Ela não se moveu e, o que foi ainda mais irritante, permaneceu sentada, as mãos cruzadas no colo, o rosto pálido. Ele realmente tinha dito aquilo? Tinha sido insano àquele ponto?
No entanto, sabia que não fora a insanidade que o fizera dizer tais palavras, mas algo muito pior: a necessidade.
Porque Sasuke podia entender o motivo de Itachi ter-lhe sugerido a atitude. Viviam um impasse: Izumi e a tia adotiva vinham juntos — simples assim! E eles precisavam ser incorporados de alguma forma — pelos meios que fossem, por mais drásticos — à família real de Konoha. Apenas Izumi não seria problema, mas ela, a tia que o criara, que Izumi considerava sua mãe e que aos olhos da lei o era, isso era bem mais difícil de suportar.
E ainda assim, tinham que fazê-lo. Nenhuma alternativa. Nenhuma escolha.
E ele é quem teria que fazer o sacrifício. Itachi tinha razão e Sasuke o odiava por isso. Mas não lhe tirava a razão. A solução dada por Itachi resolveria tudo.
Um casamento de conveniência... Para todos, exceto para si mesmo!
Sentiu a mandíbula contrair-se ainda mais e inconscientemente apertou o copo redondo de licor Queria tomar outro gole, mas não devia. Já tomara vinho no jantar, para ganhar coragem, mas tinha vontade de beber até esquecer.
Por que ela não respondia? Não tinha se movido —nem um músculo. Uma onda de raiva tomou conta dele. Ela achava que era fácil para ele? Viu-se levantando o corpo e tomando outro grande gole.
Algo brilhou nos olhos de Sakura por fração de segundos.
Depois, de repente, ergueu-se.
— Você é completamente insano.
O olhar de Sasuke ficou sombrio. Devia esperar essa reação.
— Insano não, apenas prático — retrucou, em tom de repreensão. — Sente-se novamente, por favor.
Ela obedeceu e ele percebeu tê-lo feito não por obediência, mas porque as pernas dela estavam trêmulas. Os ossos do rosto sobressaíam e o sangue desaparecera da pele deixando-a muito pálida.
— Se nos casarmos, ficaremos livres de vários problemas. Já ficou decidido que sua vida passada acabou, não há dúvidas a respeito. Izumi é um príncipe e precisa ser criado como tal, nas terras de sua propriedade. Não pode ser criado distante, nem apenas por você. Mas... — inspirou fundo. — ... quando nos casarmos, esse problema imediatamente desaparecerá. Você e Izumi serão aceitos na família como uma unidade e a transição dele para a nova vida transcorrerá mais fácil, entende?
Abriu a boca, fechou-a, voltou a abri-la.
— Não, não entendo.
— Sei que é difícil compreender, quanto mais aceitar, mas...
— É a oferta mais insana, mais absurda que ouvi.
— As palavras brotaram. — Como pode dizer isso? Como pode? Não pode sentar e dizer algo assim — não pode.
Agitou-se.
— O casamento tem por único objetivo regularizar a existência de nosso sobrinho. Como minha mulher será uma Uchiha, ocupará um lugar na família real e uma posição apropriada como mãe adotiva do neto do príncipe regente. Participará de todos os eventos da vida de Izumi. O casamento será uma formalidade, só isso, pode estar certa.
Continuou antes que ela pudesse voltar a interrompê-lo:
— Pode também ter certeza de que o casamento será apenas temporário. Quando Izumi e você tiverem se adaptado à nova vida, e puderem se comportar da maneira adequada, o casamento será anulado. Precisamos observar as leis, mas meu pai concordou em sancionar uma curta duração, pouco mais de um ano, após o que, tendo o casamento servido a seu objetivo, poderá ser anulado.
Ela continuava sentada, imóvel. Ele, pelo menos, tivera as últimas 48 horas para acostumar-se à idéia proposta por Itachi para resolver o impasse.
