdade. Eu não tinha culpa. E, após anos tendo que viver com a culpa pesando sob meus braços, finalmente eu já não a sinto mais presente em mim.

— Obrigado.

Falei assim que desfizemo-nos do abraço. Ele sorriu e me fitou como costumava fazer, mas estava claro ali que ele estava feliz por, pela primeira vez em anos, ter conseguido me ajudar, fazer o que sempre quis mas nunca pôde nem sequer sonhar em fazer.

Meu problema eram os sonhos e o dele era não poder sonhar.

E eu sentia que, pouco a pouco, estávamos nos ajudando a vencer isso. Éramos os únicos com o poder de curar as feridas um do outro.

Me afastei e estava pronto para deixar a cozinha quando o ouvi se pronunciar:

— Você nunca esteve sozinho, sempre estive lá com você e, depois que eu ir, vou continuar te acompanhando. Não quero que se sinta só, porque você nunca vai estar.

Sorri. Não como uma forma de agrado ou de resposta, apenas sorri. Continuei o trajeto, até estar de frente para o sofá. Deitei-me e, pelo resto da madrugada, não tive pesadelo algum, o que foi realmente agradável.

Parecia que um grande peso havia sido retirado de minhas costas.

"Você nunca esteve sozinho."

Foi a melhor frase que alguém me disse em anos.

Acordei me sentindo bem, sentia-me leve. A conversa de ontem que tive com Taehyung havia me trazido benefícios notáveis, ou ao menos era o que aparentava ser para mim. Caminhei até o quarto para me despedir, mas parei ao lado do batente da porta, sentindo um pequeno sorriso brotar. 

Ele estava deitado totalmente enrolado nos cobertores, os lábios entreabertos ressonando baixinho, com uma respiração leve e intensa que era possível de se notar apenas em ver a forma como seu peito subia conforme ele inspirava. Os cabelos loiros desgrenhados cobriam parte de sua testa, o deixando com um ar parcialmente infantil. Na minha humilde opinião, aquela era a cena mais fofa que eu poderia ver em toda minha vida. 

Dormindo como um anjinho. Bom, literalmente. Sorri e deixei o quarto, indo para o trabalho.

Após o término do meu horário de serviço, entrei em casa proferindo um longo suspiro, tendo em mãos uma imensa pilha de papéis que já estavam cansando meus braços. As deixei sobre a mesa da cozinha e me atirei sob o sofá. Havia sido um dia difícil, com direito à pessoas reclamando sobre problemas alheios e fofocas que eu tinha certeza de que eram falsas, pois uma delas contava sobre eu ter ganho mil reais à mais no pagamento. Quem me dera que fosse verdade.

— Parece cansado.

Pulei sobre o sofá como se tivesse levado um choque.

— Taehyung, não me assuste assim. — Falei com um pequeno sorriso, rindo de mim mesmo e da minha reação ao ouvir sua voz.

Eu não ainda não estava acostumado a ter companhia em casa, senão a televisão ligada e um lanche – este, nem um pouco nutritivo para minha alimentação.

— Eu acabei dormindo e não pude preparar o jantar hoje, descul...

— Não se desculpe por isso, não é uma obrigação sua.

— Minha função é cuidar de você, é uma obrigação minha.

— Sua função sempre foi apenas me observar, não fazer as coisas por mim.

Ele se sentou em silêncio no outro sofá. Comprimi os lábios, me martirizando internamente por ter sido tão ríspido consigo.

— Desculpe por isso — suspirei. — Estou uma pilha de nervos.

Taehyung assentiu antes de se erguer e dar a volta em torno do sofá em que eu estava, posicionando as mãos sobre meus ombros. Acho que eu já estou me acostumando com suas atitudes repentinas, chegando ao ponto de nem ao menos estranhar mais. Bom, claro que isso foi estranho, mas de que adiantaria questionar se ele nunca responde?

Suas mãos apertaram meus ombros e senti-as aplicando certa pressão em movimentos repetitivos. Uma massagem? Bem, não é todo dia que seu anjo da guarda te faz uma massagem. Dessa vez eu não precisava perguntar por que ele estava fazendo isso. Eu disse que estava estressado, Taehyung vive tentando me ajudar em tudo, logo, talvez ele quisesse me ajudar a relaxar. Pensando bem, eu teria tido a mesma ideia se estivesse em seu lugar, e olha que não sou uma pessoa pra lá de criativa.

