História Estrelas - Três pontos

            Estou no terraço do prédio onde moro, esta noite, em especial, parece mais gelada do que as outras. Não havia trocado de roupa, estava com o mesmo vestido que usei em meu encontro com Seokijin hoje à tarde. O terraço é bem cuidado, como uma praça particular, tem alguns bancos de madeira e vasos com as flores mais diversas. Eu tecnicamente não deveria estar aqui nesse horário, não que eu me importasse com isso.

            Deitei meu corpo sobre o banco de madeira nada confortável e me permiti sentir frio e desconforto, ainda assim era melhor do que sentir esse sentimento ruim que tinha em meu peito. Olhei para o céu. Faz quanto tempo que não vejo as estrelas? Sequer me lembro. Fechei os olhos e pensei no que meu pai diria para mim agora. O que me fez lembrar de um dos momentos mais lindos de minha vida.

            Meu aniversário de 10 anos, alguns meses antes de meu pai falecer. A família toda foi para nossa casa de campo. Cavalgamos, colhemos flores e comemos torta de morango. Minha mãe colocou eu e Yoongi para dormir cedo, mas durante a madrugada, papai veio nos acordar.

            - Venham, levantem rápido – dizia ele com um sorriso malandro.

            - A mamãe vai brigar, papai – respondi com os olhos cansados.

            - Vamos antes que seu aniversário acabe, Astrid! – Yoongi, por outro lado, sequer precisou pedir duas vezes, colocou o tênis e se levantou num salto.

            Acabei cedendo. Meu pai dizia para nós ficarmos bem quietos e andarmos silenciosamente – era uma missão secreta, e nós éramos ninjas. Subimos em nossa pequena casa da árvore, que antes foi dele e se seus irmãos, e que um dia seria de nossos filhos.

            - Este, minha filha, é seu presente de aniversário, espero que o use muitas vezes e sempre com carinho. – Ele me entregou um grande embrulho azul e verde, e dele tirei o melhor presente que já ganhei: um telescópio. – Vamos, Astrid! Estreie-o!

            Coloquei a lente em meus olhos e regulei conforme às instruções de meu pai.

            - Olhe para o céu, Astrid, o que você vê?

            - Vejo estrelas, papai, muitas estrelas.

            - Faça um pedido querida.

                        Faça um pedido, querida. Naquela noite lembro precisamente do meu primeiro desejo às estrelas: pedi para entende-las. Não sabia muito bem na época o que isso queria dizer, hoje sei que o que eu queria dizer é “quero fazer astronomia” – e eu ainda quero isso, é meu maior sonho. Consegui ouvir quase claramente a voz de meu pai: “Faça um pedido, querida”. Procurei no céu a ‘nossa estrela’ e pensei se aquilo ainda funcionava, afinal, eu não sou mais criança, mas me permiti fechar os olhos e fazer meu pedido.

            - Não quero que meu namoro com Jin termine – sussurrei a elas, que sempre foram minhas melhores confidentes. Acho que acabei adormecendo em algum momento, quando abri os olhos novamente estava nos braços de Yoongi, que me carregava com um certo esforço.

            - O que está fazendo, Yoongi?

            - Levando a bonita de volta para seu apartamento. Não sabe como nos deixou preocupados, e está tão gelada quando um sorvete.

            - Estou bem, Yoongi – respondi sonolenta, aconchegando a cabeça em seu ombro.

            - Pronto, chegamos. Agora desce daí, sua preguiçosa, uma preguiçosa bem pesada por sinal.

            - Aish, Yoongi, você que é fraco – mostrei a língua para ele e me joguei em minha cama, estava prestes a dormir novamente quando Yuri entrou no quarto com duas xícaras de chocolate quente.

            - Conta para a tia Yuri o que tem te deixado tão triste – dei espaço para ela em minha cama e nos enrolamos nos cobertores, e entre goles deliciosos, contei a ela tudo o que me preocupava nas últimas semanas em relação a Jin. – Esse é um Jin que eu não conheço, acho melhor você deixar isso um pouco de lado, se permitir descansar um pouco e parar de exigir tanto de si mesma. Deixe Jin correr atrás de você um pouco! E ele gosta de você sim, As, sério, não esquenta com isso.