— Não posso acreditar no que estou ouvindo. Sasuke sentia a raiva crescer e lutou para controlá-la.
— Compreendo — recomeçou —, é difícil, mas...
— Pare de repetir isso. Pare de dizer que não entendo. — Voltou a se levantar, os orbes brilhantes de emoção. — O que estou dizendo é que é insano, grotesco.
A expressão de Sasuke congelou.
— Grotesco? — A palavra ecoava como se ele nunca a tivesse querido. — Em que sentido? — Levantou-se sem perceber, deixando o copo de licor na mesinha lateral.
Ela o encarava com os olhos arregalados, o rosto convulsionado:
— Como assim, em que sentido? Em todos os sentidos. É grotesco — absolutamente grotesco — pensar em você se casando comigo.
Sasuke foi tomado pela raiva. Usar tal palavra sobre um assunto...
Já tinha suportado muito dela, feito concessões, mas ouvi-la dizer que a proposta de casamento era grotesca...
— Faria a gentileza de me explicar? — A voz era gélida.
Ela o encarou por um longo momento e depois sua expressão a relaxar lentamente.
— Que outro nome dar? — perguntou em tom baixo e decidido.
A voz de Sasuke, tensa, reprimia a raiva.
— Não vejo porque... Interrompeu-o.
— Olhe para mim. Como pode pensar nisso? Olhe para mim. É grotesco imaginar-me... casando com você...
Soluçou e escondeu o rosto. Sasuke ficou imóvel. A raiva desaparecera. Em seu lugar... uma emoção à qual não estava acostumado. Embaraço, piedade.
Então, -com a voz rouca e baixa, afirmou:
— Vamos encontrar um jeito de resolver isso.
Deitada na cama, não conseguia dormir. A seu lado, a respiração de Izumi subia e descia regularmente, sem ruído. Fitou a escuridão. Mesmo agora podia sentir a vergonha. Tinha sido um daqueles momentos terríveis, como num sonho em que se anda sem roupas pela rua, do qual se lembraria toda vida.
Como ele pôde fazer aquilo? Como podia ter dito aquilo? Como alguém naquela família insana pensara naquela solução? Sentiu um suor frio.
Grotesco, tinha chamado, e era a única palavra apropriada à simples idéia de alguém, com sua aparência, casar-se com alguém como ele, não importava o motivo.
Como se fosse apenas por sadismo, obrigou-se a pensar no assunto. Imaginou que era real. Viu as manchetes. Forçou-se a vê-las. "Príncipe Playboy e a Pílula de Veneno." "Príncipe Sasuke e sua Noiva Frankenstein." Iam ter um dia e tanto!
Arregalou os olhos sem enxergar. Sem ver nada além do cruel e implacável reflexo no espelho com o qual se deparara todos os dias.
Depois, ao lado desse reflexo, a imagem do príncipe Sasuke Uchiha. O contraste era... grotesco. Fechou os olhos, tentando banir a imagem da mente.
Toda vida soube não ser apenas pouco atraente, mas repulsiva. Era uma palavra áspera, mas era verdade. Tinha provas disso, todos os dias. Aprendera a ver, nos olhos masculinos, a imediata rejeição.
Era exatamente a reação oposta despertada por Ino, com seu porte alto e delgado, o rosto lindo os cabelos loiros, compridos.
Sakura não tinha ciúme. De que adiantaria? Ino sempre fora a mais bonita; ela, a sem-graça. Sempre
Ino, muito gentil, oferecera para tentar fazer algo para melhorar-lhe a aparência, mas ela nunca permitiu. Seria tão constrangedor. Pior do que parecer naturalmente repulsiva seria tentar não ser e fracassar.
Porque é claro que fracassaria.
"Não se pode tirar leite de pedras", costumava dizer a mãe, a boca apertada de desgosto ao olhar a filha mais velha.
Então nunca tentou. Aceitara ser como era.