Murmurei algo ao sentir seu polegar se forçar com um determinado ponto tensionado. Optei por relaxar meu corpo sobre o estofado, deixando minha cabeça pender para trás conforme a repousava sobre o encosto do sofá. Daquele ponto de vista, eu podia ver o rosto concentrado de Taehyung.

Ele olhou para mim ao ver que eu estava o observando, me fazendo sorrir desconcertado, porém não desviei meu olhar. O que nos colocou em uma situação realmente estranha, já que ele também não desviou seu foco de mim. Comecei a rir, juro que se me perguntassem o porquê eu diria que apenas tive vontade. Porque, realmente, não era uma boa hora para se ter uma crise de risos.

Então eu vi seus lábios se curvarem e um pequeno sorriso surgir em seu rosto. Nunca entendi o porquê de rirmos quando alguém ri, mas descobri que isso também funciona em anjos. Continuamos rindo. Percebi que travávamos uma competição de olhares, tentando ver quem de nós encarava mais. Talvez fosse por isso que começamos a rir como loucos.

Eu realmente não entendo até hoje por que isso aconteceu, mas o motivo não importa, já que graças a isso pude ver seu sorriso por completo e descobrir que ele possuía um formato retangular que eu nunca havia visto, mas que fora capaz de me cativar desde o início, seus olhos claros curvados em uma meia-lua adorável, sua voz grave se afinando vez ou outra durante a risada, seu cabelo pendendo para frente conforme ele se mexia involuntariamente por conta do riso, eu pude vê-lo feliz.

Também tive a chance de observar sua risada parando aos poucos pois estávamos cansados de tanto rir, seus olhos desfazendo a meia-lua e se expondo como se a noite desse lugar ao céu azul que tingia as íris arredondadas ainda focadas em mim, seu cabelo desgrenhado semelhante a hoje de manhã e sua respiração ainda acelerada pelo recente esforço. Acho que estou voltando a cogitar sobre a pena que se obtém por achar seu anjo um cara atraente. Porque Taehyung definitivamente é lindo, de todos os jeitos e formas possíveis.

Os dois dias seguintes seguiram da mesma forma. E eu gostaria de conseguir me arrepender pelo rumo que as coisas tomaram entre nós mas, juro que, por mais que eu tente, não consigo, não consegui e nem sei se algum dia conseguirei.

Não consegui não sorrir feito bobo ao chegar em casa todos os dias e ser recebido por sua feição alegre e seu olhar buscando aprovação quanto às comidas postas sobre a mesa; não consegui evirar me perder pela enésima vez consecutiva em seu sorriso; não consegui evitar a vontade insana de contar piadas ou falar besteiras aleatórias apenas para poder vê-lo sorrir; não consegui desprender meu olhar do seu quando ele me encarou enquanto gargalhava; não consegui evitar que meu coração se descompassasse ao perceber o quanto estávamos próximos e nem de me dar conta de que não havia ninguém ali além de nós dois; não consegui evitar fitar seus lábios entreabertos e nem que meus olhos se tornassem semicerrados quando nossos rostos se aproximaram.

E então... nada aconteceu.

Nada além de um banho de água fria da própria consciência e uma enxurrada de vozes dizendo repetidas vezes de forma consecutiva o quanto aquilo era errado. Eu sinceramente não estava nem aí, mas Taehyung estava. Eu não poderia o culpar, ele ainda era supostamente um anjo, era óbvio que ficaria confuso.

Mas eu também estava ciente de que ele não me via apenas da forma como o anjo deveria ver o humano que estava designado a proteger. Se ele estivesse seguindo as regras, eu teria morrido no acidente. E, se ele tivesse mesmo optado por não cometer mais nenhum erro, não teria permitido que nos aproximássemos tanto.

Ele estava perdido e ao mesmo tempo ele era minha perdição.

Depois do ocorrido, cheguei a pensar que as coisas não mudariam, que continuaríamos agindo naturalmente como se pudéssemos mais tarde rir da cena como algo passado, superado. Mas no fundo sabíamos que isso não funcionaria, não por muito tempo.

Ele não foi frio o suficiente para esquecer e eu não fui forte o bastante para superar.

E foi na tarde de sexta-feira que voltamos à etapa zero.

— Tae — chamei-o.