            - Se você diz...

            - Essa sua vibe deprê vai embora amanhã rapidinho. Ou você esqueceu que amanhã é o jogo dos meninos?

            - Esqueci mesmo... Mas estou muito ansiosa, tenho certeza de que me divertirei muito.

            - Assim que se fala! Estou sabendo que tem alguém muito ansioso para que você vá... – Yuri fez aquela cara novamente, o sorriso arteiro e os olhos de lado.

            - Sempre vou nos jogos do Jimin, dessa vez ele disse que tentará fazer sua super cesta da metade da quadra, estou ansiosa para vê-la!

            - E quem disse que eu estava falando de Jimin?

            - De quem está então?

            - Taehyung, ora.

            - Aish, Yuri! Ele é meu amigo, ou meu quase amigo, sei lá!

            - Sei bem, Astrid... – ela riu e eu joguei uma almofada nela, acabei rindo também. Era loucura imaginar Taehyung gostando de mim, estava feliz com nossa quase amizade estranha.

***

            A arquibancada estava lotada. O azul e branco – as cores de nossa escola -, eram predominantes entre os torcedores. Eu mesma estava uma torcedora completa: usava uma camisa do time que era de Jimin e acabou encolhendo na secadora, atrás dela estava escrito “Park” e o número 3, seu favorito, também estava com um short jeans e uma faixa com o nome de nosso time. Eu e Yuri ficamos com os pais de Jimin em um lugar nobre da quadra, Yuri levou uma enorme mão de espuma e parecia uma criança com ela.

            As líderes de torcida dos times entraram em quadra com as mascotes, o nosso Leão não parecia muito animado, o que era bem triste. O outro time, os Dragões, representados pelas cores preto e verde, pareciam mais animados, embora nossas líderes de torcida estarem animando mais o pessoal. Os meninos entraram na quadra, Jimin estava lindo como sempre, entrou na frente do time com a bola em mãos e uma cara de mau, sei o quanto deve ter sido difícil para ele manter essa pose de capitão intimidador, afinal, o menino é muito sorridente.

            Meus olhos então chegaram ao último da fila, Taehyung, ele parecia tímido e andava com a cabeça um pouco baixa, como se quisesse desaparecer dali. Ele caminhou até o banco e ficou sentado com mais alguns garotos, fiquei triste ao perceber que ele era um dos reservas, eu queria mesmo vê-lo jogando. Quando olhou em minha direção, acenei animada e ele deu um pequeno sorriso.

            A bola foi ao ar e o jogo começou. Os Dragões começaram na vantagem, mas o primeiro ponto mesmo foi dos Leões, feito pelo astro do time: meu melhor amigo, Park Jimin! Eu e Yuri levantamos num salto e comemoramos o primeiro ponto de nosso time, o primeiro de muitos. Nosso ataque era muito bom, e embora o deles não fosse tão eficiente, sua defesa era estupenda, devia reconhecer. E o placar estava cada vez mais acirrado, ao final do primeiro, nosso time perdia por 8 pontos. Jimin puxou Taehyung e eles vieram falar conosco na arquibancada (o que não era permitido, mas como Jimin é o capitão, às vezes consegue dar uma escapada).

            - Ei o que está acontecendo, gente? – Perguntou Yuri dando um soquinho no braço de Jimin, que mexeu nos cabelos molhados com um olhar empolgado. – Vamos virar esse placar aí!

            - Estamos trabalhando nisso, acho que no próximo tempo a gente consegue virar o placar e ganhar.

            Taehyung parecia distraído e cabisbaixo com nossa conversa.

            - Jimin, coloque Taehyung no próximo tempo! – Meu pedido recebeu as reações mais estranhas. Yuri começou a dar risada, Jimin e abraçou Taehyung de lado e o menino ficou branco como um fantasma.

            - Por que fez isso, sua maluca?

            - Você veio para jogar ou esquentar o banco?

            - Estou nervoso, é o meu primeiro jogo em um evento estudantil, acho que não vou conseguir.