Sem nenhum atrativo para o sexo masculino.
Para Izumi isso não fazia diferença. Uma criança não ligava se a mãe era bonita ou feia. Só o amor e devoção que tinha por ele importavam. Tudo de que Izumi precisava era de atenção e carinho, nada mais.
Instintivamente, esticou a mão e tocou o corpo pequeno, encolhido, afagando-lhe os cabelos.
Angustiava-se.
Quero ir para casa. Quero ir para a vila. Queria que esse pesadelo nunca tivesse acontecido. Por favor, faça com que não tenha acontecido.
Mas rezar era inútil. O pesadelo tinha ocorrido e ela fazia parte dele. Jamais conseguiria libertar-se.
"Vamos encontrar um jeito de resolver isso", dissera Sasuke.
Mas que jeito? Os Uchiha deviam estar desesperados para aceitar um casamento de conveniência temporário e transformá-la em princesa, ou melhor, numa mãe adequada para o neto do rei Fugakú.
Sentia o coração oprimido.
Não passo de um transtorno...
Depois, reanimou-se, mesmo sabendo que passara de um empecilho para a família real de Konoha, de um problema a ser resolvido.
Não me importo — não me importo com eles ou em ser um transtorno. Não ligo, exceto para Izumi e sua felicidade. Izumi precisa de mim... e só isso interessa. E por ele, faria qualquer coisa, literalmente qualquer coisa.
Exceto casar-me com Sasuke.
Sasuke tomava banho.Devia sentir-se aliviado. Mas não se sentia. Uma emoção estranha, desconfortável insistia em incomodá-lo.
Grotesca.
Como uma mulher podia dizer isso a seu respeito? Sentir-se assim?
Certo, era sem-graça. Mas não tinha culpa. Então por que parecia punir-se por isso?
Uma voz cínica ecoou em sua mente:
Ela apenas está encarando a realidade, apenas isso. Nenhum homem vai desejá-la e ela sabe disso. Sabe quais seriam os comentários que fariam às suas costas, os cochichos, os olhares de desprezo, as ofertas para confortar sua aflição em ter sido obrigado a casar com uma mulher como ela.
Silenciou a voz com brutalidade.
Deliberadamente, pensou na maneira como Sakura tratava Izumi. Sua paciência infinita, sempre amorosa e carinhosa, apoiando e encorajando-o.
Ela o criara muito bem.
Mais do que bem.
Devia ter sido difícil.
Podia ter uma vida tão mais confortável agora... Se pudesse convencê-la...
Desligou o chuveiro e saiu do banho.
Talvez não fosse ideal ter a mãe de Izumi desfilando em Konoha. Comum, sem graça , e daí? Algo podia ser arranjado, com certeza. Izumi, o filho de Kagami, não valia algum tipo de inconveniência, alguma reorganização de protocolo e expectativas?
Enrolou a toalha no corpo forte, depois pegou uma toalha de mão para secar os cabelos.
Quando Sakura e Izumi chegassem a Konoha ela poderia constatar a possibilidade de uma nova vida E ele teria que convencer Itachi e o pai a criarem condições para que Izumi e Sakura pudessem morar lá.
Não precisavam morar no palácio, nem mesmo na capital. Os Uchihas possuíam várias propriedades no principado — uma das inúmeras residências seria conveniente.
Uma villa perto do mar — eles certamente gostariam.
Podia imaginar Izumi, brincando na praia — uma temperatura mais alta, com menos vento.
Eu podia visitá-lo. Conhecê-lo melhor. Passar um tempo com ele.
Outro pensamento surgiu ao vestir o roupão.
Vou fazer algo a respeito dela, para ela. Com boas roupas, um corte de cabelo decente, maquiagem, com certeza, vai melhorar a aparência.
Seria uma gentileza para ela.
Foi deitar-se se sentindo generoso.
E, finalmente, aliviado.
......
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