Estávamos mais próximos do que eu imaginava e chamá-lo daquele apelido havia se tornado um hábito.

— O dorama vai começar, se apresse.

Logo, vi a figura atravessar a sala rapidamente, com uma blusa branca antiga minha que deslizava por seu ombro lhe deixando com um ar infantil. Ele se sentou ao meu lado e focou-se na televisão.

— Já começou? — Perguntou.

—  Ainda não, mas já vai começar.

Após alguns minutos, a música da vinheta de abertura do dorama preencheu a sala, nos fazendo sorrir. Depois de não muito tempo, o sono estava pregando peças em Taehyung, fazendo-o piscar os olhos momentaneamente. Ele ainda não havia se acostumado a dormir e acordar em horários programados, já que ele nem mesmo estava acostumado a dormir. Sua cabeça escorregou pelo sofá e apoiou-se em meu ombro. Tentei ignorar mas minha respiração parecia não querer assumir um ritmo normal.

Ele estava me desregulando com toda aquela proximidade. Ao término do episódio e início de outro programa qualquer de televisão, chacoalhei fracamente seu ombro para acordá-lo. Ele ergueu o olhar ainda sonolento em minha direção mas, por conta do cansaço, não percebeu o quanto a distância de nossos rostos era rasa; seu nariz quase tocava o meu.

E então ele percebeu e se afastou em um piscar de olhos. Não porque queria distância, mas por desejar findá-la.

Seus olhos refletiam um desejo repreendido e uma vontade imensurável, que podia ser facilmente notada na forma nervosa que ele deslizava as mãos pela blusa a desamassando, mesmo que ela estivesse sem um friso sequer. Eu vi desejo.

Sim, os anjos sentem desejo por algo ou alguém.

— Eu não posso mais... — sua voz era dita em sussurros e falava mais para si mesmo do que para mim. — Eu tenho que ir.

— Mas você disse que só iria no sábado quando completaria uma semana — falei, tentando não demonstrar minha indignação com sua decisão repentina.

— Eu sei, mas não lhe prometi nada. A verdade é que eu pude voltar desde quarta-feira, mas não o fiz. Eu queria estar pessoalmente com você por mais tempo, poder interferir na sua vida de uma forma mais significativa do que costuma ser. Mas as coisas não saíram como eu havia pensado que seriam. Se eu ficar, irei cometer outro erro.

— Amar é um erro? — Interferi.

Seus olhos se arregalaram com a pergunta e ele os desviou dos meus.

— Da maneira que eu amo você, é.

Fiquei estático por instantes, digerindo as palavras que haviam me sido ditas. Ele havia se declarado.

— Talvez errar seja certo.

A frase claramente deixava explícito que eu o correspondia.

— Me desculpe. — Ele virou-se e estava prestes a sair, quando segurei seu braço.

— Taehyung, por favor. Temos só mais um dia, depois disso eu nunca mais vou te ver. Eu te amo.

Confessei. Estava cansado de carregar o peso que aquele segredo tinha e desesperado por sua ida. Eu não iria mais vê-lo e ele nem sequer iria aproveitar nosso último dia juntos.

— Jungkook... Eu não posso.

— Você pode, apenas não quer — seu rosto se aproximou do meu.

— Sabe que eu não tenho escolha — sua voz beirava irritação e mágoa, mas não tanto quanto a minha.

— Enquanto estiver aqui, você está livre de todas essas regras. Não há ninguém te obrigando a andar sob os trilhos, você apenas tem medo. Está com medo de tentar, medo de dar certo e medo de se apegar ainda mais e ter que me deixar. Se você vai ir de qualquer jeito, por que não aproveita ao menos o último dia que temos para isso?

Despejei as palavras sobre ele, mas o resultado que obtive foi contrário ao que eu pretendia alcançar. Uma lágrima minha desceu por sobre a maçã de meu rosto, deslizando em um rastro molhado até meu queixo, e ele apenas a seguiu com seu olhar.

Estava perplexo, ao mesmo tempo em que eu via seu braço tremular e seus dedos contraírem-se contra a palma de sua mão. Ele queria enxugar a lágrima em meu rosto, mas não tinha coragem o suficiente para erguer a mão até ela. Erguer-se contra as regras que estava designado a seguir pelo resto da vida e que lhe diziam para se virar e ir para o mais longe possível de mim.