            - Deixa de pessimismo, garoto! Jiminie, coloque ele no time! – Yuri pediu animada também, o que fez Taehyung ficar sem graça.

            - Vai ignorar o pedido dessas duas moças, Tae?

            - Aish, Jimin, o técnico não vai gostar, ele acha que eu sou um desastre.

            - Você sabe que não é, deixa de besteira.

            - E vai ser uma ótima oportunidade para você mostrar a ele o quanto joga bem – incentivei com um sorriso, ele sorriu e arqueou uma das sobrancelhas.

            - Desde quando acha que eu jogo bem?

            - Se você pode ver meus treinos na surdina, eu também posso ver os seus, tonto! – Ele já não parecia mais tão nervoso, estava animado mesmo. Jimin voltou para a quadra e conversou com o técnico, que nos lançava olhares malignos. Jimin fez um sinal positivo indicando que Taehyung estava dentro e o chamou de volta para a quadra.

            - É bom você torcer muito por mim para compensar o tratamento que vou receber daquele velho maluco depois do jogo – disse para mim com um sorriso, respondi com outro maior ainda.

            - Só se você fizer algumas cestas!

            Começa o jogo novamente, dessa vez, meus olhos só conseguiam acompanhar Taehyung. Ele não jogava tão vorazmente quanto Jimin, mas fazia passes excelentes e defesas incríveis. Empatamos pouco tempo depois, mas o jogo se manteve acirrado, um ponto dos Dragões, um ponto dos Leões, estava difícil virar. Nos minutos finais de jogo, quando muitos já haviam perdido as esperanças de vitória para os Leões, Jimin passou a bola para Taehyung, que nos segundos finais, fez uma cesta. Três pontos de uma vez só. A arquibancada foi à loucura, só se gritava o nome dele. Subi nos bancos junto de Yuri e nos juntamos ao coro da vitória. Jimin colocou Taehyung em seus ombros e saiu pulando por aí com o resto do time, todos estavam muito felizes. Mas o sorriso mais brilhante ali era sem dúvida o de Taehyung. Os meninos correram em nossa direção para comemorarmos junto com eles, Jimin abraçou nós e seus pais, torcedores fieis de todas as partidas. Num ímpeto, abracei Taehyung, sequer entendi porque fiz isso tão de repente, ele me abraçou com força e meu coração pareceu parar por um segundo ou dois.

            - Você foi incrível!

            - Foi só uma cesta, Astrid, não foi nada demais.

            - Foi a cesta decisiva de três pontos para o final do campeonato, Kim! – Jimin virou uma garrafinha de água sobre os dois e bagunçou os cabelos de Tae. – Aposto que o técnico vai escalar você para os próximos jogos!

            - Aish, Astrid, eu não queria isso não...

            - Não tenho culpa se você joga bem, Taehyung! Logo pode superar Jiminie!

            - Isso eu não permitirei! – Jimin virou outra garrafinha em cima de mim e saiu correndo, como sempre fazíamos quando crianças.

            Os pais de Jimin nos levaram para tomar sorvete em uma sorveteria nova da cidade. Insistimos para que Taehyung fosse conosco, e mesmo depois de muitos protestos, ele topou. Yuri tirou fotos de todos nós o tempo todo. Jimin e Taehyung com a boca suja de sorvete, os pais de Jimin tomando suas casquinhas civilizadamente e uma de todos nós fazendo careta. Quando chegamos em casa, exaustas, revelamos as fotos para colocarmos na parede.

            - Tirei essa enquanto vocês não estavam vendo... – naquela foto, eu estava com uma cara engraçada, rindo sobre algo que Jimin havia dito, Taehyung estava ao meu lado, os olhinhos fechados e um sorriso enorme, estava feliz de verdade.

            - Valeu, Yui, de verdade!

            Em meu quarto, colei as fotos na parede com fitas coloridas. Deixei a minha favorita com bastante evidência, para que eu sempre lembrasse daquele dia e do sorriso de Taehyung. Prometi para mim mesma, na presença de todas as estrelas, que cuidaria para que ele sempre sorrisse daquele jeito.