História Estrelas - Água, sabão e adeus

            A casa de Taehyung fica bem longe da escola, num bairro movimento e chique de Seoul. Precisamos ir de ônibus, e não nos falamos muito ao longo do caminho, não senti que de alguma forma fosse um silêncio constrangedor, mas um silêncio cumplice. O lugar é grande sem ser enorme, a casa é pintada em tons de branco e coral e tem um gramado impecável a cercando.

            Retirei meus sapatos molhados e os deixei ao lado da porta, Taehyung subiu e poucos minutos depois voltou com uma roupa diferente, juntamente com um par de chinelos macios e cor-de-rosa, que me fez colocar. Seguimos para a sala, provavelmente o maior cômodo do lugar, era simples e bem decorada em tons claros, pude notar diversos porta-retratos cobrindo os móveis, a maioria deles tinha fotos de Taehyung sorrindo com uma linda garota ao seu lado e uma mulher um pouco mais velha, mas com um sorriso igualmente lindo. Aquelas deviam ser sua irmã e mãe.

            Estudamos em uma grande mesa de vidro no centro do cômodo, me deixava contente o fato de Taehyung estar me explicando a matéria com tranquilidade e pacientemente para que eu entendesse tudo. Eu, por outro lado, estava distraída, não parava de pensar em Jin e Ambre estudando em sua casa, o que eles estariam fazendo? Provavelmente a mesma coisa que eu e Taehyung agora. Mas e se eles não foram só estudar? De repente, senti o dedo dele tocar levemente minha bochecha e o olhei com certa curiosidade, ele, por outro lado, agiu indiferente.

            - Por que fez isso?

            - Você está muito distraída, Astrid. Não tem como eu ensinar algo para alguém que não quer aprender.

            - Você tem razão, desculpe.

            - No que está pensando tanto? – Não respondi, não queria que ele me achasse maluca ou paranoica, mordi o interior da bochecha e desviei o olhar de seus olhos castanhos, que pareciam observar cada movimento meu. – Afinal aquele Jin é o que seu?

            - Meu namorado, há dois anos por sinal.

            - Oh, agora eu entendo. Eu também ficaria nervoso se minha namorada fosse estudar com um garoto bonito em vez de passar o dia comigo. Vai saber o que ele poderia tentar? Ele poderia mexer em seus cabelos e dizer o quanto o sorriso dela é lindo, e se de repente ele lhe roubasse um beijo? Ele certamente faria isso, e eu não estaria lá para quebrar a cara dele...

            Ele me observava com um sorriso travesso nos lábios rosados, já eu devolvia com um olhar maligno. Percebi o quanto ele parecia próximo demais de mim e me afastei um pouco, torcendo para que ele não tenha percebido. Mas claro que o danado percebeu, agora me olhava triunfante por ter me deixado corada.

            - Aish, Taehyung, pare de falar besteira – dei um tapa em seu braço e ele riu baixo, esse menino é realmente meio estranho.

            - Relaxa, Astrid. Ele não seria louco de te trair, sério. Está com fome? Eu estou. Vou fazer um lanche. Vai querer um?

            Ri da maneira como suas palavras atropelavam umas às outras e indiquei que sim com a cabeça. Eu o segui até a cozinha, que parecia ter sido usada há muito tempo. Ele colocou um avental rosa e eu ri de como ele ficou engraçado, já ele me devolveu com uma careta. Taehyung colocou alguns pães para esquentar na tentativa de fazer um misto quente ou algo do gênero. Não sei explicar como isso aconteceu, mas logo a cozinha foi tomada por um horrível cheiro de queimado.

            - Você é o pior cozinheiro que já conheci na minha vida, sério. Vamos morrer de fome se dependermos de suas habilidades culinárias.

            - Aish, pare de reclamar, Astrid – disse fazendo careta enquanto tentava desgrudar a massa preta de pão que havia grudado na frigideira. – Venha fazer algo no meu lugar já que é tão boa então.