— Tem razão, Jungkook. Não há nada que me impeça de fazer o que eu quero, e é justamente por isso que eu devo ir.

— Eu não vou perdoar você se fizer isso. — Senti meus olhos se encherem d'água novamente.

— Eu sei.

Soltei seu braço e ele saiu, fechando a porta em um baque. Tornei a abrir a porta mas ele havia desaparecido. Ele não havia tido tempo de caminhar até sumir do meu campo de visão. De algum jeito ele sumiu, tão rápido quanto havia aparecido na primeira vez que eu o vi.

Após sua ida, voltei para dentro de casa e tentei, de alguma forma, seguir com meu dia. Mas não havia uma segunda voz junto da minha para rir de alguma piada sem graça da televisão. Não havia um lugar ocupado ao meu lado no sofá. Não havia cheiro de comida feita recentemente.

Não havia mais nada. Eu me senti só. Me senti no escuro novamente.

E então eu não suportei mais o peso das lágrimas e chorei. Deixei que a água escorresse por meu rosto e que minha garganta gritasse o quanto meu pulmões aguentassem. E depois que minhas forças enfim se esgotaram, passei a soluçar baixo. Em meio aos soluços, eu chamei por Taehyung, mas ele não estava ali para ouvir. Eu não sabia onde ele estava.

“Ele é um anjo” — pensei. — “devo chamá-lo da maneira como se chama um.”

Me ajoelhei rente à mesa de centro da sala e fiz algo que não fazia há anos desde que me mudei da casa dos meus pais. Eu rezei. Rezei tentando impor todo resquício de fé que eu ainda tinha. Mas as coisas nem sempre acontecem da maneira como queremos. Eu continuei lá, sozinho.

Após desistir de repetir consecutivamente as preces sem obter resposta, fui à cozinha e tomei um copo de água. Senti minha garganta se irritar com o líquido por conta das muitas palavras proferidas anteriormente, mas ignorei. E então retomei minha rotina, como se nada tivesse acontecido. Afinal é assim, não é? Sempre seguimos em frente, afinal não temos escolha. É isso ou se isolar e chorar em algum canto da casa. Prefiro a primeira opção.

Só porque seguimos em frente não quer dizer que tenhamos deixado o passado, apenas significa que estamos nos arrastando tentando alcançar um futuro.

Dentro de algumas horas, já era cerca de nove da noite, quando resolvi que iria dormir. Assim que me deitei, a campainha soou estridente, me fazendo xingar baixo e seguir até a porta. Suspirei, não estava no clima para visitas.

Puxei a maçaneta abrindo a porta e me engasguei com a própria saliva quando vi quem era o responsável por tocar a campainha.

Taehyung estava parado em frente à porta, com um olhar que esbanjava mágoa e um sentimentalismo que eu nunca havia presenciado com tamanha intensidade.

Ou talvez eu estivesse apenas sentindo tanta falta do seu olhar que acabei vendo ali o que eu gostaria de encontrar.

Encaramo-nos por um longo período de tempo até que me cansei daquele jogo teórico de olhares, eu queria pular diretamente para a parte prática. Afinal, ele simplesmente vai embora pela manhã e agora já está de volta? Não se passou nem um dia, não tive nem sequer um tempo para digerir tudo.

— Você me disse que iria embora.

Por mais que eu tenha me esforçado para evitar piorar ainda mais a situação, o tom magoado e baixo de minha voz apenas agravou ainda mais o clima de angústia, que parecia decair sobre nós.

Sim, os anjos sentem angústia.

— Eu vou.

Semicerrei os olhos, pendendo a cabeça levemente para o lado tentando entendê-lo.

— Então... — falei, o incentivando a continuar ou ao menos se explicar.

— Não consigo.

Seu olhar estava focado em meus olhos, me deixando desconfortável mas, ao mesmo tempo, me permitindo sentir uma alegria contida por ter aqueles olhos azuis focados exclusivamente em mim e em nada mais. Senti falta disso, mesmo que apenas por um dia.

— Você precisa mesmo ir?

Um pequeno sorriso tomou conta de seus lábios. Talvez eu tivesse deixado um pouco óbvio com aquela pergunta que queria que ele ficasse.

Eu quero que ele fique.

Deus não vai se importar de me emprestar um de seus anjos, não? Não, aquele anjo não é mais um mero pertence de um deus que os priva de sentir emoções. Taehyung ficou por mim.