            Acho que ele não acreditou que eu realmente faria alguma coisa, quando tirei o avental rosa que estava pendurado em seu pescoço, pareceu até assustado. Perguntei onde poderia encontrar as coisas de que precisava e fiz a única coisa que eu tinha certeza de que conseguiria fazer com maestria: macarrão com molho branco. E felizmente sua cozinha, apesar de parecer intocada, estava completamente abastecida com todos os ingredientes necessários para meu macarrão. O cheiro quente e delicioso rapidamente cobriu o desastre anterior.

            - Esse é a melhor coisa que eu como há muito tempo – chegava a ser até um pouco engraçado como ele parecia realmente feliz com minha comida, comeu dois pratos inteiros rapidamente.

            - Sua mãe não cozinha para você? – Me arrependi de ter perguntado isso logo que as palavras saíram da minha boca, parecia um assunto delicado, mas ele tentou disfarçar bem.

            - Ela faleceu quando eu tinha onze anos, meu padrasto passa mais tempo no bar do que em qualquer outro lugar, minha irmã se casou recentemente, era ela que cozinhava para mim, mas não vou obriga-la a vir aqui me alimentar. Sobrevivo basicamente de fotossíntese e delivery.

            - Também perdi meu pai mais ou menos com essa idade. Sinto muito. – Não sabia muito bem o que dizer, não queria tocar em um assunto que parecia deixa-lo triste. – Bem, eu fiz a comida, então agora você lava a louça.

            - Não! Tem que fazer o serviço completo! – Ele contrariou muito, mas finalmente consegui fazê-lo arrumar a cozinha novamente. Eu o ajudava secando os pratos e os guardando onde ele indicava. Da primeira vez que ele jogou água em mim, achei que tinha sido sem querer, mas da terceira vez, quando meu cabelo já estava começando a ficar molhado, empurrei Taehyung com o quadril e joguei uma boa quantia de água em seu rosto e corpo, que fez ele gargalhar alto. – Sua maluca! Vem para casa dos outros e fica jogando água neles!

            - Você que começou! – Falei alto, também dando risada.

            - Mas eu estou claramente mais molhado que você, não é justo! – Taehyung então me puxou pelo braço com sua mão ensaboada e jogou um pouco mais de água sobre mim. Eu o empurrei rapidamente e passei a mão sobre meu uniforme na tentativa (inútil) de retirar a água que começava a me deixar com frio. Terminamos de limpar a bagunça a tempo de ouvir a porta se abrindo, indicando que alguém havia chegado.

            - Droga. – Eu o segui de volta até a sala, envergonhada por estar desarrumada e com o uniforme molhado, o homem que encontramos ali não pareceu incomodado, pareceu até divertido com a situação, me olhando de um jeito que certamente me deixou envergonhada, o que fez eu me esconder ligeiramente atrás de Taehyung.

            - Podem voltar para a diversão de vocês, não quero atrapalhar.

            - Ela já está de saída.

            Estou?

            - Que pena – disse o homem com um sorriso, ele estava elegante, trajava um terno perfeitamente alinhado e lustroso, devia ser um advogado. – Adoraria conhecer sua nova amiga.

            Taehyung me puxou pelo braço com força e me colocou para fora da casa, entrando logo em seguida. Não entendi o que aconteceu e me sentia com uma tremenda cara de paisagem. Ele voltou rapidamente com meus sapatos, minha bolsa e um moletom vermelho.

            - Coloque isso, está frio. Vou te levar para casa.

            Não contestei e sequer perguntei sobre o que havia acontecido. Já passava das 18 horas, quanto tempo fiquei na casa dele? Parece ter passado tão rápido. Novamente não nos falamos durante o trajeto, e quando paramos na fachada de meu prédio, ele sequer olhou em meus para se despedir. Adeus - disse rapidamente e abaixou a cabeça, se afastando de mim cada vez mais rápido. Adeus? Adeus não é tchau ou até amanhã. O que este adeus especificamente quer dizer?