Esse anjo é meu.

O sorriso de antes já havia ruído e ele voltara a me fitar como sempre fazia. Mas, havia algo diferente por detrás das íris claras. Angústia e, talvez, só talvez, medo. Medo de não saber o que fazer, medo de estar descumprindo uma ordem direta que o mandava ir embora e me deixar.

Sim, os anjos sentem medo.

Aproximei-me devagar. Meus movimentos eram vagos mas não inseguros. Era como se eu estivesse tentando me aproximar de um animal arisco sem espantá-lo, até que pudesse o tocar. Bem, eu ainda não havia tocado nem sequer um dedo nele, mas seu rosto estava tão próximo do meu. Continuei o percurso e parei à meros centímetros de distância de seu corpo.

Seus olhos ainda me encaravam mas, desta vez, eram retribuídos pelos meus. Olhares focados, corpos em uma proximidade perigosa. Expus um mínimo sorriso de canto ao ver seus olhos desviarem-se para meus lábios quando minha respiração se chocou com sua boca. Me inclinei para frente e, em uma vagarosidade descomunal, inclinei meu rosto um pouco para o lado e selei nossos lábios.

Ele mal se moveu, mas percebi que sua respiração travou e seus olhos estavam semicerrados. Me afastei e inclinei o rosto para o lado oposto, repetindo o gesto de unir nossos lábios em um breve selar.

Queria ganhar sua confiança, assim como queria merecê-la.

Ainda com cautela, deslizei minhas mãos por seus ombros e senti a quentura da pele morna sob meus dedos apesar do tecido macio do moletom me impedindo de tocá-la diretamente. Assim que meus braços estavam envoltos em seus ombros, retomei o selar e senti seu rosto exercer uma pressão mínima contra o meu. Tive que me esforçar para conter o sorriso que teimava em querer surgir sempre que eu me lembrava de que ele estava finalmente me correspondendo.

Decidi arriscar e movi meus lábios. Meus olhos se arregalaram ao ouvi-lo suspirar e mover os seus. Macios e mornos. Será que todos os anjos tem um beijo tão bom quanto o meu? Pedi passagem com minha língua e ele fez o mesmo, criando uma pequena batalha por espaço em nossas bocas. A pergunta era: quem estava ganhando? Do jeito que aquilo estava bom, suponho que ambos.

Estávamos indo rápido demais, ao mesmo tempo em que eu sentia que havíamos esperado por anos. Talvez eu não, por não saber que tinha um anjo da guarda, mas Taehyung sim.

Ele esperou minha vida toda para estar comigo.

Me separei dele para respirar e, involuntariamente, observei como seu peito subia e descia em busca de ar. Retomei o beijo e ele não protestou, porém utilizei o ósculo como desculpa para deslizar as mãos pela frente do moletom. Ele estava tão imerso que eu sabia que poderia fazer o que quisesse. E eu fiz. O provoquei de todas as formas possíveis mas, claro, tomando o devido cuidado para não exagerar e ele não descobrir que os arranhões em sua nuca e os puxões em seu cabelo não eram involuntários. Ele quebrou o beijo, mas não foi por conta de algum incômodo.

Foi por causa de um gemido.

O fitei por alguns instantes, vendo seus olhos se desviarem dos meus e suas bochechas assumirem um tom rosado. Constrangido, excitado e apenas meu. Tornei a beijá-lo, puxando-o para a cama comigo me surpreendi em tê-lo vindo com tanta facilidade. Deitei-me e o envolvi com minhas pernas, suas mãos percorreram meu abdômen me fazendo arfar. Estávamos com pressa, havíamos esperado tempo demais para isso. Suas mãos tremiam ao desabotoar minha blusa e seu olhar vez ou outra se encontrava com o meu.

Desespero, por ansiar com tamanha vontade pelo outro e, desejo, mútuo e borbulhante.

E então os toques se iniciaram. Alguns apenas experimentais, buscando descobrir se o outro apreciava aquele tipo de contato, como quando sua mão tocou meu membro sobre a cueca, fazendo-me arfar. Outros completamente ousados, tendo como exemplo o momento em que inverti nossas posições e me sentei em seu colo, o ouvindo gemer contido. Taehyung estava envergonhado, mas seu olhar não esbanjava nem sequer um pingo de arrependimento.

Ele queria aquilo, e eu estava louco para enfim tê-lo. E eu o tive, da melhor forma possível, assim como ele também teve a mim.

Nos dávamos prazer, estávamos sozinhos sem mais ninguém para nos atrapalhar. Sua voz ficava ainda mais bonita gemendo, e eu podia ouvi-la cada vez que rebolava com mais intensidade sobre seu colo, o fazendo ir mais fundo em mim.

E naquela noite eu descobri que, sim, os anjos sentem prazer.

Naquela mesma noite, me deitei em seus braços e distrai-me deslizando meus dedos por seu peitoral desnudo, criando um esboço de círculos constituídos de linhas imaginárias.

Eu não queria pensar no que viria à seguir. Eu não queria ter que deixá-lo ir embora, assim como ele não me deixou ir quando me salvou daquele carro. Eu deveria estar morto e ele deveria estar longe de mim, acho que ambos erramos.

— Jungkook — sua voz chamou receosa e eu não o respondi, com medo do que ele iria dizer. — Eu preciso ir.

Olhei para ele ao notar o falhar de sua voz e, pela primeira vez, vi uma lágrima descer por seu rosto, até chegar ao travesseiro.

Sim, os anjos choram.

— Eu te amo — foi a única frase que consegui dizer.

— Eu também amo você.

Selei nossos lábios e, em uma fração de segundo, eu já não sentia mais sua boca próxima da minha. Abri os olhos e encontrei o quarto vazio. Olhei para o relógio, era meia-noite e um. Ele havia me dito que hoje viriam lhe buscar e ele seria obrigado a ir embora. Ele não estava brincando, já que, assim que a meia-noite se encerrou, ele sumiu.

Foi levado embora.

Nosso último dia juntos havia chegado ao fim.

Mas, afinal, qual havia sido mesmo a causa de ele ter sido colocado em punição por uma semana como humano?

O motivo era que Taehyung me amava demais para me deixar morrer.

Seu erro foi se importar e o meu foi lhe corresponder.

Eu nunca pensei que estaria escrevendo uma carta para Deus, e não espero um remetente, apenas queria que o Senhor a lesse e me sinto grato por tê-la lido.

Sabe, quando as pessoas escrevem para você, costumam escrever palavras de agradecimento ou pedir algo. Eu não sou diferente: quero agradecer pela melhor semana que já tive, e pedir que me devolva meu anjo.

Porque, sinceramente, o Senhor já tem tantos, o que custa me ceder apenas um?

E, cá entre nós, o título de anjo pode ser seu, mas o coração, corpo e alma de Taehyung, já me pertencem.

 


Notas Finais


Bom, eu não sei se ficou claro com este final, mas a fanfic inteira se trata de uma carta que Jungkook escreveu para Deus, pedindo o Tae de volta. Toda esta história contada, na verdade, é apenas uma narração que ele faz do que ele e o Tae passaram juntos, na esperança de conseguir comover Deus de alguma forma e fazê-lo lhe deixar ficar consigo.
E não sei se perceberam, mas durante toda a fic há uma frase que se repete diversas vezes e só muda a palavra final: "Sim, os anjos sentem angústia", "Sim, os anjos sentem medo"... Então, esse na verdade foi um jeito do Jungkook dizer para Deus parar de controlar os anjos daquela forma, como se dissesse "Hey, eles tem sentimentos, sabia? Eles sentem." Levem como uma crítica indireta que ele faz.
E também, pra quem acompanha minhas fics sabe que costumo separar os intervalos de tempo com "~*~", mas nesta fic não utilizei isso por se tratar de uma carta que, consequentemente, não necessita de intervalos.
Bom, eu realmente amo finais felizes e queria muito poder escrever uma continuação alegre com o Tae voltando e tals, mas nem tudo termina bem. Mas vou deixar o final aberto para vocês ^-^ podem imaginar a continuação que quiserem, já que esta é só uma carta. Escrevam vocês a história desses dois, sintam-se livres ksks Minha professora costumava dizer que um bom autor não termina o conto, mas sim deixa os leitores livres para imaginar algo que os agrade. Bem, não sei se gostaram, espero que sim ^-^
E a todos que tiveram que aguentar os atrasos na programação de postagem da fic "Poker" por eu estar desenvolvendo essa, obrigada pela compreensão ❤
Mais uma vez, obrigada por ler!


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